A história antes dessa
Treze anos se passaram desde que seu pai lhe virara as costas pela primeira vez. A primeira de muitas, vale ressaltar. Ele tinha negócios a tratar, era o que sempre dizia. Negócios, negócios, negócios! Sempre negócios. Ela o entendia, é claro; seu pai era dono de uma das maiores redes hoteleiras da Europa e batalhara por todo o luxo que ostentava. O Evans Resort & Hotel se localizava em algumas das maiores potências européias: Inglaterra, França, Alemanha, Irlanda, Espanha, Portugal e Itália. Oh sim, era um império invejável e Lily compreendia a vida atribulada do pai. Mas um pouquinho de atenção seria bom, afinal, a menina fazia tudo o que lhe era ordenado. Isso incluía estudar numa escola apenas para meninas, freqüentar aulas de música, línguas estrangeiras, artes, hipismo e ballet. Todas as coisas que sua mãe fizera. Talvez seu pai quisesse que ela fosse como a falecida esposa, tão perfeita quanto. Mas então, por que nunca recebia um elogio? Sua mãe a teria elogiado, não há dúvidas.
Sua mãe. Não lhe restavam muitas memórias dela, era tão pequenina quando a perdera. Sabia apenas o que Jane lhe contara no decorrer dos anos. Elizabeth Mackenzie era a personificação de um anjo, era o que diziam. Linda, com seus cabelos ruivos e belíssimos olhos verdes, ela atraía olhares aonde quer que fosse. Não era apenas pela beleza que Lizzie, como era apelidada pelos íntimos, chamava atenção: ela era excepcionalmente inteligente, sempre à frente das outras pessoas; como uma boa filha de diplomata, falava quatro línguas além do inglês. Dançava ballet e jazz e era campeã nacional de hipismo. De fato, era uma jovem peculiar. Exatamente como Lily, porém, seu pai não parecia perceber isso. Algo nele havia morrido junto com Lizzie, a quem amara com todas as suas forças, isso era certo. John Evans caíra de amores por ela quando a viu se apresentando num recital de ballet em Tate Britain*. Depois de muitas investidas, finalmente Lizzie cedeu e aceitou sair com o jovem empresário. Não muito depois, Elizabeth Mackenzie se tornou a Senhora Evans. Dois anos depois, nascia Lily Elizabeth Evans, a maior obra prima que Lizzie poderia fazer. Herdeira dos fios vermelhos e orbes verdes da matriarca, a pequena Lily virou uma criança esperta e feliz, até que o câncer levasse sua mãe e consigo, a alegria da menina. E fim da história, como diria a senhora Phillip.
Não exatamente o fim, já que o martírio de Lily começara após o enterro da mãe. Oh, não entenda mal, ela não era maltratada ou sofria quaisquer abusos. Não, isso nunca. Martírio, pode-se chamar assim, porque depois da morte da mãe, a vida da menina se transformara. Nunca mais ela ganharia um carinho do pai, que passaria cada vez mais tempo enfurnado no escritório. Ele parecia esquecer-se dela e só atentava para sua presença quando queria lhe ordenar algo. Lily odiava espanhol, mas independente disso lá estava ela traçada numa sala ouvindo as ladainhas de um professor hispânico. Odiava ballet, mas independente disso lá estava ela fazendo pliés num estúdio abafado com várias meninas magricelas e esnobes. Maquiagem se resumia apenas a uma sombra tão clara e batom rosa que mal apareciam, usados para os recitais de ballet aos quais seu pai nunca ia. Amigos? Namorados? Estudando numa escola apenas para meninas e sem permissão para sair, Lily tinha sérias dificuldades de se aproximar de jovens da sua idade; na escola, suas colegas sempre acharam que ela era apenas uma riquinha metida e nunca se preocuparam em se aproximar para conhecê-la o suficiente. Sua única companhia era a fiel Jane Phillip. Graças a Deus a velha senhora existia para tornar as coisas um pouco mais suportáveis. Ela fazia tudo o que estava ao seu alcance para ajudar a menina, mas isso não era muito. A senhora Phillip tinha as mãos atadas; queria, acima de tudo, que Lily fosse uma adolescente normal, porém tinha que seguir estritamente as regras do senhor Evans ou seria demitida e afastada da menina a quem tratava como uma filha. O velho ditado vinha à tona nessas horas: se não pode vencê-los, junte-se a eles. E era isso que as duas faziam: acatavam as ordens sem pestanejar. Lily se sentia como a Rapunzel, a princesinha presa na torre pela Bruxa Má. Só que não era a Bruxa Má, era seu pai. Maravilha.
Quando queria fugir do pai, Lily corria para seu quarto. Era um cômodo imenso e o único lugar na enorme mansão onde Lily se sentia bem de verdade. O quarto tinha as paredes brancas e o piso era de madeira clara; as cortinas eram de um tecido dourado fosco, sem brilhos; havia um imenso tapete bordado com fios de ouro, uma escrivaninha antiga que Lily usava para os estudos, um sofá perolado próximo à janela, um grande espelho de corpo inteiro com bordas douradas quase nunca usado, uma lareira de mármore, uma enorme pintura de sua mãe acima da lareira, uma mesinha de canto que sustentava um abajur e por fim, a grande cama de baldaquino com cortinas de seda branca, lençóis de algodão egípcio de 1000 fios e travesseiros e almofadas. Uma cama de princesa. Era debaixo daquelas cobertas que Lily deixava de se sentir como uma prisioneira e se tornava apenas a princesinha que era quando criança. A princesinha que ainda vivia dentro dela, mas que não aparecia desde o dia do enterro da mãe, quando o pai lhe arrancara as primeiras lágrimas.
Lágrimas essas que já não lhe habitavam mais os olhos; apesar de tudo, Lily não se deixava sucumbir à tristeza, mesmo que essa fosse sua vontade e depois do funeral, as lágrimas foram secando até cessarem e pararem de cair. Às vezes Lily se sentia mais solitária do que nunca, mesmo com toda a atenção que a senhora Phillip lhe dirigia, e quando isto acontecia, a menina, agora adolescente, se refugiava em seu quarto e passava horas conversando com a pintura da mãe, admirando seus olhos brilhantes e felizes e o sorriso aconchegante, e podia jurar que ela lhe respondia. Lily sabia que era tudo coisa da sua cabeça, mas adorava imaginar que a mãe estava ao seu lado, ouvindo suas confidências e aconselhando-a. Era um mundo para onde podia fugir da solidão. Infelizmente uma hora ela tinha que sair do seu refúgio e enfrentar o mundo real. Ou mais próximo possível da realidade.
Mesmo com todas as dificuldades, Lily não perdera seu brilho. Ela nunca reclamava de nada e encarava tudo com um belo sorriso no rosto, mesmo que por dentro estivesse dilacerada. Ela agradecia pelo o que tinha e se conformava com o que não tinha. Qualquer pessoa poderia achar que ela realmente tinha tudo: uma mansão gigantesca em Londres, uma casa de campo na Borgonha e uma casa de praia na Praia Larvotto, em Mônaco; fora o jatinho e o helicóptero particulares com o nome da empresa do pai; cartão de crédito ilimitado, um closet imenso e um armário lotado com as mais lindas jóias; carros clássicos que todos dariam a vida para ter; educação na melhor escola de toda a Inglaterra; e uma conta bancária com mais dinheiro do que é possível imaginar. Uau, Lily tinha tudo mesmo. Mas não era feliz. Nada do que tinha lhe era permitido usufruir. Ela não ia à praia ou ao campo desde os quatro anos (aliás, ela não saia da Inglaterra desde criança). Os meios de transporte eram de uso exclusivo de seu pai, usado apenas em viagens de negócios. O cartão de crédito ficava guardado longe de suas mãos e closet era vazio, pouquíssimas roupas o habitavam, já que Lily n ão podia fazer compras além do essencial, e o armário de jóias era cheio de trancas cujas chaves apenas o senhor Evans detinha. Os carros ficavam na garagem e Lily não tinha permissão para ir até lá e, mesmo com dezessete anos, ela não sabia dirigir. A escola era uma tortura social que a menina tentava enfrentar de cabeça erguida. E a conta bancária só poderia ser acessada quando fizesse dezoito anos e mesmo assim sob a supervisão rigorosa do pai. Mesmo tendo tudo do bom e do melhor, Lily parecia não ter nada.
Conforme supracitado, Lily agradecia por todo o luxo que tinha e nunca reclamava do que não tinha, mesmo que isso incluísse carinho. A senhora Phillip dizia com freqüência:
- Seu pai não sabe a sorte que tem. Não sabe a filha maravilhosa que você é, sempre fazendo tudo o que ele manda. E nunca lhe diz um mero “obrigado”.
E Lily respondia sempre as mesmas palavras, com o mesmo sorriso sem vida estampado no rosto:
- Papai trabalha muito, Jane. Eu não me importo. – mas a senhora Phillip sabia que ela se importava. E se não custasse o seu emprego, ela desceria até o escritório do senhor Evans e lhe diria umas boas verdades e talvez lhe desse um belo tabefe que lhe fizesse acordar para a realidade da filha. Mas se o fizesse, perderia o emprego e ficaria longe da sua menina. Era melhor que ficasse calada.
E assim Lily ia vivendo. Acordava, tomava café da manhã e ia para a escola. Depois ia para o curso de línguas e depois para casa. Nos outros dias, o curso de línguas era substituído pelo hipismo e ballet e arte e música. Uma rotina monótona e praticamente imutável, acreditava ela.
Até o dia em que ela implorou à senhora Phillip que a levasse naquela cafeteria. Aquele seria o dia que mudaria toda a sua vida para sempre.
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n/a: êê, primeiro capítulo postado! tudo bem, ele está minúsculo, mas é tipo uma introdução, apesar do prólogo. esse capítulo é mais para contar a história da Lily antes de James, Sirius e Marlene. eu acho que ele está bem ruizinho, mas espero que gostem! :D
não esqueçam de comentar, ok?
amo vocês.
beijos,
Liv
Comentários (2)
Muiiito bom flr *-----------* ahhh amei o capitulo sensacional *-*
2012-07-22amei..
2012-04-29