Incerteza



Naquele dia eu andava armado com um arco de teixo e com uma aljava repleta de flechas. Queria sinceramente evitar de usar a varinha e retalhar o alvo mais do que o necessário; Mas de forma alguma deixara de trazer minha varinha – para o caso de encontrar o que andava uivando e comendo os rebanhos de Saint. Claire.

Lembro que andava em passos lentos, e olhava pra trás constantemente, para minha casa. Fleur e Victoire, até o ponto em que eu chegara na orla da floresta, ficaram na frente de casa, em vigília, acenando pra mim.

Com certeza, depois das ameaças do dia passado, deixá-las ali, sozinhas, era quase uma tortura para mim. Mas cada um de nós tinha coisas a fazer, e Fleur foi impassível ao me proibir de pedir qualquer tipo de auxílio da Ordem da fênix, e eu prometi a mim mesmo ser breve, já que na maior parte do tempo que eu saía pra caçar me ocupava com perseguições e brincadeiras.

Seria limpo e fácil. Rastrear, abater. Mas e se neste meio tempo... Não, não ia acontecer absolutamente nada!

Dei meus primeiros passos dentro da floresta, e aos poucos o Chalé saiu do meu campo de visão. Respirei fundo, ignorando aquela vozinha na minha mente que sussurrava para mim voltar.

-Cale a boca! – Disse, para minha cabeça. Senti-me idiota por alguns segundos, e fiquei estático quando ouvi um barulhinho.

Eram passinhos, um animal bem pequeno roçando as patas em arbustos e gravetos. Peguei cautelosamente uma flecha nas minhas costas, e posicionei no cordão do arco. Abaixei-me de costas para uma árvore, e olhei sobre meu ombro. Nada.

Era uma situação um tanto patética olhar para um bruxo caçando com arco e flechas, tendo que andar abaixado e com cuidado para o alvo não ouvir. Bem patética, até.

Puxei a corda com cuidado, e dei mais alguns passos. O som continuava, e seguia mais para dentro da floresta. Eu provavelmente assustara seja lá o que eu estivesse perseguindo. O segui silenciosamente, o mais silenciosamente possível, mesmo sem enxergá-lo por um só instante. Tive apenas um vislumbre de um vulto desfocado correndo por entre as árvores.

Não tenho bem certeza de quanto tempo passou. Notei que quanto mais eu andava, mais a floresta parecia silenciosa, e como ela estava diferente. Notei que a não ser o som que eu perseguia, não havia mais nenhum. Nenhum pássaro cantava, nenhum animal rastejava ou corria.

A floresta parecia tão morta.

Algo estava assustando os animais. Eu quase sabia a resposta, mas ela ainda era muito vaga. Era o mesmo animal que se alimentava de vacas e era a fonte de todos os problemas imediatos que me assolavam.

De repente, quando eu menos esperava, um Bill totalmente esquecido assumiu controle de mim. Um Bill que gostava de aventuras, e não calculava riscos. Um Bill que não tinha nada a perder, e que seu gosto por adrenalina era maior que seu gosto por viver. Eu via a possibilidade de enfrentar um animal bem maior que eu, ter uma luta épica, talvez com alguns membros arrancados. Quanto tempo eu não sonhava com aquilo?

Como estava se transformando em rotina, outra parte de minha mente surgia do nada para me contestar. O que eu estava pensando? Eu tinha uma mulher e uma filha! Eu podia ser sedento por lutas e aventuras quando ninguém me esperava na porta de minha casa para brincarmos ou quando ninguém rezava para mim chegar em segurança. Eu podia me sentir seguro o suficiente para combater um lobo imenso ou qualquer coisa do estilo, mas não conseguia suportar a idéia de deixar Fleur e Victoire sozinhas.

Foi quando eu notei que anoitecera. Eu estava muito longe de casa, numa parte da floresta que eu pouco explorara. Notei de repente vários pequenos detalhes que me fugiram até agora. Alguns galhos estavam quebrados, partidos ao meio como não acontecia naturalmente, marcas de arranhão, coisas que saltavam aos olhos. O vulto parara de andar. Distinguiam-se na escuridão dois pontos vermelhos. Olhos.

Droga, eu caíra direitinho na armadilha. Via agora que eu fizera um meio círculo pela floresta, e o vulto – que eu conseguia ver agora que era imenso, provavelmente duas vezes o meu tamanho – estava entre mim e o chalé das conchas.

Ele começara a avançar vagarosamente, e meu instinto me disse para recuar. Não olhei pra trás enquanto eu andava, só puxei mais a corda do arco. Senti meu esterno fisgar imediatamente. Há quanto tempo eu puxava aquela corda? Larguei o arco e saquei minha varinha.

Ele estava se movendo de modo muito estranho. Sempre se esgueirando por entre as sombras, serpeando de modo habilidoso. Como se me guiasse para seu covil. Eu quase ri. Eu não estava oferecendo resistência nenhuma àquela criatura, simplesmente aceitando o fato de que ela estava me levando para a morte.

Decidi que agora enfrentar o animal – ou seja lá o que aquilo fosse - era inevitável naquelas condições.

Apontei a varinha para ele, o que não retardou seu avanço, e sussurrei “Bombarda”.

Da minha varinha irrompeu uma faísca alaranjada que voou até o vulto. Mas nada aconteceu, ela simplesmente sumiu, como se eu estivesse tentando enfeitiçar uma sombra.

BUM

“Bum” talvez não seja a expressão correta para representar o som que eu ouvi. Faltariam letras, se eu quisesse formar uma. O céu se iluminou por um instante, e eu ouvi um guincho – talvez várias pessoas gritando – e meu coração se acelerou instantaneamente. Quando reconheci que o som vinha da direção que eu mirava – Chalé das Conchas – sem pensar, comecei a correr. Das sombras se ouviu um rugido fraco, e eu lembrei que não estava só.

-Droga. – Disse uma voz grossa, embargada de fúria. Qualquer que fosse a coisa que eu combatia, sabia falar, logo, tentei me comunicar.

-Quem é você? – Perguntei, apontando a varinha.

Obtive um rosnado como resposta, e agi tão rápido que meu cérebro mal pode acompanhar os pensamentos que brotavam nele.

Executei não-verbalmente o feitiço Incarcerous. Talvez pelo alvo agora me parecer mais real, o feitiço funcionou. As cordas prateadas que irromperam da ponta da minha varinha voaram e se prenderam à criatura. Eu ainda não conseguia ver seu corpo, tampouco seu rosto, mas consegui ouvir o baque surdo dele batendo contra as folhas secas que forravam o chão. Sem hesitar comecei a correr, e nem olhei pra trás quando ouvi o som das minhas cordas sendo rompidas.

Corri como nem eu acreditava ser capaz de correr, ciente de que ainda era ruidosamente seguido. Mas não me importava. Só esperava que aquela criatura abocanhasse minha cabeça depois que eu tivesse certeza de eu Fleur e Victoire estivesse bem.

Entre as copas de árvore consegui ver a lua cheia, e como se a lua viesse acompanhada por este som, ele ouviu um uivo. Um longo e cansado uivo, e de repente quatro ou cinco uivos – cada um de sua maneira aterrador – foram se unindo ao inicial. Quando dei por mim, estava parado, e olhei pra trás assustado. Nada mais me seguia. E agora, por mais que eu não tivesse visto-o, tinha certeza do que era.

-Fleur. – Consegui sussurrar.

O pânico me fez ofegar, e entre arfadas consegui me lançar pra fora daquela floresta sufocante. Antes não tivesse podido sair, pois nada que minha trágica mente tivesse imaginado me preparava para ver aquilo. Meus joelhos cederam, quando eu vi a cena totalmente aterradora na minha frente. Minha varinha tombou de minha mão e por instantes não pude ver nada pois minha visão estava turva por conta das lágrimas.

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