Preconceito



-Carne de coelho é nutritivo? – Perguntei, olhando para meus braços.

-O fato de você terr emagrecido não querr dizer que você não tem nos alimentado dirreito, Bill.

-De qualquer forma, eu acho que você tem razão. – Disse. Era uma manhã relativamente ensolarada e me sentia relativamente disposto, mesmo com a noite atribulada que tivera.

-Eu tenho razão sobre muitas coisas, Bill. Me diga sobre o que, exatamente? – Perguntou ela, levantando uma sobrancelha.

Ri, e respondi: - Sobre ir comprar comida como pessoas normais. Vou à vila.

-Bill, acha bom mesmo? Eu estava falando sobre irr eu mesma!

-E deixar minha mulher meio Veela ir naquele vilarejo cheio de marmanjos nojentos e tarados?

-Ah, insinuando que eu não saiba me cuidarr direito? Ou que eu possa me interresar por algum deles?

-Não é necessário lembrar que eu me garanto, amor. – Disse, a beijando.

-Até demais. – Disse ela, batendo no meu peito.

-Bem, eu estou indo. – Disse, pegando o meu brinco de presa de dragão e o colocando na orelha. Prendi meu cabelo e pus um chapéu para e proteger do sol.

Beijei sua testa e saí do Chalé das Conchas, nossa casa. Acompanhei a cerca da nossa horta para ver se havia algum estrago, e voltei para a estradinha que levava ate a vila. Passei pelo singelo túmulo de Dobby, e suspirei.

Minhas visitas à vila não eram muito... Agradáveis. Quer dizer, eu não tinha nada contra àqueles burros, ignorantes, matutos, atrasados e preconceituosos. Longe disso!

Mas eles tinham medo de mim. Fleur costumava a rir da idéia de alguém ter medo de mim. Ela conhecia o quão pacato e distraído eu costumava ser, e gostava a me comparar com papai.

Mas é isso que nos leva a analisar o significado de preconceito. Desde a primeira vez que o olhar de cada um deles pousou nas cicatrizes em meu rosto – que melhoraram bastante comparado ao que eram quando me mudei para o Chalé das Conchas -, constaram que eu era um Lobisomem, portanto, um ser inconstante, um aborto da natureza e um perigo iminente.

Mas sumir da humanidade não era nem plausível quanto mais saudável para alguém com uma filha pequena para alimentar e cuidar, o que me fazia pensar se tínhamos escolhido o momento certo para ter uma.

Quanto menos esperava, eu já estava entrando naquele aglomerado de casas.

E a brincadeira começara.

Crianças brincando nas ruas eram puxadas rispidamente por suas mães. As mais curiosas ainda me espiavam pela janela, enquanto suas mães também as fechavam. Alguns adolescentes ainda sorriam e me cumprimentavam, temerosos. “Senhor William.”, cumprimentou um garoto, chamado Jeff. O único nome que eu conhecia na vila, por mais que eu ainda não houvesse decorado seu rosto, nas duas vezes que eu já vira ele. Até os senhores bem mais velhos lutavam para ser simpáticos comigo, mas o resto fazia questão para mostrar o quão não bem-vindo eu era. Se eu pudesse estampar minha repulsa por cada um daqueles homens e mulheres eu o faria, mas ainda não havia encontrado maneira propícia de fazê-lo.

Entrei na mercearia que era meu destino desde o início, e os três homens que estavam ali, me encararam perplexos.

Se eu pudesse ler suas mentes não me surpreenderia ao encontrar as palavras “Como ele ousa dividir o mesmo ambiente com pessoas normais?”. Bufei e fui às prateleiras, retirando itens, sem ao menos ver o que eu estava pegando. Eu me interessava mesmo é nas partes que eu conseguia entender da conversa deles.

-E tem uma esposa... Tão bonita... Casar com uma aberração dessas... Mantê-la refém!!

-...Filha... montar um exército... absurdo!

Ah, agora eu estava usando Fleur, minha refém, como objeto sexual com o único intuito de procriar e formar meu pequeno exército pessoal de lobinhos? Que fofo.

Praticamente arremessei minha cesta de comprar no balcão, e sorri ameaçadoramente. Quando viu que três quartos das minhas compras eram comida, o vendedor tentou conter-se mas não conseguiu.

-Nossos rebanhos não são o suficiente para saciar sua fome?!

Pela primeira vez, minha expressão inabalável apresentou uma rachadura. Confuso, questionei.

-O que você quer dizer?

-Agora não se faça de desentendido! – Disse ele. Os seus amigos obviamente acharam que ele havia passado dos limites, afinal, não era muito astuto provocar um lobisomem, era? – Há pelo menos uma semana nossos bois, vacas e até galinhas andam sumindo! E os que são achados estão totalmente dilacerados, e até seus ossos mostram sinais de garras, arranhões.

-O-o pobre senhor n-não tem culpa de ser um... Licantropo. – Disse um segundo homem, tomando cuidado para falar “Licantropo”, como se lobisomem soasse obsceno demais, ou ofensivo.

-Eu não sei de absolutamente nada. – Disse, esquecendo-me completamente de tentar desmentir sobre o fato de minha licantropia.

-Então quem? O único lobisomem que vive por aqui é você!

-Ah, então eu devo lhe informar que eu não sou lobisomem MERDA NENHUMA! – Disse, batendo o punho na mesa. Admito, não devia ter me exaltado. Mas a lua cheia estava se aproximando e ficava cada vez mais difícil me controlar. – E a lua cheia entra amanhã, que tipo de lobisomem anda na lua crescente, seu idiota?

-Me responde você, já que és o único lobisomem por aqui.

-Eu já disse que sou lobisomem coisa nenhuma!

-Nossa vila tolerava a sua vizinhança por que nos parecia um lobisomem pelo menos controlado! Agora que atacas nossa fonte de renda e alimentação, nossa reação racional deveria ser expulsá-los de nossas redondezas! – Notei que ele segurava a varinha na mão que gesticulava expansivamente.

-Gostaria que tentasse. – Sussurrei, ameaçadoramente.

-Se é desta forma, a maneira racional de puni-lo seria queimar sua casa com você e sua família dentro.

Meu coração deu dois saltos. Me aproximei perigosamente, a ponto de nossos narizes se encostarem. Eu sentia o cheiro de medo exalando de seus poros, e sua respiração inconstante batendo no meu rosto.

Ele se afastou, mas eu me inclinei mais ainda sobre o balcão, quase subindo para cima dele, para não me distanciar nem um milímetro. Por nenhum instante passou pela cabeça daquele vendedor medíocre usar a varinha. Na verdade não devia passar nada na cabeça daquele inútil, de tanto medo que ele parecia sentir. Sua varinha na verdade, sem que eu notasse, havia tombado de sua mão há algum tempo. Olhando fundo nos seus olhos, falei cada palavra com o máximo de ameaça que consegui empregar.

-Se você preza a vida de sua mulher e filhos, nunca mais toque no nome de Fleur e de Victoire.

-Se isto é uma ameaça, senhor – Disse ele, agindo mais corajosamente de que suas pernas bambas. – devo lhe dizer que eu protegê-los-ia com minha vida!

-Ótimo. – Disse, passando a língua sobre meus caninos. – Isso significa que eu terei de abrir caminho à dentadas.

Ele arregalou os olhos e se afastou um pouco mais, batendo bruscamente numa prateleira que derrubou alguns potes de vidro, que se estilhaçaram no chão.

Sorri, e dei um tapa no cesto de compras com as costas da minha mão. O cesto voou batendo em mais outra prateleira, que não tombou por pouco. Dei as costas, e saí dali mal contendo minha fúria.

-E pode ter certeza de que reunirei o conselho hoje mesmo, à noite! – Berrou ele, assim que se recuperou do choque de pavor.

Ignorei-o. Esbarrei em pelo menos quatro pessoas quatro pessoas antes de sair daquela vila. Fleur tinha razão, tinha sido um erro ir ali!

E um erro maior ainda fora provocar aqueles homens. E se eles reunissem o conselho da vila, mesmo? E se decidissem que minha família merecesse a morte? Eu não suportaria se algo acontecesse com minha mulher, ou com minha filhinha. Isso só seria evitado se eu achasse quem andava matando os rebanhos antes que eles tomassem qualquer atitude precipitada.

Será que eu devia chamar a Ordem da Fênix para nos oferecer proteção e me ajudar na busca ao comedor-de-rebanhos? Tudo bem que eu era um bruxo exemplar no meio de uma vila de cabeças-de-vento, mas eles eram pelo menos duas centenas de cabeças-de-vento.



-Não, meu querride. – Disse Fleur sorrindo, calma. Eu podia ver a fúria em seus olhos, mesmo que ela estivesse cuidando para que eu não notasse o quão furiosa ela estava. – Estamos segurres aqui. Eles não võn nos atacarr, eles tem medo de você. Além do mais, aquele homem se mostrou um covarde, tudo o que ele falou foi da boca para fora, confie em mim! Nõn a a mínime chance de incomodarrmes a Orden du Fênix. Confie em mim.

E eu confiava. Burrice, na minha opinião, mas confiava cegamente em Fleur. Ela temia tanto quanto eu, mas ambos sabíamos que a probabilidade de um ataque era relativamente pequena.

Pena que não sabíamos que o que sabíamos não era nem metade do que acontecia naquela vila.

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