A vingança de Megan



Nos meses que se seguiram, Meg sentiu-se feliz pela primeira vez desde que viera para a casa dos Gerand. Tratar das cobras, embora soubesse que  Josiah apenas lhe dera a tarefa por julgar que esta iria aterrorizá-la, dava-lhe algo porque ansiar. Megan esperava pelo momento em que ia para o celeiro  e podia conversar com Kazeila e as restantes serpentes. Em breve, tinham feito uma amizade bastante próxima. Pelas cobras, Meg soube de muitas  coisas que ignorava sobre os Gerand, e magia em especial. Josiah falava com as cobras como se estas fossem pessoas, e embora estas não o  entendessem como a ela, percebiam as suas intenções. Soube também o quanto as cobras detestavam estar cativas, e ressentia-se por saber que  libertá-las significava que os Gerand a matariam. O seu coração apertava-se de cada vez que as deixava.
Dentro de casa, ela aprendera a adaptar-se. Depois de algum tempo, aprendera a aceitar a presença de Jean-Paul e Nina perto de si, senão como  amigos, como pessoas que ela suportava. Percebera em pouco tempo que ao contrário da sua ideia inicial, os não mágicos não eram os monstros que  acreditava. Jean-Paul e Nina eram até muito normais, para crianças naquela situação, e por isso Meg chegara à conclusão de que não adiantava fazer  deles inimigos. Uma vez, chegara mesmo a sorrir a Nina enquanto ambas faziam o jantar. Era um dos seus raros sorrisos, que normalmente guardava  para as cobras, e tinha a impressão de que Nina sorrira em resposta.
Nessa noite, a menina tinha-se aproximado dela.
- Meg? - Meg, já deitada no colchão, abriu um olho. - Meg? - Nina abanou-a um pouco, julgando-a adormecida. - Meg? Posso pedir-te uma coisa?
Megan resmungou qualquer coisa e levantou a cabeça.
- Sim? - Perguntou, interrogando-se o que Nina quereria àquela hora da noite. A menina mordeu o lábio.
- Achas que eles alguma vez nos vão deixar ir? - Nina não precisava de dizer a quem se referia. Meg pensou um pouco e respondeu, honestamente:
- Não, Nina. Eu não acho. - Pensou em quanto tempo já tinha passado ali. Já devia ter cinco anos e meio, talvez até seis. Depois de tanto tempo, ela  perdera a conta. - Acho que nos vão manter aqui até morrermos.
Ouviu Nina fungar.
- Porque é que tu nunca tens medo? - Perguntou. Meg ficou chocada com a pergunta.
- Eu tenho medo, Nina. Muito, muito medo. Mas não me serve de nada deixar que as outras pessoas o saibam. Só o iriam usar contra mim. - Explicou.  Jean-Paul saiu do seu canto e juntou-se ás duas, sussurrando:
- Eu gostava de não sentir medo. E gostava de poder fazer o que eles fazem. - Murmurou, e emendou, ao ver o ar chocado das duas raparigas. - Aquilo  da magia. Se eu fosse um feiticeiro, dar-lhes-ia uma lição.
- Eu faria o mesmo. - Respondeu Nina. Meg estava a começar a abanar a cabeça, quando uma ideia lhe entrou na cabeça.
Ela era uma feiticeira! O tempo que passara ali apenas a tinha feito esquecer que os seus pais eram os dois mágicos, e ela mágica também, pela lógica.  Mas isso não lhe servia de nada, lembrou-se. Ela podia ter magia, mas não sabia usá-la, nem tinha maneira de aprender como. No entanto, essa ideia  ficou-lhe na cabeça, e não foi desalojada até o sol nascer.

Josiah regressou de Londres, onde passava grande parte do ano, apenas alguns meses depois. Para seu grande desagrado e desapontamento, Meg não  deixara morrer nenhuma das cobras, e estas encontravam-se ainda mais bem tratadas do que quando as deixara. Assim, tudo o que ele fez foi  resmungar entre dentes enquanto atirava a menina para fora do caminho e a mandava ir preparar o quarto onde ele ficaria.
Megan sentiu uma nova mudança na sua vida depois disso. Josiah e os restantes membros da família tratavam-na com um desprezo ainda maior que o  normal, e sobrecarregavam-na com tarefas impossíveis de cumprir. Era como se tivessem levado o seu pequeno sucesso como uma ofensa pessoal, e a  estivessem a fazer pagar por isso. Para mais, Megan já não podia falar com as cobras e contar-lhes o que lhe acontecia, como fazia antes. Desabafava  com Nina e Jean-Paul, mas não era o mesmo. Pouco a pouco, a sua personalidade foi-se modificando, tal como a sua atitude. Megan desistiu de ser  dócil. A sua obediência ás ordens era agora acompanhada de sons de desprezo e olhares assassinos lançados a todos os membros da família.  Começou a ser descuidada nas tarefas, e por vezes a desobedecer por completo. Em resultado, as torturas tornaram-se numa constante para ela, tal  como a fome. Meg aprendeu a fechar a boca e a não gritar enquanto a maldição era lançada. Em pouco tempo, habituou-se-lhe de tal modo que a sua  expressão facial mal se modificava enquanto sofria as dores atrozes. Esse comportamento tinha o condão de irritar os Gerand ainda mais. Megan sabia  que àquele ritmo eles não tardariam em matá-la, e não se importava. Qualquer coisa era melhor do que viver como eles queriam. À noite, Nina e  Jean-Paul choravam e apiedavam-se tanto dela como deles mesmos, enquanto que deitada no seu colchão imundo, Meg permanecia deitada, totalmente  imóvel, com um sorriso nos lábios. Deixara de se importar com o que lhe faziam, e deixara de se importar com o que podia acontecer. Já não havia nada  que os Gerand lhe pudessem tirar, nada que lhe pudessem fazer, e essa consciência dava-lhe forças.
Ou assim pensava ela, até ao dia em que, ao levantar-se, viu Nina deitada de lado no colchão ao lado do seu, de olhos fechados.
- Não. - Avisou Jean-Paul, ao vê-la abrir a boca para emitir um som. - Ela não está. Só apanhou uma gripe.
Meg respirou fundo, aliviada. Ao mesmo tempo, a sua testa franziu-se de preocupação. Aquilo não era bom. Os Gerand esperavam-na a ela e a Nina na  cozinha, e não lhe parecia que fossem deixá-la, apesar de estar doente.
Nina pareceu pensar o mesmo, pois abriu os olhos e começou a levantar-se.
- Tenho de...- Começou. Meg e Jean-Paul ampararam-na e ajudaram-na a descer as escadas que levavam à cozinha. Meg não era capaz de deixar de  pensar que qualquer coisa ia correr mal.
Ela preparou o pequeno-almoço dos Gerand sozinha, deixando Nina a descansar, apoiada à mesa. A sua cara estava verde, o que preocupava Megan.  Nina precisava de ajuda, mas por enquanto, elas tinham de sobreviver aos Gerand. Estes exigiam que as duas servissem as refeições, e Meg tremia só  de pensar que eles podiam reparar no estado da menina e fazer qualquer coisa. Despertando Nina, e murmurando-lhe palavras de encorajamento, ela  entregou-lhe um tabuleiro e as duas entraram na sala de jantar.
A sala de jantar dos Gerand era enorme. Uma lareira ocupava-a quase toda, e uma mesa o resto do espaço. Os membros da família guardavam as  varinhas num pote junto à entrada durante as refeições. Megan já o notara antes, mas não adiantava de nada. Eles ainda eram mais, e ela não podia  lutar contra adultos.
Colocou a sua bandeja sobre a mesa, agradecendo pelo facto de nada de mal ter acontecido com Nina até aí, quando um ruído de louca a partir se fez  ouvir.
Megan virou-se, como que em câmara lenta, para ver Nina parada, com o rosto branco como papel. Ela sofrera uma tontura e deixara cair a bandeja a  seus pés. Os Gerand sentados à mesa olharam-na por um instante, incrédulos.
Então, Louis levantou-se, com um barulho.
- Monte de estrume Muggle incompetente! - Cuspiu ele, avançando para Nina. Meg viu à sua frente, em rápida sucessão, imagens do que sabia que ia  acontecer. Louis ia torturar Nina, e ele era aquele que mais lentamente se cansava de lançar a maldição. E Nina estava tão fraca, e nada habituada à  tortura. Tanto quanto Meg sabia, só tinham usado Cruciatus nela e Jean-Paul um ou duas vezes, e nunca por muito tempo. Nina era tão obediente que  nem era preciso. Morreria, caso a fizessem passar por aquilo.
Meg fez a única coisa que achou possível fazer. Ela estava mais perto da entrada do que Louis, e podia chegar à varinha dele antes do homem. Podia  parti-la, ou melhor, parti-las a todas, e os Gerand ficariam tão furiosos com ela que esqueceriam Nina por completo. Era um bom plano, e a lareira estava  acesa.
A menina levou só um segundo a reagir. Derrubou o pote das varinhas com o pé e agarrou-as antes que a pudessem impedir. Muito depressa, correu  para a lareira e atirou-as a todas, uma, duas, três varinhas, para dentro do fogo. Quando os seus dedos tocaram na última, sentiu um formigueiro na mão.  Incrédula, olhou para baixo e viu que a ponta da varinha lançava faíscas para o tapete.
Os Gerand, que tinham assistido, horrorizados, enquanto ela queimava as varinhas uma a uma, tinham finalmente reagido. Caleb e Louis avançaram para  ela, de rostos distorcidos de raiva, completamente esquecidos de Nina.
- Como é que te atreves, monte de estrume?! - O rosto de Caleb estava tão vermelho que Meg se interrogou como não explodiria. Estranhamente, ela não  sentia medo, nem quando Louis se atirou na sua direcção. Ela apontou a varinha que ainda não queimara para ele. O homem parou por um instante,  pestanejou e deu uma cotovelada no irmão. Ambos soltaram uma gargalhada.
- Ah, a Muggle quer lutar. - Riram-se. Apenas Josiah não se riu. Meg entendeu que ele devia ter visto as faíscas e entendido o que significavam. Nesse  caso, ele entendia mais do que ela, pois ela não percebia nada. E Megan sabia que tinha de impedi-lo de contar.
Quando Josiah avançou, colocando-se em frente ao pai, a encará-la com o rosto torcido de choque, ela pensou em magia. Pensou no único feitiço que  conhecia, a maldição Cruciatus. E entendeu que não queria usá-la.
- Pirralha, larga essa varinha e vamos conversar. - Os restantes Gerand encararam Josiah como se este tivesse endoidecido. Toda a atenção de Meg  estava centrada nele.
- O meu nome não é "pirralha". - Disse ela, muito devagar. Ao mesmo tempo, palavras tentavam quebrar a barreira da sua memória. As palavras de um  feitiço, um que ela aprendera há muito tempo, o feitiço que ela procurava. - É Megan Despaire. - Não teve tempo de saborear o choque em todos os  rostos excepto no de Nina, que não reconhecia o nome, pois as palavras do feitiço acabavam de chegar à ponta da sua língua. Apontou a varinha ao  peito de Josiah, e, concentrando todo o seu ódio, berrou:
- AVADA KEDAVRA!!!
Um jacto de luz verde saiu da ponta da varinha, apanhando o homem no peito. Os seus olhos arregalaram-se por um instante, antes de tombar no tapete,  com um ruído. Megan voltou a sua atenção para os restantes. Pelas suas expressões, eles acabavam de descobrir que estavam na presença de uma  menina de seis anos e meio sem treino de magia, capaz de lançar maldições da morte com uma varinha que não era sequer a sua, enquanto que eles se  encontravam desarmados.
Eles sabiam que não tinham escapatória.

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