A Casa das Cobras



Meg lembrava-se de dor. Lembrava-se de alguém a levantá-la, da sensação de materializar, de alguém a atirá-la para qualquer coisa mais macia que o  chão. Depois disso, era quase tudo preto na sua cabeça.
- Olá. - Disse uma voz. Megan piscou os olhos e tentou levantar-se. O seu corpo doía em todo o lado, e era-lhe muito difícil pensar.
- Olá? - Disse, e uma cara entrou no seu campo de visão. Não era a cara de um dos homens, e sim de uma menina da idade dela. A sua cara era muito  magrinha e suja, e o seu cabelo parecia não ser lavado há muito tempo. Meg levantou a cabeça do colchão - estava deitada num colchão - e olhou para o  outro lado. Um rapaz, também da mesma idade, e com o mesmo aspecto da outra menina, olhava-a do seu canto. - Quem são vocês? - Perguntou.  Ainda lhe doía mexer-se.
- Nina. - Apresentou-se a menina. - Nina Beauchamp. E aquele é o meu irmão Jean-Paul. - O rapazinho, moreno como a irmã, fez um gesto para ela. -  Pensei que não ias acordar. O que é que estás a fazer aqui?
- Eu...não sei?...- Tentou Meg. Nem sequer sabia onde estava. Quando tentou ver, descobriu que estava num espaço escuro, cheio de lixo. Uma cave, ou  um sótão? Apenas via dois colchões, ambos imundos.
- Eles devem ter te trazido também. - Disse Jean-Paul. Jean-Paul parecia o mais esperto dos dois, pensou Meg. Nina tinha a mesma aparência que as  suas primas afastadas inglesas que de vez em quando a vinham visitar, Pansy e a sua irmã mais velha Bertha, mas mais suja e um pouco mais  simpática.
- Eles são quem? - Quis Meg saber. Ainda sentia dores no corpo todo, mas queria saber o que se passava. - O que é que nos vão fazer?
- Eles não fazem nada. - Disse Nina, numa voz em que ela não acreditou nem um bocadinho. - Só se não fizeres o que eles mandam. Eu e Jean-Paul  estamos aqui há duas semanas, sabemos como é. Eles só nos dizem para limpar, fazer tarefas, e assim. Se fizeres como eles dizem, deixam-te em  paz e dão te de comer. Se não fizeres...- Ela fez uma pausa. - tu sabes. Eles devem ter-te feito quando te trouxeram. Aquele raio vermelho que dói.
Megan percebia mais ou menos do que ela falava, mas não percebia porque é que ela não dizia as coisas pelo nome. Maldição Cruciatus. O seu pai  explicara-lhe o que era, mas talvez os dela e Jean-Paul ainda não tivessem.
- Eu acho que é magia. - Sussurrou Jean-Paul, em tom conspiratório. - Acho que eles são todos feiticeiros. Mas a minha mãe disse-me que a magia não  existia...- Meg arfou, ao perceber que aquilo significava que aquelas duas crianças não eram mágicas. Encolheu-se, aterrorizada. Os pais tinham-lhe  ensinado que os não mágicos eram criaturas nojentas e horrorosas que viviam em cavernas e comiam criancinhas. - E tu, como te chamas? - Jean-Paul  levantou-se para a ver melhor, mas Meg gritou e recuou. Os dois irmãos trocaram um olhar e depois, por acordo mútuo, deixaram-na em paz. A menina  suspirou, encolheu-se sobre si e adormeceu.

Os dias seguintes foram os piores da sua vida. Meg acordava de madrugada e era obrigada a ir para a cozinha juntamente com Nina. Ela tentava ficar tão  longe dos irmãos quanto possível, e cumprir o que lhe mandavam tão depressa quanto podia. A casa em que a tinham prendido era enorme, e Meg não  tinha esperança de encontrar a saída mesmo que se atrevesse a tentar fugir. Em pouco tempo, familiarizou-se com a ambiente e aprendeu o que se  passava e quem eram as pessoas que a tinham prendido, os Gerand. Eram dois irmãos, Francis e Louis, mais o pai, Caleb, e o tio, Josiah. Todos  feiticeiros de sangue puro, e orgulhosos no facto. Josiah não era tão cruel como Caleb, e Francis não tanto quanto Louis, mas para ela todos eles eram  igualmente maus. Tinham-na proibido de falar na sua presença, e a apenas abanar a cabeça para responder a ordens. Como Meg também não falara  nem com Jean-Paul nem Nina depois do primeiro dia, passava a maior parte do tempo sem pronunciar palavra. Pelo menos até que um dia Josiah a  chamou da cozinha e ordenou que viesse até ao exterior.
Meg não se recordava de alguma vez sentir tão feliz com qualquer coisa. Não ver o sol durante semanas tornara-a muito pálida, e tinha saudades de  respirar ar puro. Josiah mandara-a segui-lo até ao pátio, e contornara-o com Meg a andar atrás dele. Não lhe importava muito para onde iam. De  momento, tudo em que pensava era que estava livre das paredes por alguns minutos.
Josiah levou-a até uma espécie de celeiro e abriu a porta. Megan pestanejou quando o interior foi iluminado, e susteve a respiração. Várias jaulas  empilhavam-se, cada uma delas contendo duas ou mais cobras vivas. Josiah, tomando o seu silêncio por terror, disse, com brusquidão:
- Estas são as minhas serpentes. A partir de hoje, estás encarregada da sua alimentação e tratamento. Estarei fora durante meses e não o poderei  fazer. Ficas a saber que se quando eu regressar uma delas esteja numa condição que não seja aquela em que as deixei, ou algum dos animais morrer,  serás tu a servir de alimento ás restantes. - Meg não pestanejou, nem mostrou emoção. Aprendera que era perigoso fazê-lo, vendo o que acontecia com  Nina e Jean-Paul. Eram incapazes de disfarçar o terror que a família lhes causava, e estes aproveitavam o facto infernizando a vida dos irmãos ainda  mais.
Josiah observou-a durante uns instantes antes de esboçar um sorriso perverso e abrir uma das jaulas. A cobra no seu interior, um animal de cor  amarelada com anéis pretos e mais de um metro de comprimento, deslizou para fora.
- Tratar delas envolve colectar o seu veneno e polir as escamas. Esta aqui - apontou para a cobra que agora percorria o chão - é Kazeila, uma serpente imperial. - Meg continuou sem pestanejar, de olhos fixos nos da serpente. - Ela é a tua primeira tarefa. Aquilo - Josiah apontou para uma jaula coberta, e destapou - a com um gesto da varinha - é ração!
Dentro da jaula encontravam - se vários ratos vivos. Megan fez uma pequena careta de repulsa, mas estendeu a mão ainda assim. Enfiando o braço nas grades, retirou um dos ratos que guinchavam e se debatiam.
- Não, não. - Troçou Josiah, ao vê - la fazer tenções de colocar o rato no chão. - Kazeila prefere que lhe levem a comida à boca.
Por aquela altura Meg já sabia que ele tentava aterrorizá-la, mas não demonstrou qualquer emoção. Sabia que Josiah estava espantado por ela ainda não  ter gritado, e sorriu interiormente. Cobras não a assustavam. Kazeila até a lembrava bastante de Cassandra, embora fossem muito diferentes em  aspecto.
- Aqui, Kazeila. - Murmurou ela, em serpentês, tão baixo que Josiah não a ouviu. A cobra, escutando-a, disparou na sua direcção e saltou para a sua  mão, engolindo o rato que a menina segurava de uma só vez. Esta chegou até a fazer uma pequena carícia na cabeça da cobra antes de, sem  autorização de Josiah, lhe pegar e colocar de volta na jaula.
A sua expressão, ao virar-se para encarar o homem, era quase de desafio.
Josiah não disse nem uma palavra. Com um gesto rude, indicou-lhe que saísse, e fechou a porta atrás de si.

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