Capitulo 1



— Gina?


 


Imediatamente ela reconheceu a voz de seu agente. Sentiu a esperança crescer em seu coração.


 


— Boas notícias — Carew falou animadamente —, e desta vez não se trata de anúncios para televisão. É um bom papel num filme. Está interessada?


 


— Depende — ela respondeu, cuidadosamente, com sua voz profunda, rouca e sensual. Apesar de ser uma mulher muito bonita e atraente, Gina não queria aceitar papéis que vendes­sem seu corpo. A princípio, Carew não acreditou que ela fosse resistir às milionárias ofertas que lhe eram feitas, mas o tempo provou que estava errado. Mesmo em épocas difíceis, ela pre­feriu trabalhar em escritórios e lojas a fazer cenas de sexo.


 


— Sua parte no filme é uma beleza — Carew continuou. — Vai gostar muito. Já mandei o texto pelo correio e vai recebê-lo logo. Temos um almoço marcado com o diretor amanhã, no Savoy.


 


— Quem é ele, Carew?


 


— Guy Holland. Só isso já basta, não é? Trabalhar com ele é um privilégio. Guy já tinha o elenco formado, mas viu você no anúncio de xampu da televisão e me ligou. E uma sorte, Gina. A maior parte do filme vai ser rodada na Espanha e ele só está aqui de passagem.


 


— Mas só de me ver no anúncio ele já achou que eu era a pessoa ideal? — Gina estava desconfiada...


 


—  Guy é um perfeccionista. Achou seu tipo físico perfeito para o papel e...


 


— Mas qual é o filme, Carew?


 


Gina conhecia Guy Holland. Ele realmente era um grande diretor, além de possuir um incrível carisma...


 


— Bem, é sobre Ricardo I. Guy acha que é um dos enredos mais bem escritos que ele já teve em mãos. O autor é desco­nhecido e ninguém sabe exatamente quem é.


 


— E qual a personagem que me foi reservada?


 


— A de Joana, irmã de Ricardo. É um papel excelente, Gina. Dei uma olhada no roteiro e já foi o suficiente para me conven­cer que é perfeito. E Guy não estava exagerando quando disse que há uma dúzia de atrizes famosas querendo viver essa per­sonagem.


 


— Bem, então, certamente está com pouco dinheiro para fa­zer o filme e por isso me escolheu. Meu cachê é mais baixo, não?


 


— Não é nada disso, garota. Já lhe disse por que Guy a quer no filme. Ele detesta atrizes que precisam usar perucas ou len­tes coloridas para ficarem parecidas com a personagem que vão viver. Você tem a cor e o comprimento certo de cabelo. E sua pele clara, com algumas sardas, a torna uma perfeita Joana! A primeira coisa que Guy me perguntou foi se seu cabelo era ruivo natural.


 


Gina lembrou das brigas que tivera com Carew quando ele insistira para que ela cortasse o cabelo a fim de fazer o tal anúncio do xampu. Ela não concordara e, pelo jeito, fora para seu bem.


 


— Como é, está animada?


 


— Sou capaz de ficar, depois de ler o roteiro.


 


—  Não precisa se preocupar. Não há cenas de sexo, pelo menos para você. Já me certifiquei disso. Bem, o roteiro deve estar chegando à sua casa. Leia com calma e depois me telefone dizendo o que achou.


 


Quando Gina colocou o fone no gancho, procurou não se deixar influenciar pelo entusiasmo que crescia dentro de si. Um papel tão bom era mais do que tinha sonhado. Vivia e traba­lhava em Londres, mas sabia que, em matéria de produção de filmes, a capital inglesa deixava muito a desejar. Além disso, sua insistência em não aceitar papéis com cenas de sexo dimi­nuía muito suas chances de aparecer. Carew nunca tinha en­tendido o porquê disso, já que, quando a conhecera, ela acabava de estrelar seu primeiro filme, muito aplaudido, em que vivia fortes cenas de amor. Ela havia interpretado a amante de Sha-kespeare, Mary Fitton de Gawsworth.


 


Lembrava que tinha se entregado ao papel com todas as suas forças. Mergulhara na personagem e muitas vezes se pergun­tava se não tinha até adquirido a licenciosidade de Mary Fitton. Podia ser... Isso até explicaria o fato de ela ter...


 


A campainha interrompeu seus pensamentos. Devia ser o carteiro. Foi até a caixa do correio e realmente encontrou o pacote do script. Pegou-o e voltou para casa.


 


Seu apartamento era pequeno, mas muito bem decorado. Gina herdara o bom gosto dos pais, que tinham sido decoradores famosos. Infelizmente, eles haviam morrido há seis anos, num acidente aéreo, e ela ficara sozinha no mundo.


 


Tinha sido uma época difícil. Acabara de entrar na escola de arte quando o acidente aconteceu. Precisou então trabalhar e começou a aceitar pequenos papéis. Tinha dezenove anos quando surgiu a grande oportunidade de viver Mary Fitton. Draco Malfoy, um ator que estava fazendo carreira, ia ser Shakespeare.


 


Depois do filme, Draco ficou famoso até no exterior e Gina lembrava com carinho das cenas que viveram juntos. Eles se davam muito bem e ele tinha um senso de humor que a desinibia para representar as situações amorosas.


 


Já com Harry Potter tinha sido bem diferente! Ele fazia o papel do Conde de Southampton, o outro famoso amante de Mary Fitton.


 


Gina estremeceu, só de lembrar como era visível o desejo que os dois transmitiam nas cenas de amor. Não fora à toa que tudo parecera tão real! Era engraçado! Com Draco tinha feito seu papel com muita tranquilidade, mas com Harry... sim­plesmente não conseguia relaxar! Aliás, fora por isso que...


 


Interrompeu o curso dos seus pensamentos. Não ia mais pen­sar no passado. Agora tinha um futuro para cuidar. Pegou o pacote do script e o abriu. Sentou-se numa poltrona e começou a ler. Logo de início, a história prendeu sua atenção.


 


Horas mais tarde, virou a última página. Era como se tivesse saído do século XII. Tinha ficado totalmente absorvida pelo tex­to tão bem escrito.


 


Contava a história de Ricardo I, terceiro filho de Henrique II e de sua esposa Eleonora de Aqúitânia. O futuro rei era adorado pela mãe e odiado pelo pai.


 


Gina ficou impressionada com o autor do script, que conse­guira descrever com tanta sensibilidade a vida daquele homem sempre dividido entre o dever e os sentimentos. Ela não conhe­cia o suficiente de História para saber o quanto de verdade havia no roteiro, mas tudo indicava que o tema havia sido muito pesquisado pelo autor, já que descrevia tão bem o desespero de Ricardo por amar um homem, um cavaleiro do seu reino.


 


A parte de Joana não era muito grande, mas a de nenhuma mulher era. Além dela só havia Eleonora, mãe de Ricardo, e Berengária, sua esposa. Ainda bem que Guy pensara nela para fazer Joana!


 


Havia muitos filmes sobre Ricardo I, mas todos sobre sua atuação na Terceira Cruzada, que, na verdade, ocupara um período curto de sua vida. Esse não. Esse abordava um outro aspecto daquela personalidade tão complexa.


 


E ela, como Joana? Aparecia em três cenas principais: a pri­meira, quando o irmão, Ricardo, a acompanhava na viagem através da Espanha, para conhecer e se casar com seu primeiro marido, William, da Sicília, um homem cujos cinquenta anos contrastavam brutalmente com os dezessete de Joana. A se­gunda, quando Ricardo, a caminho da Cruzada, ia para a Sicília com seu exército e a resgatava das mãos do seu cunhado, Tancredo, um homem sem escrúpulos, que a tinha tomado sob tu­tela quando William morrera. A terceira cena era aquela em que ela renunciava ao homem que amava, um dos cavaleiros de Ricardo, e concordava em se casar com Raymond de Toulouse, seu segundo marido.


 


Carew não tinha exagerado. O papel era realmente ótimo. Gina correu para o telefone e discou o número do agente.


 


— Alô, Carew?


 


— Ouvir você é como mergulhar num pote de mel! — o agente respondeu brincando. — Guy não conhece sua voz e isso vai ser um presente extra para ele. Bem, já leu? O que achou?


 


— Ah, você já sabe... É maravilhoso!


 


Agora ela acreditava que Carew não tinha mentido ao dizer que muitas atrizes famosas quiseram o papel. Ainda bem que Guy era um perfeccionista e preferia profissionais fisicamente parecidos com os personagens.


 


— Ótimo! Então... vamos ver o que fica acertado amanhã. Mas não se preocupe. Assim que Guy bater os olhos em você, vai ter certeza de que é a pessoa certa para viver Joana.


 


— Quem vai ser Ricardo?


 


— Um velho amigo seu! Draco Malfoy! Guy não gosta mui­to dele, mas acha que para esse papel vai funcionar. Mesmo porque Draco vai tornar Ricardo simpático e atraente, já que é um tipo de sucesso com as mulheres.


 


Gina procurou pensar no amigo como Ricardo. Era um papel que exigia muito. Sem dúvida, ele era bom ator, mas ia precisar de toda sua sensibilidade e fôlego, agora. Não ia ser fácil!


 


—Não se atrase, amanhã — Carew recomendou.


 


— De jeito nenhum!


 


Gina desligou. Estava curiosa de conhecer Guy, porém, mais ainda, o autor da peça. Seu modo de escrever, o jeito de colocar as palavras a tinham tocado profundamente, criando uma liga­ção entre ela e o texto, como algo inseparável e conhecido.


 


Gina passou toda a manhã do dia seguinte na biblioteca pública, de onde saiu com uma pilha de livros. Todos eles fala­vam de Ricardo I, sua vida, suas batalhas, seus amores. Ia lê-los todos, para poder interpretar melhor o seu papel.


 


Chegando ao apartamento, tratou de se arrumar para o al­moço no Savoy. Escolheu o vestido de seda cinza, quase do tom de seus olhos. Passou pouca maquilagem e deixou que os cabe­los lhe caíssem nos ombros naturalmente. Se Guy queria ver uma ruiva, ali estava ela!


 


Chegou ao restaurante na hora combinada. Foi levada para uma mesa reservada, num canto mais tranquilo. Carew não conseguiu esconder a admiração que sentiu ao vê-la. Ao seu lado estava um homem alto e elegante, de pele muito bronzea­da, que não tirava os olhos dela. Ao se aproximar, ele lhe es­tendeu a mão.


 


Sabia que Guy seria o primeiro a falar, mas a pergunta que ele fez foi tão inesperada que ela quase não soube o que res­ponder!


 


— É casada? — Guy observava a aliança que ela usava no anular esquerdo.


 


— Sou... sou divorciada. Carew entrou na conversa.


 


— Imagine! Gina foi casada com Harry Potter, mas por muito pouco tempo.


 


— É mesmo? — As sobrancelhas grossas de Guy se uniram no meio da testa. — Conheço-o muito bem, mas não sabia que ele havia sido casado.


 


— Ele quer esquecer esse caso, do mesmo jeito que eu — Gina respondeu e olhou zangada para Carew.


 


Por que ele tivera que tocar no assunto? Devia saber o quanto era terrível para ela falar sobre seu casamento curto e desas­troso com Harry Potter. Ainda mais porque seu casamento tinha terminado quase antes de começar. Ela casara por lou­cura e ingenuidade, e Harry pelo sentimento de culpa. Logo na noite de núpcias, tudo dera errado! Ainda bem que Draco Malfoy estava por perto para ajudá-la! Sem ele...


 


— Sei que já leu o roteiro. — A voz de Guy a trouxe de volta à realidade. — O que achou?


 


— Maravilhoso! — Os olhos dela brilharam. — É uma his­tória tão interessante e me envolveu de tal forma que é como se eu conhecesse o autor. Ele deixa muito clara a angústia de Ricardo e faz a gente sentir as amarguras que o rei teve de enfrentar. — Ela se interrompeu. — Desculpe, devo estar re­petindo o que todos já falaram...


 


— Sim, ouvi muitos elogios ao roteiro, mas, para ser sincero, você é a primeira pessoa que fala sobre o autor com tanta emo­ção. Acha que dará conta do papel?


 


— Espero que sim. Durante o filme, Joana passa de menina a mulher. Terei que me concentrar para viver as duas situações, mas é um desafio maravilhoso. Quando Joana se apaixona pelo cavaleiro de Ricardo, ela ainda é uma criança, mas quando se entrega é como mulher e já sabendo que terá que se casar com Raymond de Toulouse. É uma personagem fascinante e difícil, mas espero interpretá-la com perfeição.


 


—  Soube que se recusa terminantemente a fazer cenas de sexo — Guy disse, mudando repentinamente de assunto. — Por quê?


 


Gina estremeceu, sentindo as palmas das mãos úmidas. Lu­tou para se controlar.


 


— Porque acho que a verdadeira sensualidade é aquela im­plícita, e não a exposta.


 


— Humm... Não creio que os atores que vão fazer Ricardo e o cavaleiro pensem da mesma maneira. Para eles, aliás, o ro­teiro exige cenas de amor físico.


 


— Mas... pelo que li... achei que eles... — Gina ficou corada e confusa.


 


— Continue. Eles... o quê?


 


—  O amor deles me pareceu absolutamente emocional! — Gina não conseguia encontrar palavras que pudessem descre­ver a tristeza que sentira ao ler a história.


 


— Só espero que a censura pense como você.


 


A refeição foi servida e já estavam quase no fim quando finalmente Guy anunciou que o papel de Joana seria dela.


 


— Talvez a opinião dos outros interessados no filme não seja a mesma, mas acho que é perfeita para ser Joana — Guy co­mentou.


 


Ele continuou falando sobre os outros atores. Berengária se­ria vivida por uma atriz sensual.


 


— Não fui eu que escolhi Tina Frey para ser a esposa de Ricardo — Guy explicou. — Ela me veio às mãos junto com o roteiro. Como eu queria fazer esse filme, tive que aceitá-la.


 


 Gina se perguntou se o autor e Tina Frey estavam vivendo algum tipo de romance, só podia ser, já que ele insistira para ela aparecer no filme. Não ia perguntar, mesmo porque não era de sua conta. Começou a fazer perguntas sobre as datas e as sequências do filme. Soube então que a maior parte seria ro­dada na Espanha, onde havia castelos, áreas desertas e espaço suficiente para montarem os cenários que recriariam a atmos­fera do século XII.


 


Terminado o almoço, foram para o escritório de Carew para assinarem o contrato. Ficou acertado que ela iria para a Espa­nha até o fim do mês. Guy se despediu e combinou que a en­contraria lá.


 


— Eu vou, Carew — Gina disse —, porque, afinal, não tenho nada que me impeça.


 


— Faz muito bem. É uma oportunidade única. Mas não se esqueça de comprar um protetor solar. Vai filmar na Espanha durante o verão todo e não pode se arriscar a um bronzeado excessivo. — Ele fez uma pausa, para logo em seguida pergun­tar: — Por que será que Guy quis saber se era casada?


 


Carew nunca entendera por que Gina era tão reservada em relação ao casamento. Harry Potter era famoso e respeita­do, e seu nome poderia ter aberto muitas portas para a carreira dela. No entanto, ela nunca falava sobre o marido. O próprio Carew só tinha sabido do casamento pelas notícias dos jornais. Lembrava que o romance havia começado quando trabalharam juntos, ele como Southampton, ela como Mary Fitton.


 


No fim das filmagens tinham se casado. O elenco fizera uma grande festa para comemorar o acontecimento, mas... depois de uma semana, tudo estava acabado.


 


Na época, Harry Potter havia concedido entrevistas à imprensa e dissera que, assim como Mary Fitton, sua esposa estava dividida entre dois amantes, não sabendo exatamente qual escolher e, no fim, se decidira pelo errado.


 


Carew tornou a olhar para Gina. Se Harry estivesse certo em suas declarações, então Gina e Draco tinham sido amantes, e, se fosse assim...


 


Gina estava pensando no seu novo papel e não se deu conta de que Carew a observava com atenção. Queria voltar para casa, para seus livros. Queria entrar naquela época da história da Inglaterra, da qual faria parte.


 


Esse contrato tinha caído do céu! Se ficasse mais algum tempo sem um bom papel no cinema, era capaz de desistir da carreira. Ainda bem que Guy a vira na televisão e ficara inte­ressado!


 


Ia viver Joana com uma intensidade que chamaria a atenção do público e dos críticos. Seria a mimada princesa Joana, que se converteria na mulher madura que aprenderia a aceitar o que a criança não tinha conseguido.


 


Pobre princesa! Ela não passava de um joguete, vendida e comprada de acordo com os interesses do reino...


 


 
Continua...

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