Capitulo 1



Gina saiu de seu pequeno carro e alisou a saia do conjunto elegante antes de olhar com uma expres­são ansiosa na direção do prédio. Eram dez para as nove, e o estaciona­mento já se encontrava quase cheio; naquele dia o novo dono da compa­nhia faria sua primeira aparição oficial.


 


Ela se encontrava em férias quando aconteceram as negociações ines­peradas, que resultaram em mudanças na cúpula da empresa, mas seus colegas vinham comentando esse fato sem parar.


 


Não era nenhuma novidade que Alan Hardy, o proprietário da pequena construtora, praticamente perdera o interesse pelos negócios depois da morte trágica do filho. Mas ninguém esperava que ele fosse vendê-la para alguém de fora da cidade, ainda mais para alguém que provavel­mente veria a pequena firma apenas como mais um item em seu crescen­te império comercial.


 


Gina, no entanto, sabia que seu emprego estava seguro; pelo menos fora tranquilizada nesse sentido. Trabalhara para Alan como secretária e assistente particular desde sua volta de Londres, oito anos atrás, e gos­tava muito do trabalho, embora nos últimos tempos precisasse conferir duas vezes quase tudo que o patrão lhe dava para fazer.


 


Alguns funcionários se enfureceram pela maneira como Alan mantivera a venda em segredo; ela própria não ficara sabendo de nada, mas, em vez de raiva, tinha compaixão tanto por Alan como por sua esposa, Mary.


 


A morte do filho num acidente de automovel destruíra suas vidas e as esperanças de futuro. Era natural que Alan se desanimasse e perdesse o interesse pelos negócios.


 


Gina suspirou. Confiava em sua capacidade de trabalhar em harmonia com o novo patrão, que, segundo lhe haviam dito, pretendia deixar um gerente encarregado da direção cotidiana da firma e apenas a visitaria uma vez por semana. Dessa forma, ela teria de trabalhar com o ge­rente nomeado.


 


Durante o fim de semana, porém, Draco, seu namorado, expressara dúvidas desagradáveis quanto a sua competência para desempenhar as funções de secretária de um empresário bem-sucedido.


 


Os comentários a aborreceram, contudo ela refreara os sentimentos. Draco mantinha uma postura um tanto antiquada a respeito das mu­lheres, e Gina culpava a mãe dele por isso. Tratava-se de uma daquelas mulheres que, enquanto tentavam se mostrar indefesas e dependentes, eram na verdade manipuladoras e dominadoras.


 


De maneira deprimente, começava a tomar consciência de que o tem­po que passava com Draco costumava deixá-la irritada e em desacordo com ele.


 


Os dois se conheciam desde pequenos, embora apenas nos últimos dois anos tivessem começado a namorar.


 


No Natal, Draco insinuara que estava pensando em ficar noivo, po­rém ela evitara o assunto. No entanto, viver numa comunidade tão pe­quena se tornava difícil para uma mulher solteira, se não tivesse uma com­panhia masculina para os eventos sociais. Mulheres solteiras entre vinte e cinco e trinta anos eram vistas com certa suspeita pelos reacionários locais.


 


Gina tinha amigas, claro, garotas com quem estudara e que depois haviam se casado e constituído família. E, para ser honesta, preferia se divertir na companhia delas a seus encontros geralmente maçantes com Draco.


 


Sua mãe já havia comentado com certa secura que uma vida inteira com Draco parecia tempo demais, e Gina se sentia inclinada a con­cordar. Mas Draco representava estabilidade e respeitabilidade, e ela pos­suía seus próprios motivos para crer que precisava dessas características em sua vida.


 


Ao caminhar na direção do prédio de escritórios, ia respondendo com amabilidade as saudações que recebia dos homens que se encontravam no jardim, enquanto ignorava a maneira como olhavam para suas pernas.


 


Já havia passado por eles e, quando estava prestes a abrir a porta, ou­viu um deles rir, o que a fez corar imediatamente. Não tinha idéia da razão do riso; talvez nem mesmo fosse ela, mas no instante em que o ouviu quis correr e se esconder.


 


Era ridículo carregar aquele fardo, do qual não conseguia se libertar, e tudo por causa de um erro, uma tola falha de julgamento na adoles­cência... Não importava quantas vezes tentasse argumentar consigo mes­ma que aquele erro não significava que tivesse de se punir pelo resto da vida, jamais fora capaz de afastá-lo da mente e ignorá-lo.


 


Em seus momentos de mais profundo desespero e infelicidade, chega­va a se perguntar se não valeria a pena conversar com alguém a respeito, mas então o antigo pânico voltava, fazendo-a se lembrar de seus esfor­ços para se certificar de que ninguém, especialmente nenhum homem que olhasse para ela, jamais pudesse pensar que era o tipo de mulher que...


 


Gina percebeu, ao correr para seu escritório, que estava tremendo. Por que tinha de escolher justamente aquele dia para começar a se preo­cupar com o passado? Naquele dia tinha de se mostrar mais alerta e efi­ciente do que nunca. A única coisa que ouvira sobre o novo dono da construtora era que não havia lugar em sua organização para emprega­dos improdutivos ou pouco dedicados. Aparentemente ele possuía pa­drões altíssimos e esperava que seus comandados correspondessem a eles.


 


Era desnecessário dizer que já houvera uma sucessão de resmungos entre os funcionários sobre as mudanças que fatalmente aconteceriam.


 


Gina não precisava que ninguém lhe dissesse que a firma não era muito produtiva, que os lucros eram pequenos, ou que os operários não eram distribuídos com eficiência, que o mestre-de-obras costumava fazer vista grossa para certos procedimentos que resultavam em prejuízos para a fir­ma. A única razão para a companhia ainda permanecer na ativa era o fato de ser a única construtora razoavelmente grande naquela região. A cidadezinha mercantil servia uma grande área rural, e nos últimos tem­pos simplesmente não houvera suficiente potencial de negócios para atrair concorrência.


 


Agora, entretanto, as coisas estavam mudando; pessoas se mudavam para os arredores e compravam velhas propriedades, fazendas e celeiros vazios, e Gina suspeitava que, se a construtora não tivesse sido com­prada, uma firma rival logo se estabeleceria ali, liquidando-a. Muitos dos empregados, porém, ou não conseguiam ou não queriam aceitar o fato, e por conseqüência a venda da companhia era causa de muito ressen­timento.


 


Apenas dois de seus colegas tiveram algo de bom a dizer sobre ele; um fora sua assistente, uma bela jovem de dezoito anos recém-saída do colégio, que lhe dissera que o sr. Potter era muito bonito para alguém tão velho, e que, se não fosse por seu Danny, talvez tivesse se apaixonado.


 


Gina rira ante o comentário, afinal sabia pelo que Alan lhe dissera que Harry Potter, na verdade, nem tinha trinta e cinco anos. E era, segundo o patrão, "um homem de negócios inteligente, mas pouco con­vencional".


 


Certamente era inteligente. O próprio pai de Gina confirmara o fato. Trabalhava num banco em Londres e preferia ir e voltar todos os dias a morar num ambiente mais urbano, e fora ele quem revelara todos os detalhes da vida profissional do novo patrão para Gina. Pouco se sabia de sua vida particular, além do fato de ser solteiro.


 


Uma de suas amigas brincara com ela àquele respeito:


 


— Bem, ele só pode ser uma melhoria, se comparado a Draco. Meu Deus, Gin! Ele é tão chato que não sei como você aguenta. Quero di­zer, hoje em dia todas nós sabemos que um relacionamento duradouro não se resume a sexo excitante e abrasador. Segurança é uma coisa, mas Draco é outra. E a mãe dele...


 


Gina tivera de rir. Anna costumava dizer aquilo que pensava, sem rodeios. Gina não se ofendera; sabia que as intenções da amiga eram boas, embora, naquilo que lhe dizia respeito, a idéia de ver seu novo pa­trão como uma possível fonte para um novo romance em sua vida esti­vesse completamente fora de cogitação. E, de qualquer maneira, pelo que ouvira falar de Harry Potter, ele era o tipo de homem que sem dúvida gostava que as mulheres com quem saía fossem atraentes e interessantes, o que ela certamente não era.


 


Ao entrar apressada no vestiário, lançou um rápido olhar de desapro­vação para seu reflexo no pequeno espelho. Era baixa, mas tinha formas esguias. Da mãe herdara a pele clara e os cabelos ruivos, e do pai os olhos de um azul intenso e profundo. Uma combinação incomum, que, aliada à delicadeza do rosto e aos lábios carnudos, costumava atrair os olhares masculinos.


 


Os homens que a conheciam, porém, logo descobriam que suas ma­neiras não correspondiam à aparente sensualidade de seu rosto e corpo. "Reprimida" era como os mais grosseiros a descreviam, geralmente de­pois que seus avanços eram rechaçados. Outros, menos críticos e sem o ego ferido para acrescentar maldade aos comentários, diziam que ela era um tanto quieta e retraída.


 


Sabia muito bem o que os homens pensavam a seu respeito, mas não se importava; aliás, preferia que a considerassem afetada e inacessível. Uma vez as coisas haviam sido diferentes. Uma vez...


 


Gina engoliu em seco, apanhando a bolsa e indo para a porta. Falta­vam cinco para as nove e tinha coisas muito mais importantes com as quais se preocupar além do passado.


 


Mais tarde ela se perguntava se não teria, de alguma forma, experi­mentado uma premonição, uma consciência que a lógica e a razão não lhe permitiam avaliar... Mas isso foi depois, quando era tarde demais para tomar uma atitude evasiva ou para dar ouvidos aos avisos que seus ins­tintos lhe enviavam.


 


Embora todos os requisitos legais da venda da construtora já estives­sem cumpridos, Alan, seu antigo patrão, entregaria pessoalmente o con­trole da companhia a Harry Potter naquela manhã, numa curta cerimônia, marcada para as dez horas, onde o novo dono seria apresentado aos funcionários.


 


Quando abriu a porta do pequeno escritório que dividia com Evie, a garota já se encontrava sentada à mesa telefônica. Ela sorriu para Gina e fez um gesto com a cabeça na direção da porta interna.


 


—  Alan chegou há alguns minutos. Não parece muito bem. Eu lhe ofereci um café, mas ele recusou.


 


Diferente de Gina, Evie trajava uma camiseta de cores vivas que com­binava com o short igualmente brilhante. O cabelo loiro estava preso no alto da cabeça num emaranhado de cachos desarrumados, e os brincos de plástico roxo destoavam bastante do vermelho-sangue do batom.


 


A aparência das duas não poderia ser mais contrastante, assim como alguns outros traços de personalidade, Gina reconheceu com pesar. Evie, com dezoito anos, parecia tão colorida e brilhante quanto um papagaio, enquanto ela, com vinte e seis, trajava um sóbrio conjunto azul-marinho e blusa branca. Seu cabelo, de corte clássico, parecia tão desinteressante e sem atrativos quanto o de uma secretária devia ser, disse a si mesma com firmeza, ignorando o ligeiro desânimo que comparar-se a Evie lhe provocou de repente.


 


—  Ele ainda não chegou — Evie comentou num tom conspiratório. — Imagino que tipo de carro deve ter. Algo grande e luxuoso, pode apos­tar. Provavelmente esportivo. Ele com certeza vai agitar este escritório. Danny disse ontem à noite que agora veremos um pouco de ação.


 


Danny, o namorado de Evie, também trabalhava na construtora, co­mo aprendiz de carpinteiro. E era um empregado tão dedicado e esforça­do quanto sua namorada.


 


Depois de recolher a correspondência e de servir uma xícara do café fresco para Alan, Gina entrou no escritório do patrão e sentiu uma pon­tada no coração ao vê-lo. Mesmo depois de dois anos, a morte do filho ainda o afetava intensamente: parecia um homem que perdera todos os objetivos e motivação para viver. Gina também suspeitava que come­çara a beber demais, pois uma gaveta de sua mesa estava sempre tranca­da, e às vezes, quando entrava no escritório, percebia um cheiro forte de bebida no ar. Sentia-se triste por ele, imaginando como devia ser do­loroso sofrer aquele tipo de tragédia.


 


Tom, o filho dele, morrera aos vinte e dois anos, prestes a se formar na faculdade. Fora um jovem inteligente e querido, e o acidente ocorrera de uma forma tão estúpida que não era de se estranhar que Alan, mes­mo agora, fosse incapaz de se conformar. O motorista do outro veículo estava bêbado e atravessara a pista, batendo de frente contra o carro de Tom, matando a ambos imediatamente. Não existia nenhuma maneira fácil de um pai aceitar algo assim, e agora a firma, que deveria ter passa­do para as mãos de Tom, havia sido vendida a outra pessoa.


 


— Convoquei uma reunião dos funcionários para as dez horas — Gina relembrou o patrão ao colocar a xícara de café diante dele sobre a mesa. — Felizmente os homens estão todos trabalhando na casa da rua Duke, e não haverá nenhum problema para que compareçam à reunião...


 


O contrato de reforma de uma velha casa perto do centro da cidade continha cláusulas com grandes penalidades para falha no cumprimento do prazo estabelecido. Particularmente, Gina achava que, em vista da notória morosidade de seu mestre-de-obras, essas cláusulas se tornariam um problema para a construtora, e suspeitava que ao aceitá-lo Alan da­va outra indicação de como a morte de Tom o afetara. Quando começa­ra a trabalhar para ele, Alan segurava com firmeza as rédeas da firma, controlando tudo. Agora as.coisas estavam diferentes, e ela se via com freqüência tendo de sutilmente lhe apontar as várias armadilhas nos con­tratos que aceitavam, quase a ponto de ela própria ter de redigí-los outra vez para se certificar de que seriam realmente lucrativos para eles.


 


O único lugar que poderia comportar todos os empregados da cons­trutora era um depósito vazio adjacente ao prédio, e seria ali que se reu­niriam para conhecer oficialmente o novo patrão.


 


Da janela de seu escritório, Gina tinha uma visão clara do jardim e de todo mundo que chegava e entrava. Assim, às dez para às dez, quando , um jipe surrado entrou no jardim, ela soltou um pequeno suspiro de ir­ritação.


 


Um cliente em potencial, por mais bem-vindo que fosse, não poderia ser recebido apropriadamente no momento, com o novo dono da cons­trutora prestes a chegar.


 


O veículo salpicado de lama parou diante do prédio, e o motorista saiu.


 


Ele era alto, usava uma jaqueta impermeável que realçava os ombros largos, jeans empoeirado e justo, e um par de tênis surrados. O cabelo era vasto e escuro, não preto, mas de um castanho forte. Quando ele vi­rou o rosto em sua direção, Gina sentiu todo seu mundo virar de cabe­ça para baixo.


 


Não, não era possível. Era um engano. Não podia ser o mesmo ho­mem. Afinal, oito anos haviam se passado, e ela o vira apenas uma vez e à meia-luz.


 


Mas era ele. Gina sabia que não se enganara, que jamais se engana­ria a respeito daquele homem. Além disso, não o reconhecera apenas com os olhos, mas também com os sentidos, que reagiam de maneira traiçoeira à presença dele... Então estremeceu, querendo fechar os olhos para se livrar daquela visão e das lembranças que evocava.


 


Os homens, quando bêbados, não eram amantes cuidadosos ou atenciosos... Pelo menos era essa a opinião geral. Ficavam negligentes, desa­jeitados e não se importavam com os desejos de suas parceiras. Mas com ele, com aquele homem, fora diferente...


 


Gina estremeceu outra vez, fazendo Evie fitá-la com uma expressão preocupada.


 


— Você está bem? Ficou tão pálida. — Ela foi até a mesa de Gina, e então, quando o movimento do lado de fora do prédio chamou sua atenção, comentou com agitação: — É ele, o novo patrão. Harry Potter. Então ele chegou. É melhor você ir avisar Alan.


 


Harry Potter? Aquele era Harry Potter? Gina teve de se apoiar na mesa, pois seus joelhos pareciam incapazes de sustentar-lhe o peso.


 


Impossível! Não podia ser. Não podia! Harry Potter, seu novo pa­trão, o mesmo homem que...


 


Ela engoliu em seco quando percebeu o horror da situação, sua mente num completo alvoroço enquanto procurava, desesperadamente, por al­go onde se agarrar, algo que a impedisse de se afogar em seu próprio terror.


 


E se ele a reconhecesse? E se ele... Não, era impossível... Ele a vira uma única vez; seus cabelos estavam mais compridos na ocasião, e também tinha acabado de fazer uma permanente desastrosa, que a deixara parecendo um personagem de filme de terror. Fechou os olhos, tremen­do, tentando não se lembrar de sua aparência naquela noite. Não. Ele não a reconheceria. Nem os pais a teriam reconhecido...


 


O ritmo de seu coração voltava ao normal, mas o corpo continuava tenso. Podia ouvir Evie anunciando agitada a Alan que Harry Potter havia chegado. A qualquer momento ele entraria no escritório... no es­critório dele. Quando entrasse, ela precisava estar pronta, preparada. Ti­nha de...


 


Gina respirou fundo. A porta do escritório se abriu e ali estava Harry Potter, fitando-a.


 


Gina ficou chocada com o quanto tudo nele lhe era familiar, a maneira de olhar, o porte altivo e elegante... Lembrou-se de como notara essas características naquela noite, além, é claro, de sua beleza espetacular, sua virilidade óbvia...


 


—  Srta. Weasley.


 


Era uma afirmação, não uma pergunta, e ela respondeu um tanto trêmula, num gesto automático:


 


—  Sim, sou Gina Weasley, sr. Potter.


 


—  Me chame de Harry — ele a instruiu num tom frio, com um sorriso que não era nem cordial nem amável. — Tratamento respeitoso e anti­quado, quando é adulador e insincero, torna-se algo que não me agrada...


 


Aquele comentário a libertou de seu terror particular, e Gina o encarou, franzindo a testa. Harry Potter não a reconhecera, mas por suas maneiras era evidente que não gostara dela. Gina piscou com uma expressão defensiva; sabia que não era popular com os homens da cons­trutora, que caçoavam dela pelas costas e riam de sua afetação, mas aquilo era melhor que... Ela engoliu a seco. Aquele homem ia ser seu patrão. A menos que se demitisse, o que não queria fazer, teria de encontrar uma forma de se relacionar bem com ele.


 


Não era fácil encontrar emprego na cidade, e ela não tinha nenhum desejo de se deslocar para Londres para trabalhar, e muito menos de se mudar para lá. O que quer que tivesse causado a antipatia dele, com cer­teza não era o passado... Estava a salvo daquele horror, pelo menos.


 


Quando fez um comentário vazio, tomou consciência de se encontrar num estado de intenso choque, de falar e se mover como um autômato. Na verdade, o que mais desejava era se virar e correr o mais rápido pos­sível para longe desse homem que a observava.


 


Pelo canto do olho, viu Alan sair de seu escritório. Evie sorriu com entusiasmo para Harry Potter, que lhe deu um sorriso surpreendente­mente afetuoso.


 


Uma sensação diferente de tudo que já experimentara percorreu o corpo de Gina. Era como ser apunhalada, e ela quase arfou pelo choque.


 


Lágrimas vieram-lhe aos olhos, e ela lutou para combatê-las. Não cho­rava desde os dezoito anos... a idade de Evie.


 


Gina se virou, piscando rápido, fechando as mãos e cerrando os dentes enquanto se esforçava para controlar sua reação estúpida.


 


Afinal, não tinha sentido chorar porque um homem a tratara com frieza e desinteresse enquanto sorria com ar afetuoso e apreciativo para Evie... Por quê? Especialmente quando o homem em questão era aquele. Não aprendera nada com o passado? Todos aqueles anos vivendo com o far­do de sua própria culpa não haviam lhe ensinado nada?


 


—  São quase dez horas. Creio que temos uma reunião para compare­cer. Quero abreviá-la ao máximo. Há muito trabalho a fazer, e tenho uma reunião em Londres esta tarde...


 


Gina caminhou em silêncio para a porta. Sentia uma fraqueza horrível nas pernas e a cabeça como se estivesse recheada de algodão. Ao che­gar à porta, Harry Potter a abriu para ela, fitando-a com atenção. Po­dia sentir pequenos pontos de suor brotando da pele, mas se recusou a ceder ao impulso perigoso de virar o rosto e olhar apenas para se certifi­car de que ele realmente não percebera, não a reconhecera. E então, fe­lizmente, já havia cruzado a porta, com Evie vindo atrás.


 


Durante a reunião achou impossível se concentrar no que estava acon­tecendo. Era incrível que Harry Potter fosse o novo patrão!


 


—  Tem certeza de que está bem? — Evie insistiu. — Ainda está muito pálida.


 


—  Estou ótima.


 


Gina disse o mesmo para a mãe quando chegou em casa e a sra. Weasley lhe perguntou como fora seu primeiro contato com o novo patrão. Não era verdade, claro. O dia todo tivera a incômoda impressão de que Harry Potter a observava. Portanto, não havia como se sentir bem. Sus­peitava, pelas perguntas que lhe foram feitas durante o dia, que o novo patrão achava que ela chamara para si muito da direção da construtora, dando-lhe a impressão de que, dali em diante, a companhia seria admi­nistrada de maneira bem diferente.


 


Podia ter explicado a ele que sua motivação não havia sido nenhum desejo de autopromoção; que agira simplesmente por compaixão e preocupação, mas o orgulho a fizera calar-se. Orgulho e uma certa obstinação amarga. Uma vez ele já a julgara mal, e agora voltava a fazer isso, mas nas duas ocasiões ela própria fora a responsável pela interpretação incorreta.


 


Um novo gerente seria nomeado para assumir a direção da companhia no fim da semana, ele lhe dissera; até então, Alan permaneceria encarre­gado, na qualidade de conselheiro.


 


Harry ficara lá apenas por duas horas, mas, quando foi embora, Gina se sentia esgotada como se tivesse trabalhado sem parar durante uma semana inteira.


 


Não havia dúvida de que profissionalmente ele era dinâmico e muito bem informado. Era até muito fácil entender por que alcançara tanto su­cesso, mas a causa da tensão de Gina não tinha nada a ver com o as­pecto profissional. E não podia contar à mãe por que ele a perturbava tanto.


 


—  Ah, já ia me esquecendo, Draco telefonou. Pediu para lhe dizer que teve de cancelar o compromisso desta noite. Aparentemente a mãe dele não estava se sentindo bem.


 


Num gesto heróico, a sra. Weasley conseguiu manter o tom leve e sem crítica, mas Gina já conhecia a opinião dos pais a respeito de Draco e do relacionamento dos dois.


 


Eles tinham combinado de jogar tênis naquela noite, mas Gina não lamentou o cancelamento do encontro.


 


—  Acho que vou dormir cedo hoje — anunciou à mãe com um ar abatido. — Estou cansada.


 


—  Uma boa caminhada lhe faria mais bem que se deitar cedo. Dor­mir demais pode provocar depressão.


 


Gina conseguiu forçar um pequeno sorriso. Sua mãe era sempre di-reta e sincera em seus comentários... diferente da mãe de Draco, que era exatamente o contrário.


 


—  Talvez tenha razão.


 


—  Tenho, e você também pode levar essa cadela gorda e preguiçosa junto.


 


As duas olharam para a tranqüila fêmea de labrador deitada para se aquecer diante do fogão, cujo forno estava aceso, e Gina sorriu outra vez.


 


—  Entendi. Não sou eu quem precisa do passeio, é Honey...


 


—  Fará bem a vocês duas — a mãe observou com firmeza.


 


Duas horas depois, apoiada num portão e fitando a vista pastoril à sua frente, Gina refletiu que, enquanto fisicamente a caminhada pu­desse lhe ter feito bem, mentalmente... Baixou o olhar para Honey, dei­tada a seus pés.


 


Até aquele dia achara que havia deixado o passado para trás, que estava a salvo dele. Agora sabia que se enganara.


 


Por sua própria insistência deixara a casa paterna para trabalhar em Londres, onde passara a dividir um apartamento com três outras garotas. do colégio. Seus pais a achavam jovem demais, mas haviam cedido arite o argumento de que aos dezoito anos a filha era legalmente uma adulta.


 


Ela conseguira um emprego num escritório de arquitetos londrinos; fora a garota mais jovem lá. Se sentira tímida e deslocada com as outras moças, todas com idades em torno dos vinte e que para ela pareciam tão sofisticadas e experientes... E então conhecera Jonathan.


 


Jonathan era o filho do principal sócio da firma e estava sendo prepa­rado para assumir a posição do pai. Tinha vinte e seis anos, era alto, loi­ro, muito charmoso. Gina ficara deslumbrada por ele... e é claro que se apaixonara.


 


Ingenuamente acreditara que Jonathan também se apaixonara, e então chegara o dia fatídico, quando ouvira a conversa que mudara completamente o curso de sua vida.


 


Gina fechou os olhos e estremeceu. Diante dela a vista tranqüila desapareceu, e mais uma vez estava parada na pequena sala empoeirada onde guardavam material de escritório na Mathieson & Hendry.


 


 


 


 


Continua....


 


 


 

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