Capitulo 1
Kittery,
Província do Maine, 1763
Santo Deus, onde estava Draco? Gina Weasley andava ao longo do cais pelo que parecia a vigésima vez naquela manhã. Muita atividade acontecia à sua volta. Pescadores tiravam cestos de bacalhau de um navio, armadores de laços fumavam e praguejavam, enquanto regateavam o melhor preço por suas peles de castor, e todo tipo de sons de uma construção naval preenchia o ar. Mas Draco não estava em lugar nenhum à vista.
Gina tirou um lenço do bolso da saia. Com um rápido olhar ao redor, ergueu a longa trança de cabelos ruivos e enxugou o suor da nuca. Eram vinte e um de Junho, um dia de verão, e o sol do meio-dia estava muito quente. Reprimiu um sorriso. Se Draco não a apanhasse logo, ela provavelmente derreteria.
Abanou-se com um leque e continuou caminhando pelo cais. Ao lado do Netuno, com sua carga de açúcar, melado e rum de Barbados, havia um navio inglês e o Águia Dourada, no qual ela cruzara o Atlântico de sua casa na Inglaterra até a América.
Com uma imensa saudade de casa, Gina respirou fundo e sentiu o cheiro inconfundível de água salgada mesclado ao odor de crustáceos e corda úmida.
Lembrou-se das cartas de Draco, nas quais ele descrevera toda a área verde do Maine, e contara histórias sobre florestas escuras que se estendiam além da imaginação de qualquer pessoa. O pulso dela acelerou. Como seria viver num lugar tão selvagem?
O aroma de porco fritando vinha da plataforma do cais, e o estômago anunciou que estava com fome. Para se distrair, virou-se e estudou a familiar estátua à proa do navio Águia Dourada: uma figura barbuda, agachada, vestida de preto. A imagem cravada na madeira sustentava uma incrível semelhança com o capitão do navio, Abiel Reed.
O capitão Reed fora gentil com Gina na longa viagem de Bristol até ali. Durante um jogo de cartas, ele lhe explicara que o Maine, reivindicado tanto pela França quanto pela Grã-Bretanha durante a guerra recentemente terminada, era agora governado pela colónia de Massachusetts.
— E o povo local não está muito feliz com isso — murmurara Reed, quando colocara as cartas de couro sobre a mesa.
Quando Gina desembarcara, o capitão Reed prometera ficar de olho nela até Draco chegar, porém, uma carga de produtos ingleses manufaturados logo exigira sua atenção. Agora, posicionada embaixo do gurupés do Águia Dourada, Gina podia ouvi-lo abaixo, enquanto a tripulação jogava um fardo de roupas para o lado.
— Cuidado com o eixo sobre o convés, seus brutamontes! Seria um crime perder mercadorias tão boas, e tudo por culpa de pessoas desajeitadas.
Com um sorriso cauteloso, ela secou as mãos úmidas na saia e desejou fervorosamente que ainda estivesse apresentável. Naquela manhã, ansiosa para causar uma primeira impressão favorável, colocara seu melhor vestido, então apertara o espartilho o máximo possível. Agora, sua saia estampada de branco e azul estava empoeirada, e ela transpirava como nunca imaginara ser possível. Sem dúvida, Draco se arrependeria de sua proposta, se é que chegaria lá. A ansiedade fez o estômago de Gina revolver-se, e ela abanou-se com o leque. Sue noivo deveria ter chegado horas atrás.
— Perdoe-me, madame?
Gina se virou, quase tropeçando no oficial da marinha britânica que estava atrás dela.
Ele tirou o chapéu e fez uma reverência de modo elegante, os olhos ávidos fixos na curva de seus seios.
— Estou observando-a esperar aqui por horas, madame. O sol está muito quente, não está? — Os lábios do homem se curvaram num sorriso. — Posso lhe oferecer um refresco? Há uma boa taverna a poucos metros do cais.
Gina ergueu o queixo e tentou parecer presunçosa. Infelizmente, seu novo chapéu de palha movimentou-se com a súbita brisa e caiu sobre o olho esquerdo.
— Desculpe-me. — Ela ajeitou o chapéu na cabeça.
— Capitão Jeffries. Seu criado, madame.
Gina lutou contra o impulso de chutar a perna do oficial convencido. Jeffries comandava o Dash HMS, o qual estava sendo carregado com gigantescas toras de madeira. Diversas vezes durante a manhã, Gina mudara de posição no cais para evitar os olhares ousados dos marinheiros sob o comando dele. O próprio Jeffries a saudara mais cedo, retirando-se apenas quando o capitão Reed o chamara para cumprir uma tarefa qualquer.
Dando um passo atrás, ela amarrou as fitas azuis do chapéu.
— Desculpe-me, capitão, mas como lhe disse antes, estou esperando meu noivo.
Jeffries segurou-lhe o cotovelo e puxou-a para mais perto. Ele cheirava a suor, rum e alho, um sinal certeiro de dentes estragados. Embora não fosse muito mais alto do que ela, os músculos estendiam-se sob o uniforme vermelho, e os dedos fortes enterraram-se na pele dela. Com um sorriso indiferente, ele a conduziu em direção à taverna, os olhos inexpressivos nunca a deixando.
— Vamos, minha querida. Qualquer homem, sortudo o bastante para ser seu noivo, não deixaria uma mulher tão linda sozinha num cais repleto de marinheiros. Afinal, a maioria desses vagabundos não vê uma mulher há meses.
— Lamento, senhor, mas não posso acompanhá-lo. — Ela liberou o cotovelo.
Jeffries envolveu-lhe a cintura de maneira possessiva. Rapidamente, cinco marinheiros britânicos estavam diante dela, bloqueando-lhe a visão. A expressão de Jeffries era maliciosa quando a empurrou para um vão entre duas pilhas altas de tábuas frescas. O coração de Gina disparou e o medo a assolou com força total. Aquilo não podia estar acontecendo, não ali, não agora. Ela tentou chamar a atenção do marinheiro mais próximo. Deveria gritar? Alguém a ajudaria se fizesse isso?
De repente, avistou um homem alto vindo em sua direção, um sorriso bonito no rosto e os olhos fixos nela. Jeffries a puxou para mais perto, e o chapéu de Gina caiu sobre os olhos.
— Srta. Weasley! — A voz profunda do homem soou mais alto, enquanto ela escutava os marinheiros britânicos se afastando. — Essa é a maneira de cumprimentar seu futuro marido? — A voz bem-humorada continha um sotaque escocês. Por baixo da aba do chapéu, Gina viu uma grande mão tocar o ombro de Jeffries, que hesitou. — Não posso culpar você, amigo. É uma moça adorável o bastante para enlouquecer qualquer homem. — Ele deu um tapinha nas costas de Jeffries e depois levantou o chapéu dos olhos dela. — Contudo, uma vez que ela é minha, tenho certeza de que você não vai se opor ao meu primeiro beijo.
Gina teve um rápido vislumbre de olhos verdes e cabelos escuros, antes do homem alto inclinar-se e beijá-la. Os lábios que pressionavam os seus eram quentes e firmes, e se curvaram num sorriso quando ela se contorceu. Braços fortes envolveram-lhe a cintura, e ela ouviu risadas dos marinheiros britânicos quando ele inclinou-lhe as costas. Subitamente, Gina perdeu o equilíbrio e segurou-se no ombro largo do homem. Ao senti-lo afastar a boca, percebeu que queria que o beijo delicioso continuasse. Um rubor tingiu-lhe a pele alva e os olhos do homem escureceram. Então, com uma piscadela perversa, ele a puxou para si e beijou-a mais uma vez.
Aquilo provocou uma ovação dos marinheiros.
— Sempre soube que os montanheses da Escócia eram galantes — caçoou um deles.
O tom áspero de Jeffries interrompeu o divertimento geral:
— Bem, senhor, parece que sua reivindicação foi mais bem aceita do que a minha.
O homem alto a liberou tão rapidamente que Gina quase tropeçou.
— É verdade, cavalheiros. E agradeço-lhes por me lembrarem disso.
A voz dele era aveludada, camuflando os músculos contraídos do rosto anguloso. Ele a colocou a seu lado e apertou-lhe o braço de leve para assegurá-la de que estava tudo bem.
— Agora, se nos derem licença. — Assentindo para os homens com um gesto de cabeça, ele a escoltou entre os marinheiros.
Caminharam rápido, e Gina estava sem fôlego. Por que sempre tinha de apertar tanto o espartilho? Deu uma rápida olhada para seu noivo. Nunca encontrara Draco Malfoy, que era primo de sua falecida mãe. Quando Gina tinha dezesseis anos, sua mãe renovara as relações com o parente distante das colónias, e logo o primo Draco começara a escrever para Gina. As cartas dele haviam demonstrado inteligência e sensibilidade incomuns, e, quando a mãe morrera, Gina ficara honrada e imensamente aliviada em aceitar a proposta de casamento dele. Agora, arrependia-se de sua decisão impulsiva.
Muito alto e com um andar elegante, Draco continuou conduzindo-a, deixando um pequeno alvoroço atrás de si. Sem dúvida, os colonos estavam tão perplexos quanto ela pela aparência absurdamente masculina e altura incomum de Draco. Ele usava um kilt xadrez, típica saia escocesa, ao redor de quadris estreitos, e, a cada longo passo que dava, tiras de couro do exótico kilt balançavam contra as coxas grossas.
Draco diminuiu o ritmo dos passos, e Gina deu uma boa espiada no perfil aristocrático. O nariz era longo e reto e o rosto bronzeado. Como se notasse o olhar dela, virou-se para encará-la.
Perturbada pela intensidade daquele olhar. Pestanejou.
Ele parou de andar.
— Espero que tenha acertado ao presumir que você estava incomodada pelo assédio do capitão britânico. — O sotaque escocês era mais carregado agora.
Gina respirou fundo e ergueu os ombros. Dessa forma, seus olhos ficavam quase no nível do colarinho de Draco. Por causa do calor, ele não usava paletó ou gravata e a camisa estava aberta no pescoço. Abriu a boca, momentaneamente distraída pelos cachos escuros no peito largo, então a fechou com um pequeno gemido. Olhando para cima, notou que ele a fitava com expressão divertida.
— É claro que eu estava incomodada pelo assédio daquele patife! O que acha que sou? Alguma prostituta do cais?
— Não precisa brigar comigo, moça. Fui eu quem a salvei, afinal. — Ele sorriu. — Então, o capitão é um patife? E prostituta, hein? Eu não sabia que moças bem-educadas usavam esse tipo de palavreado. — Ele assobiou de modo provocativo.
Gina pensou em chutar-lhe a canela, mas resistiu à ideia que a faria parecer infantil.
Subitamente, a expressão divertida de Draco desapareceu, e ele olhou para o porto.
— Bem, devo dizer que concordo com você. Jeffries é um patife. Não gosto dos ingleses.
Gina fechou os dedos nos bolsos da saia. Que resposta devia dar para aquilo? A família inteira de Draco lutara contra os ingleses durante o Movimento Jacobino em 1745. Legalistas e católicos, os Malfoy tinham apoiado o jovem Charles Edward Stuart em sua cruzada para recuperar o trono da Grã-Bretanha do rei George II. Eles jamais poderiam ter previsto a devastação que resultaria da lealdade.
Por meio das cartas, Gina sabia que Draco pagara amargamente por envolver-se com o movimento. O pai dele perecera na terrível batalha de Culloden, e Draco sofrera ferimentos graves. Ele e o irmão, Samuel, haviam sido capturados e aprisionados pelos britânicos, depois banidos para as colónias como escravos. Estranhamente, isso fora um golpe de sorte imprevisto, uma vez que, depois da vitória em Culloden, o duque de Cumberland devastara as Terras Altas. Ele queimara colheitas, confiscara propriedades e matara todos os homens suspeitos de simpatizar com o Movimento Jacobino.
Faziam dezoito anos desde que os ingleses haviam esmagado os Jacobinos, dezoito anos desde que Cumberland destruíra os clãs escoceses. Dezoito anos deveriam ser tempo suficiente para curar as feridas de dor e recriminação, mas Gina sabia, por meio de duras experiências, que algumas coisas jamais podiam ser esquecidas.
Ela mordiscou o lábio. Era óbvio que Draco detestava os ingleses. E ela era inglesa.
De súbito, Draco se virou, o kilt balançando graciosamente no redor dos joelhos. Ele franziu o cenho com o tamanho da enorme bagagem de Gina.
— Esta é sua bagagem, moça? Felizmente, trouxe Hugh e a carroça comigo. — Com uma piscadela, ele abaixou-se e ergueu a mala, então sorriu de modo teatral.
Uma súbita onda de calor percorreu o corpo de Gina. Montanhês selvagem ou não, Draco era seu futuro marido, e ela estava grata pela gentileza que via nos olhos dele. Esboçando um sorriso, estendeu a mão.
— Quero agradecer-lhe, Draco.
— Ah, moça, com toda essa confusão, eu me esqueci de dizer que...— Um olhar perplexo cruzou o semblante do bonito montanhês. — Que não sou Draco.
Gina estava boquiaberta.
— É melhor você fechar a boca, moça, ou pode entrar um mosquito — murmurou o homem com uma risada.
— Você não é Draco? Então, quem é?
Ele teve a decência de parecer decepcionado, embora um sorriso ainda dançasse nos olhos verdes.
— Harry Tiago Potter. Às suas ordens, madame.
— Harry Potter? — Ela pressionou uma mão no rosto quente. — Oh, você é Harry Potter. Draco o mencionou nas cartas. Mas, por que está aqui? E como me reconheceu?
Harry alcançou o cinto de couro do kilt e tirou dali a miniatura de um retrato, que, gentilmente, colocou na mão dela. Tinha sido pintado seis meses atrás, quando Gina completara dezoito anos. O artista, um talento em ascensão chamado Cosway, fizera um bom trabalho pintando os bonitos olhos verdes, os grandes ossos do rosto e os lábios carnudos. Ela devolveu a miniatura a Harry.
— Nunca gostei desse retrato.
— Bem, é bonito, mas não faz justiça a você. — O sorriso aberto de Harry revelou uma fileira de dentes brancos e perfeitos. — Você é muito mais bonita pessoalmente.
— Não quis dizer isso— replicou ela. Aquele escocês estava começando a irritá-la. — Se você não é Draco, por que...
— Por que beijei você? Bem, como pôde ver, havia seis marinheiros querendo perturbá-la. E embora eu me considere um homem forte, não conseguiria lutar contra seis musach cuilean. — Um sorriso irónico brincou nos lábios dele, enquanto a expressão era de total inocência. — Você me perdoa?
— Considerando-se as circunstâncias, suponho que sim. — Gina não pôde evitar retornar o sorriso travesso de Harry. Mas quando ele a encarou, teve de prender a respiração. — O que é musach cuilean? — Perguntou, mudando de assunto.
— Significa canalhas. Você entende gaélico?
Gina engoliu em seco.
— Bem... não. Minha mãe nunca falava o idioma.
— Então, Harry, esta é a nossa Srta. Weasley?
Gina virou-se ao som de um outro sotaque escocês.
Um homem de estatura baixa se aproximava. Cabelos grisalhos caíam-lhe sobre os ombros, e ele usava um saiote e uma manta escocesa. O rosto era enrugado e a expressão de pesar. O homem curvou-se em uma reverência e falou:
— Você não pode ser outra pessoa, senão a filha de Molly Weasley. — Os olhos azuis a estudaram atentamente.
Harry deu um passo à frente.
— Srta. Weasley, permita-me apresentar-lhe Hugh Rankin. Ele foi protetor e mensageiro de meu tio na Escócia. Hugh e eu fomos prisioneiros juntos depois da batalha de Culloden, e ele veio para a América comigo.
— Como se eu tivesse tido escolha. — Hugh riu.
Gina sentiu uma pontada de inveja do olhar afetuoso que os dois homens trocaram. Ela nunca conhecera a bênção da proximidade de um parente, nunca experimentara o conforto da lealdade, proteção e laços de sangue que caracterizavam o velho sistema dos clãs da Escócia. Mas tudo isso mudaria quando se tornasse esposa de Draco.
— Como vai, Sr. Rankin? — Disse ela com educação. Em seguida, se virou e olhou para o cais. — Draco não veio com vocês?
Toda a alegria desapareceu do rosto de Harry, e ele gentilmente tocou-lhe o ombro.
— Lamento muito lhe contar isso, Srta. Weasley. Talvez seja melhor irmos até a taverna e comermos alguma coisa antes. O estômago de Gina revolveu-se.
— O que houve?
— Sinto, mas Draco está muito doente. Ele pode estar morrendo. Pediu-me que viesse no lugar dele.
A voz rouca de Harry pareceu distante. Gina pôs uma das mãos sobre o estômago, e uma leve tontura fez seu corpo balançar.
Harry puxou-a para junto de si.
— Sente-se, mo druidh — murmurou ele, acomodando-a sobre a mala. — Você teve um choque terrível.
Aquilo não podia estar acontecendo, pensou Gina. Draco não podia estar morrendo. O sangue pareceu gelar em suas veias. Se Draco morresse, o que lhe aconteceria? Não tinha um tostão, e não poderia voltar para a Inglaterra, não depois do pesadelo que deixara para trás.
Pare com isso, garota, ralhou consigo mesma, quando a voz de sua avó falecida surgiu-lhe na mente: Eu não criei você para ser curandeira? Agora, componha-se. Draco precisa de suas habilidades, e há trabalho afazer, portanto, faça.
Com dedos trémulos, ela jogou a trança para trás, endireitou os ombros e se levantou.
— Obrigada por me contar, Sr. Potter. — Respirou fundo e ergueu o queixo. — Por favor, leve-me até ele.
— Claro. — Harry estudou-lhe a face, depois olhou para o sol acima. — Chegaremos em casa antes do anoitecer.
Hugh foi buscar um cavalo cinza amarrado a uma carroça, enquanto Harry comprava pães e cerveja para o almoço e Gina esperava no terraço da taverna.
Após alguns minutos, Harry e Hugh, juntos, ergueram a mala dela e colocaram-na na parte de trás da carroça. Enquanto esperava ajuda para subir, Gina viu uma pilha de madeiras avermelhadas ali.
— Uma vez que tivemos que vir buscá-la, aproveitamos para comprar lenha na serraria — explicou Harry, notando-lhe o olhar inquisitivo.
Ele levantou-a para o assento do vagão como se ela não pesasse mais que uma pena. Depois, acomodou-se a seu lado e partiram.
Logo, as lojas prósperas e casas em estilo georgiano de Kittery ficaram para trás, e eles viraram para o norte para uma trilha de lama que mal merecia ser chamada de estrada. Enquanto viajavam com o sol brilhando, Gina respirou fundo e reuniu coragem:
— Sr. Potter, o que exatamente há com Draco?
— Por favor, me chame de Harry. — Ele espantou uma mosca do lombo do cavalo. — Nenhum dos Malfoy me chama de Sr. Potter.
Um leve rubor coloriu as faces de Gina, e ela se sentiu satisfeita que ele a considerava parte da família Malfoy.
— Draco está com varíola — continuou. — Ele nunca pegou a doença quando criança. Três semanas atrás, viajou para York a negócios. Provavelmente contraiu varíola lá. Nossa população de Sturgeon Creek é muito pequena e ninguém ficou doente durante o verão.
O coração de Gina disparou.
— Meu Deus, varíola é uma doença cruel. Não há cura! — Fechou os olhos e recordou-se das instruções da avó: Seis de cada dez pessoas que contraem a doença, sofrem uma morte terrível.
Os poucos que sobrevivem frequentemente ficam cegos ou com horríveis cicatrizes. Apenas pode-se deixar o paciente confortável, enquanto ele espera a morte ou a recuperação.
— Quais são os sintomas dele? — Indagou, tentando manter a voz calma.
Harry a olhou com interesse.
— Você sabe alguma coisa sobre essa doença?
— Sim. Minha avó por parte de pai era curandeira. As pessoas diziam que ela era uma mulher sábia mas, na verdade, ela era mais que isso. Quando garota, decidiu entrar para o convento de Calais. Achava que tinha vocação para freira. — Gina deu um pequeno sorriso. — No convento, conheceu um médico italiano que ficou impressionado com a habilidade dela com os doentes e a treinou nas artes medicinais. Finalmente, minha avó retornou à Inglaterra. Sempre dizia que devíamos cuidar do espírito através do corpo.
— Sua família era católica, então? — Harry pareceu surpreso. — Deve ter sido difícil na Inglaterra. Eles não gostam muito dos católicos.
— Bem, não éramos muito devotos. — Ela suspirou. — Minha avó Amais ensinou-me o que pôde. Ela morreu seis meses atrás.
— Lamento muito por sua perda. — A voz de Harry era baixa e gentil. — Você já teve varíola, Srta. Weasley?
—
— De certa forma, sim. Minha avó me inoculou quando eu era criança. Contraí a forma leve da doença e agora sou imune.
— Inoculação? — Ele arqueou as sobrancelhas. — Ouvi dizer que eles tentaram isso depois da epidemia de Boston.
— O que causou um terrível tumulto — palpitou Hugh. — Doenças são uma maneira de Deus ensinar a humanidade. Os homens não devem se intrometer.
Gina reprimiu uma resposta atravessada. Quantas vezes sua avó e ela tinham travado aquela batalha?
— Sr. Rankin, sou uma prova viva de que a inoculação funciona e é segura. Se não o fosse, agora estaria num túmulo.
Hugh deu de ombros. Ela ouviu uma leve risadinha e olhou para Harry.
— Você mesma já aplicou a vacina em alguém?
Irritada, ela respirou fundo antes de responder.
— Não, mas sei como é feita.
— Fico feliz que você saiba. Poderemos precisar disso se a varíola se espalhar. Uma epidemia pode destruir Sturgeon Creek em questão de dias.
Gina abaixou a cabeça e olhou para os punhos cerrados. Oh, não uma epidemia. Não estava preparada para isso. Não sabia o bastante. Se pelo menos vovó Amais estivesse viva para guiá-la, para lhe dizer o que fazer...
Ela mordiscou o lábio e olhou ao longe. Uma lama marrom cobria a grama na beira da estrada, e pequeninas borboletas voavam ao redor. As árvores pareciam uma prisão verde infinita, e ela sentiu uma profunda saudade de seu lar. Aquele local era muito selvagem, muito diferente. Tudo ali era muito silencioso, selvagem e estranho.
Subitamente, sentiu falta dos campos e gramados impecáveis da Inglaterra. Sentia falta do velho chalé de pedra onde passara a infância. Mais que tudo, sentia saudade da mente astuta e da coragem de sua avó. O que estava fazendo naquele calor insuportável, em um carroça velha, dirigindo-se a um vilarejo que poderia em breve ser assolado por uma epidemia de varíola?
Suspirando, espiou as pernas másculas. À sua esquerda, as pernas magérrimas de Hugh apareciam por baixo do kilt escocês. À sua direita, o kilt levantado de Harry revelava canelas grossas e musculosas e joelhos robustos. Pêlos escuros cobriam a pele bronzeada.
Um pouco à frente na estrada, dois cervos pairavam na densa sombra. Gina lançou um rápido olhar para Harry.
Ele puxou as rédeas e, inclinando-se, sussurrou em seu ouvido:
— São animais muito bonitos, não são? — A respiração quente acariciou a pele de Gina e enviou um arrepio por todo seu corpo.
De canto de olho, ela viu Hugh alcançar o fundo da carroça e retirar um rifle por debaixo de uma pilha de lona. Abrindo a boca para protestar, inclinou-se em direção a Harry, e seus cabelos roçaram a pele dele. Os dois pararam, os lábios muito próximos.
Então, uma expressão confusa cruzou o semblante másculo e Harry afastou-se, respirando fundo.
— Não o deixe atirar — implorou ela, segurando-o pelo braço. — Por favor, tenha misericórdia.
Harry a estudou por um momento, a expressão impenetrável. Então, aproximou-se de Hugh, colocando a mão sobre a arma.
— Deixe os animais em paz, Hugh — ordenou.
O homem mais baixo bufou, deixando claro o que pensava de moças inglesas que deixavam os sentimentos interferirem nas coisas práticas, mas baixou a arma, de qualquer forma. Os cervos desapareceram na floresta num salto ligeiro.
— Obrigada, Harry e Hugh — murmurou ela com um sorriso. — Não suporto a ideia de ver coisinhas tão lindas e meigas morrerem.
— Seu futuro marido também possui esse tipo de sensibilidade — declarou Hugh um tanto desgostoso.
A felicidade momentânea de Gina desapareceu. Ela olhou para Harry.
— Você acha mesmo que Draco pode morrer?
— Está nas mãos de Deus. Mas Draco tem sofrido de fortes dores de cabeça e febre, e a erupção estourou dias atrás. Quase não há dúvidas de que seja varíola e...
A voz de Harry falhou, mas Gina podia muito bem completar o pensamento dele: Um severo caso de varíola na idade de quarenta e três anos, no meio da floresta, era provavelmente uma sentença de morte.
— Quem está cuidando de Draco, enquanto você me leva?
— Lydia MacKinnon — respondeu Harry. — O irmão de Draco, Samuel, casou-se com ela um ano depois que me casei com a irmã dela, Cho.
Gina, de repente, sentiu um calafrio percorrê-la de alto a baixo. Olhando para as orelhas do cavalo, respirou fundo. Então Harry tinha uma esposa.
— É bondade da Sra. Malfoy ajudar. — Manteve o tom neutro. — Estou ansiosa para conhecê-la. E sua esposa também, é claro.
A carroça passou por um buraco, chacoalhando muito, e o movimento a fez bater contra o ombro de Harry. Ele ficou tenso e afastou-se, com expressão séria.
— Lamento, mas isso não será possível. Minha esposa faleceu anos atrás.
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