Imposição de noivo
Ah como nesse momento eu gostaria de ser você, dona formiguinha. Queria estar aí no seu lugar, carregando essa folhinha, enquanto você vai à festa de hoje por mim. Quer trocar?
Enquanto observava a trilha de formigas andarem pela minha janela, Julia entrou em meu quarto para ajudar-me com a roupa. Esta tarde, ela escolheu por mim um vestido verde claro e minha mãe mandou a dona da loja trazê-lo. Qual o propósito de se gastar tanto com roupas se tem tanta gente que não tem nem o que comer?
_Santo Deus, Ginny. O que é isso aí? – Assustou-se ela com o hematoma que rodeava meu pulso quando eu terminei de passar o braço direito pela manga curta do vestido.
_Ah, machuquei sem querer, Julia. – Eu menti sem olhá-la, colocando a luva que o cobria e finalizando o meu vestuário.
_Sua mãe te bateu de novo? – Ela perguntou tristemente, estendendo o outro par para mim.
Eu não respondi. Ela já sabia. Deve ter se dado conta dos seus berros quando eu cheguei em casa depois do passeio com o Sr. Potter. Minha mãe havia escutado o pedido que eu fiz a ele e não gostou nem um pouco. Deu no que deu. Apanhei novamente e de cinta. Mas, dessa vez, eu fui sendo arrastada pelo pulso. O pior de tudo é que essa marca ficaria por mais tempo que as outras. Minhas costas estavam doloridas também, mas não era um lugar em que eu precisava me preocupar pois nunca estava à mostra.
Maquiei-me e coloquei as jóias que já estavam separadas. Olhei-me no espelho. Meus cabelos, sempre presos, davam-me um ar elegante, porém, eu realmente era muito sem graça comparada às moças da corte como minha mãe dizia. Suspirei e fui em direção à porta, onde Julia me esperava.
_Boa noite, Srta. Weasley. – Cumprimentou o Sr. Potter, vindo beijar a minha mão.
_Ginny, querida. Seu noivo veio te buscar para irem à festa juntos. – Anunciou minha mãe, que estava ao lado de meu pai em frente ao sofá. Rony já devia ter ido buscar a noiva dele.
_Que adorável. – Eu respondi a ela enquanto enlaçava meu braço no dele. Harry riu e ela lançou-me um olhar ameaçador quando supôs que ele não via. – Boa noite, Sr. Potter. – Me dirigi a ele cordialmente.
_Nós vamos daqui a pouco, Sr. Potter. Se quiser pode ir indo na frente. – Meu pai dirigia-se a ele, animado demais para o meu gosto. O rapaz acenou com a cabeça e começamos a andar para fora de casa. O carro dele estava bem em frente ao portão. Não entendo nada de automóveis, mas o dele era pouco mais luxuoso do que o dos meus pais. Será que ele era tão rico assim?
O Sr. Potter segurou a minha mão esquerda para me dar apoio enquanto eu entrava. Então deu a volta e sentou-se no banco do motorista.
_Está muito bonita, Ginny. – Ele disse virado para mim.
_Obrigada. – Respondi olhando para as minhas mãos. Como é difícil ficar sozinha na companhia de um homem. Escutei-o rir e ligar o carro.
_Como foi o seu dia? – Ele perguntou-me com a atenção voltada à direção.
_Nada de interessante. Escolher um vestido para hoje a noite, escutar sermões sobre o que é certo e o que é errado... – Eu respondi sem muito ânimo.
_Foi melhor que o meu, então. – Ele disse. – Só trabalhei em uma empresa chata, onde só tinha homens chatos que só pensam em ganhar dinheiro e passar a perna nos outros chatos. – Explicou divertidamente, me fazendo rir.
Ficamos em silêncio e logo chegamos ao local da festa, que já estava muito tumultuado. Não havia muitos carros pois são poucos o que têm a condição de comprá-los. O Sr. Potter estacionou e deu a volta. Abriu a minha porta e estendeu o braço para me dar apoio novamente. Levei a mão direita até seu braço, como era o correto, e, em uma mudança repentina de opinião troquei para a esquerda. Não conseguiria me apoiar com o pulso daquele jeito. O rapaz me olhou com um ar confuso, mas nada disse.
De braços dados, andamos até a festa, que, como era de se esperar, estava cheia. Eu não gostava de muita atenção, mas pelo visto hoje não serio possível passar despercebida. Várias pessoas voltavam-se para cumprimentar o Sr. Potter e, por educação, me cumprimentavam também. Ele sempre me apresentava como sua noiva, o que não me agradou muito. Logo avistamos Rony em uma mesa com sua noiva, a Srta. Hermione Granger, que vinha de uma família muito reconhecida. Eu, particularmente, gostava dela. Era muito simpática e sorridente, além de ser uma bela dama. Meu irmão, assim que nos viu, acenou para nos aproximarmos. As mesas eram para quatro pessoas.
_Boa noite. – Disse o Sr. Potter para os presentes.
_Boa noite. – Rony respondeu. – Fiquem à vontade, os lugares estão desocupados.
Sr. Potter puxou uma cadeira para eu me sentar e sentou-se ao meu lado.
_Olá, Ginny! – Cumprimentou-me animadamente a minha futura cunhada.
_Como vai, Hermione?
_Ah, muito bem. Vejo que você também, né? Parabéns pelo noivado.
_Oh, obrigada. – Eu respondi simpática. Engatamos em uma conversa e os rapazes também pareceram animados na deles.
Vi meus pais chegarem, mas eles foram direto para uma mesa de conhecidos, apenas acenando com a cabeça para nossa direção.
_Ginny. – O Sr. Potter me chamou depois de um tempo. – Gostaria de dançar?
_Uhm... Tem muita gente olhando. – Eu tentei. Não é que eu não sabia dançar. Tive várias aulas de todos os tipos de danças imagináveis. Acontece que dançar com uma professora e sem platéia era algo completamente diferente.
_Tenho certeza que vão invejá-la. – Ele respondeu levantando-se e eu não tive outra escolha. Aceitei sua mão e fomos para o centro do salão, onde alguns casais já se divertiam.
Harry segurou a minha mão direita e levou a outra à minha cintura enquanto a minha repousava em seu ombro. Movíamos no mesmo ritmo que os outros casais, entrando na sincronia. Ele sorriu.
Senti sua mão fazer um movimento com um pouco menos de leveza em minha mão direita, para que mudássemos o percurso, e meu pulso se dobrou devido a falta de firmeza. Reprimi uma careta, mas não obtive o mesmo sucesso com um gemido baixo. Ele olhou de mim para nossas mãos e então para mim de novo. Sorri tentando consertar o erro. Quem sabe ele poderia achar que estava imaginando coisas? Acho que não era o caso. Ele afrouxou a mão e passou a me conduzir pela cintura.
_Gostaria de tomar um ar para recuperar o fôlego? – Ele perguntou quando a música havia acabado. Eu deveria estar desejando dançar outra depois de tentar recusar uma primeira?
_Uhm, sim? – Perguntei incerta e ele apenas sorriu.
Fomos ao lado de fora do salão, onde um jardim mediano era muito bem iluminado e continha alguns bancos. A festa do lado de dentro estava bem melhor, pois ninguém parecia ter tido a mesma idéia que nós. Sentamo-nos no banco mais próximo. Ele enfiou a mão no bolso do terno e tirou uma pequena caixinha preta.
_Seu anel de noivado. – Anunciou, abrindo-a e revelando um anel com um generoso brilhante encravado.
_Obrigada. Mas temo que não poderei colocá-lo agora. – Disse formalmente.
_Ginny, tire a luva. – Ele pediu.
_Mas as luvas fazem conjunto com o vestido. – Tentei explicar.
_Agora. – Encarei-o por um tempo procurando algum sinal de que ele cederia se eu me negasse. Não obtive sucesso. Comecei a puxar a luva da mão esquerda. – Acho que você tem consciência que um anel de noivado é colocado na mão direita, não tem? – Escutei a sua voz soar suavemente.
Encarei-o novamente e, sem olhar para o movimento, tirei a luva da mão direita, esticando-a para que ele pudesse colocar o anel. Ele olhou para meu pulso com os lábios apertados.
_Quem foi que te fez isso? – Harry perguntou, voltando a me encarar.
_Caí e me apoiei em reflexo. – Respondi escorregando o meu olhar para o gramado, contemplando-o através das frestas do banco de madeira. Senti-o pegar delicadamente a minha mão e virá-la com a palma para cima.
_Então deveria ter algum machucado em sua mão também, não acha? – Senti meu rosto esquentar. Por que tinham que ter me arranjado um noivo tão desconfiado?
_Tive sorte, não? – Perguntei, tomando coragem e olhando-o, de peito estufado.
_Ginny, eu não sou burro. Quem te bateu? – Harry agora me perguntava em um tom mais autoritário. Agora ele me perguntava usufruindo dos direitos de noivo que ele tinha. Era uma ordem.
_Minha... mãe. – Respondi, baixando o olhar.
_Por que? Com que direito?
_Porque ela escutou o meu pedido ontem de manhã. Disse que eu não tinha o direito de te pedir isso e que eu era uma vergonha. – Ah, não. Agora as lágrimas estavam invadindo meus olhos e eu puxei a mão que ele ainda segurava. Lutando contra a fraqueza, respirei fundo. – E ela me bateu com o direito de uma mãe sobre uma filha.
_Não precisa chorar. – Escutei-o dizer docemente, sentindo sua mão sob o meu queixo, subindo meu rosto. – Não foi uma vergonha o que você fez. E se é direito ou não você me pedir isso, a escolha é minha. – Ele terminou, secando com a outra mão uma lágrima que abandonava meus olhos. Então, pegou da caixinha, que ele havia largado sobre uma de suas pernas, o anel e puxou novamente minha mão direita. – Espero que goste do seu anel de noivado. – E colocou-o em meu dedo “seu vizinho” (Mindinho, seu vizinho, pai de todos, fura-bolo, mata-piolho, entendeu?). Pegou a luva que eu segurava com a outra mão e abriu-a, para que eu pudesse recolocá-la.
Com um sorriso, ele levantou-se, beijou a minha testa e estendeu a mão.
_Vamos voltar para a festa? – Eu acenei com a cabeça e me levantei.
Naquele instante eu reconheci que meu noivo era um bom homem. Passar tempos com ele não era tão desagradável quando eu permitia. Minha sorte estaria mudando? Seria esperar demais desejar que ele fosse sempre assim, até depois do casamento? Não o conhecia direito, talvez estivesse sendo precipitada, mas sua companhia passou a me agradar.
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Inacreditável! Como poderia existir pais tão odiosos? Sempre tive muito amor, carinho e compreensão dentro de casa e parece que esse mundo Ginny não conhecia. Eu teria que fazer alguma coisa para ajudá-la.
A marca de seu pulso deixava clara que ela fora segurada com mais força que o seu pequenino corpo suportava. Não duvidaria que seu pulso poderia ter se rompido. E eu tinha toda a certeza que a violência não se resumia àquele hematoma. Era quase surreal imaginar alguém com crueldade suficiente para maltratar alguém com aparência tão doce e frágil. Santo Deus, uma única mão minha poderia cobrir-lhe o rosto.
Já dentro do salão, a conduzi até a mesa em que estávamos anteriormente com Rony, que já não se encontrava mais lá. Supus que tirara sua noiva para dançar. Puxei uma cadeira para Ginny sentar-se e, antes de eu sentar na minha, avistei um homem loiro vir em nossa direção. Malfoy.
_Boa noite. – Ele cumprimentou-me, abaixando a cabeça. – Boa noite, Srta. Weasley.
Ginny apenas acenou com a cabeça educadamente, com um sorriso simpático nos lábios. E, com o perdão do pensamento, que lábios... Forçando-me a voltar para a realidade, olhei para Draco que já sentava-se em uma das cadeiras desocupadas. Estava virado para a <i>minha</i> noiva, fingindo que eu não estava aqui.
_Está deslumbrante, Srta. Weasley. – Ele falou no que supus ser uma tentativa de ser elegante. – Gostaria de dançar uma valsa?
Notei que Ginny me lançou uma olhadela preocupada e logo baixou a cabeça, encarando o seu colo.
_Temo que esteja cortejando a dama errada, Sr. Malfoy. A Srta. Weasley está comprometida.
O loiro olhou para mim, como se reparasse só agora que eu ainda estava aqui. Mediu-me com o olhar e voltou-se para Ginny.
_Meus pêsames. – A moça olhou para ele com um ar que, será, era ofendido?
Eu ri e o Sr. Malfoy levantou-se, deixando-nos. Logo em seguida, Rony e a Srta. Granger chegaram rindo de alguma coisa que eu não identifiquei.
_Ginny, já provou aquele docinho amarelo? – Ouvi a moça morena perguntar.
_E aí, Harry? Está gostando da festa? – Rony começou e eu desviei minha atenção das damas.
_Normal. – Eu respondi.
_Entendo o que quer dizer. Poderiam mudar o padrão de vez em quando, né? Faz séculos que é sempre a mesma coisa. – E virou a sua atenção ao garçom que servia taças de champanhe. Ele pegou duas e eu outras duas, dando uma para Ginny que agradeceu com um sorriso.
Assim que a festa acabou, levei minha noiva até sua casa.
_Ginny, se importaria se eu descesse para conversar um pouco com seu pai? – Eu perguntei.
_Oh, não. Eles voltaram mais cedo para casa. Já devem ter chegado. – Ela disse com um ar confuso. Pedir uma conversa em uma hora dessas era realmente incomum, mas eu não poderia adiar. Eu acenei com a cabeça e desci do carro, abrindo a porta para ela.
Entramos e os Srs. Weasley estavam na sala de visitas, conversando. Rony não havia chegado ainda. Ele saiu conosco e deve ter ido levar a Srta. Granger até sua casa. Os dois anfitriões olharam-nos com um ar confuso, mas logo sorriram educadamente.
_Desculpe o incomodo à uma hora dessas, mas será que eu posso ter uma palavrinha com o senhor? – Eu me dirigi ao patriarca.
_Claro, acompanhe-me até o meu escritório. – Disse ele, levantando-se. Voltei-me a Ginny e beijei sua mão.
_Bons sonhos, Srta. Weasley.
_Obrigada. – Ela sorriu timidamente e eu segui o seu pai.
Entramos em um pequeno escritório forrado de estantes e com uma escrivaninha, uma grande cadeira atrás e duas à frente. Ele indicou-me uma delas enquanto dirigia-se para o seu lugar.
_Pois não, Sr. Potter.
_Serei breve. – Anunciei. – Dês do dia em que pedi a mão da Srta. Weasley em casamento, notei algumas marcas de maltrato por seu corpo. Venho... – E encarei-o seriamente. – Exigir que quem quer que esteja fazendo isso à minha noiva se detenha.
O Sr. Weasley ficou encarando-me por um tempo. Sua expressão foi tingindo um tom de vermelho e sua expressão substituída por fúria.
_O senhor está questionando o modo em que eu minha esposa educamos a nossa filha? – Ele perguntou por entre dentes
_Claro que não, senhor. Não venho questioná-lo sobre a educação que dá a vossa filha. Estou apenas fazendo uma exigência sobre o modo em que tratará minha noiva de agora em diante.
_Não seja petulante, Sr. Potter. Saiba que não é o único interessado em casar-se com Ginny. – Eu sorri. Havíamos chegado ao ponto em que eu estava esperando.
_Mas acredito que sou o único que possa levar a sua família a falência, estou errado?
Nesse instante, achei que o homem iria voar no meu pescoço. Ele se inclinou para frente, desencostando de sua cadeira, e bateu com as duas mãos na escrivaninha fazendo com que os objetos em sua superfície tremessem.
_Muitos têm a condição necessária para fazer um empréstimo a nossa família para quitarmos a dívida.
_Quitaria a dívida com a minha família, Sr. Weasley, e passaria a dever à outra. – Eu entrelacei os dedos, apoiando meus cotovelos na escrivaninha e ficando bem na frente dele. – Mas tenho que discordar que outros terão condições de fazer o empréstimo necessário. Não com os juros atuais aplicados nos vinte e quatro meses em que ficou nos devendo.
Vi seu rosto se contorcer e então ele retomar a sua postura cordial inicial, voltando a recostar-se em sua cadeira.
_Falarei com a minha esposa sobre isso e verei o que podemos fazer.
_Obrigado. Tenho certeza que não irão me decepcionar. – E, dizendo isso, levantei-me e saí de seu escritório, sem esperar que ele me acompanhasse.
Mas um dia exaustivo de trabalho. Eu precisava administrar os negócios da família dês de agora para que, quando eu herdasse tudo, já estivesse com consciência e capacidades necessárias. Agora eu tinha uma pilha para analisar sobre o andamento das fazendas. Fazendas...
Rony havia me contado uma vez que a Ginny adorava animais, principalmente cavalos. E havia uma fazenda a pouco mais de um dia de viagem, se fossemos a passos lentos, em que eu e minha família passávamos algumas temporadas para descansar da rotina da cidade, portanto tinha a estrutura necessária para confortá-la. Fazendo uma nota mental para convidar a moça quando a encontrasse mais tarde, voltei ao trabalho. O dia demoraria a passar...
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