O Beijo



GINA SEGUIU Hermione para um pequeno cômodo onde um banho quente fora preparado. De uma cadeira próxima, Hermione ergueu um vestido de seda com mangas justas.


— Ficará perfeito com seu cabelo vermelho. — Ela exibiu uma veste da cor de vinho e um cinto dourado.


Gina se maravilhou com a riqueza da tonalidade e sorriu.


— Isto é lindo.


Hermione a ajudou a despir o vestido rasgado, mas não comentou sobre os hematomas de Gina,


— Harry não conseguirá tirar os olhos de você esta noite.


Gina duvidava que ele quisesse vê-la novamente, mas limitou-se a responder:


— Você tem sido muito gentil comigo.


Entrou na tina com água, grata pelo calor confortante. Sabia que Hermione queria perguntar sobre os hematomas, mas não estava pronta para responder a estas perguntas.


Sentia-se perdida no momento. Queria criar a paz entre ela e Harry, mas havia impedimentos demais. Quando estava parada entre as ameias, Harry a tocara. Céus! Fora impossível se afastar dele! Sentira-se atraída por Harry, desejando que ele fosse o homem capaz de apagar suas tristes lembranças. Mas Harry não queria saber dela. Desprezava sua gente e os culpava pela perda da família e do lar. Precisava impedir de alguma maneira a inevitável guerra entre Harry e seu pai. Mas como?


Hermione despejou óleos perfumados na água. Gina se deleitou com a sensação do banho. Afundou a cabeça e lavou o cabelo com um sabonete com perfume de rosas dado por Hermione. Gina tocou as lesões ao longo das costelas, ensaboando-as delicadamente. Tinham adquirido um tom escuro de roxo. Imaginou que o mesmo teria acontecido ao rosto. De repente, quis ver por si mesma.


— Tem um espelho?


Hermione assentiu.


— Vou buscar.


Quando Gina mirou seu reflexo no metal polido, mal pôde acreditar no que viu. Uma mancha escura marcava sua bochecha esquerda, espalhando-se desde o queixo até a têmpora.


As mãos dela tremiam ao devolver o espelho a Hermione. Embora lutando contra, uma lágrima solitária correu por seu rosto.


— Não fazia ideia de que estava tão feio.


— Não está, acredite. É o que parece, mas vai sarar logo. — Hermione lhe entregou uma toalha. Gina se levantou, enrolando-se no linho macio. — Tenho um pouco de bálsamo colorido — ofereceu Hermione. — O machucado não ficará tão evidente se tentarmos cobri-lo.


Gina viu o ar compreensivo no rosto de Hermione e concluiu que a mulher queria realmente ajudar.


— Estou feliz por ter deixado Godric — murmurou Gina, secando as lágrimas. — Não poderia me casar com Draco, apesar do compromisso assumido.


— Foi Draco quem lhe fez isso?


Gina assentiu, passando os dedos pelo cabelo. Por impulso, decidiu confiar em Hermione.


— Sem a ajuda de Harry, eu não teria fugido dele. — Tocou o hematoma na bochecha. — Draco disse que se eu fosse mais obediente, ele não teria que me castigar.


Pousando o queixo sobre os joelhos, Gina fitava o fogo. As chamas lambiam a turfa, lançando pequenas nuvens de fumaça no quarto. As constantes críticas de Draco fizeram com que questionasse sua adequação como esposa para alguém. A fortaleza nunca estava bastante limpa, a comida nunca estava ao seu gosto.


— Comecei a acreditar nele — disse Gina. — Então compreendi que precisava partir.


Hermione trouxe o vestido e ajudou Gina a se vestir. A barra do vestido era longa o suficiente para lhe tocar os tornozelos. Hermione ajustou a veste vermelho-escura, arrumando as dobras acima do cinto preso á cintura de Gina. Então pegou um pente e começou a deslizá-lo pelos fios embaraçados na cabeça de Gina. O movimento a acalmou.


— Agiu certo ao deixá-lo — disse Hermione.


— Queria nunca ter ficado noiva. — Gina deu um meio sorriso. — Mas fico feliz por ter conseguido salvar Harry e Colin. Não podia deixar que morressem... não depois de Harry tentar me ajudar.


— Ele se importa com você — disse Hermione. Ela abriu um baú e começou a examinar conjuntos de brincos e colares. — Nunca o vi antes com uma mulher, desde que a esposa morreu.


— Ele me disse que o nome dela era Cho.


Hermione assentiu.


— Harry nunca fala nela, mas todos sabem o quanto ele sofre. Às vezes eu o vejo andando na beira do mar, onde ela...


Abruptamente, Hermione se calou e levantou. Havia escolhido alguns brincos de ouro.


— Estes devem combinar com seu vestido.


— Onde ela o quê?


Hermione parecia dividida entre dizer qualquer coisa ou não. Depois de um instante, cedeu:


— Onde ela foi capturada. Harry tentou salvá-la, mas os soldados a levaram antes que ele pudesse alcançá-la.


— O que aconteceu?


— Cho escapou de seu captor e tentou se esconder em uma das choupanas. A choupana pegou fogo durante a batalha e Harry encontrou seu corpo depois. Ele se culpa pela morte de Cho.


Gina se lembrou da maneira como Harry a tocou quando estava com febre.


— Ele a amava?


Hermione assentiu.


— Amava sim. Teria dado a vida por ela.


Uma ponta de inveja atingiu o coração de Gina. Inveja de uma mulher que era tão amada.


Hermione apanhou um potinho. Observou o rosto de Gina e usou o dedo para espalhar um pouquinho do bálsamo colorido sobre o hematoma.


— À luz do fogo ninguém notará.


— Obrigada. — Gina permitiu que Hermione escondesse a lesão. Por fim, Hermione lhe prendeu um colar dourado na garganta. Embora Gina não se sentisse entusiasmada, sabia que a celebração era importante para sua anfitriã. Quando as duas mulheres terminaram de se preparar, desceram para o salão.


Gina estava surpresa por ver tamanho grupo de pessoas. Parecia que todos, desde o servo mais humilde ao nobre mais rico, estavam festejando alegremente. Lembrou-se do que Harry comentara dias atrás, ao dizer que não usavam títulos ali. Parecia não haver distinção entres os homens, o que criava a atmosfera de uma grande e barulhenta família. Plebeus e Lordes dançavam, riam e desfrutavam da celebração.


Hermione colocou a mão sobre o braço de Gina.


— Seja bem-vinda ao nosso lar. Espero que desfrute de nossa hospitalidade por quanto tempo precisar.


Gina procurou por Harry, mas não viu sinal dele. Ao seu redor, tochas se alinhavam nas paredes. Um jovem sorridente tocava uma alegre melodia nas flautas, enquanto outro criava ritmo num tambor redondo.


Homens e mulheres se davam as mãos, dançando passos intrincados e esbarrando nos quadris uns dos outros. Outros bebiam hidromel, banqueteando-se de carne-assada, doces e queijos. Hermione encontrou o marido, Ronald, que lhe entregou um bebê que choramingava. Gina observou Hermione levar o filho para um canto e começar a amamentá-lo. Na Sonserina, tal coisa era incomum. A senhora do castelo teria arranjado uma ama de leite para cuidar do bebê. Nunca ficaria com a criança nos próprios braços.


O amor e a alegria no rosto da jovem mãe fizeram Gina invejar um filho para si. Ela se misturou à multidão, as costas voltadas para a parede. A música animada cessou quando uma mulher começou a tocar uma harpa. O salão ficou silencioso; todos ouviam um homem cantar a balada sobre o trágico amor entre um pastor e uma donzela.


Gina se embebeu da lírica, fechando os olhos. Fazia tanto tempo que não ouvia qualquer tipo de música. A melodia da harpista esvaeceu até o silêncio, deixando que outra música dançante começasse. A mão de alguém tocou o ombro de Gina, que pulou assustada.


Esperando que fosse Harry, virou-se com um sorriso. Um homem de rosto redondo sorriu em resposta. Possuía longos cabelos castanhos, trançado à altura das têmporas.


— Nunca a vi antes. Gostaria de dançar? — Ele falava em grifinório, os olhos demonstrando aberta admiração. — Você é adorável.


O sorriso de Gina sumiu.


— Não. Quero dizer, eu não danço.


— Razão maior ainda para aprender. Meu nome é Neville. — Ele tomou Gina pelas mãos e começou a puxá-la em direção à multidão, onde casais estavam de mãos dadas.


— Não, é verdade. Prefiro não dançar. Ela tentou livrar as mãos, mas o homem se recusou a soltá-la.


Outro homem, mais alto e também barbudo, surgiu e segurou Gina pela cintura, rindo enquanto a empurrava adiante.


— Nós dois dançaremos com ela, Neville. Então ela poderá escolher um de nós. Ou ambos. — Ele sorriu maliciosamente.


Uma sensação de pânico a invadiu, então ela tentou se afastar deles.


— Soltem-me... por favor.


Eles não lhe deram atenção, e logo ela se viu em meio aos dançarinos. Neville a segurou em volta das costelas e Gina ofegou com a dor abrasadora que se propagou pelo lado machucado. Tentou empurrar Neville para longe, mas ele a ignorou.


Subitamente as mãos desapareceram, dando-lhe espaço para respirar novamente. Ergueu os olhos e viu Harry. Ele encarava os homens.


— Ninguém toca nela.


Ao tom furioso, os homens cederam e foram em busca de outras parceiras. Gina deixou que Harry a escoltasse dali, sendo levada para um canto escuro.


— Eles a machucaram? Ela meneou a cabeça.


— Mas não me escutaram quando eu disse que não queria dançar.


Harry encarou a multidão.


— Deveriam saber que não se força uma mulher. Farei com que se lembrem disso da próxima vez.


— Não, está tudo bem. — Gina se apoiou na parede. — Não pretendiam fazer nada de errado.


Harry ficou ao lado dela, sem tocá-la, calado. Gina sentia-se confortada só por estar perto dele. Quando a harpista começou outra melodia, os lábios dela se curvaram num sorriso ao repetitivo refrão.


— Gosta de música?


— Adoro. — Gina fechou os olhos, apreciando o sentimento de cada nota. Um momento depois, a mão de Harry acariciava a dela. Gina sobressaltou-se com a sensação, mas deixou a mão onde estava. Sua mente repreendia o corpo pela fraqueza. Mas Harry lhe trazia conforto.


Deveria se afastar dele, fugir do afluxo de calor que a inundava. Um instante depois, Harry trazia o rosto dela até si. As mãos lhe moldaram as faces, fazendo com que Gina o fitasse.


— O machucado está melhor,


— Hermione me ajudou a cobri-lo. — Gina mal notava suas próprias palavras, pois os polegares de Harry lhe tocavam os cabelos. Deixara-os soltos sem nenhum véu, como Hermione havia sugerido. Era estranho deixar o cabelo descoberto à moda grifinória. Os dedos de Harry se entrelaçavam em seus cachos, o toque pouco mais do que um sopro de ar.


— Você me parece... bem esta noite.


O olhar intenso fez a respiração de Gina ficar presa na garganta.


Afaste-se, Gina, o coração a lembrou. Ele só irá lhe trazer dor.


Mas o corpo traidor permaneceu no lugar.


Harry começou a recuar, mas Gina cobriu as mãos dele com as suas, mantendo-as em seus cabelos. O toque das mãos dele tornava impossível manter qualquer pensamento claro na mente. Ansiava por saber a sensação de ser beijada por um homem com carinho, sem o desejo de punição.


— Harry? — ela perguntou, a voz pouco mais que um suspiro.


Nos olhos dele, Gina viu a luta para manter distância. Harry não queria ficar perto dela. Percebendo a rejeição, ela começou a se afastar.


— Fiquei louco — ele murmurou.


Sem aviso, a boca de Harry tomou a dela, cálida e carinhosa. Ele a tratava como um estimado pertence, como se Gina pudesse se quebrar em seus braços. O beijo foi um bálsamo curativo, aliviando os antigos momentos de dor e medo.


A boca de Gina se entreabriu, o beijo se tornou febril. As línguas se encontraram, e novas sensações pulsaram dentro dela. Gina se agarrou a Harry para se equilibrar, ciente da excitação dele pressionando seu corpo. Os lábios de Harry trilharam um caminho garganta abaixo, iniciando uma tempestade selvagem de desejo.


Quando os braços fortes lhe seguraram a cintura. Gina se sentiu aprisionada. Deixou escapar um gemido, mas, antes que pudesse lutar contra o abraço. Harry recuou. A respiração dele estava ofegante, como a dela.


— Lamento. — Ele recuou vários passos, sem olhar para ela. — Não deveria ter tocado você.


Gina fechou os olhos, tentando recobrar os pensamentos. E, mais importante, via a aversão no rosto dele. Isso a enfureceu.


— Porque sou uma sonserina e, portanto, sua inimiga?


— Sim. É melhor não complicar as coisas entre nós.


Gina escondeu suas emoções, não querendo que ele visse o quanto a rejeição a magoava. O beijo fora assim tão terrível? Sua falta de experiência o repelia? Ou será que não podia enxergar além de sua origem sonserina?


— Preciso levá-la de volta. — Harry lhe deu as costas, lutando contra o desejo dentro de si. Nunca quis tanto uma mulher assim. Ficava aterrorizado com a maneira como ela o fazia se esquecer de si mesmo. Mais uns momentos e teria levado Gina para o quarto.


Dois anos de celibato tornavam a atroz necessidade ainda pior. Sabia que era errado beijá-la. Mas quando viu aqueles dois homens pressionando-a a dançar, quando viu o medo em seu rosto, ficou exacerbado. A vontade de mantê-la em segurança havia destruído qualquer pensamento racional.


Mas a maneira com que ela o fitou fora destruidora. Pela primeira vez não pensou em Cho. Quando sentiu os lábios dela nos seus, um inegável desejo se inflamou dentro de Harry.


O que mais o aborrecia era a própria esposa jamais ter inspirado tais sentimentos de luxúria. Harry havia honrado Cho, amando-a com tudo de si. Seus momentos de amor eram doces, carinhosos.


Mas isto era diferente, Embora não tivesse feito nada além de beijar Gina, acontecera uma ligação entre os dois. Harry não queria desejar outra mulher. Tinha prometido à esposa que a amaria até o dia em que morresse. Não conseguia se imaginar com outra mulher.


Contudo não podia negar que queria Gina. Repreendeu a si mesmo por sua falta de disciplina. Os sonserinos eram seus inimigos, aqueles a quem jurara matar.


No entanto, jamais ergueria a espada contra Gina, Seu ar inocente emaranhava seu plano de vingança. Se conquistasse Godric e colocasse a família dela na mira de sua espada, não estaria fazendo coisa melhor que Sir Draco Malfoy.


Por Deus! Precisava colocar o máximo de distância possível entre os dois. Do contrário, Gina o desviaria do caminho e enfraqueceria seu propósito.

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