CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 24
- Quantos acha que tem aí fora? - perguntou Agnes, que estava de pé ao lado de Gina, no parapeito.
Agnes tinha trabalhado tanto durante a última semana, que Gina insistiu em que saíssem para tomar um pouco de ar fresco.
Gina observou o que em outras ocasiões não tinha sido mais que uma “justa local”, se transformou em um espetáculo extraordinário, depois que o rei Henrique ordenou ao Lobo que participasse do torneio.
Tinham chegado milhares de nobres, cavalheiros e espectadores da Inglaterra, Escócia, França e Gales, e o vale e as colinas dos arredores parecia agora completamente talhadas de tendas e pavilhões das mais brilhantes cores, que cada um dos recém chegados mais importantes tinha erguido para sua própria comodidade. Para Gina pareciam muitas cores, cheios de desenhos e salpicado de estandartes.
Gina esboçou um sorriso, e respondeu:
- Eu diria que seis mil ou sete mil. Provavelmente mais.
E sabia por que estavam ali. Muitos deles tinham ido com a esperança de medir suas forças com o legendário Lobo Negro.
- Olhe, está chegando outro grupo. - comentou Gina, apontando para o leste, onde cavaleiros e homens a pé apareciam sobre uma colina.
Durante quase uma semana, tinham chegado em grupos de cem ou mais, e Gina estava familiarizada com a rotina seguida pelas comitivas de cavaleiros ingleses. Primeiro chegava um pequeno grupo, incluindo um corneteiro, que anunciava a iminente chegada de seu ilustre senhor. Esse primeiro grupo cavalgava logo até Claymore e ali informava que seu senhor já se aproximava, o qual não era nenhuma vantagem, pois todas as habitações de Claymore, das sessenta que havia nos edifícios de entrada até a mais diminuta água-furtada habitada em cima do salão, já estavam ocupadas pelos convidados pertencentes à nobreza. O castelo estava tão lotado que todos os assistentes e servos dos nobres se viram obrigados a permanecer fora dos muros do castelo, onde encontraram alojamento nos pavilhões.
Depois da aparição dos corneteiros e os exploradores, chegava um grupo mais numeroso, que eram o senhor e sua dama, montados sobre cavalos magnificamente equipados. A seguir vinham os grupos de servos e os carroções que transportavam as tendas e tudo o que exigiria o séqüito de um nobre: toalhas, jóias, frigideiras, camas e até tapeçarias.
Todo isso se transformou em um espetáculo habitual para Gina durante os quatro últimos dias. Às famílias nobres, acostumadas a deslocar-se a mais de cem quilômetros de distância de seus castelos, não se importavam de fazer uma viagem tão longa para assistir ao que prometia ser o maior torneio que tinham assistido em sua vida.
- Nunca vimos nada igual... nenhum de nós. - disse Agnes.
- Os aldeãos estão fazendo o que pedi que fizessem?
- Com certeza, milady, e sempre seremos muito gratos por isso. Em apenas uma semana, ganhamos mais moedas do que em toda uma vida, e ninguém se atreve a nos enganar como têm feito todo ano quando chegam para o torneio.
Gina sorriu e recolheu o cabelo para permitir que a fria brisa do final de outubro refrescasse a nuca. Quando chegou a primeira dúzia de famílias ao vale e começaram a receber pedidos de mantimentos e gado, as famílias que cuidavam disso apenas recebiam umas poucas moedas.
Gina tinha descoberto o que acontecia, e agora todas as casas do vale, e todas as cabeças de gado usavam distintivos com a figura de um lobo, que Gina tinha tirado dos guardas, cavalheiros, armaduras e de qualquer outra parte em que pudesse encontrá-los. A presença de um desses distintivos indicava que quem o usava se encontrava sob o amparo do Lobo. “Meu marido não permitirá que ninguém trate seu povo de maneira tão vil. - explicou enquanto entregava os distintivos às centenas de servos e arrendatários que se reuniram no pátio. - Podem vender tudo o que quiserem, mas se eu estivesse em seu lugar só o faria a quem oferecesse mais.”
- Quando tudo isto tiver acabado, - continuou Gina - me ocuparei de descobrir onde podemos conseguir novos teares de que falei com as mulheres da aldeia. Se o dinheiro que obtiverem esta semana for empregado em adquirir coisas úteis como esses teares, os benefícios que proporcionaram lhe permitirão ganhar mais. E agora o que eu penso, - acrescentou - visto que este torneio é um acontecimento anual, todos deveriam planejar um modo de incrementar seus pertences a fim das vender no ano seguinte. Podem obter com isso grandes benefícios. Falarei do assunto com o duque e com nossos oficiais, e depois ajudarei a todos a traçar planos se assim o desejarem.
Agnes a olhou emocionada.
- Foi uma verdadeira bênção enviada aqui pelo mesmo Senhor, milady. Todos nos pensamos assim, e lamentamos muito a forma como foi recebida ao chegar. Agora, todo mundo sabe que posso falar com franqueza com você, por ser sua aia pessoal, e cada dia me pedem que lhe assegure do quanto estão agradecidos.
- Obrigado. - disse Gina. Depois, com um sorriso, acrescentou: - Também é justo lhe dizer, que minhas idéias sobre os benefícios que podem obter dos torneios, os teares e outras coisas são próprias de uma escocesa. Como sabe, em minha terra somos bastante ativos.
- Agora é inglesa, se me permitir que lhe diga isso. Casou-se com nosso senhor e isso a transforma em uma de nós.
- Sou escocesa. - replicou Gina com voz serena. - Nada mudará isso, nem desejo que mude.
- Sim, mas amanhã, durante o torneio, todos em Claymore e no povoado confiamos que se sente ao nosso lado. - disse Agnes com nervosismo, mas com determinação.
Gina tinha concedido permissão a todos os servos do castelo para que assistissem o torneio, no dia seguinte, que era o mais importante, ou no outro, e todos os que viviam ou trabalhavam no castelo aguardavam o momento com ansiedade.
Não teve necessidade de responder à pergunta velada de Agnes a respeito de onde tinha a intenção de sentar-se durante o torneio, pois nesse momento chegaram alguns cavaleiros que já estavam preparados para escoltá-la no pátio. Havia dito a Harry que tinha a intenção de visitar o pavilhão do clã Weasley, situado no limite ocidental do vale. Ele estava de acordo, pois, como bem sabia Gina, não restava outra alternativa, mas só com a condição de que seus homens a escoltassem até lá. No pátio viu a “escolta” que Harry tinha achado evidentemente necessária, e que estava composta por seus quinze guardas pessoais, incluídos Hagrid, Rony, Godfrey, Eustace e Lionel, que aguardavam montados e armados.
De perto, o vale coberto de tendas e pavilhões de brilhantes cores, parecia muito mais festivo e cheio de vida que do parapeito. Ali onde ficava o espaço para o torneio, organizavam justas para praticar, e diante de cada tenda onde se alojasse um cavalheiro, podia se ver seu estandarte e sua lança. Tudo era multicolorido: tenda de franjas vermelhas, amarelas e azuis; estandartes, escudos pintados com falcões vermelhos, leões dourados e ursos verdes, alguns deles quase tão cheios de detalhes que Gina não pôde deixar de sorrir diante de semelhante desdobramento.
Através das abas abertas das tendas maiores, observou alegres tapeçarias e brancos linhos estendidos sobre as mesas diante das quais cavalheiros, e freqüentemente famílias inteiras, comiam em bandejas de prata e bebiam de taças com jóias incrustadas. Algumas famílias se sentavam sobre grandes almofadas de seda; outras dispunham de cadeiras tão esquisitas como as que se encontravam no grande salão do castelo de Claymore.
De vez em quando, algum cavalheiro saudava os homens de Harry, mas embora sua escolta não se detivesse em nenhum momento, Gina demorou quase uma hora em chegar ao vale até a ladeira ocidental. Tal como acontecia na vida cotidiana os escoceses ou se mesclavam com os odiados ingleses, pois enquanto no vale era domino destes, a colina norte pertencia aos outros. Além disso, o lado ocidental era a província dos franceses. Como os membros de seu clã foram os últimos em chegar a Claymore, suas tendas se levantavam na parte posterior do lado norte, bastante acima das outras. Ou provavelmente, pensou Gina, seu pai tinha preferido esse lugar porque estava situado mais perto do nível onde se elevava o castelo de Claymore.
Gina olhou ao redor, para os “acampamentos inimigos” que no momento coexistiam em paz. Séculos de animosidade foram deixadas temporalmente de lado, ao observar todas as faces da antiga tradição que garantia a qualquer cavalheiro que assistisse um torneio passar livremente entre os grupos. De repente, Rony, como se tivesse lido o pensamento, disse:
- Esta é, provavelmente, a primeira vez em várias décadas que tanta gente de três países ocupa o mesmo território sem lutar por sua posse.
- Eu estava pensando o mesmo. - admitiu Gina, assombrada pelo comentário.
Embora Rony a tratasse invariavelmente com cortesia, Gina percebia que ele desaprovava sua atitude para com Harry. Imaginou que devia considerá-la pouco razoável. Se não a lembrasse tão dolorosamente do próprio Harry cada vez que o olhasse, provavelmente tivesse feito um esforço maior em estabelecer com ele à mesma relação afetuosa que mantinha agora com Godfrey, Eustace e Lionel. Os três se comportavam com Harry e Gina com extraordinária precaução, o que significava que ao menos compreendiam a postura dela no conflito. Era evidente, também, que, em sua opinião a brecha aberta entre marido e mulher era lamentável, mas absolutamente irreparável. Para Gina não lhe ocorreu pensar que o irmão de Harry pudesse ser muito mais consciente que seus amigos do quanto intensamente afetava Harry aquela separação, e do quanto lamentava profundamente as ações de seu irmão.
A razão da atitude um pouco mais afetuosa de Rony, tampouco era um mistério para Gina; no dia anterior, seu pai tinha notificado sua chegada, e Luna tinha incluído uma mensagem que Gina se encarregou de entregar a Rony, sem ler.
Enviou também um mensageiro a seu pai, para lhe dizer que iria vê-lo. Desejava explicar-se e lhe pedir desculpas por sua reação injusta e excessivamente emocional diante da sua intenção de enviá-la a um convento. Mas o visitava, sobretudo, para lhe pedir perdão pelo papel que tinha desempenhado involuntariamente na morte de Carlinhos. Foi ela quem pediu a Harry que permitisse a Carlinhos ficar. E foi sem dúvida o modo colérico como tinha reagido que alterou Carlinhos e pôs Harry furioso.
Não esperava que seu pai nem o resto de seu clã a perdoassem, mas precisava lhe dar uma explicação. De fato, esperava que a tratassem como uma paria, mas ao se deter diante das tendas de Weasley, se deu conta em seguida de que não ia ser assim. Seu pai saiu da tenda, e antes que Ronsald Potter pudesse desmontar e ajudá-la a fazer o mesmo, adiantou-se, tomou Ginevra pela cintura e a ajudou a ficar de pé. Outros membros do clã saíram de suas tendas e, de repente, Gina se viu envolvida em abraços e até Garrick Carmichael e Hollis Ferguson lhe deram tapinhas afetuosos. Inclusive Malcolm estendeu um braço sobre os ombros.
- Gina. - exclamou Luna quando finalmente conseguiu chegar junto a sua irmã. – Senti tanto sua falta. - acrescentou ao mesmo tempo em que a abraçava com força.
- Eu também senti sua falta. - disse Gina, emocionada diante daquela amostra de simpatia.
- Entre, querida. - insistiu seu pai.
E diante da surpresa de Gina, foi ele quem se desculpou por ter interpretado mal seu desejo de retirar-se a um convento em vez de morar com seu marido. Algo que deveria tê-la feito se sentir melhor, mas que, na realidade, fez com que se sentisse mais culpada.
- Isto pertenceu ao Carlinhos. - disse o conde de Weasley lhe entregando a adaga de seu meio-irmão. - Sei que te amava mais que todos nós, e teria desejado que estivesse em seu poder. Eu gostaria que amanhã, durante o torneio, a levasse em sua honra.
- Sim... - assentiu Gina, com olhos nublados pelas lágrimas. - Assim farei.
Depois ele começou a lhe contar como tinham tido que enterrar Carlinhos em terreno não sagrado; falou das orações que rezaram pelo corajoso futuro senhor de Weasley, assassinado antes que alcançasse os melhores anos de sua vida. Quando terminou de falar, Gina se sentia como se Carlinhos tivesse morrido de novo, de tão presente que estava em sua memória.
Ao chegar o momento de partir, seu pai assinalou uma arca situada em um canto da tenda, e enquanto o pai de Becky e Malcolm o tirava, disse:
- Essas são as coisas de sua mãe, querida. Sabia que você gostaria de tê-las, sobre tudo agora, que deve conviver com o assassino de seu irmão. Será um consolo para você, a lembrará que é e será sempre a condessa de Rockbourn. - Quando Gina se dispôs a partir, acrescentou: - Tomei a liberdade de desdobrar seu próprio estandarte, o estandarte de Rockbourn, que no torneio de amanhã estará junto ao nosso. Pensei que você gostaria de vê-lo ali, enquanto é testemunha de nossa luta contra o assassino de seu querido Carlinhos.
Gina se sentia aflita pela dor e o sentimento de culpa que não pôde dizer nada. Ao entardecer saiu da tenda de seu pai para partir de retorno ao castelo descobriu que todo aquele a quem não tinha visto ao chegar estavam ali, esperando-a, para saudá-la. Era como se tivesse vindo todo o povo dos arredores de Weasley, junto com todos os parentes varões que tinham.
- Sentimos falta de você, pequena. - disse-lhe o armeiro.
- Amanhã faremos com que se sinta orgulhosa de nós. - disse um primo longínquo, que até então nunca tinha mostrado simpatia por ela. - Do mesmo modo que fez com que nos sentíssemos orgulhosos de você por ser escocesa.
- O rei Jacob - anunciou seu pai com voz forte que pôde ser escutada por todos - pediu-me que te enviasse suas saudações pessoais, junto com um pedido para que não esqueça nunca as restingas e as montanhas de sua pátria.
- Esquecer? - disse Gina com um sussurro abafado. - Como poderia esquecer?
Seu pai lhe deu um prolongado e carinhoso abraço, em um gesto tão impróprio dele que Gina rezou para não ter que retornar a Claymore.
- Confio em que sua tia Elinor se ocupe de cuidar de todos. - acrescentou ele enquanto a acompanhava para seu cavalo.
- Cuidar de nós? - repetiu Gina sem compreender.
- Bem... - Ele fez um gesto vago. - Quero dizer que prepare suas infusões e remédios enquanto esteja com você. Para assegurar que todos se encontrem bem.
Gina assentiu, pegando a adaga do Carlinhos, ao mesmo tempo em que pensava nas inúmeras viagens que tia Elinor tinha feito ultimamente aos bosques, em busca de suas ervas. Estava a ponto de montar em seu cavalo quando viu o olhar desesperado e suplicante de Luna, o que a lembrou da mensagem cuidadosamente escrita que ela tinha lhe enviado na noite anterior.
- Pai. - disse Gina voltando-se para ele, e não teve que fingir seu desejo - Seria possível... que Luna retornasse comigo e passasse em minha companhia a véspera do torneio? - Iremos juntas para ele.
Por um instante seu pai adotou uma expressão severa. Depois, um ligeiro sorriso apareceu em seus lábios, e assentiu com um gesto.
- Pode me garantir sua segurança? - perguntou.
Gina assentiu com um gesto.
O conde de Weasley permaneceu fora de sua tenda, em companhia de Malcolm vendo como partiam, até depois de vários minutos que Luna e Gina desapareceram de vista.
- Acha que funcionou? - perguntou Malcolm enquanto observava Gina se afastar com gesto de desprezo.
Lorde Weasley assentiu e se limitou a responder:
- Se lembrou de seu dever, e cumprirá com ele seja qual for o desejo que sinta pelo açougueiro. Sentara-se em nosso pavilhão e nos animará a dar um castigo nos ingleses, enquanto seu marido e todo seu povo observam.
Malcolm não fez agora o menor esforço para esconder o quanto detestava sua meia-irmã, e perguntou friamente:
- Mas nos aclamará quando o matarmos no campo? Duvido. Na noite que fomos a Claymore, pendurou-se virtualmente nele e lhe suplicou que a perdoasse por ter pedido que a enviassem para o convento.
Lorde Weasley se voltou e disse em tom lacônico:
- Meu sangue flui por suas veias. Ela me ama. Se dobrará a minha vontade... Sempre fez, embora não se desse conta disso.
O pátio de treinamentos aparecia brilhantemente iluminado pela luz alaranjada das tochas acesas, e estava cheio de convidados sorridentes e de servos fascinados que observavam Harry sagrar cavalheiro o escudeiro de Godfrey. Pelo bem dos seiscentos convidados e trezentos vassalos e servos que assistiam, decidiu que essa parte da cerimônia aconteceria no pátio, e não no interior da capela.
Gina permanecia tranqüilamente de pé, com um leve sorriso nos lábios; a cerimônia e a pompa que a acompanhavam tinham feito com que se esquecesse por um momento de seus temores. O escudeiro, um jovem musculoso chamado Bardrick, achava-se ajoelhado diante de Harry, vestido com a simbólica túnica branca, o manto e o capuz vermelho e a capa negra. Tinha jejuado durante as últimas vinte e quatro horas e tinha passado a noite na capela, entregue à oração e à meditação. Ao amanhecer se confessou com frei Gregory, ouviu a missa e comungou.
Agora, os outros cavalheiros e as damas que foram convidadas para participar da cerimônia, levaram uma a uma as peças de sua brilhante armadura e as depositaram aos pés de Harry. Uma vez feito isto, Harry olhou para Gina, que segurava as esporas de ouro que constituíam o último símbolo da fila de cavalheiro, que eram os únicos autorizados a levar.
Gina recolheu um pouco a saia de seu vestido de veludo verde, adiantou-se e depositou as esporas sobre a relva, perto dos pés de Harry. Ao fazer, seu olhar se viu atraída para as esporas de ouro presa nas botas de couro de seu marido, e se perguntou de repente se sua nomeação como cavalheiro no campo de batalha de Bosworth tinha sido tão grandioso como esta mesma cerimônia.
Godfrey lhe dirigiu um sorriso ao adiantar-se levando nas mãos a última e mais importante peça: uma espada. Uma vez depositada ao lado de Bardrick, Harry se inclinou e fez a ele três perguntas em voz baixa, que Gina não pôde escutar com clareza. Evidentemente, as respostas de Bardrick satisfizeram Harry, que assentiu com um gesto. Aconteceu a seguir a tradicional pancada nas costas e, sem se dar conta do que fazia, Gina conteve a respiração quando Harry levantou a mão e proporcionando a Bardrick uma sonora bofetada.
Frei Gregory pronunciou rapidamente a bênção da Igreja sobre o recém sagrado cavalheiro, e o ar se encheu de vivas quando o agora Sir Bardrick se levantou. De acordo com a tradição, pôs-se a correr para o cavalo, que tinha sido colocado a alguns metros dele, montou-o de um salto, sem tocar os estribos e cavalgou pelo pátio o melhor que pôde, jogando moedas aos servos.
Lady Katherine Melbrook, uma encantadora dama de cabelo castanho, apenas um pouco mais velha que a própria Gina, aproximou-se do cavalheiro e lhe sorriu enquanto o observava fazer cambalhotas sobre seus arreios, com acompanhamento dos músicos. Durante a última semana, Gina tinha descoberto com surpresa que vários dos ingleses lhe pareciam simpáticos, e ainda lhe surpreendeu mais o fato de que eles parecessem aceitá-la.
A mudança era tão espetacular com relação ao comportamento demonstrado em Weasley na noite de seu noivado que não pôde deixar de experimentar um certo receio. Katherine Melbrook, entretanto, foi à única exceção, pois era uma jovem tão extrovertida e amistosa, que Gina gostou e confiou nela no primeiro dia, a partir do momento em que lhe anunciou entre risadas: “Conforme afirmam as fofocas dos servos, é algo entre um anjo e uma santa. Nos disseram que a dois dias repreendeu seu próprio mordomo por ter batido em um de seus servos. E que um rapaz travesso, dotado de excelente pontaria, foi tratado com algo mais que simples misericórdia.”
A partir desse instante se tornaram grandes amigas, e Katherine Melbrook permaneceu regularmente ao lado de Gina, ajudando-a em seus múltiplos afazeres, e ocupando-se de dirigir os servos quando ela ou tia Elinor estavam ocupadas com outras coisas.
Katherine afastou atenção de Gina da figura de Sir Bardrick e perguntou em tom de brincadeira:
- Se deu conta de que o duque a observa com um olhar que até meu próprio romântico marido descreve como terno?
A contra gosto, Gina voltou à cabeça na direção para quem Katherine Melbrook olhava. Harry se achava rodeado por um grupo de convidados, entre os quais se incluía Lorde Melbrook, mas parecia totalmente absorvido na conversa.
- Afastou o olhar assim que você olhou. - disse Katherine com um sorriso. - Entretanto, não olhou para o outro lado nesta mesma noite, quando Lorde Broughton andava agarrado a suas saias. Parecia se sentir extraordinariamente ciumento. Quem teria imaginado que seu feroz Lobo se transformaria em um manso gatinho dois meses depois de seu casamento?
- Não é nenhum gatinho. - replicou Gina, de maneira tão veemente que Katherine a olhou assombrada.
- Peço que me desculpe Gina. Deve se sentir desanimada. Todos nós compreendemos.
Gina olhou alarmada para sua amiga ao comprovar que seus sentimentos mais íntimos a respeito de Harry eram de algum modo, conhecidos por todos. Apesar da distância que agora os separava, uma semana antes dos convidados começassem a chegar, tinham acordado que não tentariam tratar suas diferenças entre eles.
- Todos compreendem? - repetiu Gina receosa. - A que se refere?
- Bem, a difícil situação em que se encontrará amanhã... sentada na tribuna de seu marido durante o torneio, e tendo que lhe oferecer seus préstimos diante dos homens de seu clã, que sem dúvida a observarão.
- Não tenho a menor intenção de fazer isso. - disse Gina com serena firmeza.
A reação de Katherine não foi precisamente serena.
- Gina! Não está pensando em se sentar do outro lado... com os escoceses?
- Sou escocesa. - disse Gina, e imediatamente sentiu um nó no estômago.
- Agora é uma Potter... inclusive Deus decretou que uma mulher deve estar sempre ao lado de seu marido! - antes que Gina pudesse replicar Katherine a tomou pelos ombros e acrescentou em tom de desespero. - Não sabe o alvoroço que pode armar se tomar publicamente partido por seus oponentes. Gina, estamos na Inglaterra, e seu marido é... uma lenda. O transformará em bobo diante de todos. Todos aqueles que foram agradáveis com você a desprezarão por isso, ao mesmo tempo em que ridicularizarão seu marido por não ter sido capaz de lhe conquistar. Peço-lhe, imploro... não faça isso!
- Tenho que lembrar meu marido da hora. - replicou Gina, mudando bruscamente de assunto. - Antes que nos déssemos conta de que íamos ter tantos convidados, reservamos esta noite para que os vassalos viessem a Claymore prestar juramento de fidelidade.
Atrás dela, dois de seus servos a olharam como se acabassem de ser esbofeteados. Depois se puseram a correr para onde estava o ferreiro, em companhia de duas dúzias de rapazes de Claymore.
- Lady Ginevra se sentará amanhã com os escoceses. - disse um dos servos, com angústia e incredulidade. - Sentará-se com nossos oponentes.
- Está mentindo! - exclamou um rapaz jovem cuja mão queimada tinha enfaixado pela própria Gina no dia anterior. - Ela jamais faria isso. É uma das nossas.
- Harry. - disse Gina enquanto isso ao chegar junto a seu marido, que se voltou imediatamente para ela, deixando Lorde Melbrook ainda falando. - Disse... - Mas foi incapaz de afastar de sua mente as palavras de Katherine a respeito de como ele a tinha olhado. Aturdida, acreditou sentir em seus olhos uma expressão significativa.
- Que disse? - perguntou ele.
- Disse que na véspera de um torneio todo mundo está acostumado a retirar-se cedo. - explicou Gina, que recuperou a compostura e procurou dar a seu rosto a mesma expressão amável impessoal que tinha tentado adotar desde a morte do Carlinhos. - E se tiver a intenção de que assim seja provavelmente seria conveniente tomar o juramento de fidelidade agora antes que fique muito tarde.
- Por acaso não se encontra bem? - perguntou Harry, olhando seu rosto.
- Não. - mentiu Gina. - Só me sinto cansada.
O juramento de fidelidade teve lugar no grande salão, onde já se reuniram os vassalos de Harry. Durante quase uma hora, Gina permaneceu de pé, com Katherine, Luna, Sir Rony e vários outros, observando cada um dos vassalos de Harry aproximando-se de dele. De acordo com o antigo costume, cada um deles se ajoelhava diante dele, colocava as mãos sobre as de Harry, inclinava humildemente a cabeça, e lhe jurava fidelidade. Era um ato de obediência, retratado freqüentemente nos quadros, onde os súditos se reconheciam imediatamente por aparecer de joelhos diante dos nobres. Para Gina, que já tinha visto essa cerimônia em Weasley, sempre lhe pareceu desnecessariamente humilhante para o vassalo. De certo modo, também parecia a Katherine Melbrook, que comentou com voz serena:
- Deve ser muito desonroso para um vassalo.
- Esta é precisamente a intenção. - interveio Lorde Melbrook, que evidentemente não compartilhava a aversão de sua esposa pela cerimônia. - Mas eu mesmo assumi exatamente a mesma postura diante do rei Henrique, de forma que, como vê, não é um gesto tão humilhante como parece. Embora provavelmente seja diferente quando quem finca o joelho é nobre, porque o faz diante do seu rei. - admitiu depois de refletir por um instante.
Assim que o último vassalo jurou fidelidade a seu senhor, Gina se desculpou e partiu para seu dormitório. Agnes acabava de ajudá-la a vestir a camisola de suave malha branca bordada com rosas de seda, quando Harry bateu na porta e entrou.
- Irei ver se Lady Elinor necessita de mim. - disse Agnes a Gina, para fazer depois uma rápida reverência diante de Harry e sair.
Ao se dar conta de que a camisola que vestia era quase transparente, Gina tomou rapidamente uma bata de veludo prateado e colocou. Em vez de ironizar daquele gesto pudico, ou de brincar com ela a respeito, como tinha feito em qualquer outra ocasião em que se encontravam felizmente juntos, Gina observou que o atraente rosto de Harry permanecia perfeitamente inexpressivo.
- Desejava te falar de certos assuntos. - começou Harry uma vez ela tenha amarrado a faixa da bata. - Em primeiro lugar, com respeito aos distintivos que entregou aos aldeãos...
- Se se sente zangado por isso, não reprovo por isso. - interrompeu Gina. - Deveria ter te consultado, ou ter dito antes ao Snape, sobretudo porque me atrevi a entregá-los em seu nome. Não consegui falar com você nesse momento e... eu não gosto de nosso mordomo.
- Estou longe de me sentir zangado, Ginevra. - disse ele amavelmente. - E uma vez que termine o torneio substituirei Snape. Na realidade, vim para te agradecer por ter observado esse problema, e por ter solucionado de maneira tão inteligente. Mas desejava te agradecer, sobretudo, que não tenha demonstrado diante dos servos o ódio que sente por mim.
Gina contraiu o estomago ao ouvir a palavra “ódio”.
- Na realidade, fez o contrário. - continuou ele depois de uma pausa. Olhou para a porta pela qual Agnes acabava de sair e acrescentou ironicamente: - Agora nenhum deles faz o sinal da cruz quando cruza comigo. Nem sequer sua donzela.
Gina, que ignorava que ele se desse conta disso, assentiu, sem saber o que dizer. Harry vacilou e, quando falou, fez com uma careta sardônica nos lábios.
- Seu pai, seu meio-irmão e outros três homens do clã Weasley me desafiaram com as lanças amanhã.
Gina se sentia perturbada diante da presença de Harry, sobre tudo desde que Katherine fez aqueles comentários sobre quão terno ele era com ela, mas esse sentimento terminou quando ouviu que acrescentava:
- Aceitei.
- Naturalmente. - disse ela sem poder dissimular sua amargura.
- Não tinha outra alternativa. - argumentou. - O rei me ordenou que não recusasse nenhum desafio que venha de sua família.
- Terá um dia muito ocupado. - comentou ela, lhe dirigindo um gélido olhar. Era de conhecimento de todos tanto na Escócia como na França tinham trazido seus melhores cavalheiros para enfrentar Harry no dia seguinte. - De quantos combates participará?
- De onze. – respondeu ele.
- Onze. - repetiu Gina com um tom mordaz cheio de frustração e de uma infinita dor diante do que considerava como um ato de traição por parte de seu marido. - Entendi que o número habitual é três. Mas imagino que para se sentir forte e valente necessita de pelo menos quatro vezes a quantidade de violência que qualquer outro homem, não é verdade?
O rosto de Harry empalideceu ao escutar aquelas palavras.
- Só aceitei esses combates porque me foi ordenando especificamente que o aceitasse. Recusei pelo menos outros duzentos.
Uma dúzia de respostas sarcásticas foi aos lábios de Gina, mas não teve coragem para expressá-las. Enquanto o olhava, sentia que algo morria dentro dela. Harry se voltou para partir, mas ao ver a adaga do Carlinhos sobre o aparador situado junto à parede, fez com que ela se sentisse desesperada em defender as ações de seu irmão morto. Quando Harry estendeu a mão para o punho da arma, Gina disse:
- Pensei muito nisso, e acredito que Carlinhos não tirou sua adaga da bainha porque tivesse intenção de usá-la, mas sim porque lhe pareceu uma medida de precaução para sua segurança enquanto se encontrava sozinho com você no salão. Ou provavelmente porque temia por minha segurança. Era evidente que naquele momento estava furioso comigo. Mas ele nunca teria tentado te atacar... pelas costas.
Não era uma acusação, e sim uma simples afirmação das mesmas conclusões a que Harry tinha chegado e embora não se voltasse para ela, Gina observou que seus ombros se esticavam, como se com isso quisesse se preparar para a dor que lhe produziriam suas próprias palavras.
- Eu cheguei à mesma conclusão na noite em que aconteceu. - disse Harry com voz áspera, quase aliviado pelo fato de ter dito. - Pela extremidade do olho vi que desembainhava uma adaga atrás de mim, e reagi de modo instintivo. Foi um ato de reflexo. Sinto muito, Ginevra.
Sabia que a mulher com quem se casou não aceitaria sua palavra nem seu amor, mas, estranhamente, aceitou sua desculpa.
- Obrigada - disse ela dolorosamente - por não tentar me convencer, nem de se convencer, de que ele era um assassino. Isso fará com que as coisas sejam muito mais fáceis para nós... para você e também para mim... - Guardou silêncio, enquanto tentava imaginar seu futuro ao lado daquele homem, mas a única coisa que podia pensar agora era no que ambos tinham compartilhado em outro tempo... e perdido. - Para que ao menos nos tratemos cortesmente. - concluiu sem convicção.
Harry deixou escapar um suspiro e se voltou para ela.
- E isso é tudo o que deseja de mim? - perguntou com voz emocionada. - Cortesia?
Gina, incapaz de falar, assentiu com a cabeça. E esteve a ponto de acreditar que no olhar de Harry havia dor... uma dor que inclusive superava o que ela mesma experimentava.
- Isso é tudo o que desejo. - conseguiu dizer finamente.
Harry abriu a boca por um instante, como se fosse dizer algo, mas se limitou a assentir com um gesto e depois partiu.
Quando a porta se fechou, Gina teve que segurar-se no pilar de apoio do baldaquino, e as lágrimas brotaram de seus olhos como rios ardentes e incontroláveis. Seus ombros estremeceram com violência, em soluços desesperados que já não podia controlar. Brotavam sem controle de seu peito e teve que rodear o pilar com os braços, mas os joelhos se negaram a sustentá-la por mais tempo.
N/A: GALERA, VOU FICAR DEVENDO AS REPSOSTAS AOS COMENTARIOS DE VOCES, POIS EU MAL CONSIGO TEMPO PARA ESCREVER E ADAPTAR AS FICS, ESTOU NA MAIOR CORRERIA NESSE FINAL DE ANO, PORTANTO PEÇO DESCULPAS A QUEM COMENTOU POR EU NÃO PODER AGRADECER E RESPONDER AS PERGUNTAS, MAS ESPERO SINCERAMENTE QUE GOSTEM DOS CAPITULOS FINAIS.
TAMBEM ESPERO QUE O NATAL DE VOCES TENHA SIDO MUITO BOM, ALÉM DE DESEJAR UM FELIZ ANO NOVO PARA TODOS VOCES!!!
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