Treinamento Já!



Quando pirraça atravessou o corredor atirando chicletes ranhentos de morango, iguaria rara dos irmãos wesleys com consistência de meleca e sabor de morango, Harry aguardava o momento certo de prosseguir. Todos já haviam ido para seus quartos em suas respectivas casas graças á uma nova ordem imposta por Dumbledore, na qual os horários seriam mais rígidos e os castigos por desobediência também. As luzes sibilantes que irrompiam das tochas enfraquecidas pelo frio que se aproximava não eram mais suficientes para desorientar o vampiro. Os olhos vermelhos não puderam ser acordados, mas os simples fato de poder ouvir e farejar melhor tornavam o trabalho eficiente. Edwiges piou baixinho aninhada em seus braços calorosamente. O vampiro-bruxo pediu silencio e esgueirou-se até a grande porta de entrada e saiu silenciosamente. Lá fora o frio era poderoso mesmo sem a neve para potencializa-lo.

Ele deparou-se com Ângela aguardando pacientemente na escadas.

- Você está atrasado. – Comentou ela ficando de pé.

- Atrasado? – Indagou Harry incrédulo. – São oito horas!

- Oito e cinco. – Corrigiu ela impaciente. – Pontualidade é algo que um vampiro deve seguir. As horas que temos sem sol são preciosas e contadas. Fique atento!

- Certo. – Concordou o garoto a contra gosto. – Qual será nosso primeiro treino?

- O seu primeiro treino irá servir para despertar o poder dentro de você.

Ângela desceu as escadas até os jardins. Enquanto falava guiava Harry até a Floresta Proibida.

– Já está mais do que na hora de mudar. Você será pisoteado em questão de tempo.

- Obrigado por ser tão sutil. – Disse Harry áspero em resposta às indiretas da vampira quanto ao fato de ser fraco. – Eu preferia quando você era mais afetiva.

- Afeto é algo que não irá servir. – “Por enquanto.” Completou ela mentalmente. – Você precisa evoluir, Harry. Um vampiro possui muitos níveis de poder, você acabou de chegar no primeiro deles. Se quiser alcançar o patamar de Alberon sugiro que trate de mudar a sua força, sem esquecer de quem você realmente é. Vampiros costumam enlouquecer conforme ficam mais fortes.

Harry pensou num momento nos amigos. “Eu preciso defendê-los. Se não ficar mais forte, como irei salvar os inocentes dessa guerra? Mais uma vez o mundo precisa de mim.” Pensou o bruxo “Isso deveria ser trabalho de bruxos poderosos, não de um garoto como eu.”

- Você não é um garoto comum, Harry. Nunca foi... Não é só porque se tornou um vampiro que isso mudou. – Disse Ângela subitamente. – Aprenda a controlar seus pensamentos ou qualquer um vai poder lê-los. Vampiros possuem uma proteção natural contra isso, trate de tentar utiliza-la.

Ambos adentravam a floresta e, conforme galgavam no chão de folhas apodrecidas, infiltravam-se num novo mundo. Ruídos estranhos provindo de criaturas que nem o ministério da magia tinham conhecimento alastravam-se pelas sombras. Depois de uma longa caminhada, em que Harry tentava calar os pensamentos, a professora de DCAV parou. Estavam em um bosque coberto por uma fina garoa gélida.

- E então? – Perguntou Harry ansioso.

- Um vampiro deve suportar qualquer coisa que o afete. – Ângela deu alguns passos e apontou para o chão. – Sente.

Harry deu de ombros e obedeceu, sentando no chão úmido. A névoa baixa pairava sobre suas pernas, escondendo-as. Edwiges alçoou vôo e tomou um galho alto da árvore mais próxima, observando avidamente com os olhos âmbares assombrados. Ângela sacou a varinha e mirou para baixo.

- Frio, fome, dor, sentimentos... Sua lição de hoje será aprender a controlar a si mesmo. – E em voz alta disse. – Aprisionmmentus!

Quatro correntes grossas feitas de um metal cintilante e consistente irromperam do chão de terra ao lado do bruxo e enlaçaram-se fortemente nos braços e pernas de Harry. A coruja piou arduamente e sacudiu as asas energética.

- Ei! O que você está fazendo? – Exclamou ele entre alguns gemidos de dor. – Tire essas coisas de mim!

Harry ficou imediatamente de pé sacudindo os braços na tentativa de liberá-los das correntes, mas foi inútil. Encarou Ângela surpreendido. Ela lhe sorriu maliciosamente em troca.

- Você pode puxar, mas não vai conseguir sair daí. – Ela estendeu uma segunda varinha. – Nem com magia, peguei de você sem que percebesse. Você vai ficar aí por três dias.

- O que!? – Exclamou Harry, pasmo. – Três dias?

- Cale-se e deixe eu falar. Existiram três regras básicas para este treinamento: Você não poderá comer e beber sangue ou água. Ninguém saberá que está aqui, portanto não adianta gritar por ajuda. O máximo que conseguirá com isso será atrair perigo. E, antes que dê uma de animal irracional, saiba que quanto mais puxar essas correntes, mais elas irão lhe apertar. Cuidado ou acabará sem pulsos...

Ângela soltou uma risada cínica e saltou para trás, pousando em uma árvore distante. Harry tentou correr até ela, mas as correntes possuíam apenas três metros de comprimento e apertavam os pulsos do bruxo quando chegavam ao seu limite de uma maneira extremamente dolorida.

- É brincadeira não é? – Riu Harry nervosamente. – Você não vai me deixar três dais aqui com fome e frio sozinho!

- Você não está sozinho. – Disse a vampira sadicamente fitando o bolso direito dele que carregava o shaman e depois a coruja que movia-se fervosamente na árvore preocupada com seu dono. – Não saia daí não importe o que houver. Pus uma magia aqui, se você permanecer imóvel as criaturas não o verão. Portanto se algo perigoso o rondar, fique quieto e não saia daqui por nada. Estará protegido se me obedecer... Até daqui a três dias, vampiro Harry.

- NÃO! VOCÊ NÃO PODE ME DEIXAR AQUI! DUMBLEDORE NÃO ACEITARIA ALGO ASSIM! – Gritou Harry.

Ela acenou e mergulhou nas sombras. Harry acendeu os olhos rubros e a viu desaparecer de vista entre as vastas árvores amareladas de final de outono. Edwiges parou de fazer barulho para a própria segurança.

- Ela não pode me deixar aqui! – Argumentou Harry, pensativo. – É uma pegadinha! Deixar alguém três dias amarrado sem comer ou beber na floresta proibida é... é... impossível!

Harry forçou as correntes e produzira um corte pequeno no pulso direito. O metal era áspero e quanto mais apertava, mais feria. Olhou para os lados, se pedisse ajuda iria conseguir mais do que isso: A morte certa. “Acalme-se, Harry... Em breve ela voltara e dirá que tudo não passava de uma brincadeira. E então treinaremos!” Refletiu levando essa hipótese como certa.

- É, é isso. – Assentiu sozinho retornando para o centro do bosque.

Sentou no solo e cruzou os braços para aquecer-se.

- Ela vai voltar em breve.

A coruja pousou em seu ombro e alojou-se ali. Bicou suavemente sua orelha como se dissesse “eu estou com você” e encolheu-se.

- Ela vai voltar...

A floresta proibida parecia muito mais perigosa e assustadora vista daquele ponto de vista sozinho e desamparado. Harry resolveu apagar os olhos para não chamar atenção indesejada e suspirou. Sombras rápidas e indistinguíveis surgiam e sumiam entre os arbustos. Ora ou outra um animal comum, como um coelho ou outras corujas, davam um pouco de vida ao lugar morto. Foi preciso aguardar três horas longas e gélidas para Harry perceber que aquilo não parecia uma brincadeira.

- Impossível... – Argumentou ele. – Ela não pode me deixar aqui... Não pode... Não pode... Saia de onde você estiver! Eu sei que você está aí, Ângela! Me cuidando.

Ele calou-se. A sensação de abandono o assolava. Certamente Rony e Hermione viriam buscá-lo no dia seguinte! Iriam procurá-lo.

- Certo... Amanhã pela manhã Dumbledore virá pessoalmente me buscar. – Tartamudeou o bruxo-vampiro. – E então eu irei... Eu irei...

Apesar de ser um vampiro, Harry ainda era bruxo e sentia frio. O ar cortava-lhe o rosto e carregava os cabelos umedecidos pela garoa. Os dedos arroxeavam e os lábios começavam a rachar. Esfregou uma mão na outra para esquentar-se e assoprou vapor entre os dedos dormentes. Os minutos, naquela noite, mais pareciam horas e as horas dias. Em cada instante passageiro a esperança de ver Ângela atravessando aqueles arbustos com os braços abertos morria.

- Ela estava falando sério. – Gemeu Harry tremendo nitidamente. – Vai me deixar aqui...

A barriga roncou levemente. O frio obrigava a alimentar-se para manter o corpo aquecido, mas ainda sim a dor era suportável. Barulhos constantes forçavam-no a usar a visão vampírica para certificar-se de que tudo estava bem. O medo começou a assolar-lhe quando a raiva tornou-se preocupação. O fato de ter sido abandonado era trocado pela possibilidade de ser atacado por algo perigoso. Como numa tortura interna, Harry se viu pela primeira vez sozinho de verdade. Por mais que Edwiges tentasse lhe transpassar segurança, o medo e a solidão tocavam sua mente como nunca. Sozinho, desolado e incrédulo, ele fechava-se em seu interior. Nem Voldemort causara tanto alvoroço em sua vida como aquele momento torturante de encontro interno. Pensamentos insanos martelavam em sua cabeça como um coração tomado por adrenalina: Os três dias mal tinham começado.


Um raio morno e um tanto ardente de sol tocou a face de Harry através dos espaços entre as folhas, despertando-o. O bruxo acordara assustado e deitado no chão ainda úmido. Por um momento pequeno Harry imaginou que tudo aquilo não passava de um pesadelo, mas essa esperança desabrochou com a visão do céu azulado e sem nuvens no lugar em que deveria estar seu teto escurecido. Sentou e passou as mãos nas vestes recobertas por uma camada fina de orvalho e espreguiçou-se. Edwiges não estava ali, provavelmente tinha ido caçar algo para comer. Comer... Aquela palavra lhe lembrava que estava com fome. Procurou o relógio de pulso inutilmente, pois este não funcionava em Hogwarts. Imaginou que, pela posição do sol no céu, passavam das dez horas da manhã.

- E nada de Ângela, Rony, Mione ou Dumbledore... – Disse para si.

A barriga ardia com mais intensidade e uma pontada de sede crescia na garganta do vampiro. A primeira coisa que pensara não fora nos pães quentes do café de Hogwarts ou o suco de abóbora ou até mesmo o sonho de chocolate que os elfos domésticos faziam tão bem, mas em sangue. Uma veia pulsante vencia qualquer cerveja amanteigada... Balançou a cabeça e cortou os pensamentos.

- Eu preciso me controlar. Já que isso é um treinamento, devo concluí-lo. – Na tentativa de amenizar o sofrimento de fome e solidão, Harry apanhou a esfera esverdeada contendo seu shaman e visualizou-a. – Então... O que será que você realmente faz?

Harry não tivera a oportunidade de saber o que um shaman fazia, mesmo com a explicação de Hermione restavam-lhe algumas dúvidas cruéis.

- Hermione... Como nunca soubemos disso? Porque você nunca nos contou que teve um irmão assassinado por vampiros?

Harry perguntava para a esfera como se fosse a amiga. Imaginou ela corando e dando alguma desculpa sem nexo.

- E você, Rony, porque nunca desconfiou?

O vampiro-bruxo franziu o cenho. Lembrava-se de muitos momentos que passara com os amigos. Sorriu algumas vezes e até ficou irritado. Ao meio dia a fome humana parecia mais forte do que a sede vampírica. Imaginou que digeria um enorme e suculento frango ao caldo mandrágora. Edwiges ainda não havia aparecido para lhe fazer companhia. Mais tranqüila do que nunca, a floresta proibida não passava de uma mata comum e dócil. Alguém que passasse um dia como aquele jamais imaginaria o quão perigoso era aquele lugar. Um Paquiffom, um rato de duas cabeças e cinco patas, dera o ar da graça por volta das três da tarde, farejando o ar ao redor do bruxo aprisionado. Numa enésima tentativa, Harry puxou as correntes e recebera novos cortes e dois vergões feios nos pulsos. Estranhou quando estes não cicatrizaram, já que desde o momento que adentrara aquela vida seus ferimentos não duravam mais de dez segundos. O sangue acompanhou a ardência das mãos.


Com o retorno da noite nada de amigos, conhecidos, professores ou diretores surgiram para lhe retirar de lá. Harry contorcia-se ao pé de uma árvore, sua barriga e garganta torturavam-no. Soltou um gemido alto e assustou-se quando um galho próximo estalou e anunciou a presença de algo. Seus olhos brilharam instintivamente e tornaram a escuridão um dia iluminado por um sol vermelho. Um grito sustou a tempo de salvar sua preciosa vida: Algo enorme e peludo o observava fixamente. Harry colocou-se lentamente de pé e comprimiu-se contra a árvore. O lobo possuía quase dois metros e meio de comprimento, e mesmo sobre quatro patas conseguia ser maior que o bruxo. Ele possuía o pelo que ia do amarelo cintilante para o vermelho vivo. Seus olhos verdes eram ameaçadores e imponentes. O animal tinha o corpo garboso e musculoso, a calda longa balançava em estado de alerta. Harry pensou que fosse um lobisomem, mas assim que analisou melhor sua estatura, viu que era um lupino. A saliva grossa possuía traços de sangue e pingava no chão deixando um rastro sobre as folhas ressequidas. Ele farejou o ar, rosnando num sibilar de lábios que expunham os afiados dentes.

O Androgar, conhecidos como lobos que podiam chegar até mesmo três metros e iluminavam a noite quando estavam em alcatéias, eriçou os pêlos dorsais. “Ele está com fome...” Pensou Harry engolindo a seco “Assim como eu. Ele vai me matar... Ele quer me comer! Merda...”. Instintivamente procurou a varinha, mas não a encontrou. O rosnado, agora mais alto e ameaçador, fez o bruxo contrair o rosto. Pensou mais uma vez em Mione e rony. O rosto de Ângela também formou-se em sua mente. “Eu vou morrer e nem poderei me defender...”

- “Abra os olhos...” – Sussurrou uma voz masculina e risonha. – “Você tem olhos de sangue e ainda sim teme.”

“Ãhn? Quem disse isso?” Harry abriu os olhos e fitou o chão. O androgar avançou contra ele e parou em posição de ataque a menos de um metro de Harry. O bafo quente e cheirando a sangue do lobo era atraente e ao mesmo tempo pavoroso para o vampiro.

- “Encare o lobo, Olhos de sangue.” – Repetiu a voz. – “Para que te serve o poder se não vai usar? Dessa forma vai temer a própria sombra...”

Harry sentiu a coxa esquerda esquentar e tocou suavemente com os dedos, a esfera contendo o shaman cintilava a ponto de transpassar o tecido. O Androgar pareceu receoso quanto ao brilho provindo do bolso de Harry, mas ainda sim não recuou, ao invés disso inclinou o pescoço e uivou com toda a força que possuía. O som obrigou Harry a se abaixar e tapar os ouvidos.

- “Olhe, encare... Olhos de sangue... Olhos de sangue...”

O bruxo levou a mão até o bolso e apanhou a esfera, que pelava de quente, e atirou-a contra uma árvore. Sabia que o som vinha de lá, sentia isso.

- Pare de falar! – Exclamou o Bruxo ainda no chão.

A esfera produziu um ruído oco e caiu no chão com uma leve rachadura em sua superfície vítria. O Androgar guinchou irritado e sua pelagem aderiu a um brilho cintilante, indicando que estava sendo ameaçado. Harry agarrou as folhas no chão e fechou os punhos. O lobo inclinou as patas para trás e adiantou as frontais, iria dar o bote e selar com sua vida. “Mione... Rony... Gina... E... Ângela... Me desculpem...” Abaixou levemente a cabeça e amoleceu os músculos. O Androgar rosnou e saltou e, num lance de segundo, uma flecha longa e afiada irrompeu da árvore atrás de Harry e acertou o peito do lobo. Os cascos duros do centauro tocaram o chão à frente do bruxo arrancando pedaços do solo. Ferido, o Androgar resvalara no chão e recuara acuado. Outra flecha acertou-lhe a pata dianteira, prendendo-o naquela posição. E, uma terceira flecha atravessou seu focinho, fechando sua boca antes que pudesse clamar por ajuda. Não demorou para que o animal caísse abatido e sem ar.

Harry reabriu os olhos e fitou o centauro imponente e dominador diante de si.

- Harry Potter! Novamente você por aqui... Em algum dia eu não poderei lhe salvar mais.

- Firenze! – Exclamou Harry aliviado e envergonhado. – Você me salvou!

- Eu me separei de meu grupo para patrulhar esta área e atendi a um chamado de uma coruja. – O centauro apontou para uma árvore distante, Edwiges abanou as asas três vezes.

- Obrig-ado.

Harry baixou o olhar. “Se não fosse por Edwiges e Firenze, mais uma vez, eu estaria morto. Ia morrer ridiculamente! “Harry Potter, o menino-que-sobreviveu, fora morto por um lobo de dois metros na floresta proibida enquanto treinava para se tornar um vampiro forte.” A manchete imaginária de jornal tomou sua imaginação alguns segundos.

- O que faz por aqui? – Perguntou Firenze abaixando o arco feito de ossos. – Porque está preso por essas correntes?

Harry não respondeu de imediato, estava envergonhado demais. “Meu pai jamais teria feito isso... Ele teria lutado com o animal mesmo que custasse a vida dele! Firenze já me salvou antes, mas eu era apenas um bruxo novo. Agora eu sou um vampiro... Tenho força e condições. Eu falhei... Eu errei de novo! Eu não posso mais ser salvo.” Harry ergueu o rosto e assustou-se quando vira três vultos cintilantes atrás do centauro.

- Firenze! – Bradou Harry, mas já era tarde.

Um segundo Androgar cravou as garras no dorso eqüino do centauro, abocanhando-lhe a coxa traseira. Um terceiro rondou Firenze e um quarto fez a volta e avançou de frente contra o centauro, procurando abocanhar-lhe o pescoço, mas Firenze fora mais forte e afastara-o com um soco poderoso no focinho. Dando coices ele tentou esquivar-se do outro lobo, mas estes eram grandes, fortes e em maior número. Harry levantou e procurou algo que pudesse usar como arma.

- Corra, Harry! – Gritou Firenze no intuito de salvar o bruxo. – Eu irei segura-los!

Harry fez menção de obedecer o centauro, mas parou quando deu-lhe as costas. “Mesmo que eu quisesse fugir não conseguiria.” Um grito de dor produzido por Firenze ao ter um braço abocanhado fez Harry acordar dos pensamentos e finalmente dar-se conta de qual era sua principal missão: Ficar forte e proteger. “Eu não posso mais fugir! Não quero mais... Não quero que ninguém me salve!”

Firenze se liberou o braço produzindo um corte no focinho do Androgar com um punhal. Porém, o que lhe mordia o dorso largara e prendera uma de suas patas com a boca, dilacerando-a com consecutivas mordidas. O Androgar que ainda não atacara resolvera dar o bote e derrubar Firenze no chão, prendendo-o com as garras afiadas. Harry sabia que os Androgares não tinham intenção de alimentar-se, mas de se vingar pelo membro perdido da alcatéia.

- Parem! – Urrou Harry. – Não o matem!

Firenze, já sem forças pela perda de sangue, lançara um olhar apreensivo a Harry. Sem condições de por-se de pé pela pata traseira quebrada, esticou o braço direito ainda inteiro para o garoto. Os lobos eram ágeis e arranhavam-lhe em pontos vitais. Não demorou para que o sangue banhasse o lugar onde estava e seu grande ímpeto morrer como se nunca houvesse existido. A preocupação com a integridade de Harry havia desprevenido o centauro.

- Harry, eu sei que quer me salvar... Mas salve a si para que possa salvar os outros! Lembre-se de seus pais, eles morreram para que você vivesse. Não deixe que a morte deles tenha sido em vão...

O Androgar maior, que parecia ser o líder, grudou o braço do centauro contra o chão com a pata dianteira e aproximou a bocarra do pescoço de Firenze. O lobo menor mantinha o controle sobre as patas traseiras, abocanhando-as a cada movimento. E o que restara fazia questão de uivar vitorioso.

- Firenze!

Harry tentou correr até ele, mas as correntes o impediram. Num último olhar de agradecimento, o centauro imobilizado teve o pescoço mordido pelo Androgar líder que lhe arrancara a vida numa única mordida. Porém, antes de morrer, Firenze jogara com as forças que tinha o punhal que carregava na mão esquerda, parecia ter esperado o momento para dar a arma ao bruxo. Este caíra atrás do pé esquerdo de Harry.

- Firenze... – Murmurou Harry.

Lágrimas quentes rolaram por seu rosto. “Firenze está morto... Ele morreu por mim. Podia ter fugido, mas ficou...” Os androgares afastaram-se do centauro e fitaram Harry. Este caiu de joelhos.


- Porque...

- “É assim que eu gosto de ver os olhos vermelhos...” – Entoou a voz masculina novamente. – “Brilhando e sem medo... Você quer vingança? Posso sentir sua raiva, vampiro... E posso lhe ajudar. Sozinho você não é nada, mas comigo chegara longe... Mas eu não gostaria de obedecer a um medroso... Eles mataram seu amigo e você vai deixar?”

Harry sentiu o sangue borbulhar de raiva. A tristeza pela morte de Firenze transformava-se em vontade de vingança. O coração, ao invés de pulsar mais rápido, diminuíra os batimentos até quase não serem sentidos. Os olhos de Harry tomaram uma tonalidade vermelha sangue que inundou o bosque todo. Seus caninos alongaram-se e seu corpo ficou mais rígido.

- PORQUE MATARAM FIRENZE?

Rugiu Harry apanhando o punhal e colocando-se de pé. Os Androgares rosnaram e aproximaram-se de Harry calculando um ataque. O bruxo jamais sentira-se tão distante de si mesmo. Seu desejos mais íntimos de ver seus pais, cuidar de Gina e seus amigos pareciam ter se escondido em algum baú empoeirado de suas emoções. O bruxo de olhos vermelhos vislumbrou o corpo morto do centauro amigo.

- “E então, Harry Potter...” – Prosseguiu a voz sussurrante. – “Você irá lutar ou correr?”

Harry arreganhou o cenho. O Androgar da direita formulou a posição de ataque, eles sabiam que não precisavam de muito para acabar com o garoto. Este não se moveu quando o lobo abriu a bocarra e correu em sua direção, preparando para destroçá-lo numa única mordida. “Firenze, isso é por você.” O último pensamento lógico de Harry sumiu e seu corpo foi tomado pelo descontrole vampírico. Em três movimentos todo o ataque combinado fora destruído: Harry saltou tão rápido quanto os olhos verdes do Androgar puderam captar, e, de baixo para cima, cravara o punhal na boca do lobo, prendendo-a no chão. Agarrou-o num abraço pelo pescoço e por fim, com uma força descomunal, içara-o no ar e atirara-o contra a árvore brutalmente. Incrédulos, os outros lobos viram o parceiro de matilha ser erguido no ar pela pequena criatura de olhos vermelhos. A árvore atingida partiu e caíra sobre o animal, sentenciando sua morte.

Harry grunhiu irado e olhou para os outros dois Androgares hesitantes. Tentou avançar contra eles, mas as correntes impediram. Aproveitando-se desse infortúnio, os lobos avançaram ao mesmo tempo contra Harry. Este afastou-se e correu na direção oposta à eles, naquela forma corria mais rápido. E, tornando-se um borrão quase invisível, completou uma volta ao redor dos lobos enquanto estes o procuravam ocularmente. Reapareceu segundos depois sobre uma árvore alta segurando a corrente grossa. Ergueu-a para que os lobos pudessem ver e então, puxou-a. As folhas secas foram jogadas para o alto quando a parte da corrente oculta içou e envolveu os dois Androgares, prendendo-os um contra o outro. Ambos grunhiram dolorosamente na tentativa de soltar-se, mas quando mais moviam-se, mais feriam uns aos outros. Uma poeira espalhou-se no ar enquanto Harry aproveitava o momento de agonia dos dois animais.

- Isso é por Firenze. – Murmurou o vampiro saltando para trás.

Como Harry fizera um esforço, as correntes, mesmo apertando seus pulsos, também apertaram os Androgares. Estes liberaram dois grunhidos finos e então a movimentação no centro do bosque cessou: O trabalho de vingança havia sido completado. Apesar de estar sendo atiçado pelo odor de sangue, Harry caminhou lentamente em direção ao centauro. As correntes haviam afrouxado, quem sabe até se soltado após aquele esforço. Quando chegara perto dele, caíra de bruços no chão umedecido e frio. Havia usado força demais e agora seu corpo doía e clamava por sangue. Seus braços doíam e sua garganta clamava pelo líquido da vida.

“Não posso, este é Firenze... Ele morreu por mim...”

Lentamente sua consciência voltava. Após uma insistência, seus olhos apagaram e seus caninos recolheram. Parecia receber milhares de facadas na barriga esfomeada e frágil. Um estalo à sua direita fez pensar que algum Androgar estava vivo, porém, não vira nenhum dos animais se mover. A esfera, caída a poucos metros dele, estalou mais uma vez e trincou duas vezes até estourar. A fumaça verde cintilante condensou no ar e, ao invés de dissipar-se, grudou-se no chão e começou a rastejar como uma cobra na direção de Harry. Um tanto quanto pasmo, arregalou os olhos, mas não fez nada para evitar a aproximação.

- “Olhos vermelhos...” – Dissera a voz masculina e zombeira, agora mais alta. – “Você é um olhos vermelhos... Descanse... Eu cuidarei de você...”

Harry trancou a respiração, mas a fumaça adentrara suas narinas e mesclara-se em seu organismo até sumir. Nesse instante suas energias esvaíram-se por completo e o vampiro se entregara a um desmaio profundo. Sua mão procurava tocar Firenze e checar se ainda estava vivo, mas Harry sabia... Aquele centauro não galgaria mais. Antes de desmaia agarrou o arco do centauro e apertou-o profundamente.

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