Capitulo 2 - Conversa



CAPÍTULO II


 


Sir Harry Potter caminhava pelo jardim de rosas, mal notando o aroma suave, ou o colorido intenso das flores. Sua mente concentrava-se na jovem que ele conhecera na noite anterior, em situação um tanto bizarra. Não conseguira pensar em outra coisa, naquela manhã, bem como durante a maior parte da noite. E pensar que ela era parenta das ardilosas Moulton!


Era difícil reconhecer alguma semelhança com Joanna, no semblante franco e aberto da prima. Provavelmente, a maioria dos homens diria que Joanna era muito mais bonita. De fato, até a noite anterior, ele mesmo teria concordado. Os olhos azuis de Joanna, assim como a boca pequena e delicada, estavam mais de acordo com os padrões de beleza. Porém, ao pensar na pele clara, nos contornos bem delineados do rosto, no queixo firme da outra, os traços de Joanna tomavam-se vagos na mente de Harry. Ah, os cabelos loiros, tão claros... Como ele podia não ter notado aquela jovem antes?


Tal pergunta o perseguira a noite toda. Não era possível que a beleza de Joanna o tivesse cegado para tudo mais. Era verdade que a srta. Moulton era lindíssima. Além disso, seus olhares e sorrisos insinuantes haviam lhe despertado o interesse sexual. Por outro lado, sir Harry ficara entediado com a conversa dela, como acontecia com a maioria das mulheres que o assediavam, na esperança de serem pedidas em casamento. Ele nem sequer planejara aceitar o convite para ir ao quarto dela, pois concluíra que alguns momentos de prazer não justificariam o sacrifício de ouvi-la falar de penteados e vestidos e outras futilidades.


Agora, agradecia aos céus pelo momento em que decidira visitá-la. Do contrário, não teria conhecido a outra srta. Moulton, que representava uma perspectiva muito mais interessante que a prima. Pensou no dia anterior, quando lady Arrabeck, a anfitriã, o apresentara à sra. Moulton e à filha dela. Lembrou-se vagamente de uma outra mulher, um pouco afastada, que fitava a janela com ar entediado. Harry tivera a impressão de tratar-se de uma mulher mais velha e não acreditava que aquela pudesse ser a prima de Joanna.


Por que não se dera conta de que ela era uma jovem senhorita? A resposta era simples. Ela estivera usando roupas escuras e muito simples, além de uma touca sobre os cabelos. Harry perguntou-se por que ela se escondia daquela maneira, certo de que qualquer mulher daria tudo para ter cabelos tão claros e sedosos.


Sentiu uma pontada de desejo ao lembrar-se da sensação provocada pelos cabelos dela em suas mãos. Lembrou-se também do sabor daqueles lábios generosos, da maciez da pele de alabastro... e do prazer que suas carícias haviam proporcionado a ela. Com um sorriso, reconheceu que aquela fora a única mulher cujo prazer em seus braços ele poderia afirmar com certeza ter sido autêntico.


Era verdade que outras mulheres haviam sorrido, gemido e suspirado, ao receberem suas carícias, parecendo enlevadas pela paixão. Com elas, porém, ele nunca soubera ao certo se tal prazer era real, ou simples fingimento, na intenção de agradá-lo.


Sir Harry tornara-se muito rico ainda bem jovem, herdando do avô materno uma fortuna considerável.


A morte do pai, alguns anos depois, aumentara tal riqueza, incorporando a ela as propriedades dos Potter. Embora seu título fosse apenas de baronete, a família Potter orgulhava-se de sua linhagem de sangue azul, tendo contado com incontáveis duques, condes e viscondes, ao longo de sua história. A combinação de riqueza e um bom nome haviam transformado Harry em um cobiçado prêmio, aos olhos de fêmeas predadoras, desde mães aristocráticas, à caça de um marido para suas filhas, até atrizes, dançarinas e prostitutas, ansiosas por luxos que só um homem de posição poderia lhes oferecer. Assim, ele aprendera a ver com cinismo a atração que exercia sobre as mulheres, antes mesmo de completar vinte anos de idade. Geralmente, preferia os acordos mais objetivos que mantinha com suas amantes, aos flertes de jovens senhoritas de boas famílias. Estava certo de que as últimas teriam lhe dirigido sorrisos insinuantes e olhares ousados, mesmo que ele fosse corcunda e vesgo, pois só estavam interessadas no nome e na fortuna dos Potter.


Porém, mesmo com as mulheres experientes e atraentes que tinha como amantes, Harry jamais se enganara. Sabia que, para elas, agradá-lo era um meio de vida e, por isso, não confiava em suas declarações de amor e, menos ainda, em seus suspiros de prazer.


Na noite anterior, ao contrário, não existira artifício, ou fingimento. A jovem reagira a ele de maneira inconsciente e instintiva. E fora aquela manifestação tão honesta de desejo que mais o intrigara. A simples lembrança o deixava excitado, ainda agora.


Parou e olhou na direção da casa, na esperança de avistar a srta. Moulton. Fora o que fizera durante a maior parte da manhã. Queria conversar com ela de novo, ouvir aquela voz agradável, desprovida das afetações que a maioria das jovens utilizava. Queria vê-la à luz do dia, para certificar-se de que a pele clara e olhos luminosos eram mesmo como ele se lembrava.


Até aquele momento, porém, não vira sinal dela, embora diversas jovens houvessem se mostrado dispostas a acompanhá-lo em sua caminhada pelo jardim.


Perguntou-se se ela tinha o hábito de acordar tarde, ou se era o tipo de criatura delicada que passava o tempo todo dentro de casa, temendo expor-se ao sol.


Naquele momento, ouviu passos atrás de si e a voz feminina cumprimentou-o:


- Ah, sir Harry! É um prazer vê-lo de novo.


Era a voz dela. Harry virou-se para encará-la. Era alta, de porte orgulhoso, parecendo não se importar com o fato de que muitos homens não alcançavam aquela estatura. E, também, era esbelta, embora seu corpo estivesse escondido por um vestido marrom, mais apropriado a uma governanta, do que à sobrinha de Ardis Moulton. Os cabelos encontravam-se presos sob um chapéu de abas largas.


Sir Harry deu um passo à frente, sem perceber o sorriso que curvava seus lábios, geralmente impassíveis. Examinou-lhe os traços fortes e voltou a se sentir culpado por ter não ter prestado atenção nela, na véspera. Aquele era um rosto difícil de esquecer. Lamentou o fato de ela estar usando chapéu, pois desejava ver os cabelos loiros brilhando ao sol.


- É uma surpresa muito agradável, srta. Moulton. Minha caminhada matinal costuma ser tediosa, mas, se concordar em me acompanhar, tenho certeza de que tornará meu passeio bem mais interessante. – convidou-a, oferecendo-lhe o braço.


Hermione aceitou o braço oferecido, com um sorriso largo. Esperava que o rubor em suas faces não a traísse. Avistara sir Harry alguns minutos antes e se aproximara lentamente, reunindo coragem para falar com ele. Quando finalmente o alcançara, o sorriso que ele exibira fizera seu coração disparar. Hermione nunca sentira aquilo antes, assim como nunca se descobrira sorrindo para um homem, sem motivo algum. Disse a si mesma que tais reações deviam-se à ansiedade provocada pelo assunto que tinha a discutir com ele.


- Meu nome não é Moulton. - corrigiu-o, tentando ignorar as batidas descompassadas de seu coração.


- Desculpe o meu erro, mas como o nome de sua tia é Moulton, pensei...


- Minha tia é esposa do irmão de minha mãe.


- Compreendo. Qual é o seu nome, então?


A coragem abandonou-a no último instante, e ela respondeu, simplesmente:


- Hermione...


- Hermione! – ele repetiu com um brilho divertido no olhar. – Um nome um tanto pesado para uma criança.


- Talvez papai e mamãe acreditassem que um nome assim me desse poderes proféticos. Quando nasci, meu pai vivia sua fase grega. Portanto, tive sorte por não ter sido chamada de Perséfone, ou Electra.


- Tem razão.


- Meus irmãos me chamam de Mione, que não é tão mau.


- Hermione não é mau. Juro que não foi o que eu quis dizer. Acho apenas...


- Eu sei. É o tipo de nome de os pais não deveriam impor a um bebê.


Sir Harry sorriu.


- Eu não seria tão radical.


- Está apenas tentando ser simpático.


- E seu pai continuava vivendo a fase grega, quando seus irmãos nasceram?


Hermione soltou uma risada deliciosa, que provocou sensações estranhas em Harry.


- Quer saber se eles se chamam Ajax, Agamenon e Deméter?


- Exatamente. – ele respondeu, rindo também.


- Minha irmã se chama Olívia, que vem do latim. Os gêmeos são Crispin e Hart.


- Perfeitamente britânicos.


Hermione assentiu e, então, viu que se aproximavam do belo labirinto, moldado em cercas vivas.


- Vamos entrar? – sugeriu. – Estive aqui, ontem, e consegui percorrê-lo inteiro. Há uma linda fonte, no centro...


Harry sentiu uma onda de calor percorrer-lhe o corpo ao imaginar-se caminhando junto de Hermione na privacidade do labirinto.


- Sim, é uma excelente idéia.


- É interessante, embora não seja muito difícil. O que tínhamos em casa era complicado demais. Até nós nos perdíamos, lá dentro. Uma vez, quando Crispin e Hart eram pequenos, desapareceram no labirinto e foram necessárias horas de busca para encontrá-los. Papai pensou em destruir o labirinto, mas consegui convencê-lo a bloquear a entrada, apenas.


Hermione omitiu o fato de que, nos últimos anos, o labirinto fora negligenciado porque a família não tinha dinheiro para contratar um jardineiro. Em alguns pontos, as passagens haviam, simplesmente, deixado de existir, pois o mato tomara conta de tudo.


- Onde fica á sua casa?


- Em Cotswolds, perto de Fairbourne. Depois da morte de papai, passamos a viver com tia Ardis, que mora perto de nossa antiga casa. Sentimos saudade de lá, mas nossa situação vai mudar e voltaremos para casa. – acrescentou com determinação.


Caminhar pelos caminhos intricados do labirinto, onde imperava o silêncio e uma grande sensação de paz, era como estar em um mundo diferente daquele onde ocorria uma festa grandiosa. Quando já se aproximavam do centro, Hermione respirou fundo e reuniu coragem para fitar sir Harry nos olhos e confessar:


- Ainda não lhe disse o meu sobrenome.


- Sei disso.


Ele havia notado a omissão, mas decidira controlar a curiosidade.


- Bem, como já disse, não sou uma Moulton. Meu nome é Granger.


Sobressaltado, ele a fitou com ar desconfiado.


- Ah... uma pérfida Granger.


Hermione pôs as mãos na cintura e lançou-lhe um olhar furioso.


- Um cruel Potter! – retrucou.


Por um longo momento, ficaram ali, parados, olhando fixamente um para o outro. Então, sir Harry retomou a caminhada.


- E o que uma Granger poderia querer com um Potter? – perguntou.


Hermione tentou escolher as palavras certas. Esperara por aquele momento durante meses e, provavelmente, aquela seria a sua única oportunidade. Não queria perdê-la.


- Sei que, há muitos anos, nossas famílias são...


- Inimigas? – ele completou.


- Creio que “inimigas” seja uma palavra forte demais. Faz mais de cem anos que um Granger e um Potter não tentam matar um ao outro.


- Um grande feito, eu diria.


Houvera um tempo em que as duas famílias estavam sempre sacando espadas, uma contra a outra. Qualquer comentário de um Potter sobre um Granger, era imediatamente interpretado como ofensa mortal, e vice-versa. Ao longo dos anos, tal inimizade fora se tornando menos intensa, até chegar ao simples nível social, com as duas famílias sempre tentando superar a outra, em termos de festas, carruagens e corridas de cavalos. Neste último século, até isso mudara, de maneira que uma anfitriã já podia convidar um Potter e um Granger para a mesma festa, sem temer perder a amizade de nenhum deles.


Hermione suspeitava de que a intensa rivalidade diminuíra tanto, porque a fortuna dos Granger fora se dissipando, enquanto a dos Potter continuara crescendo. Os Granger, simplesmente, não podiam mais competir com os Potter em qualquer aspecto. Exceto, é claro, no título, Chesilworth. Na verdade, enquanto o pai de Hermione ainda era vivo, a família havia se retirado das listas de convidados dos grandes eventos sociais. Já nos tempos de seu avô, a casa de Londres fora vendida para saldar dívidas e as despesas de aluguel e roupas necessárias às temporadas londrinas haviam se tornado altas demais para eles. Rupert, seu pai, era um estudioso e, por isso, fora com prazer que abandonara as temporadas sociais, preferindo gastar o pouco que lhe restava em livros e obras de arte.


- Espero que o senhor não possua mentalidade tão estreita, a ponto de usar o meu nome contra mim. - Hermione continuou, encarando-o com ar de desafio.


Os lábios dele se curvaram com ironia.


- Quando era criança, aprendi que, se fosse desobediente, um Granger viria me pegar. No entanto, creio que serei capaz de me defender dessa Granger, em particular.


- Vim para pedir a sua ajuda, não para lutar.


- Minha ajuda? Um Granger pedindo ajuda a um Potter?


Hermione franziu o cenho, irritada com o ceticismo dele.


- Pretende continuar se fazendo de tolo? Vim a esta festa, especialmente para conversar com o senhor, mas se não é capaz de deixar de lado os seus preconceitos mesquinhos, para ouvir o que tenho a dizer, terei perdido o meu tempo.


Sir Harry não conteve um sorriso diante das palavras atrevidas.


- Desculpe Srta. Granger. Tentarei manter a seriedade, já que meu bom humor a desagrada. Porém, devo dizer que acho bizarro um Granger sequer pensar em pedir a minha ajuda. E, para ser sincero, não sei se estarei disposto a dá-la.


- Bem, não tenho como saber se vai me ajudar ou não. Por outro lado, espero que seja razoável e perceba que nós dois sairíamos lucrando.


- Acho que não estou entendendo. A que lucros se refere?


- É exatamente o que estou tentando explicar. Veja, chegamos ao centro do labirinto. Por que não nos sentamos no banco. Assim, poderei lhe dar todos os detalhes.


- Sim, claro.


Com gestos cavalheirescos, Harry limpou o banco com um lenço. Então, os dois se acomodaram e Hermione começou:


- Estou à procura do dote espanhol.


- De quê? – ele inquiriu, com ar confuso.


- Deve ter ouvido falar do tesouro. Afinal, foi esse o motivo da inimizade entre nossas famílias.


No final do século dezessete, os Potter e os Granger haviam decidido formar uma aliança, através de um casamento. Sir Edric Potter se casaria com a filha de Richard Granger, lorde Chesilworth. A noiva, Margaret, fugira da propriedade dos Potter, na véspera do casamento, para se juntar ao homem que realmente amava. O resultado fora um escândalo de proporções imensas, especialmente porque o dote substancial que ela levara consigo também havia desaparecido. Fora esse incidente que levara as duas famílias a se odiarem pelos dois séculos seguintes.


- Está se referindo ao dote de Black Maggie?


Harry indagou, utilizando o apelido pejorativo que fora conferido a Margaret, insinuando tratar-se de uma criatura maligna, uma bruxa, talvez.


Hermione lançou-lhe um olhar de reprovação.


- Se está falando de Margaret Granger, sim, estou me referindo ao dote dela. Era uma coleção de jóias espanholas, conquistada por Colin Granger, no final do século dezesseis.


- Roubada, você quer dizer. - Harry corrigiu, com ar de desprezo. - Colin Granger foi um pirata.


- Ele navegava com licença de corso da própria rainha Elizabeth. – ela retrucou. – Era um patriota, além de excelente navegador e guerreiro.


- Pirataria legalizada. Creio que os espanhóis que ele matou não tenham tido a chance de perceber a diferença.


- Estavam em guerra. – Hermione lembrou-o com frieza. – A Espanha era o nosso inimigo e quaisquer danos causados à economia deles representava lucro para a Inglaterra e para a rainha.


- Sim, mas não foi por coincidência que os bolsos de lorde Chesilworth ficaram tão cheios de “patriotismo”!


A irritação de Hermione tornava-se incontrolável.


- Não consigo entender como um inglês possa ter tamanha simpatia por um país que tentou invadir o dele.


Harry deu de ombros.


- Não tenho nenhuma paixão particular pela Espanha, srta. Granger. Porém, acredito em dizer a verdade, em vez de mascarar a ganância sob o disfarce de “Deus, rainha e pátria”.


- Francamente, sir Potter, está me parecendo que o senhor tem imenso prazer em ser difícil. – Tal comentário provocou o riso de Harry.


- Talvez a senhorita esteja certa. De qualquer maneira, não faz diferença. Não existe dote algum. Tudo não passa de uma lenda.


- Uma lenda! E por que o seu antepassado o perseguiu com tamanho afinco? Por que insistiu, até morrer, que o dote lhe pertencia, por direito?


- Com certeza, Chesilworth possuía algumas das jóias que o avô dele roubou dos espanhóis, mas o valor de tal tesouro foi exagerado ao longo dos anos. Quem pode garantir que o dote era mesmo tão valioso, e que Chesilworth realmente o mandou com a filha? Pode ter sido um plano sórdido, para enganar sir Edric.


- Que absurdo! Eu mesma li a lista do que foi colocado na bagagem de Margaret, nos livros de contabilidade dos Granger. Esmeraldas e rubis da América do Sul, moedas de ouro, diversas jóias e, a peça mais valiosa, um leopardo em ouro maciço, com olhos de esmeraldas e uma coleira de rubis. Tratava-se de uma obra de arte, além de possuir grande valor monetário. Era a jóia mais valiosa da coleção espanhola de Colin Granger.


- Se o tesouro foi mesmo colocado entre a bagagem e enviado à mansão Haverly, com Margaret Granger, então Black Maggie levou-o consigo, quando fugiu. - sir Potter afirmou convicto. – É evidente que sir Edric não ficou com o dote, pois se fosse assim, não teria perseguido Chesilworth por tanto tempo. E Chesilworth morreu afirmando que o tesouro não estava com ele. Portanto, ou Chesilworth estava mentindo, ou Black Maggie levou o dote com ela para a América, a fim de tornar mais fácil sua vida com o amante.


- Quer fazer o favor de chamá-la assim! Margaret Granger não era uma ladra e não levou o tesouro espanhol com ela, mas sim, deixou-o na propriedade dos Potter, quando fugiu.


- A senhorita fala como se a conhecesse, mas ela morreu há, pelo menos, cento e cinqüenta anos.


- Cento e cinqüenta e cinco, para ser exata. Ainda assim, sinto como se a conhecesse, pois li os diários dela.


Por um momento, sir Potter permaneceu em silêncio, aparentemente surpreso.


- Essa história torna-se mais fantástica a cada minuto. – declarou. – Srta. Granger, se esse é mesmo o seu nome, estou começando a acreditar que alguém está tentando me pregar uma peça.


- Francamente, sir Potter! – Hermione exclamou, lançando-lhe o mesmo olhar que, em geral, fazia seus irmãos calarem. Infelizmente, o efeito não foi o mesmo com sir Potter. – O senhor é o ser humano mais desconfiado que já tive o desprazer de conhecer. Primeiro, não acredita que um dote, que foi registrado em livros de contabilidade e perseguido por um de seus ancestrais durante décadas, exista. Então, não acredita que foi realmente levado à propriedade dos Potter. Agora, diz não acreditar que sou quem digo que sou. Não compreendo. É desconfiado por natureza, ou se deparou com tantos mentirosos, que se transformou em um homem desiludido?


Harry suspirou.


- Duvido da sua história, minha cara, porque trata-se de algo difícil de acreditar. Quanto ao dote espanhol, tudo aconteceu há tanto tempo e tantas histórias foram inventadas a respeito, que não temos como saber qual delas é a verdadeira.


- Temos, sim. É exatamente o que estou tentando lhe dizer. Tenho os diários de Margaret Granger.


- Como conseguiu encontrá-los?


- Do sr. Perryman Simons, um livreiro de Londres. Ele vendeu os diários a meu pai. Provavelmente, o senhor não sabe, mas meu pai, falecido lorde Chesilworth, tinha profundo interesse pelas histórias sobre o dote espanhol.


- Ouvi dizer que foi uma... grande paixão dele.


- Pela expressão em seu rosto, imagino que tenha ouvido dizer que ele era obcecado pelo assunto. “Louco” foi a palavra usada por muitos, para descrevê-lo. Não se preocupe em poupar os meus sentimentos, pois não sou uma mulher delicada. Além do mais, já ouvi isso antes, bem como coisas bem piores. Mas, o que quer que as pessoas digam, meu pai foi um homem inteligente, um estudioso. Baseara suas hipóteses em fatos sólidos, não em fantasias. E claro que teve acesso a registros e diários da família, que foram passados de geração a geração. Ele sabia que Margaret Granger não era o tipo de mulher que levaria o dote consigo. Afinal, os Granger sempre se orgulharam de seu princípio de honra.


- Algo de que Margaret pareceu ter se esquecido, quando quebrou o contrato de casamento com sir Edric e abandonou-o no altar.


- Ela estava apaixonada por outro homem! Tinha o direito de se casar por amor, em vez de se submeter a um casamento por interesse, pelo bem da aliança entre duas famílias. Sir Edric era rico e poderoso, mas todos sabem como os Potter adquiriram o dinheiro e a influência que possuem. Existe uma longa história de comportamento cruel, insensível e predatório. Sem dúvida, sir Edric era igual aos outros.


- Muito diferente de um pirata que atacava embarcações espanholas. – Harry retrucou com ironia.


- Colin Granger era um homem de ação, eu concordo, mas também era um homem da rainha, lutando contra os inimigos do reino. Ele seguia um código de lealdade e honra. Os Granger, ao menos, não foram tiranos, que faziam o que bem entendessem para conseguir terras e dinheiro, sem consideração por mais ninguém. Não fizeram fortuna, na Idade Média, declarando guerra a quem quer que possuísse terras que os agradassem. Também não viviam na corte, arrancando favores do rei.


- Está insinuando que os Potter fizeram isso? – Sir Potter pôs-se de pé, furioso. - Que ganharam dinheiro com a infelicidade alheia e de conflitos pouco honrosos? De presentes de reis? Os Potter sempre foram astutos, mas nunca desonrados. E era muito mais comum que o rei lhes pedisse dinheiro, do que o contrário. Eram bons guerreiros e me orgulho disso. Porém, não lutavam sem ter uma causa justa. Investiram o dinheiro onde renderia mais, em vez de gastá-lo em obras de arte de valor duvidoso, ou festas fantásticas. Os Granger são sonhadores, incapazes de tomar decisões inteligentes, no que diz respeito aos negócios.


- Como se isso fosse tudo na vida! – Hermione contra-atacou. – Sim, os Granger foram sonhadores e ainda o são. Não há nada de errado nisso. São os sonhadores que constroem impérios e criam obras-primas. Os Granger são estudiosos, mais interessados em coisas belas, do que no preço do chá, ou do tabaco.


- Ah, mas o preço do chá e do tabaco são muito importantes para alguém que queira gastar dinheiro com coisas belas.


Hermione sentiu as faces arderem. Era óbvio que ele sabia das circunstâncias financeiras em que sua família se encontrava. Sem dúvida, os investimentos infelizes de seu pai em invenções e empreendimentos maravilhosos haviam se tornado fofoca.


- O senhor tem razão, – admitiu - mas o entusiasmo pelo conhecimento parece não ter nada em comum com tino comercial.


Harry suspirou, sentindo a irritação se dissipar e sentindo-se culpado pela grosseria que acabara de cometer. O fato de saber os empreendimentos idiotas do pai de Hermione não justificava a atitude lamentável de dizer isso a ela.


- Perdoe-me. – murmurou. - Eu não quis dizer...


- É claro que quis dizer exatamente o que disse. - ela o interrompeu com um suspiro. – Sei que meu pai não foi um bom administrador, assim como meu avô, também não. Basta ver o que aconteceu aos Granger ao longo dos anos. O senhor tem razão. O amor pela beleza e pelo conhecimento não traz dinheiro. Ainda assim, eu jamais desejaria que meu pai houvesse sido diferente. Ele foi um homem bom e eu o amava muito.


- Foi um afortunado por ter uma filha como você. - Hermione sorriu.


- Espero que ele tenha sentido o mesmo.


- Tenho certeza que sim. Todos sabem que Chesilworth valorizava a família acima de tudo...


- Sim, ele nos deu muito amor. – Hermione respirou fundo, lutando para conter as lágrimas. – Desculpe. Acho que ainda sinto muito a falta dele.


- Sou eu quem deve pedir desculpas. – sir Harry declarou constrangido - Eu...


- Não, não. Fui eu quem fugiu ao assunto. Estávamos discutindo os diários.


- Ah sim, os diários. – A ironia voltou a brilhar nos olhos de sir Potter. – Voltemos a eles.


- Margaret registrou sua vida em sete diários, desde de que fugiu para a América. O sr. Simons os vendeu ao meu pai, pouco antes de sua morte. – Hermione preferiu omitir o fato de que seu pai pagara uma pequena fortuna pelos volumes, deixando a família em situação ainda pior. – Infelizmente, papai lera apenas uma pequena parte deles, quando adoeceu. Depois que ele morreu, li um por um. Neles, Margaret diz que deixou o dote na propriedade dos Potter. Além disso, deixou instruções sobre como encontrá-lo. Se trabalharmos juntos, o senhor e eu poderemos encontrar o dote espanhol.


 


 

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