CAPÍTULO I - Sonhos
CAPÍTULO I - Sonhos
Hermione mergulhou em um prazer sem igual. Jamais em sua vida experimentara algo parecido. Desde o momento em que adormecera, começara a ter sonhos coloridos e deliciosos. Caminhava por sua casa, a velha mansão. Chesilworth, e não a residência muito mais luxuosa, porém, menos agradável, de sua tia. Sentia-se satisfeita e feliz. Seu pai ainda vivia e estava estudando, na biblioteca. As paredes eram pintadas de uma tonalidade creme, que tornava todos os cômodos muito aconchegantes. Ao passar por um dos quartos viu, pela porta aberta, a cama imensa, coberta por uma colcha de veludo vermelho. As velas acesas lá dentro eram convidativas e Cassandra entrou no quarto. Porém, viu-se em um jardim luxuriante. A mesma brisa que provocava o farfalhar das folhas, agitava-lhe os cabelos e provocava uma sensação estranha, mas muito agradável, no pescoço. Ela estremeceu de prazer. O sol aquecia seus ombros, enquanto a brisa continuava a acariciar seu corpo. Fechando os olhos, ela se entregou às sensações.
O prazer foi se tornando mais intenso, à medida que a brisa suave acariciava-lhe a pele: Ela se deu conta de que, agora, estava nua, mas isso não representou motivo de preocupação. Deleitou-se com a sensação que o sol e o ar fresco provocavam. Então, havia um homem a seu lado, mas isso também não a incomodou. Conhecia-o, embora não pudesse ver-lhe o rosto. Ao sentir que ele a tocava, estremeceu. E abandonou-se ao prazer daqueles beijos ardentes. Quando uma das mãos dele deslizou por entre suas pernas, ela arqueou o corpo, buscando algo que não saberia identificar. De repente, seu corpo foi sacudido por ondas de êxtase.
Hermione abriu os olhos, subitamente desperta, e descobriu que um estranho a fitava.
Por um momento, ela não foi capaz de reagir. Então, à medida que a mente sonolenta clareava, foi tomada de imenso horror. Abriu a boca para gritar, mas ele percebeu sua intenção e impediu-a, pousando a mão firme sobre seus lábios. O que a deixou ainda mais assustada. Hermione pôs-se a lutar, atingindo-o na orelha e, depois, no peito. Ele abafou um gemido de dor e usou o peso do próprio corpo para imobilizá-la.
Embora ele fosse mais forte, Hermione não era do tipo que se entregaria com facilidade. Assim, aproveitando-se da vantagem de contar com as duas mãos livres, enquanto ele tinha de usar uma delas para impedi-la de gritar, esmurrou e chutou, tentando machucá-lo. Foram necessários alguns minutos para que ele conseguisse imobilizá-la completamente.
E foi então que Hermione se deu conta do poder daquele homem, bem como do corpo viril sobre o seu. E, pior, deu-se conta também de que o sangue fervia em suas veias.
Desejou recuperar sua capacidade de raciocinar normalmente. Por que sentia-se tão atordoada? E o que um homem rico e influente como sir Harry Potter fazia em seu quarto, em sua cama?
- Não grite! – ele sussurrou, fitando-a nos olhos. – Juro que não vou lhe fazer mal algum. Vou soltá-la, se prometer não gritar.
Ela balançou a cabeça e sir Harry retirou a mão devagar, temendo que ela tentasse gritar novamente.
- Juro que não lhe farei nenhum mal. Sairei deste quarto imediatamente. Não vou lhe fazer mal. Compreende?
- É claro que compreendo! – Hermione sibilou. – Não sou idiota!
Ele se afastou com um suspiro contrariado.
- Que confusão! Você é a mulher errada.
- Assim espero. – Ela se sentou. – Ai! Minha cabeça dói. Sinto-me estranha.
Voltou a encarar o homem sentado a seu lado e refletiu que deveria estar assustada. Porém, passado o choque inicial, tendo reconhecido o estranho como sendo sir Harry Potter, o medo de Hermione dera lugar à mais pura confusão.
Ao mesmo tempo, as sensações provocadas pelo sonho ainda a perturbavam e ela buscou refúgio no sarcasmo.
- Quem é a moça cujo quarto o senhor pretendia invadir? – inquiriu.
- Não seria invasão. Eu estaria apenas aceitando um convite.
- Ah, sim! Eu deveria saber que sir Harry Potter recebe inúmeros convites para entrar em quartos de mulheres.
Potter estudou-a por um longo momento.
- Você é uma mulher um tanto peculiar. – concluiu.
- O senhor não é o primeiro a dizer isso. – Hermione retrucou, consciente de que o comentário não fora um elogio.
- Seria de se esperar que uma jovem estivesse muito mais aflita, na situação em que se encontra.
- Prefere que eu fique aflita? Não vejo como uma crise histérica melhoraria a situação.
- Não melhoraria em nada, mas seria mais... normal...
- Devo ser uma mulher anormal. Afinal, é o que minha tia e minha prima vivem dizendo. Elas acreditam que foi por isso que não consegui me casar, mas tenho certeza de que a escassez de pretendentes à minha mão deveu-se mais à situação triste de nossas finanças, do que à minha atitude. Conheço mulheres muito mais estranhas que eu, que se casaram muito bem. Por coincidência, todas elas tinham pais ricos.
- Sou obrigado a concordar com o seu ponto de vista.
Sir Harry fitou-a com ar fascinado. Nunca antes conhecera uma mulher capaz de falar com tamanha franqueza. Aliás, era muito raro conversar com uma mulher que não começasse, imediatamente, a flertar com ele. Sir Harry havia chegado à conclusão de que uma renda de cem mil libras por ano atuava como um poderoso afrodisíaco.
- Voltando ao assunto, – Hermione continuou em tom frio – por quê, exatamente, entrou em meu quarto, e não no da mulher que o convidou?
- Creio que me enganei no caminho. – Potter respondeu, acendendo a vela que deixara na mesa de cabeceira e retirando do bolso o bilhete. – E estranho, pois as instruções são claras: quinta porta, à direita da escada.
Intrigada, Hermione ajoelhou-se na cama e espiou por cima do ombro dele. E ficou horrorizada ao reconhecer as letras desiguais e ligeiramente borradas.
- Meu Deus! E a caligrafia de Joanna!
Potter virou-se, furioso, amassando o papel.
- Esta correspondência é particular!
- Tenho minhas dúvidas, uma vez que o senhor está lendo o bilhete em minha cama.
- A reputação dessa moça estaria arruinada, se isso se tornasse público.
- Desculpe, mas creio que é a minha reputação que corre risco maior, com o senhor dentro de meu quarto.
- Imagino que a senhorita não vá sair por aí, contando que recebeu a visita de um homem em seu quarto, no meio da noite. E, como não tenho a menor intenção de revelar o incidente a ninguém, sua reputação está salva.
- É claro que não vou contar nada! – Hermione retrucou, irritada com a preocupação excessiva que ele demonstrava com relação à reputação de Joanna. – Na minha opinião, é com Joanna que deve se preocupar. É evidente que ela é tão estúpida, que o mandou ao quarto errado. – Apanhou o papel que ele havia amassado e alisou-o na palma da mão. – Agora compreendo. Veja. Ela escreveu quarta porta, não quinta. O problema é a caligrafia abominável de Joanna. Além disso, ela se esqueceu de escrever o “a”. O que não é surpresa, pois sempre foi péssima em ortografia. Foi por isso que o senhor errou de quarto. Tenho mais experiência com os bilhetes de Joanna.
- Nesse caso, é uma pena que eu não tenha consultado a senhorita, antes. Infelizmente, eu não sabia que precisaria de uma intérprete.
- Não precisa ser rude! E, também, não precisa se preocupar com a sua reputação, ou melhor, da reputação da moça em questão. Eu jamais mancharia o nome de minha própria família com fofocas. Caso não saiba, Joanna é minha prima.
- Sua prima? Estranho... Não me lembro de tê-la visto na companhia dela.
- Isso acontece com freqüência. – Hermione informou-o com naturalidade.
Estava habituada a ser ofuscada pela prima bonita e namoradeira. Geralmente, os cabelos dourados e grandes olhos azuis de Joanna monopolizavam as atenções masculinas.
Aos vinte e sete anos, Hermione já se conformara com a condição de solteirona. Nunca fizera sucesso com os homens. Não despertara o interesse de nenhum pretendente na temporada em que debutara na sociedade e seu pai não tivera dinheiro para que ela pudesse freqüentar outras temporadas. Porém, ela sabia que aparecer em bailes e outros eventos sociais não a ajudariam a conquistar um marido. Em primeiro lugar, detestava flertes. Em segundo, embora não fosse feia, seus traços estavam muito longe de serem perfeitos. As maçãs do rosto eram salientes, o queixo, muito firme e a boca, grande demais para atender as exigências da moda dos lábios em forma de “botão de rosa”. Até mesmo seus olhos, que ela considerava seu melhor atributo, eram de uma tonalidade cinza que não chamava a atenção de ninguém. E, para piorar, sua maneira franca e direta não atraía os homens.
Assim, fora com satisfação que retornara ao seio de sua família, em Chesilworth, depois de apenas um ano na sociedade. Ficara entediada com os compromissos que tivera de cumprir, mas fizera o esforço por sua família que, como sempre, encontrava-se em sérias dificuldades financeiras. Se um homem de boa posição houvesse pedido sua mão, ela teria se casado, mesmo contra vontade. Para seu alívio, isso não acontecera e ela pudera voltar a usar suas roupas simples e cuidar da casa de seu pai.
Encontrara satisfação afetiva na criação dos irmãos mais novos e sua sede intelectual era saciada na companhia do pai. Não sentia falta de nada em sua vida, mas também não se permitia pensar demais no que poderia estar lhe faltando. Em festas, sentava-se junto das matronas, observando o comportamento fútil dos mais jovens, pois não suportava a conversa insípida das moças solteiras. Nos dois últimos anos, passara a usar uma touca sobre os cabelos, assumindo assim a condição de solteirona.
Portanto, não era de admirar que os homens a olhassem com indiferença, mas isso a poupava de ter de conversar sobre banalidades.
No entanto... foi impossível evitar a pontada de mágoa diante da idéia de que sir Harry nem sequer a notara, embora houvesse parado a menos de um metro de distância, para conversar com sua tia Ardis e a prima Joanna.
- O senhor estava ocupado. – continuou sem esconder o que sentia.
- Compreendo.
Potter estudou-a à luz da vela e ficou chocado por não ter notado aquela criatura de olhos grandes, cabelos castanhos e outros traços muito atraentes. Baixou os olhos e descobriu que a camisola, ainda desabotoada, deslizara por um dos ombros dela, revelando um seio firme e claro, bem como o mamilo rosado. Mesmo vestida e penteada, era inconcebível que aquela mulher não houvesse lhe chamado a atenção!
Hermione seguiu a direção dos olhos dele e, horrorizada, viu o seio à mostra. Com as faces ardendo, fechou a camisola e começou a abotoá-la. Aquela era, definitivamente, a pior situação que ela já enfrentara em sua vida! Como poderia encará-lo novamente? Nunca antes alguém vira mais do que seus vestidos, todos muito sóbrios, exibiam. Agora, aquele homem, que não passava de um estranho, a via com a intimidade de um marido. E, pior, por que sua camisola estava aberta? Desesperada, Hermione lembrou-se das sensações embriagantes de seu sonho. O que realmente acontecera? Seria possível que ela não estivesse sonhando, mas sim sendo tocada por um homem de verdade? Teria sir Harry sido o responsável pela explosão de prazer que, finalmente, a despertara?
Ergueu os olhos para ele, ainda com as faces ruborizadas. Estava embaraçada, mas não era o tipo de mulher capaz de fugir à verdade.
- O que aconteceu aqui? – inquiriu. – Sinto-me estranha. Tive sonhos bizarros... Foi real? O que eu fiz?
Sir Harry hesitou por um instante, mas então inclinou-se e tomou as mãos dela nas suas.
- A senhorita não fez nada, eu garanto. Entrei no quarto, acreditando ser o de outra pessoa. A senhorita estava em meio a um sonho agitado. Pensando que era Joanna, tomei-a nos braços e tentei acordá-la, mas a senhorita dormia profundamente. Eu... Eu a beijei e, então, a senhorita acordou. Foi quando descobri que não estava no quarto da srta. Moulton.
- Foi só isso?
- Sim, claro. O que mais poderia ter acontecido?
Hermione suspirou, aliviada.
- Nada. Foi apenas... peculiar. Eu sentia que não estava realmente dormindo, mas não conseguia acordar. Sem dúvida, teve um dia cansativo.
A verdade era que, fisicamente, o dia de Hermione fora monótono, mas a atividade social era, para ela, muito cansativa.
- Bem, acho melhor o senhor sair, agora.
- Tem razão. – Ele se levantou e encaminhou-se para a porta, seguido por Hermione. – Obrigado.
- Por nada. – ela replicou de maneira automática, mas então, perguntou: – Por que está me agradecendo?
- Por ter agido como uma jovem calma e razoável. Poucas teriam reagido como a senhorita.
- Ah... Creio que não sou muito sensata. – Hermione murmurou, pousando a mão no trinco da porta. – Espere. Deixe-me verificar se não há ninguém no corredor.
Sir Harry assentiu e recuou um passo.
Hermione abriu apenas uma fresta da porta e espiou.
Então, levou a mão aos lábios, assustada, e voltou a fechá-la depressa. Virou-se para ele com olhos, arregalados.
- O que foi? – Sir Harry perguntou apreensivo.
- Minha tia! – ela respondeu em um sussurro aflito.
Sem pensar, Hermione trancou a porta. A última coisa que desejava era tia Ardis invadindo seu quarto.
- O que ela está fazendo aqui? – Potter perguntou, também sussurrando.
- Não faço a menor idéia. Acha que ela pode tê-lo visto entrar aqui? Se ela bater na porta, terá de se esconder. Acha que consegue fugir pela janela?
- Estamos no segundo andar. – ele lembrou.
- Deve haver uma treliça, ou uma árvore...
- A senhorita parece experiente nesse tipo de situação. – sir Harry comentou com ironia.
- Que absurdo!
A discussão foi interrompida por batidas pesadas na porta do quarto ao lado. Hermione sobressaltou-se, mas, então, suspirou aliviada.
- Graças a Deus! Ela está batendo na porta de Joanna.
- Joanna! – tia Ardis gritou. – Abra a porta!
- Sua tia tem o hábito de acordar a todos no meio da noite?
- Não. Aliás, não faço idéia do que está se passando. Ela sempre se deita antes das dez.
- Joanna!
Hermione voltou a abrir uma fresta da porta, para espiar a tia. Ficou surpresa ao descobrir que tia Ardis, uma mulher de proporções mais que generosas, ainda usava o espartilho por baixo do robe de veludo vermelho. Os cabelos ainda se encontravam presos na trança que ela enrolava na nuca, durante o dia. O que poderia ter acontecido?
- Joanna! Pela última vez, abra a porta! Quem está aí, com você? Ouvi vozes.
- Vozes! – Hermione sussurrou, virando-se para sir Harry. – Acha que ela nos ouviu?
Potter sacudiu a cabeça e Hermione refletiu que isso seria improvável, uma vez que o quarto da tia ficava além do de Joanna.
Naquele momento, a porta do quarto ao lado de abriu e Joanna sussurrou, desesperada:
- Pare com isso, mamãe! É cedo demais! Ele ainda não chegou!
Boquiaberta, tia Ardis fitou a filha com ar horrorizado. Todas as portas do corredor se abriam e as pessoas espiavam com expressões sonolentas, irritadas e curiosas.
- O que está havendo? – inquiriu o coronel Rivington. – Que comoção é essa?
- Eu... – tia Ardis balbuciou, empalidecendo.
- Sinto muito. – Joanna desculpou-se com um sorriso meigo. – Por favor, perdoe minha mãe. Ela estava... estava...
- Preocupada! – a mãe finalmente recuperou a voz. – Eu estava preocupada. Ouvi Joanna gritar. Acho que estava tendo um pesadelo.
- Isso mesmo. – a filha concordou depressa. - Tive um pesadelo.
Hermione fechou a porta com cuidado e franziu o cenho.
- Estranho. Por que elas... – parou de falar ao perceber a expressão furiosa no rosto de sir Harry. - O que foi?
- Agora, compreendo. – ele murmurou com desgosto. – Fiquei surpreso quando a srta. Moulton praticamente se atirou para mim, esta tarde. Antes disso, ela havia se comportado como uma simples namoradeira. Então, de repente, transformou-se em uma mulher ousada.
Lembrou-se de que ela esbarrara nele, “acidentalmente”, três vezes, naquela tarde. E, também, do beijo promissor atrás de uma árvore, quando ela lhe passara o bilhete com discrição.
- Não estou entendendo. Do que o senhor está falando? .
- Do plano de suas parentas. Sua prima escreveu aquele bilhete, convidando-me para visitar o quarto dela à meia-noite. Pareceu estar disponível para atender às intenções menos honradas possíveis. Mas estava tudo combinado. Sua tia faria um escândalo quando eu estivesse lá, acordando a todos com a gritaria.
Hermione arregalou os olhos.
- Está dizendo que Joanna o convidou apenas para que titia pudesse apanhá-lo em situação comprometedora? Mas... por quê? Por que minha prima arruinaria a própria reputação, dessa maneira?
Um leve sorriso curvou os lábios de Potter. A dificuldade em compreender o plano sórdido da tia revelava muito sobre o caráter de Hermione.
- Minha cara, duvido que sua prima se importasse com a reputação, desde que o escândalo lhe trouxesse riqueza e um nome de prestígio. E, de qualquer maneira, a reputação dela estaria a salvo, uma vez que eu teria de me casar com ela.
- Elas planejaram tudo, para forçá-lo a casar com Joanna? – Hermione inquiriu incrédula. – Não posso acreditar!
Porém, bastaram alguns segundos de reflexão para que ela reconhecesse a verdade nas palavras de sir Harry. Afinal, por que a tia faria tanto barulho à porta do quarto da filha, senão para atrair a atenção de vários observadores? E por que tia Ardis, que nunca se deitava depois das dez, encontrava-se de espartilho e cabelos presos, àquela hora da noite? A resposta era simples. Como esperava ser vista por muita gente, não fora capaz de se apresentar como realmente dormia.
- Foi por isso que eu me senti tão atordoada. – murmurou. – Tia Ardis deve ter colocado um pouco do láudano, que sempre leva consigo, no leite. Eu deveria ter desconfiado, quando ela veio ao meu quarto, trazendo uma caneca de leite morno, para me ajudar a dormir. Ela sabe que tenho sono muito leve e que é freqüente eu demorar muito a adormecer. Não queria que eu ouvisse barulhos, como de você entrando no quarto de Joanna, e fosse investigar.
- Sem dúvida, a senhorita está certa. Foi mesmo uma sorte a caligrafia da srta. Moulton ser tão ruim. Do contrário, a senhorita seria forçada a se tornar minha prima.
Hermione cobriu as faces coradas com as mãos. Não sabia se se sentia furiosa ou humilhada. Como a tia e a prima eram capazes de tomar uma atitude tão desprezível? A simples idéia de ver Joanna tentando prender aquele homem a ela pelo resto da vida despertou em Hermione o impulso de esbofeteá-la.
- Estou tão envergonhada, sir Harry. Peço desculpas por minha família. Não sei o que as levou a agir assim.
- A atração pelo dinheiro pode levar as pessoas a atitudes bizarras.
- Isso não é desculpa para tamanha falta de princípios. Sinto muito. – ela voltou a se desculpar, com lágrimas nos olhos. – Deve nos achar horríveis.
Ele sorriu, tomou a mão dela e levou-a aos lábios.
- Minha cara, eu jamais poderia considerá-la horrível. Para ser sincero, a senhorita quase recuperou a minha fé na humanidade.
O contato dos lábios dele com a sua pele, lembrou Hermione das sensações que tomavam conta de seu corpo, quando ela acordara. Foi obrigada a desviar o olhar do dele.
- Eu... Deixe-me ver se todos já voltaram para seus quartos. – Abriu a porta e espiou. Verificando que o corredor encontrava-se deserto, virou-se para sir Harry. – Não há mais ninguém lá fora.
- Nesse caso, creio que devo deixá-la. – Voltou a sorrir. – Obrigado por ter me proporcionado uma noite muito interessante, srta. Moulton.
- Ah, eu... – Cassandra parou de falar, concluindo que aquele não era o momento mais apropriado para explicar que seu nome não era Moulton. – Mais uma vez, peço desculpas pelo que minha prima e minha tia fizeram.
- E eu lhe devo desculpas pelo meu comportamento pouco cavalheiresco.
Mais uma vez, Hermione sentiu as faces arderem.
Abaixou a cabeça e recuou um passo, para que ele pudesse sair. Fechou a porta e esperou, tensa, por vozes que indicassem que ele fora apanhado. Porém, o silêncio foi total. Voltou a espiar o corredor e certificou-se de que estava deserto. Sir Harry se fora. Voltou a fechar a porta com um suspiro. Por que aquilo tinha de acontecer? Justamente naquela noite e, pior, com sir Harry Potter!
Sentou-se na cama, desanimada. Planejara tudo com tanto cuidado, para que a tia a levasse àquela festa, depois de saber que sir Harry estaria presente. Fora preciso sutileza para convencer a preguiçosa tia Ardis das dificuldades de garantir que uma jovem ativa como Joanna tivesse companhia constante, durante os entretenimentos comuns a festividades organizadas em residências campestres. Escondendo o desejo de participar da festa, levara dias para persuadir a tia de que a melhor solução seria levá-la, pois assim a mais velha teria com quem dividir a tarefa de acompanhar a filha solteira. Com fingida relutância, Hermione finalmente aceitara a incumbência.
Não fora nada fácil, uma vez que sua natureza franca e direta não incluía o uso corriqueiro de subterfúgios. Agora, porém, era provável que seu sacrifício houvesse sido em vão. Como poderia sequer encarar sir Harry novamente, sabendo o que Joanna tentara fazer com ele? E, também, sabendo da situação tão íntima na qual ele conhecera a própria Hermione!
Uma onda de calor a invadiu, diante da lembrança de seu sonho: dos beijos ardentes e apaixonados, das carícias sensuais. Teria tudo aquilo realmente acontecido? Teria sua mente drogada transformado a realidade em sonho? Hermione emitiu um gemido desesperado. Jamais voltaria a encarar sir Harry, se houvesse se abandonado nos braços dele. Ele garantira que nada havia acontecido, mas poderia ter sido apenas cavalheiro demais para dizer a verdade.
Pensou na intensa explosão de prazer, que finalmente a despertara. O que fora aquela sensação de êxtase, que deixara seu corpo fraco e latejante? Nada em sua experiência sequer se aproximava do que ela sentira, então.
Seria uma mulher devassa? Ora, tratava-se de uma idéia absurda. A verdade era que Hermione tivera pouquíssima experiência com os homens. Aparentemente, não sabia conversar com eles. A maneira direta com que costumava conversar com o pai parecia fazer com que os jovens se afastassem dela, rapidamente. Tia Ardis lhe dissera que moças solteiras não deviam discutir assuntos tediosos como história e política. E, menos ainda, emitir opiniões fortes e radicais. Segundo sua tia, jovens donzelas deveriam sorrir e flertar, agitar o leque diante do rosto, com timidez, e usar os olhares para atrair pretendentes: Hermione simplesmente não podia assimilar a noção de que um homem fosse capaz de escolher uma mulher, baseado em risinhos tolos e conversas banais.
Bem, era verdade que Hermione jamais tivera um pretendente, enquanto a insípida Joanna, que nunca pronunciara uma palavra sensata, via-se cercada deles, em todas as festas. O que, aparentemente, comprovava as palavras de tia Ardis. Hermione concluíra que não era romântica o bastante, nem se interessava por homens o suficiente, para fazer o papel de donzela, a fim de arranjar um marido. Se a tia tivesse razão, então, os homens eram tolos demais para Hermione sequer cogitar passar o resto da vida com um deles. O melhor seria continuar solteira e dona de si. Possuindo natureza tão prática e tão pouco romântica, era difícil acreditar que tivesse alguma tendência devassa. Se tivesse, seu sonho fora a única manifestação daquele traço de sua personalidade.
Endireitou as costas, dizendo a si mesma que seus pensamentos não passavam de uma grande bobagem. Sir Harry não tentara protegê-la, quando dissera que nada havia acontecido. Ele havia, simplesmente, falado a verdade. A única coisa que ele fizera fora deitar-sé junto dela, acreditando estar na cama de Joanna. Em seguida, vira o rosto de Hermione e se dera conta do erro cometido.
Com um suspiro aliviado, decidiu que havia permitido que sua imaginação voasse longe demais. As sensações peculiares que havia experimentado haviam sido, sem dúvida, parte do sonho estranho que tivera. Estava certa de que tia Ardis, ou a própria Joanna, haviam colocado láudano em seu leite. A poção para dormir havia afetado seus sonhos, além de ter provocado tamanha sonolência.
Sir Harry não pensaria que ela era uma devassa. Aliás, ele havia declarado que apreciava sua integridade. Hermione disse a si mesma que não tinha motivos para se sentir envergonhada, diante dele. E o fato era que precisava falar com ele. O futuro de sua família dependia de sua capacidade de convencê-lo a ajudá-la. O comportamento de sua prima fora lamentável, mas Hermione teria de pensar nos irmãos e levar seu plano adiante. Era imperativo encontrar a herança de sua família e sir Harry era a única pessoa que poderia ajudá-la. Não poderia permitir que algumas situações embaraçosas a desviassem de seu caminho. Conversaria com sir Harry no dia seguinte.
Balançou a cabeça com ar decidido, como se estivesse discutindo a questão com alguém. Então, deitou-se, puxou as cobertas e apagou a vela. Voltara a sentir-se segura de si. No dia seguinte, daria prosseguimento ao seu plano.
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