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O néon branco e intenso sobre o Bar Mort's pulsava, vibrava e atraía a aglomeração de gente sedenta de Truly, Idaho, como uma luz hipnótica. Mas o Mort's era mais que uma forte atração por cerveja. Mais que meramente um lugar para beber uma cerveja gelada e entrar numa briga em noites de sexta-feira. O Mort's tinha significado histórico. Enquanto outros estabelecimentos instalaram-se e se foram na pequena cidade, o Mort's permaneceu sempre o mesmo.

Até cerca de um ano atrás, quando o novo dono havia arrumado o lugar com galões de desinfetante e tinta, e instituído uma estrita política de proibição de arremesso de calcinhas. Antes disso, arremessar roupa íntima para cima, como no jogo de arremesso de aros, para acertar a série de chifres que ficavam sobre o balcão do bar foi encorajado como um tipo de evento esportivo indoor. Agora, com o novo dono, se uma mulher tivesse o impulso de arremessar suas roupas íntimas levava um chute no traseiro, ainda que estivesse nu.

Ah, os bons velhos tempos...

Parada na calçada em frente ao Mort's, Gina Weasley olhou para cima, para o luminoso, mas era completamente imune a atração subliminar emitida pela luz que atravessava a escuridão que se impunha pouco a pouco. Um rumor indefinido de vozes e de música alastrava-se pelas rachaduras do velho prédio encaixado entre uma loja de informática e um restaurante.

Um casal usando jeans e camiseta namorava na calçada. Alguém abriu a porta. O som de vozes e a música country transbordou para a rua Main. A porta fechou-se e Gina permaneceu parada do lado de fora. Poucos segundos depois, ela ajustou a alça da bolsa no ombro e puxou o zíper do seu volumoso suéter azul. Havia morado em Truly vinte e nove anos atrás, e se lembrou de como a noite era fresca ali. Mesmo em julho, pleno verão.

Sua mão ergueu-se na direção da velha porta, depois a soltou. Uma surpreendente sensação de apreensão lhe ouriçou os cabelos da nuca. Ela havia feito isso dúzias de vezes. Então, por que a apreensão? Por que agora? Perguntava a si mesma, embora soubesse bem qual era a resposta. Porque desta vez era pessoal. Depois que abrisse aquela porta e desse o primeiro passo não haveria a possibilidade de voltar.

Se suas amigas pudessem vê-la ali, parada como se os pés tivessem sido enterrados em concreto fresco, que depois de seco os deixou imobilizados, ficariam chocadas. Gina entrevistara assassinos em série - assassinos a sangue frio, mas conversar dissimuladamente com malucos que têm perturbações em sua personalidade anti-social era fácil em comparação com o que a esperava no Mort's. A sua frente um aviso dizia: PROIBIDA A ENTRADA DE MENORES DE 21 ANOS. Seu passado a esperava e, como aprendera recentemente, investigar o passado de outra pessoa era muito mais fácil que investigar o próprio passado.

Respirou fundo e se preparou para finalmente empurrar a porta. Estava aborrecida consigo mesma por se sentir tão insegura, mas acabou com sua inquietação graças a uma inflexível força de vontade. Não aconteceria nada que ela não quisesse. Tudo estava sob controle. Como sempre.

A batida pesada da jukebox e o cheiro de lúpulo e tabaco a atingiram assim que entrou.
A porta se fechou e Gina parou e esperou que seus olhos se acostumassem com a pouca luz que havia ali dentro. O Mort's era apenas um bar. Como milhares de outros que ela havia visto pelo país. Nada de especial. Nem mesmo a coleção de chifres pendurados ao longo do balcão de mogno era algo fora do comum.

Gina não gostava de bares. Especialmente bares de cowboys. A fumaça, a música e o incessante consumo de cerveja a incomodavam. Também não se importava com cowboys particularmente. Um jeans apertado no traseiro de um cowboy não compensava o desgosto causado pela visão das botas, fivelas e dos rolos de fumo de mascar. Ela apreciava homens de terno e sapatos de couro italiano. No entanto não tivera nem mesmo um simples encontro nos últimos quatro anos.

Avançou tortuosamente na direção do longo balcão de carvalho do bar onde localizara um único banco vazio, e enquanto caminhava estudava os freqüentadores do lugar. Seu olhar fixou-se nos chapéus dos cowboys e nos bonés dos caminhoneiros. Notou rabos-de-cavalo, cabelos na altura dos ombros, alguns dos piores permanentes que já vira as franjas irreverentes que foram invariavelmente recuperadas dos anos oitenta. Mas não viu a pessoa pela qual procurava, embora não esperasse realmente vê-lo sentado em uma das mesas ou perambulando pelo salão.

Abriu caminho para o banco vazio que se encontrava posicionado entre um homem com uma camiseta azul e uma mulher com cabelo super produzido. Atrás da caixa registradora e das garrafas de álcool, um espelho acompanhava todo o comprimento do balcão, onde dois barmen serviam cervejas e drinques. Nenhum dos dois era o proprietário do seleto estabelecimento.

Um dos barmen pôs um guardanapo na frente de Gina e perguntou o que queria beber.
Ele parecia ter uns dezenove anos, mas ela supôs que deveria ter no mínimo vinte e um, idade suficiente para servir bebida alcoólica no meio de toda aquela fumaça de cigarro.

- Um martíni safira. Extra seco, três azeitonas - disse, imaginando quantos carboidratos teriam as azeitonas. Puxou a bolsa para o colo e observou o barman se virar e pegar gim e vermute de boa qualidade.

Utilizando o espelho, examinou atentamente o bar procurando pelo proprietário, ainda que não imaginasse vê-lo sentado num dos bancos, muito menos aboletado em uma mesa. Quando procurara por ele à tarde, ligando para o outro bar que ele tinha na cidade, disseram que ele estaria no Mort's à noite, e Gina imaginou que era provável que ele estivesse no escritório examinando seus livros ou, se fosse como o pai, a parte de dentro da coxa de uma das garçonetes.

- Eu pago tudo!

A mulher que estava do outro lado de Gina lastimava-se para sua amiga.

- Até comprei meu próprio cartão de aniversário e pedi para J.W assiná-lo, imaginando que ele iria se sentir mal e entender o recado.

Gina sentiu uma curiosidade incontrolável de olhar para a mulher pelo espelho. Em meio às garrafas de vodca, visualizou os longos cabelos louros caindo sobre um par de ombros rechonchudos e peitos que se revelavam inconvenientemente
de dentro de uma camiseta regata vermelha com pedras brilhantes incrustadas.

- Ele nem se sentiu mal! Só reclamou que não gostava de cartões piegas como o que eu havia comprado. - A moça do cartão de aniversário estava tomando um drinque que vinha com um guarda-chuva espetado. - E agora ele quer que eu vá à casa dele quando a mãe for viajar, no próximo final de semana, para fazer - lhe o jantar. Depois de dizer isso enxugou as lágrimas e fungou: - Estou pensando em dizer a ele que não vou.

- Você está brincando! - As palavras escaparam de sua boca antes que ela pudesse pensar.

- Desculpe-me, não entendi - o barman falou enquanto colocava o drinque na frente dela.

Gina chacoalhou a cabeça negativamente, enfiou a mão na bolsa e pagou o drinque. O som de uma música barulhenta, que falava das curvas traseiras de uma dançarina de cabaré, saía da jukebox de néon incandescente e se juntava ao persistente zunido de conversa.

Gina puxou a manga do suéter e pegou seu martíni. Enquanto levava o copo à boca olhou para o relógio: nove horas. O proprietário seria obrigado a mostrar a cara mais cedo ou mais tarde. Se não hoje, sempre haveria o amanhã. Tomou um gole e sentiu a bebida aquecer seu corpo.

Gina na realidade, esperava que o proprietário aparecesse logo. Antes que ela tomasse tantos martínis que a fizessem esquecer porquê estava sentada num banco de bar bisbilhotando a vida de mulheres carentes com comportamento passivo-agressivo e de homens equivocados.

Ela recolocou o copo sobre o balcão. Bisbilhotar não era sua atividade preferida.
Preferia uma aproximação mais honesta, desencavar as vidas das pessoas e sondar seus segredinhos mais sujos sem perturbação. Algumas pessoas entregavam seus segredos sem reclamar, ansiosos para contar tudo. Outros a forçavam a ir mais fundo, estimulá-los por muito tempo ou extrair de forma um pouco mais hostil e arrancando-lhes até as raízes. Às vezes seu trabalho era sujo, sempre exigia coragem, e ela adorava escrever sobre assassinos em série e psicopatas comuns de todo dia.

De fato, uma garota como ela tinha que se destacar em alguma coisa. E Gina, que publicava com o nome de Virginia Molly Weasley, era uma das melhores escritoras no gênero dos crimes que realmente aconteceram. Ela escrevia sobre a índole e o derramamento de sangue. Sobre o doente e o perturbado, e havia quem pensasse, inclusive suas amigas, que o que escrevia deformava sua personalidade. Ela acabou gostando de pensar que isso se somava ao seu charme.

A verdade estava escondida em algum lugar, no cerne. De fato, as coisas que viu e sobre as quais escreveu a afetaram. Apesar da barreira que estabelecia entre sua própria sanidade e a das pessoas que investigava e entrevistava, a doença deles às vezes exsudava e se espalhava, deixando atrás de si certa película de impureza muito difícil limpar completamente.

O trabalho a fez ver o mundo de forma um pouco diferente das pessoas que nunca se sentaram de frente para um assassino em série, e não o viram tentando se esquivar de recontar as coisas sobre sua - atividade. Mas essas mesmas coisas também a tornaram uma mulher forte e que não prejudicava ninguém. Pouquíssimas coisas a intimidavam.
Gina não tinha qualquer ilusão sobre a humanidade. No fundo, sabia que a maior parte das pessoas é decente. E que em função disso, essas pessoas faziam o que é certo. Mas sabia também sobre os outros. Os quinze por cento que estavam interessados apenas no próprio egoísmo e na satisfação do próprio prazer deformado. Desses quinze por cento, apenas cerca de dois por cento eram, de fato, assassinos em série. Os outros desvios sociais eram apenas os costumeiros estupradores, assassinos, malfeitores e executivos corporativos que saqueiam secretamente o seguro social de seus empregados.

E se havia uma coisa que podia dizer que sabia com certeza que sabia era que todo mundo tinha segredos. Ela mesma possuía os dela. Só que os guardava mais escondidos que a maioria das pessoas.

Levantou novamente o copo em direção aos lábios e seu olhar foi atraído para a o fundo do bar. Uma porta se abriu e um homem entrou para o salão escuro.
Gina o reconheceu. O reconheceu antes mesmo que a escuridão lhe deslizasse por cima do peito largo e dos ombros, por sobre a camiseta preta. O reconheceu antes que a luz revelasse seu queixo e seu nariz, e fizesse brilhar os cabelos negros. Negros como a noite da qual ele viera.

Ele logo foi para trás do balcão e enrolou um velho avental em torno dos quadris, amarrando as tiras logo acima do zíper da calça. Ela nunca o encontrara. Mas sabia que ele tinha trinta e cinco anos, era um ano mais velho que ela. Sabia que ele media um metro e noventa, e pesava oitenta e seis quilos e duzentos gramas. Serviu o exército por doze anos, onde pilotou helicópteros e descarregou mísseis. Como o pai, era um homem despudoradamente bonito. O tipo de beleza que virava a cabeça, parava corações e levava as mulheres a nutrir maus pensamentos.

Pensamentos que envolviam bocas, mãos quentes e roupas emaranhadas, a respiração quente junto ao pescoço de uma mulher e amassos no banco de trás de um carro.

Não que Gina fosse suscetível a tais pensamentos.

Harry tinha uma irmã mais velha, Meg, e dois bares na cidade, o Mort's e o Hennessy's. O último havia estado na família por tempo maior do que ele tinha de vida. Hennessy's, bar onde a mãe de Gina trabalhou. Onde encontrou James Potter. Onde morreu.

Como se tivesse sentido o olhar dela, ele deu uma olha dela por cima das tiras do avental. Parou a poucos passos de Gina e os olhos de ambos se encontraram. Ela engasgou com o gim. De acordo com a carteira de motorista dele, seus olhos eram verdes, mas assim, pessoalmente, mais pareciam de um turquesa profundo. Da cor do mar do Caribe, os olhos dele a encararam de volta, o que foi um choque, que a fez baixar o copo e levar uma das mãos à boca.

Os últimos acordes da música de cabaré morriam, enquanto ele terminava de amarrar as tiras do avental, e vinha mais para perto até ficar a poucos centímetros do mogno entre eles.

- Você vai sobreviver? - A voz profunda atravessou o barulho entre eles.

Gina engoliu e tossiu uma última vez.

- Acho que sim.




Continua...




Espero que tenham gostado do primeiro cap. :D


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