Para histórias inacabadas
Fechou os olhos e respirou fundo, não queria lembrar, era inconcebível lembrar daquilo naquele momento. Não tinha nada a ver com o assunto, ou talvez fosse todo ele.
- Mione, me desculpe, eu... Eu – Ginny falou longe – Você ta bem? Merlin, você ta verde! Mione fala alguma coisa.
Hermione olhou para o céu, não parecia tão azul quanto antes, se sentiu cansada. E todas as pontes estavam sendo destruídas de novo, não importava o quanto ela tentasse consertar, nunca era o suficiente, não estava bom o bastante. Seus olhos ficaram marejados. Aquele era o fim. Correu para fora do quarto e subiu as escadas numa velocidade incrível, empurrou a porta fazendo estrondo.
- RON! - Ele está lá embaixo. – disse Harry assustado – Você ta bem? Aconteceu alguma coisa?
- Nada! – respondeu ríspida. Virou-se e desceu correndo.
Molly estava cozinhando chorosa e Charles tentava consola-la. George conversava com Percy sobre os rumos que a loja tomaria. Nada de Ron.
- Vocês viram o Ron? – perguntou com voz alterada.
- Que desespero Granger! – comentou zombeiro – Está com tanto fogo assim?
- George mais respeito com Hermione! – ralhou a matriarca com o filho, fungando – Ele está garagem com Arthur, querida. – Molly a olhou carinhosa – Está tudo bem?
Ela não respondeu. Passou pela porta como um furacão. Que mania estúpida as pessoas têm: perguntar se está tudo bem quanto está na cara que não está tudo bem. E no calor do momento não havia nem pensado no que dizer. Devia estar parecendo louca, tremia da cabeça aos pés, sentia o rosto fogueado, a boca seca e a garganta arranhava. Estancou o passo, olhou ao redor. Não tinha a menor ideia de por onde começar. Sabia que queria bater nele, destruir cada pedacinho dele, como ele havia feito com seu coração por tão pouco. Não seria nada adequado chegar tentando matá-lo, ela tinha que fazê-lo sofrer, e chegar na voadora a faria perder a razão. Ela seria tão baixa quanto ele. A porta da garagem estava aberta, ela percebeu que nunca havia entrado ali. Deu alguns passos mais decididos.
“Conversar como gente civilizada. Sem agressões físicas ou morais. Sem sarcasmo, ironia, nem provocações. Nada de gritos ou comparações medíocres. Uma conversa, não uma discussão.”
Entrou na garagem, estava escuro, tinha coisas espalhadas por todos os lados, em sua grande maioria, coisas trouxas. E um carro, Molly mataria Arthur se soubesse. Eles estavam dentro do carro, conversando timidamente, mexendo em alguma coisa que ela não soube dizer o que.
- Ron. – chamou baixinho, o suficientemente alto para que ele ouvisse, ele levantou a cabeça e sorriu – Posso conversar com você? – perguntou abaixando o rosto.
- Acho que pode! – abriu mais o sorriso. Arthur indicou a porta com o dedo, parecendo satisfeito, e saiu andando devagar. Hermione olhou para Ron, dele para o chão e para Ron de novo. - Então? – ele saiu de dentro do carro e encostou-se à parede com as mãos nos bolsos despreocupadamente, ainda sorrindo – Sobre o que nós vamos conversar? – ele olhou de canto – Sobre aquele assunto?
Pela primeira vez ele pareceu receptivo e até contente. Ele ficava transtornado sempre que ela aparentava tocar no assunto: suava frio, afastava-se dela, dizia que não era hora e até gaguejava, mesmo se o que ela tivesse a dizer não fizesse parte do assunto. Ela engoliu seco, virou o rosto desconfortavelmente e juntou as mãos. Percebeu que ele tinha motivos para ficar tão tenso.
- Estava conversando com o papai justamente sobre isso. – iniciou soando como uma confissão.
Ele continuou falando sem que ela prestasse atenção, realmente. Ron parecia ansioso. Hermione deveria ter tomado uma dose dupla de autocontrole, ou uísque de fogo, estava muito difícil não avançar no pescoço dele. Aquele sorrisinho. Quem não o conhecesse até o acharia bonitinho daquele jeito, como uma criancinha esperando ganhar um doce da mamãe por ter se comportado bem. Como se ele tivesse se comportado bem. Pessoas que merecem recompensas não fazem o que ele fez, não falariam tantas besteiras, nem seriam tão erradas. Ron conseguia ser errado como ninguém: quando ele queria fazer certo saia errado, quando ele não queria fazer saia muito errado, quando ele queria fazer errado aconteciam Bailes de Inverno, Lavenders e, saídas tempestivas de esconderijos. Ela entendeu. Ele havia ido embora porque sentia ciúmes dela com Harry. Era demais, até mesmo para Ron. Era ali que o fim começava.
-...isso porque eu não sabia por onde começar. – Ron soltou riso pelo nariz, quando ela o cortou bruscamente.
- Comece pelo começo. – exclamou agressiva – Ou pelo fim, o que seria mais apropriado.
- O que houve? – olhou-a impressionado. Hermione se sentiu satisfeita com a cara de espanto que ele fazia. Ás vezes ela amava ser passional.
- Onde foi que foi que começou? – ela virou de costas – Onde foi que começou? – gritou – Talvez quando você tinha por volta de dois anos, ou até antes. – ele pareceu intrigado.
- Do que você está falando? Eu não te conheci quando tinha dois anos.
- Não estou falando de mim – ele franziu a testa – Estou falando de você! – gritou histérica.
- Como assim, de mim? – perguntou começando a ficar nervoso – Pensei que estávamos falando de nós, e nossa relação problemática. – ela riu – Qual seu problema?
Se não fosse dramático, seria cômico. Relação problemática. E agora o problema era dela. Ela passou anos tentando encontrar a resposta que sempre esteve ali: eles estavam apenas transferindo responsabilidades, nunca haviam realmente encarado sua própria culpa.
- Qual meu problema? –ela passou a mão na testa – Sua infantilidade, seu medo de encarar a vida como ela realmente é, sua falta de confiança e ás vezes seu excesso dela, mas principalmente, seu ciúme incoerente e doentio.
- O que meu ciúme, se é que eu sou ciumento, tem a ver com isso? – havia confusão em sua voz e até mesmo espanto.
- Não seja hipócrita! – ela virou transtornada – Você age como se fosse normal, mas seu ciúme e esse seu sentimento de posse como se o mundo tivesse que rodar em torno de você, destroem todas as coisa que você sonha em construir antes mesmo delas passarem por essa sua cabeça oca. Você é perturbado! – silabou enojada.
- Como assim perturbado? Qual seu problema, mulher?
- Você não sabe qual o problema?
- Não, não sei. Espero que você possa me dizer. – ele aumentou o tom de voz.
- Bem, por onde eu começo. – confabulou maldosa – Primeiro para sua informação: eu beijei Victor Krum, uma única vez. – Ron arregalou os olhos – E depois de quase dois anos eu não poderia ter esperado tanto de você. Nesse caso, tanto não pode ser visto como algo bom.
Fazia tanto tempo, que ela nunca imaginou que teria de dizer isso a Ron, pelo menos não gritando, não daquele jeito brusco, como alguém que quer se vingar. Mas não havia mais nada que pudesse ser destruído. Agora era ela que estava destruindo a si própria, não era?
Ron a olhou como se a nunca tivesse visto. Ele nunca pareceu tão sério. Nunca pareceu tão magoado.
- Então, você admite que...
-Me deixa falar! – ele apenas a olhou de lado – Nós íamos à festa do Slug juntos. Nós íamos sair, acho que isso ficou mais do que subentendido. Tenho certeza que você não pensou nisso quando beijou aquela vaca, não é? Você deve ter pensado que era culpa minha e que eu merecia. Dessa vez não vai ser minha culpa, não de novo. Você pensou no seu umbigo e em como você estava se sentindo. Mas você não pensou em como eu me senti naquela maldita noite de inverno que você me ignorou e gritou comigo. Fui burra de não ter percebido que a partir dali que só pioraria. - uma lágrima escorreu, ela limpou com raiva – Ele foi doce comigo e eu estava tão frágil, o mínimo que eu podia fazer era ser doce com ele. Não estou tentando me justificar, mas também não tenho por que me justificar: você não me convidou porque não quis. – ela suspirou cansada – Só não entendo por que você justificou um erro com outro. Gastei noites e noites procurando o que estava errado. Passei meses pensando que você gostava dela, e que seria melhor deixar-lo onde, supostamente, era seu lugar. Pra depois descobrir que em todas as possibilidades eu estava errada. – ela parou de falar, e olhou para cima. – Faz três anos e meio desde o Baile de Inverno e naquela época, faziam dois. E você estava apenas se vingando de algo que eu nem me lembrava e que não significou nada. – ela se virou – Está satisfeito agora? Não significou nada, nada. – Hermione olhou para o chão, estava exausta – E você transou com ela por tão pouco.
Os olhos dele se tornaram escuros
- Como você...
- Eu vi!
Flash back
Ela não quis acreditar no que seus olhos estavam vendo. Sentiu-se estupidamente masoquista ao abri-los novamente. Não havia ninguém no Salão além deles. Óbvio. Do lugar de onde estava apenas pode ver os cabelos laranja de Ron. E Lavender por inteiro, com seus olhos cerrados, suas bochechas coradas, seus lábios inchados, seu pescoço avermelhado, a blusa entreaberta e o sutiã torto. Sentada no colo de Ron de um jeito tão intimo, que nem em seus mais loucos sonhos se imaginou fazendo.
Fim do Flash Back
O sol entrou pela porta e refletiu no vidro do carro iluminando seu rosto, fazendo-a parar de pensar. Preferiu não olha-lo, mas pode perceber que ele havia desencostado da parede, derrotado. Entre mortos e feridos, ainda não era hora de tirar o pelotão do campo de batalha.
- Você não viu nada. – ele engoliu seco, e olhou tentando intimida-la – Você está apenas jogando verde pra ver até onde eu caio.
Era demais para ser verdade, agora era ele quem estava acusando? Não mesmo.
- O que você esperava?Transando com a Maria escandalosa no Salão Comunal. Imagino que não tenha sido a única pessoa a ver, ou ouvir. – Ron olhou para o chão – E eu só aceitei, porque eu achei que você gostava dela.
Ele ficou quieto e continuou por vários minutos, Hermione se surpreendeu por tanto silêncio, tinha consciência que ele não a deixaria que a ultima palavra fosse dela.
- Se eu transei com ela ou não, isso é problema meu e dela. Não tenho ideia por que você está tão impressionada. – a olhou com desdém – Nós estávamos namorando e nos gostávamos o mais óbvio...
- Você não gostava dela. – silabou convicta.
- Lógico que eu gostava, por que você acha que nós namoramos por quatro meses?
- Cinco meses. – corrigiu automaticamente – Você nunca gostou dela, por que seu coração já estava totalmente ocupado.
- Como assim ocupado? – ele riu sarcástico – Por quem? – ela olhou desafiadora.
- Não seja tão burro!
- Não tenha tanta convicção! – se olharam durante alguns segundos – Então santa inteligência, vossa imaculada sabedoria não vai me iluminar com a resposta? – questionou ironicamente.
- Essa é a resposta! – pela primeira vez seus olhos se iluminaram e ela sorriu.
- O quê!?
- Eu te ilumino. E quando você acha que eu não estou com meus holofotes virados pra você as merdas começam a acontecer. – ele parou de encará-la, Hermione respirou fundo e continuou falando tão baixo quanto antes – Foi por isso que nós brigamos no Baile de Inverno, e durante todo o quinto ano, e que nós brigamos sempre. – ela riu – Por isso que você namorou com ela. – ele a encarou – Depois de tudo que nós passamos você não acha que está na hora de ser um pouco sincero comigo?
Hermione encostou-se ao carro, era outro Ford Anglia, porém preto. O pára-brisa estava trincado do lado do passageiro, os bancos eram cor de creme de baunilha. Ela se entreteu observando-o durante alguns minutos até ouvir a porta abrir.
- A Senhorita teria bondade? – disse sorrindo. Ron estava segurando a porta como um daqueles motoristas das celebridades trouxas que vira nos cinemas. Ela sorriu e entrou no carro, ele sentou-se do seu lado e fechou a porta.
-Eu posso ser sincero com você. – ela fez menção em começar a falar, ele pôs o dedo em seus lábios, a calando – Desde que você prometa que vai me escutar, como eu fiz. De acordo?
- Tudo bem. – ela sorriu. Ele respirou fundo. - Se eu te dizer que não sei por onde começar, você rir de mim? – ela riu e levantou o braço com na escola. – Sim, senhorita Granger.
- Pare de tentar me conquistar me fazendo dar risada, não vai nos levar a nada.
- Desculpe. – ele olhou para fora do carro. – Você é diferente de todas as pessoas que eu conheço isso sempre me amedrontou e fazer você sorrir é uma maneira de te aproximar de mim. – ela puxou o rosto dele – Eu não posso dizer que foi uma vingança, porque eu não faço ideia do que foi aquilo. E de uma coisa eu posso concordar por inteiro com você: eu só pensei em como estava me sentindo. – ele parou e virou para a janela de novo – Nas minhas fantasias, nos meus sonhos, - ele riu – eu seria o único a beijar você. Quando a Ginny falou, quer dizer gritou que você tinha beijado ele, tudo desmoronou. E o que doeu mais foi saber que eu não podia fazer nada pra consertar. Parecia que a vida tava brincando comigo: a única coisa que eu tinha como certa pro resto da vida tava destruída. Mesmo que eu nunca tivesse corrido atrás, sempre contei você como algo meu por direito. – ele abaixou a cabeça e colocou a mão no vidro – Eu também passei muito tempo tentando entender, mas eu nunca consegui enxergar que tudo poderia ter sido evitado. E quando você achou que o Harry havia posto Felix Felicis no meu suco, eu me senti um nada. Um não merecedor de você e seus mil e dois talentos. - ele virou para ela e segurou sua mão - Na verdade, eu nunca me senti merecedor. – Hermione levantou a sobrancelha – Vaguei pelo Castelo, e ela veio atrás de mim, ela estava me perseguindo desde que eu saí do vestiário. Lavender entrou na minha vida e eu apenas deixei a miséria reinar e o resto você sabe. O resto você viu. Eu só...
- Eu prometi que não interromperia. – desculpou-se – Mas eu não sei se eu quero ouvir o porquê de você ter ido pra cama com ela. E na duvida, eu prefiro não saber.
- Tudo bem. – ele acenou com a cabeça – Só tem mais uma coisa que eu quero que você saiba...
- Eu já sei! – ele a olhou com admiração e receio – Quer dizer, acho que sei. – ela sorriu. – Tem a ver com Harry?
- Você sabe. E era isso que eu temia. Mas eu preciso te explicar pra que você me entenda mal. – ele respirou fundo. – O medalhão me dizia coisas que eu não queria ouvir, e eu acabei perdendo a cabeça. O que sou eu perto de Harry Potter? O medalhão me dizia isso todos os dias. – ele parou e sorriu – Hermione, qual meu maior medo?
- Aranhas! – respondeu como se fosse o óbvio.
- Errou! – ela franziu o cenho – Meu maior medo é perder você pra um cara famoso, talentoso, rico e inteligente. Seja ele Victor Krum ou até mesmo o Harry. Sabe por quê?
- Não. Eu acho. – respondeu confusa.
- As respostas mais fáceis ela nunca sabe. – ela estapeou o braço dele – Porque eu não sou famoso, nem talentoso, nem rico e menos ainda inteligente. Harry quis me bater quando descobriu, essa é minha opinião, acho que ele não teria coragem, afinal eu dou quase dois dele.
- Cala a boca Ron! Você já falou e fez coisas erradas o suficiente pro resto das nossas vidas.
- Quem você pensa que é pra me dizer se o que eu fiz foi certo ou errado? Ah, esqueci que você é perfeita... Não está satisfeita? Tenho certeza que o seu querinho Vick vai te aceitar de braços abertos.
- Ronald Weasley, não me tente. – eles riram e logo se calaram, faltava alguma coisa.
- Você me perdoa? – ele a olhou sério.
- Por ter me mandado ir atrás do Victor ou por todo o resto? – ele torceu o rosto – Só se você me perdoar também.
Não disseram mais nada, não faltava mais nada. Não por enquanto. Ron passou o braço pelos ombros de Hermione olhando para o fundo da garagem.
- Esse é nosso final feliz? – ela perguntou levantando o rosto.
- Finais felizes são para historias inacabadas. – ele declarou como se fosse inquestionável, ela o olhou indignada.
- Não se eu digo que isso é estupidamente clichê, ou se eu fico impressionada e te pergunto de que livro você tirou essa frase.
- Você não vai querer saber. – ela revirou os olhos – Mione, o que são holotofes? - Holofotes, Ron!
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