CAPÍTULO IV



ASSIM QUE entraram, ele bateu a porta atrás deles e virou-se para ela.

Sem a brisa que soprava, um aroma ligeiramente azedo tomava conta do ar ao redor dela. Ele franziu o nariz e apontou para o traje de Papai Noel.

— Tire isso.

As mãos dela se cerraram ao lado do corpo e, mais urna vez, ele sentiu o cabo de guerra do poder entre os dois, quando ela o desafiou.

— Interessante.

Ele deu um passo adiante e levou a mão ao pescoço do traje de Papai Noel, onde encontrou a aba do zíper. Quando as costas de sua mão alisaram a camisa preta sob o traje, o corpo dela tremeu.

— Não me diga que é virgem — ele disse, lentamente puxando para baixo o zíper da fantasia, revelando as curvas fartas dos seios sob o tecido apertado.

Ele subitamente sentiu uma vontade irresistível de tocar aqueles seios, mas se conteve.

Antes do prazer viria a punição pelo modo como ela o havia desafiado.

Para a sua contínua surpresa, ela inclinou a cabeça e com apenas um ligeiro nó na voz para dar algum indício de seu desconforto, disse:

— Só porque não sou virgem não significa que não seja casta. Não gosto de ser apalpada por tipos como você.

Harry riu ao abrir por inteiro o fecho da parte de cima da fantasia de Papai Noel.

— Tipos como eu?

— Não vai se sair bem disso.

Ele riu novamente, divertindo-se com a coragem dela.

— E quem vai me impedir?

Ele ergueu a mão, e mais uma vez teve de lutar contra a vontade de lhe tocar os seios. O desejo humano o deixava perplexo. Já fazia muito tempo desde a última vez em que o sentira. Em vez de se entregar a ele, levou a mão à face dela e inclinou-se para perto, até que seu nariz estivesse quase encostando no dela.

— Quem irá me impedir? Você?

— É, eu.

A voz da mulher explodiu de encontro aos lábios dele, sua respiração quente e tentadora.

Uma gargalhada áspera escapou dele desta vez, ao enfrentar o olhar dela.

— E, como irá...

— Existem leis...

— E suponho que conheça tais leis — ele disse, descendo a mão, mas não para os seios dela.

Em vez disso, enfiou-a sob o tecido que cobria o ombro da mulher. Com um empurrão brusco, jogou no assoalho de tacos o ofensivo traje de Papai Noel.

— Sou advogada — ela disse, tentando lhe segurar a mão quando ele a moveu na direção do cordão em sua cintura.







A RISADA DELE, desta vez, foi mordaz e incontida.

— Uma advogada. Dizem que não há muita diferença entre nós dois.

Suas sobrancelhas se curvaram mais uma vez antes de ela indagar pensativamente.

— E por que diz isso?

Ele libertou o demônio, transformando-se em vampiro. Ao falar, sua voz tinha traços do rosnar baixinho da besta que desatrelara.

— Porque somos os dois, sanguessugas, não somos?

O sangue fugiu das faces de Annah, provocando um arrepio de medo ao examinar o demônio que se encontrava diante dela.

O verde escuro de suas pupilas havia desaparecido, substituído por um sinistro brilho de néon azul-esverdeado. Caninos longos e de aparência letal saíam de trás dos lábios cheios, estendendo-se além do lábio inferior, até chegar ao meio do queixo.

Ela havia pousado a mão sobre as dele, quando ele as posicionou sobre o nó do cordão do traje. Agora, sabia que o frio de sua pele não se devia ao clima lá fora.

E, depois, tentou se convencer de que estava sonhando ou tendo alucinações. Vampiros não existiam. Fechando os olhos, ela esforçou-se para despertar, mas, ao abrir os olhos novamente, tudo continuava como antes. Era tudo real demais.

Contendo o seu medo e reunindo até os últimos vestígios de sua coragem, disse:

— Neste caso, acho que me deve um pouco de cortesia profissional.

As mãos repousando sob as dela se sobressaltaram. Ele deu um passo atrás para lhe examinar o rosto. Erguendo uma das fartas sobrancelhas escuras, indagou:

— Cortesia profissional?

— De um sanguessuga para outro.

A gargalhada que irrompeu dele foi tão espontânea e copiosa que ele jogou a cabeça para trás. Seu corpo estremeceu com ela.

Humor humano, ela pensou, notando que a risada não possuía o mesmo rosnar animal que ela havia escutado antes. Quando ele a olhou novamente, Annah teve suas suspeitas confirmadas. Todo e qualquer traço do vampiro havia desaparecido e o que restava eram as belas feições que haviam lhe chamado a atenção no dia anterior.

— Você é... intrigante.

— Solte-me — ela pediu novamente, sentindo a força do mesmo poder que a compelira a largar o sino e a segui-lo, independente do quanto havia tentado resistir.

— Eu acho que não.

Sob as mãos dela, dedos ágeis desfizeram o nó do cordão, e afrouxaram a cintura até que as calças caíram aos pés de Annah, deixando-a postada diante dele usando a roupa de baixo apertada e muito reveladora.

O interesse brilhou no olhar do vampiro ao lhe examinar o corpo. Para a surpresa dela, sentiu-se responder ao desejo dele.

Ele podia ser um demônio, mas era um demônio muito atraente e a estava olhando como se quisesse devorá-la.

Mas, por outro lado, talvez fosse isso que ele realmente quisesse fazer, pensou Annah.

Mas, não antes de um pouco de prazer, seu cérebro concluiu, chocando-a com a noção de que o homem diante dela podia lhe controlar todos os pensamentos e ações.

Como antes, o medo voltou a tomar conta dela. Seu corpo tremeu quando ele levou a mão ao seu pescoço, mas tudo que ele fez foi arrancar o cordão com a chave da biblioteca de seu pescoço.

Ele a estendeu para o lado e disse:

— Dobby.

Um homem emergiu das sombras atrás dele. Annah não o havia notado antes.

— Sim, Harry? — disse com um curvar obsequioso da cabeça.

Harry. Pelo menos, agora, o demônio tinha um nome. E um nome bem interessante.

Harry sacudiu o cordão com a chave.

— Por favor, pegue esta chave e guarde as coisas da senhorita...

Ele se deteve, aguardando uma resposta.

— Annah Kaunis. Srta. Kaunis.

Um sorriso lhe cruzou os lábios, antes de ele dizer:

— Por favor, guarde as coisas da srta. Kaunis. E faça algo a respeito deste traje de Papai Noel.

— Ele está fedendo um bocado, não está?

Dobby pegou rapidamente a chave, mas teve de aguardar que ela saísse de dentro das calças caídas aos seus pés antes de se apressar em obedecer Harry.

— Sempre consegue o que quer? — ela perguntou, intrigada, apesar do perigo inerente à situação.

Em uma fração de segundos, o humano desapareceu e o vampiro emergiu, seus movimentos tão rápidos que não passavam de um borrão. E, ela sentiu as pontas afiadas de suas presas no pescoço dela.

— Sempre — ele respondeu, e a dor tomou conta dela quando o vampiro afundou os caninos na sua carne.







A NOITE PLENA caía sobre a cidade, chamando Harry sair para brincar. Para saborear as delícias encontradas na escuridão, só que...

Harry desviou o olhar da janela e o focalizou sobre a mulher que havia amarrado às colunas de sua cama. Os braços estavam abertos e estendidos e o corpo descansava sobre alguns travesseiros e a madeira entalhada de sua cabeceira. Suas nádegas, fartas e deliciosamente macias sob suas mãos quando ele a trouxera até o quarto, repousavam sobre o colchão.

Talvez a houvesse deixado confortável demais, pensou. Talvez um pouco mais de punição lhe refrearia a língua afiada que o havia surpreendido na noite anterior.

Ou, talvez, fosse um pouco de cortesia profissional, pensou com um sorriso, recordando-se de suas palavras.

Não podia lhe ver o rosto, visto que a posição inclinada da cabeça havia jogado os cabelos castanhos sobre ele, ocultando-lhe a maior parte das feições. Um pedacinho do nariz aristocrático aparecia entre as madeixas, assim como era possível lhe vislumbrar um pouquinho dos lábios fartos, ainda brilhando com o que quer que as mulheres passem nos lábios nos dias de hoje.

Mas, o que ele não conseguia enxergar ainda estava claro na sua lembrança. Olhos castanho-claros que revelavam inteligência aguçada. Faces coradas e cheias de vida. Sua boca novamente, cheia e ágil ao ousar desafiá-lo.

Ele imaginou silenciar aquela boca com seus lábios e a necessidade o atingiu com força, despertando o desejo. Provocando uma excitação humana que há muito tempo não sentia.

Inspirando profundamente, cerrou as mãos ao lado do corpo e se indagou o que ela havia despertado dentro dele. Tentou imaginar como faria para satisfazer aquela necessidade sem perder um pouco de si. Apesar de tudo que já fizera nos muitos anos de sua existência, ainda se considerava um homem de fibra moral.

Então, por que a seqüestrou? Perguntou a sua voz interior.

A verdade era que não sabia o que responder.

Nos milênios de sua vida de morto-vivo, jamais havia tomado uma mulher à força, sexualmente falando, ou não. Alimentar-se após o ato. Ele considerava isso um pagamento pelo prazer que dava às suas conquistas.

Possuir alguém movido pela raiva, ou controlar pessoas, normalmente não era do seu feitio.

Neste caso, o que planeja fazer com ela agora? Sua voz interior — sua consciência enferrujada, ele se deu conta — perguntou com maior insistência.

Mas, antes que tivesse a chance de considerar mais a fundo a questão, notou um ligeiro movimento da cabeça da moça. Ela caiu para frente antes de se jogar violentamente para trás, o movimento súbito afastando-lhe os cabelos do rosto.

Ela gemeu e sacudiu a cabeça, tentando se livrar do torpor que tomara conta do corpo dela quando ele se alimentara.

Harry caminhou até a beirada da cama e ansiosamente aguardou o instante em que a consciência lhe retornaria por completo. Preparando-se para quando ela o visse novamente, para a reação dela.

Como seria poder ver o prazer tomar conta daquele olhar?

A cabeça dela inclinou-se para o lado antes de pressenti-lo e olhar na direção dele. Seus olhos castanho-claros — cor de mel, ele decidiu — estavam desfocados a principio, mas logo se fixaram nele. Depois, o olhar se desviou para cada um dos pulsos.

Ela os puxou, mas ele havia feito um bom trabalho ao prendê-la com as amarras macias que confeccionara de um de seus robes de seda.

— É isso que planeja fazer? Manter-me aqui como o seu bufê pessoal?

Como fizera na noite anterior, ela colocou um sorriso nos lábios dele com sua ousadia. Naquele instante, Harry decidiu que o que queria mais do que qualquer outra coisa era ver até onde iria a ousadia dela.

Caminhando até a cama, sentou-se na beirada e levou a mão à face da moça.

— Um bufê? Não pensei que fosse tão prosaica.

Annah passou os olhos pelo enorme quarto, luxuosamente mobiliado e decorado. Não havia nada de prosaico naquele lugar. Ele havia sido claramente projetado para prazeres decadentes, o que a fez dizer:

— Bem, se não sou o jantar...

Um sorriso apareceu nos lábios dele, e, como ela havia pensado no dia anterior, o sorriso dele era devastador. É claro que pensar deste jeito a fazia se perguntar se não estaria louca, ou sob algum tipo de feitiço vampiresco, considerando que ele a havia amarrado à cama e já havia feito dela uma refeição.

— Sou sobremesa? É isso que faz com as suas visitas?

O sorriso se evaporou mais rápido do que o orvalho na manhã, e Harry afastou a mão.

— Não tenho muitas visitas.

Annah lembrou-se de algo que aprendera em uma aula que tivera, anos atrás — estabeleça uma conexão com o seu captor. Faça com que ele a veja como uma pessoa, e não um objeto.

— Neste caso, suponho que peça muita comida para viagem — ela disse, torcendo para que o humor alcançasse qualquer vestígio de humanidade que ele pudesse ter dentro de si.

Um dos cantos da boca inclinou-se para cima.

— Parecemos estar usando um bocado de eufemismos para falar de minhas necessidades.

— Suas necessidades? Está falando de sugar o sangue, não está?

Ele lhe acariciou a face novamente e perguntou:

— Acha que isso é tudo de que preciso?

— É um vampiro, não é? — perguntou Annah, embora ainda estivesse tentando aceitar o fato de que vampiros de fato existiam.

Em resposta, ele lhe desenhou o contorno dos lábios com o polegar e, ao fazê-lo, o ardor espalhou-se a partir daquele ponto, despertando-lhe o corpo. À medida que o calor começou a dominá-la, seus mamilos foram se enrijecendo de expectativa e o desejo explodiu no seu íntimo, arrancando um gemido áspero de sua garganta.

Os lábios de sua intimidade se intumesceram de excitação. Dentro de si, um vazio se formou, implorando para ser preenchido.

Ela inspirou profundamente quando ele disse:

— Um homem não vive apenas de pão.

Seu desejo era tão intenso que chegava a ser doloroso. Ela cerrou com força as coxas, lutando contra o desejo. Resistindo a ele, se deu conta, ao lhe observar o olhar sombrio.

— É isso que oferece a todas as suas conquistas?

— Eu lhes ofereço contentamento.

O tom da voz dele era baixo, despertando para a vida os centros de prazer do corpo dela. Eles estavam vibrando de prazer quando ele disse:

— Posso lhe dar satisfação.

A respiração de Annah ficou ofegante de desejo. Estava encharcada entre as pernas, todas as partes íntimas intumescidas e ansiando para serem tocadas. Uma carícia para aliviar a dolorosa tensão.

— Apenas me peça para tocá-la.

— Não.

Ela puxou as amarras e se contorceu sobre a cama, mas isso de nada adiantou.

Faça-o perceber que não é um objeto, lembrou-se.

— Por que está fazendo isso, Harry? Não fiz nada para você.

Ele abruptamente levantou-se do lado dela, caminhou furioso de um lado para o outro por alguns instantes, antes de voltar para a beirada da cama.

— Por quê? Precisa haver um por quê?

Mesmo ao batalhar contra a paixão que lhe contorcia o corpo, Annah se deu conta de que esta era uma pergunta que ele havia se feito inúmeras vezes. Se ia se tornar o vale-refeição de Harry, queria escutar a resposta à tal pergunta.

— Tem de haver um motivo para ser como é, Harry.

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