CAPITULO 70 - REUNIÃO



CAPITULO 70 - REUNIÃO


 


Harry e Saphira caminhavam no meio dos cadáveres espalhados pela Campina Ardente, moviam-se lentamente por conta de seus ferimentos e da exaustão. Encontraram outros sobreviventes cambaleando no meio do campo de batalha chamuscado, também havia homens de olhos profundos que fitavam a tudo sem enxergar de verdade, focados em algum lugar ao longe.


Agora que sua fúria havia diminuído, Harry sentia apenas tristeza. A luta lhe pareceu inútil. Que tragédia o fato de tantas pessoas terem morrido para se opor a um único louco. Ele parou para desviar de um emaranhado de flechas plantadas na lama e notou o corte no rabo de Saphira, bem onde Thorn a havia mordido, assim como alguns outros ferimentos.


- Aqui, dê-me sua força, irei curá-la.


- Cuide antes daqueles que estão em perigo mortal.


- Você tem certeza?


- Totalmente, pequenino.


Condescendente, ele se agachou e emendou o pescoço cortado de um soldado antes de se dirigir para um dos Varden. Ele não fazia distinção entre amigo ou inimigo, tratou de todos até o limite de suas capacidades.


Harry estava tão preocupado com seus pensamentos que prestou pouca atenção ao trabalho. Gostaria de poder repudiar a afirmação de Draco, mas tudo que ele lhe disse sobre sua mãe - a mãe dos dois -coincidiu com as poucas coisas que Harry sabia sobre ela: Lilian havia deixado Carvahall há vinte e tantos anos, voltou uma vez para dar à luz a Harry, e nunca mais foi vista. Lembrou de quando ele e Draco chegaram em Farthen Dúr pela primeira vez. Draco havia discutido sobre como a sua mãe havia desaparecido do castelo de Lucius enquanto este caçava James, Jeod e o ovo de Saphira. Depois que Lucius atirou Zar'roc em Draco e quase o matou, minha mãe deve ter escondido a sua gravidez e depois voltou para Carvahall afim de me proteger de Lucius e Voldemort.


Harry sentia-se encorajado por saber que Lílian havia se importado tanto com ele. Também lhe afligia saber que ela estava morta e que jamais iriam se encontrar, pois ele nutria a esperança, por menor que fosse, de que seus pais ainda estivessem vivos. Ele esqueceu o desejo de conhecer seu pai, mas se ressentia amargamente de ele ter sido afastado de sua mãe.


Desde que crescera o suficiente para entender que era adotivo, Harry queria saber quem era o seu pai e por que sua mãe o deixara com o tio Garrow, e sua esposa, Marian. As respostas vieram, jogadas de uma fonte tão inesperada e de uma forma tão pouco propícia, que ultrapassavam o que ele podia dar conta no momento. Levaria meses, se não anos, para que ele conseguisse aceitar a revelação.


Harry sempre supôs que ficaria feliz ao descobrir a identidade de seu pai. Agora que sabia, tal conhecimento o deixara revoltado. Quando era mais novo ele comumente se distraía imaginando que seu pai era alguém formidável e importante, embora Harry soubesse que o contrário era bem mais provável. Contudo, nunca lhe ocorrera, mesmo nos seus devaneios mais extravagantes, que ele poderia ser filho de um Cavaleiro, muito menos um dos Renegados.


Isso transformou sua quimera num pesadelo.


Fui gerado por um monstro... Meu pai foi aquele que traiu os Cavaleiros a favor de Voldemort. Aquilo deixou Harry se sentindo maculado.


Mas não... Enquanto curava a espinha partida de um sujeito, lhe ocorreu uma nova maneira de enxergar a situação, ela restaurava a sua autoconfiança: Lucius pode ser meu genitor, mas não é o meu pai. Garrow foi meu pai. Ele me criou. Ensinou-me como viver bem e honestamente, viver com integridade. Sou o que sou por causa dele. Até James e Sirius são mais meus pais do que Lucius. E Rony é meu irmão, não Draco.


Harry acenou com a cabeça, determinado a cultivar esta nova certeza. Até então, ele se recusara a aceitar completamente Garrow como seu pai. E muito embora Garrow estivesse morto, aceitá-lo deixou Harry aliviado, deu-lhe uma sensação de que estava fechando um ciclo, e ajudou a diminuir sua aflição por causa de Lucius.


- Você ficou mais sábio. - observou Saphira.


- Sábio? - Ele balançou a cabeça. - Não, apenas aprendi a pensar. Isso, pelo menos, foi Sirius que me deu. - Harry limpou uma camada de lama do rosto de um menino caído, era um porta-estandarte, certificava-se de que estava morto. Quando se reergueu, o corpo de Harry estremeceu e seus músculos se contraíram em protesto. - Você percebe, não, que James devia saber disso. Por que mais ele optaria por se esconder em Carvahall, na espera de que você saísse do ovo?... Ele queria ficar de olho atento no filho de seu inimigo. - Ele ficou perturbado ao pensar que James poderia tê-lo considerado uma ameaça. - E ele tinha razão também. Veja o que acabou acontecendo comigo!


Saphira agitou o cabelo de seu parceiro com uma rajada de bafo quente.


- Só se lembre que, fossem quais fossem as razões de James, ele sempre tentou nos proteger do perigo. Ele morreu salvando você dos Ra'zac.


- Eu sei... Você acha que ele não me falou sobre isso porque tinha medo que eu pudesse imitar Lucius, como aconteceu com Draco?


- É claro que não.


Ele a encarou curioso.


- Como você pode estar tão certa?


Ela levantou a cabeça acima do parceiro e recusou-se a encará-lo ou a responder.


- Pense do jeito que quiser, então. - Ajoelhado ao lado de um dos homens do rei Orrin, com uma flecha lhe atravessando as tripas, Harry lhes segurou os braços para que o ferido parasse de tremer.


- Calma, agora.


- Água. - disse o sujeito, suspirando. - Pelo amor de Deus, água. Minha garganta está seca como areia. Por favor, Matador de Espectros. - O suor molhava seu rosto.


Harry sorriu, tentando confortá-lo.


- Posso lhe dar alguma bebida agora, mas seria melhor se você esperasse até eu curá-lo. Você pode esperar? Se o fizer, prometo que terá toda a água que quiser.


- Você promete, Matador de Espectros?


- Prometo.


O homem visivelmente lutava contra outra onda de agonia antes de dizer:


- Se eu puder.


Com a ajuda da magia, Harry arrancou a flecha, depois ele e Saphira trabalharam para reparar as vísceras do homem, usando parte da sua própria energia para desencadear o feitiço. Isso levou alguns minutos. Depois disso, o homem examinou sua barriga, apertou a pele curada e depois olhou para Harry, tinha lágrimas nos seus olhos.


- Eu... Matador de Espectros, você...


Harry lhe passou o odre cheio d'água.


- Tome, fique com isso. Você precisa mais do que eu.


A cem metros dali, Harry e Saphira atravessaram uma muralha acre de fumaça. Lá eles alcançaram Orik e dez outros anões - algumas mulheres - perfilados em torno do corpo de Hrothgar, que estava deitado sobre quatro escudos, resplandecente com sua malha dourada. Os anões arrancavam os cabelos, batiam em seus peitos e se voltavam em prantos para o céu. Harry abaixou a cabeça e murmurou:


- Stydja unin mor'ranr, Hrothgar Kõnungr.


Depois de um tempo, Orik os percebeu e se levantou, tinha o rosto vermelho de tanto chorar e a barba já estava sem a trança de costume. Cambaleou em direção a Harry e, antes de se aproximar, perguntou:


- Você matou o covarde que foi responsável por isso?


- Ele fugiu. - Harry não conseguiria explicar que o Cavaleiro era Draco.


Orik deu um soco na mão.


- Barzûln!


- Mas eu juro para você, por todas as pedras da Alagaësia, que, como membro do Dûrgrimst Ingeitum, farei tudo que puder para vingar a morte de Hrothgar.


- Sim, você é o único, além dos elfos, forte o suficiente para fazer justiça contra esse assassino impuro. E quando encontrá-lo... triture seus ossos até virarem poeira, Harry. Puxe seus dentes e encha suas veias de chumbo derretido, faça-o sofrer por cada minuto da vida de Hrothgar que ele roubou.


- Não foi uma boa morte? Hrothgar não queria morrer no campo de batalha, com Volund nas mãos?


- No campo de batalha, sim, encarando um inimigo honesto que ousasse se levantar e lutar como um homem. Não queria morrer derrubado pelos truques de um mágico... - Balançando a cabeça, Orik olhou para trás, em direção a Hrothgar, depois cruzou os braços e encostou o queixo na clavícula. Respirou algumas vezes de forma desigual. - Quando meus pais morreram de peste, Hrothgar me deu novamente uma vida. Levou-me para o seu palácio. Fez de mim seu herdeiro. Perdê-lo... - Orik beliscou a parte superior do nariz com o polegar e o indicador, cobrindo o rosto. - Perdê-lo é como perder o meu pai novamente. - A tristeza em sua voz era tão evidente, que Harry se sentia partilhando da dor do anão.


- Eu entendo você. - disse ele.


- Eu sei. Harry... eu sei. - Depois de um instante, Orik enxugou os olhos e gesticulou para os dez anões. - Antes que qualquer coisa seja feita, temos que levar Hrothgar de volta para Farthen dûr para que ele possa ser enterrado junto com seus predecessores. O Dûrgrimst Ingeitum tem que escolher um novo grimstborith, e então os treze chefes de clã, incluindo esses que você vê aqui, selecionarão entre si o seu novo rei. O que acontecerá em seguida eu não sei. Essa tragédia encoraja alguns clãs e incita outros contra a nossa causa... - Ele balançou a cabeça novamente.


Harry colocou a mão no ombro de Orik.


- Não se preocupe com isso agora. É só você pedir que meu braço e a minha vontade estarão ao seu serviço... Se você quiser, venha à minha tenda que poderemos dividir um tonel de mulso e brindar pela memória de Hrothgar.


- Gostaria de fazer isso. Mas ainda não. Não até terminarmos de rogar aos deuses para que garantam a Hrothgar uma passagem segura para o pós-morte. - Orik deixou Harry, voltou para a roda de anões e acrescentou sua voz ao cântico fúnebre.


Continuando sua rota na Campina Ardente, Saphira disse:


- Hrothgar foi um grande rei.


- Sim, e uma grande pessoa. - suspirou Harry. - Devíamos encontrar Gina e Nasuada. Não consigo mais curar um simples arranhão no momento, e elas precisam saber sobre Draco.


- Concordo.


Eles se dirigiram para o sul, iam em direção ao acampamento dos Varden, mas antes que andassem mais alguns metros, Harry viu Rony se aproximando, vinha do rio Jiet. Uma tremedeira se espalhou pelo seu corpo. Rony parou na frente dos dois, plantou os pés bem afastados um do outro e olhou para Harry, mexendo o maxilar para cima e para baixo, como se quisesse falar, mas fosse incapaz de fazer as palavras ultrapassarem os seus dentes.


Depois acertou um direto no queixo de Harry.


Teria sido fácil para Harry evitar o golpe, mas permitiu que o atingisse, desviando apenas um pouco para que Harry não quebrasse os dedos da mão.


Ainda doía.


Abalado, Harry encarou seu primo.


- Acho que eu merecia isso.


- Com certeza. Temos de conversar.


- Agora?


- Isso não pode esperar. Os Ra'zac capturaram Hermione, e preciso da sua ajuda para resgatá-la. Eles a mantêm em seu poder desde que deixamos Carvahall.


Então é isso. Num instante, Harry percebeu porque Rony parecia tão horrível e obcecado, e porque havia trazido todo o vilarejo para Surda. James tinha razão, Voldemort mandou os Ra'zac de volta para o vale Palancar. Harry franziu a testa, dividido entre a sua responsabilidade com Rony e seu dever com Nasuada.


- Há algo que eu preciso fazer antes e depois poderemos conversar. Tudo bem? Você pode me acompanhar, se quiser...


- Eu irei.


Enquanto atravessavam a terra destruída, Harry não parava de olhar Rony com o canto do olho. Finalmente, ele disse em tom de voz baixo:


- Senti a sua falta.


Rony hesitou e depois respondeu com um breve aceno. Alguns passos depois, ele perguntou:


- Essa é Saphira, não é? Jeod me disse que esse era o seu nome.


- Sim.


Saphira encarou Rony com um dos seus olhos resplandecentes. Ele permitiu seu escrutínio sem recuar, o que era mais do que a maior parte das pessoas podia fazer.


- Sempre quis conhecer o companheiro de ninho de Harry.


- Ela fala! - exclamou Rony quando Harry repetiu suas palavras. Desta vez Saphira se dirigiu a ele diretamente:


- O quê? Você achava que eu era muda como um lagarto das montanhas? - Rony piscou.


- Desculpe. Não sabia que dragões eram tão inteligentes. - Um sorriso rígido torceu seus lábios. - Primeiro Ra'zac e os mágicos, agora anões, Cavaleiros e dragões falantes. Parece que o mundo inteiro enlouqueceu.


- Parece que sim.


- Vi-o enfrentando aquele outro Cavaleiro. Você o feriu? Foi por isso que ele fugiu?


- Espere. Você vai saber.


Quando os dois alcançaram o pavilhão que Harry estava procurando, ele levantou a aba e adentrou o recinto, foi seguido por Rony e Saphira, mas ela apenas empurrou a cabeça e o pescoço atrás deles. No meio da tenda, Nasuada estava sentada na beira da mesa, e deixava que uma criada retirasse sua armadura retorcida, enquanto mantinha uma discussão acalorada com Gina. O corte em sua coxa havia sido curado.


Nasuada parou no meio da frase assim que avistou a chegada de novos visitantes. Correndo em sua direção, ela jogou os braços em volta de Harry e gritou:


- Onde você estava? Achávamos que estava morto, ou coisa pior.


- Não exatamente.


- A vela ainda queima. - murmurou Gina.


Dando um passo atrás, Nasuada disse:


- Não pudemos ver o que aconteceu com você e Saphira depois que aterrissaram no platô. Quando o dragão vermelho partiu e você não reapareceu, Gina tentou contatá-lo, mas não sentiu nada, por isso supomos que... - Sua voz foi diminuindo de intensidade. - Estávamos conversando sobre qual seria a melhor maneira de transportar a Du Vrangr Gata e toda uma companhia de guerreiros pelo rio.


- Desculpe, não quis deixá-las preocupadas. Estava tão cansado depois da luta, que me esqueci de baixar minhas defesas. - Então Harry fez Rony se aproximar. - Nasuada, gostaria de lhe apresentar meu primo. Rony. Ajihad deve lhe ter falado sobre ele antes. Rony, essa é lady Nasuada, líder dos Varden e minha soberana. E esta é Gina Svit-kona, a embaixadora dos elfos. - Rony fez uma reverência para cada uma das duas.


- É uma honra conhecer o primo de Harry. - disse Nasuada.


- De fato. - acrescentou Gina.


Depois que terminaram de trocar cumprimentos, Harry explicou que todo o vilarejo de Carvahall havia chegado no Asa de Dragão, e que Rony fora o responsável pela morte dos Gêmeos.


Nasuada ergueu uma sobrancelha negra.


- Os Varden estão em dívida para com você, Rony, por ter acabado com a violência daqueles dois. Quem sabe quanto mal os Gêmeos poderiam semear antes que Harry ou Gina conseguissem derrubá-los? Você nos ajudou a vencer esta batalha. Não me esquecerei disso. Nossos suprimentos são limitados, mas garantirei para que todos aqueles que estão no seu barco sejam alimentados e vestidos, e que os seus doentes sejam tratados.


Rony se curvou ainda mais.


- Obrigado, lady Nasuada.


- Se eu não estivesse extremamente ocupada, insistiria em saber como e por que você e seu vilarejo escaparam dos homens de Voldemort, viajaram até Surda e nos encontraram. Mesmo os simples acontecimentos de sua viagem a tornam uma história extraordinária. Ainda gostaria de conhecer os detalhes, especialmente por suspeitar que dizem respeito a Harry, mas preciso tratar de outros assuntos mais urgentes no momento.


- Com certeza, lady Nasuada.


- Você pode ir, então.


- Por favor, - disse Harry - deixe-o ficar. Ele deve estar aqui para o que está por vir.


Nasuada lhe dirigiu um olhar irônico!


- Muito bem. Se você quer. Mas chega de demoras. Pule logo para o que é importante e nos fale do Cavaleiro.


Harry começou com uma rápida história sobre os três ovos de dragões restantes - dois deles já haviam sido chocados. Falou também de Lucius e draco, para que Rony pudesse entender o significado das notícias. Então seguiu descrevendo como foi a luta dele e de Saphira contra Thorn e o Cavaleiro misterioso, deu uma atenção especial aos seus poderes extraordinários.


- Assim que ele girou a sua espada, percebi que havíamos duelado antes, por isso me joguei sobre o seu corpo e arranquei seu elmo. - Harry fez uma pausa.


- Era Draco, não era? - perguntou Nasuada calmamente.


- Como...? - Ela suspirou.


- Se os Gêmeos sobreviveram, fazia todo o sentido que Draco tivesse sobrevivido também. Ele lhe revelou o que realmente ocorreu naquele dia em Farthen dûr? - Então Harry contou novamente como os Gêmeos traíram os Varden, recrutaram os Urgals e raptaram Draco. Uma lágrima rolou pelo rosto de Nasuada. - E uma pena que isso tenha se abatido sobre Draco, quando ele já havia passado por tanto sofrimento. Eu gostava da sua companhia em Tronjheim e acreditava que ele era nosso aliado, apesar de sua criação. Acho difícil pensar nele como nosso inimigo. - Virando-se para Rony, ela afirmou: - Parece que estou particularmente em débito com você por ter matado os traidores que assassinaram o meu pai.


Pais, mães, irmãos, primos, pensou Harry. Tudo começa e acaba na família. Criando coragem, ele completou seu relato com o roubo de Zar'roc e, no fim, com seu terrível segredo.


- Não pode ser. - sussurrou Nasuada.


Harry viu choque e revolta atravessando o rosto de Rony antes que ele pudesse esconder suas reações. Isso, mais do que qualquer coisa, deixou Harry magoado.


- Draco não estava mentindo? - perguntou Gina.


- Não vejo como. Quando o indaguei, ele me disse a mesma coisa na língua antiga.


Um silêncio longo e desconfortável encheu o pavilhão. Então Gina falou:


- Ninguém mais pode saber disso. Os Varden estão bastante desmotivados com a presença de um novo Cavaleiro. E ficarão ainda mais desconsertados quando descobrirem que é Draco, ao lado do qual lutaram e vieram a confiar em Farthen dûr. Caso se espalhasse que Harry Matador de Espectros é filho de Lucius, os homens ficariam desiludidos e poucas pessoas ousariam se juntar à nossa causa. Nem mesmo o rei Orrin deve saber disso.


Nasuada esfregou as têmporas.


- Temo que você esteja certa. Um novo Cavaleiro... - Ela balançou a cabeça. - Sabia que era possível, mas jamais imaginei que ocorresse, já que havia passado muito tempo sem que os ovos restantes de Voldemort se rompessem.


- Tem até uma certa lógica. - disse Harry.


- Nossa tarefa é duplamente difícil agora. Conseguimos resistir hoje, mas o Império ainda está em maior número e agora temos de encarar não só um como dois Cavaleiros, ambos mais poderosos do que você, Harry. Você acha que poderia derrotar Draco com a ajuda dos encantadores dos elfos?


- Talvez. Mas duvido que ele seja tolo o bastante para enfrentar a mim e a eles juntos.


Durante alguns minutos, discutiram o efeito que Draco poderia ter em sua campanha e pensaram em estratégias para minimizar ou eliminar o perigo. Finalmente Nasuada afirmou:


- Chega. Não podemos decidir isso enquanto estivermos sangrando e cansados e nossas mentes estiverem anuviadas devido à luta. Vão, descansem, e poderemos voltar a esse assunto amanhã.


Enquanto Harry se virava para sair, Gina se aproximou e olhou fundo nos olhos.


- Não permita que isso o perturbe demasiadamente, Harry-elda. Você não é seu pai, nem seu irmão. A vergonha deles não é sua.


- Sim. - concordou Nasuada. - Nem pense que isso possa ter diminuído o conceito que temos de você. - Ela se aproximou mais e segurou seu rosto com ambas as mãos. - Eu o conheço, Harry. Você tem um bom coração. O nome do seu pai não pode mudar isso.


Um calor brotou dentro de Harry. Ele olhou para uma mulher e depois para a outra, em seguida colocou rapidamente sua mão sobre o peito, arrebatado pela amizade das duas.


- Obrigado.


Assim que saíram da tenda, Harry colocou as mãos nos quadris e respirou fundo o ar enfumaçado. Entardecia e o laranja intenso do meio-dia havia diminuído e dava lugar a uma luz dourada e sombria, que cobriu o acampamento e o campo de batalha, conferia-lhe uma estranha beleza.


- Agora você sabe. - disse ele. Rony encolheu os ombros.


- O sangue sempre fala.


- Não diga isso. - resmungou Harry. - Jamais diga isso. - Rony o estudou por alguns segundos.


- Você tem razão, foi um pensamento repulsivo. Não tive essa intenção. - Ele coçou a barba e olhou de soslaio para o sol que se punha no horizonte. - Nasuada não era quem eu esperava.


Aquilo forçou Harry a sorrir esgotado.


- Quem você esperava era o pai dela, Ajihad. Ainda assim, ela é uma líder tão boa quanto ele, se não melhor.


- E a cor de sua pele, é tintura?


- Não, é desse jeito mesmo que ela é.


Naquele instante, Harry sentiu Jeod, Horst e um grupo de outros homens de Carvahall correndo em sua direção. Os aldeões diminuíram o passo assim que deram a volta numa tenda e avistaram Saphira.


- Horst! - exclamou Harry. Dando um passo à frente, ele agarrou o ferreiro e lhe deu um abraço apertado. - É bom vê-lo novamente!


Horst olhou boquiaberto para Harry, até que um sorriso encantado se espalhou pelo seu rosto.


- É bom demais vê-lo também, Harry. Você ficou mais forte desde que partiu.


- Você quer dizer desde que fugi.


Encontrar os aldeões foi uma experiência estranha para Harry. O sofrimento havia alterado tanto alguns dos homens que ele mal os reconheceu. E eles o tratavam de uma forma diferente agora, havia uma mistura de medo e reverência. Isso o lembrava de um sonho, onde tudo que outrora era familiar ficara estranho. Ele ficou desconcertado com o quanto se sentia deslocado entre aqueles com os quais crescera.


Quando Harry foi falar com Jeod, ele hesitou.


- Você sabe de James?


- Ajihad me mandou uma mensagem, mas eu gostaria de saber o que aconteceu contado por você.


Harry acenou com a cabeça solenemente.


- Assim que eu tiver chance, nos sentaremos juntos e conversaremos por um bom tempo.


Então Jeod foi até Saphira e se curvou em sua direção.


- Esperei a minha vida inteira para ver um dragão e agora vi dois no mesmo dia. Sou de fato um homem de sorte. No entanto, você é o dragão que eu queria encontrar.


Curvando seu pescoço, Saphira tocou a testa de Jeod. Ele estremeceu ao contato.


- Dê-lhe meus agradecimentos por ter ajudado a me resgatar de Voldemort. Caso contrário, eu ainda estaria definhando no tesouro do rei. Ele era amigo de James, e por isso é nosso amigo.


Depois que Harry repetiu suas palavras, Jeod disse surpreendendo a todos com o seu conhecimento da língua antiga:


- Atra esterní ono thelduin, Saphira Bjartskular.


- Onde você foi? - perguntou Horst para Rony. - Procurávamos você desde que perseguiu aqueles dois mágicos.


- Não se importe com isso agora. Volte ao navio e faça com que todos desembarquem, os Varden nos darão comida e abrigo. Vamos poder dormir em terra firme hoje à noite! - Os homens se encheram de alegria.


Harry observou atentamente enquanto Rony dava as ordens. Quando finalmente Jeod e os aldeões partiram, Harry disse:


- Eles confiam em você. Até mesmo Horst o obedece sem questionar. Você fala por toda Carvahall agora?


- Sim.


A escuridão pesada avançava sobre a Campina Ardente na hora em que eles encontraram a pequena tenda com espaço para dois. Montada pelos Varden para Harry. Como Saphira não conseguia enfiar sua cabeça através da abertura, ela se enrolou no chão ao seu lado e se preparou para a vigília.


- Assim que eu recuperar a minha força, vou cuidar dos seus ferimentos. - prometeu Harry.


- Eu sei. Não fique conversando até muito tarde.


Dentro da tenda, Harry encontrou um lampião de óleo que acendeu com uma pederneira. Ele conseguia enxergar perfeitamente bem sem ela, mas Rony precisava da luz.


Os dois se sentaram de frente um para o outro: Harry sobre a roupa de cama num dos lados da tenda, Rony num assento dobrável que ele achou num canto. Harry não sabia como começar, por isso permaneceu em silêncio e ficou olhando para a chama do lampião que dançava.


Nenhum dos dois se moveu.


Depois de minutos incontáveis, Rony disse:


- Diga-me como o meu pai morreu.


- Nosso pai. - Harry continuou calmo enquanto a expressão de Rony ia endurecendo. Num tom de voz suave, ele disse: - Tenho tanto direito de chamá-lo assim quanto você. Olhe dentro de si mesmo, você sabe que isso é verdade.


- Tudo bem. Nosso pai, como ele morreu?


Harry havia recontado essa história em diversas ocasiões. Mas desta vez ele não escondeu nada. Em vez de ficar apenas listando os eventos, descreveu o que havia pensado e sentido desde que encontrara o ovo de Saphira, tentando fazer Rony entender o por que de ele ter feito o que fez. Nunca havia ficado tão ansioso antes.


- Errei por ter escondido Saphira do resto da família, - concluiu Harry - mas temia que você pudesse insistir em matá-la, e não percebi o tamanho do perigo no qual ela nos colocou. Se eu tivesse... Depois que Garrow morreu, decidi partir para tentar encontrar os Ra'zac, assim como para evitar colocar Carvahall em mais perigo. - Uma risada sem graça lhe escapou. - Não deu certo, mas se eu tivesse ficado, os soldados teriam chegado antes. E então, quem sabe? O próprio Voldemort poderia ter até visitado o vale Palancar. Eu posso ser a razão de Garrow, nosso pai, ter morrido, mas essa nunca foi a minha intenção, nem você nem o povo de Carvahall precisavam sofrer por causa das minhas escolhas... - Ele gesticulou, sem ação. - Fiz o melhor que pude, Rony.


- E quanto ao resto... James ser um Cavaleiro, o resgate de Gina em Gil'ead, e a morte de um Espectro na cidade dos anões. Tudo isso aconteceu?


- Sim. - O mais rápido que pôde, Harry resumiu o que havia ocorrido desde que ele e Saphira partiram com James, incluindo sua estadia em Ellesméra e sua própria transformação durante o Agaetí Blödhren.


Inclinando-se para frente, Rony apoiou seus cotovelos nos joelhos, fechou as mãos e olhou para o chão entre elas. Era impossível para Harry ler suas emoções sem chegar fundo em sua consciência, mas ele recusava a fazer, sabendo que seria um erro terrível invadir a privacidade de Rony.


Rony ficou em silêncio por tanto tempo que Harry começou a se questionar se ele iria responder. Então:


- Você cometeu erros, mas eles não são maiores do que os meus. Garrow morreu porque você quis manter Saphira em segredo. Muitos mais morreram porque eu me recusei a me entregar para o Império... Somos igualmente culpados. - Ele levantou os olhos e depois estendeu lentamente a sua mão direita. - Irmão?


- Irmão. - disse Harry.


Ele segurou o antebraço de Rony e os dois deram um abraço um tanto bruto, lutando um contra o outro como faziam em casa. Quando se separaram, Harry teve que enxugar os olhos com a palma da mão.


- Voldemort devia se entregar agora que estamos juntos novamente. - brincou ele. - Quem pode fazer frente a nós dois? - Ele se abaixou sobre a roupa de cama. - Agora me diga, como os Ra'zac capturaram Hermione?


Toda a felicidade sumiu do rosto de Rony. Ele começou a falar num tom baixo e monótono, e Harry ficou escutando, cada vez mais estupefato, enquanto ele tecia um épico de ataques, cercos e traições, contava como eles deixaram Carvahall, cruzaram a Espinha, destruíram as docas de Teirm e se safaram de um monstruoso redemoinho.


Quando ele finalmente terminou, Harry disse:


- Você é um homem mais grandioso do que eu, não poderia ter feito metade dessas coisas. Lutar sim, mas não poderia convencer todos a me seguir.


- Não tive escolha. Quando eles pegaram Hermione... - A voz de Rony definhou. - Eu tinha que desistir e morrer ou tentar escapar da armadilha de Voldemort, não importava qual fosse o custo. - Ele fixou seus olhos ardentes em Harry. - Menti, queimei e assassinei para estar aqui. Não tenho mais que proteger toda a população de Carvahall: os Varden garantirão isso. Agora eu só tenho uma meta na vida, encontrar e resgatar Hermione, se é que ela já não está morta. Você vai me ajudar, Harry?


Estendendo-se, Harry pegou seus alforjes que estavam no canto da tenda - onde os Varden os haviam colocado - e tirou de dentro uma tigela de madeira e o frasco de prata contendo faelnirv encantado que Sirius havia lhe dado. Ele tomou um pequeno gole do licor para se revitalizar e arfou enquanto o líquido descia pela sua garganta, o que fez os seus nervos formigarem num fogo gelado. Depois ele colocou faelnirv na tigela, até que a bebida formasse uma poça rasa do tamanho de sua mão.


- Veja. - Reunindo a energia com a qual havia acabado de se abastecer, Harry disse: - Draumr kópa.


O licor estremeceu e ficou escuro. Depois de alguns segundos, uma fina rajada de luz apareceu no canto da tigela, revelando Hermione. Ela estava caída contra uma parede invisível, com as mãos penduradas por algemas invisíveis e seu cabelo cor de cobre voejava como se houvesse um abano atrás das suas costas.


- Ela está viva! - Rony se curvou sobre a tigela, segurando-a como achasse que podia mergulhar no faelnirv e se juntar a Hermione. Sua esperança e determinação se fundiram com um olhar tão terno e afetuoso que Hermione soube que só a morte poderia impedir Rony de tentar libertá-la.


Incapaz de sustentar o encanto por mais tempo, Harry deixou a imagem se desvanecer. Ele se inclinou sobre a parede da tenda para buscar apoio.


- Sim, - disse ele num tom fatigado - ela esta viva. E é bem provável que esteja aprisionada em Helgrind, na toca dos Ra'zac. - Harry segurou Rony pelos ombros. - A resposta para a sua pergunta, irmão, é sim. Viajarei para Dras-Leona com você. Eu o ajudarei a resgatar Hermione. E então, juntos, mataremos os Ra'zac e vingaremos o nosso pai.


 


 


 

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