CAPITULO 69 - PRIMOGÊNITO
CAPITULO 69 - PRIMOGÊNITO
Harry mal notou quando Saphira o carregou de volta para o turbilhão da batalha. Ele sabia que Rony estava no mar, mas nunca lhe ocorreu que Rony poderia estar seguindo para Surda, nem que os dois iriam se reunir dessa maneira. E os olhos de Rony! Seus olhos pareciam ter perfurado os de Harry, indagativos, aliviados, enfurecidos... acusadores. Neles, Harry viu que seu primo havia descoberto o seu papel na morte de Garrow e ainda não o tinha perdoado.
Foi só quando uma espada tentou atingir suas grevas que Harry voltou a atenção para os arredores. Ele soltou um grito áspero e deu um golpe para baixo, decepando o soldado que o havia atacado. Amaldiçoando-se por ter sido tão descuidado, Harry alcançou Cho e disse:
- Ninguém naquele navio é inimigo. Espalhe a todos para que ele não seja atacado. Peça a Nasuada, como um favor para nós, se ela pode mandar um arauto para lhes explicar a situação e ver se eles podem ficar longe do campo de batalha.
- Como quiser, Argetlam.
Do flanco oeste da batalha, onde desceu, Saphira atravessou a Campina Ardente em alguns saltos gigantescos, parando na frente de Hrothgar e seus anões. Desmontando, Harry foi até o rei, que disse:
- Salve, Argetlam! Salve, Saphira! Os elfos parecem ter feito mais por vocês do que prometeram. - Ao seu lado estava Orik.
- Não, senhor, foram os dragões.
- Sério? Tenho de ouvir as suas aventuras assim que o nosso trabalho sangüinário terminar por aqui. Fico feliz que você tenha aceitado a minha oferta e entrado no dûrgrimst Ingeitum. É uma honra ter você como meu parente.
- E você como meu.
Hrothgar deu uma gargalhada, depois se virou para Saphira e disse:
- Eu ainda não esqueci o seu juramento de que iria reparar o Isidar Mithrim, dragão. Ainda agora, nossos artesãos estão montando a estrela de safira no centro de Tronjheim. Não vejo a hora de vê-la inteira mais uma vez.
Ela inclinou a cabeça.
- Como eu prometi, ela ficará inteira.
Depois que Harry repetiu suas palavras, Hrothgar estendeu um dedo retorcido e bateu numa das placas de metal na sua lateral.
- Vejo que está usando a nossa armadura. Espero que tenha lhe servido bem.
- Muito bem, rei Hrothgar. - disse Saphira através de Harry. - Ela me salvou de muitos ferimentos.
Hrothgar se ajeitou e ergueu Volund, havia um brilho em seus olhos profundos.
- Muito bem, podemos nos pôr em marcha e testá-la mais uma vez no calor da guerra? - Ele olhou para trás, na direção de seus guerreiros, e gritou: - Akh sartos oen dûrgrimst!
- Vor Hrothgarz korda! Vor Hrothgarz korda!
Harry olhou para Orik, que traduziu a frase com um grito potente:
- Pelo martelo de Hrothgar! - Juntando-se ao coro, Harry correu com o rei anão na direção das fileiras de soldados vermelhos, com Saphira ao seu lado.
Agora, enfim, com a ajuda dos anões, a batalha virou a favor dos Varden. Juntos eles fizeram recuar o Império, dividiram, esmagaram, forçaram o vasto exército de Voldemort a abandonar posições mantidas desde a manha. Seus esforços foram ajudados pelo fato de que mais algumas das poções de Angela fizeram efeito. Muitos dos oficiais do Império se comportavam de maneira irracional, davam ordens confusas que facilitaram aos Varden infiltrarem-se mais profundamente dentro do exército, semeando o caos enquanto seguiam em frente. Os soldados pareciam perceber que a sorte não estava mais lhes sorrindo, pois centenas se renderam, ou desertaram e se voltaram contra seus antigos companheiros, ou simplesmente abandonaram suas armas e fugiram. E a luz da manhã cedeu seu lugar ao ocaso.
Harry estava no meio de uma luta com dois soldados, quando um dardo flamejante passou zunindo pelo ar e foi aterrissar justamente em uma das tendas de comando do Império a vinte metros de distância, incendiando o tecido. Assim que aniquilou seus oponentes, Harry olhou para trás e viu dezenas de projéteis incandescentes saindo em arco do navio que estava no rio Jiet. Com o que você está brincando, Rony?, indagou-se Harry antes de atacar a leva seguinte de soldados.
Logo depois, uma corneta ecoou da retaguarda do exército do Império, depois outra e mais outra. Alguém começou a bater num tambor bem sonoro, cujo ribombar acabou acalmando o campo de batalha, pois todos olharam ao redor buscando a origem da batida. Bem na hora em que Harry olhou, uma figura agourenta se destacou no horizonte ao norte e se ergueu no céu pálido sobre a Campina Ardente. Os urubus se dispersaram perante a sombra negra e barbada, que se equilibrava impassível sobre as colunas de ar quente. A princípio Harry pensou tratar-se de um Lethrblaka, uma das montadas dos Ra'zac. Então, um raio de luz vindo do oeste escapou das nuvens e iluminou a figura.
Um dragão vermelho flutuava acima deles, brilhante e cintilante sob o raio de sol como se fosse um manto de brasas. As membranas de sua asa tinham a cor do vinho exposto à frente de uma lanterna. Suas garras e dentes e espinhos, ao longo de sua coluna, eram brancos como neve. Seus olhos vermelho-alaranjados projetavam uma alegria sádica. Nas suas costas havia uma sela e nela, sentado, um homem vestindo uma armadura de aço polida, armado com uma espada comprida.
Um temor se apoderou de Harry. Voldemort conseguiu que o ovo de outro dragão rompesse!
Então o homem vestido de aço levantou sua mão esquerda e um feixe de luz com a energia crepitante de um rubi saltou da palma de sua mão e atingiu Hrothgar no peito. Os encantadores anões gritavam de agonia enquanto a energia de seus corpos era consumida tentando bloquear o ataque. Eles caíram mortos, e depois Hrothgar apertou seu coração e tombou no chão. Os anões soltaram um grande suspiro de desespero assim que viram seu rei cair.
- Não! - gritou Harry e Saphira rugiu em protesto. Ele encarou o Cavaleiro inimigo com ódio. - Vou matá-lo por isso.
Harry sabia que ele e Saphira se sentiam muito cansados para enfrentar um oponente tão poderoso. Ao olhar em volta, Harry avistou um cavalo caído na lama, tinha uma lança atravessando o seu corpo. O garanhão ainda estava vivo. Harry colocou a mão em seu pescoço e murmurou: Durma, irmão. Então, ele transferiu a vitalidade que restava no cavalo para ele e Saphira. Não era energia suficiente para recuperar toda a sua força, mas pelo menos aliviou as dores em seus músculos e fez seus membros pararem de tremer.
Revigorado, Harry pulou em cima de Saphira, gritando:
- Orik, assuma o comando dos seus irmãos! - Do outro lado do campo, ele viu Gina o fitar, preocupada. Ele a tirou de sua mente enquanto apertava as correias da sela em volta das suas pernas. Então Saphira se lançou na direção do dragão vermelho, batendo suas asas furiosamente para ganhar a velocidade necessária.
- Espero que você se lembre das suas lições com Glaedr. - disse ele. Harry segurou o escudo com mais força ainda.
Saphira nada respondeu, mas rugia ao pensar no outro dragão. Traidor! Violador de ovos, violador de juramentos, assassino! Então, como se fossem um só, ela e Harry invadiram as mentes da dupla, tentando desarmar suas defesas. A consciência do Cavaleiro parecia estranha a Harry, como se abrigasse multidões, um grande número de vozes distintas sussurradas nas cavernas de sua mente, como espíritos aprisionados implorando por liberdade.
No instante em que fizeram contato, o Cavaleiro revidou com uma rajada de pura força, maior do que qualquer uma que até mesmo Sirius fosse capaz de evocar. Harry se refugiou atrás de suas próprias barreiras, recitando freneticamente um trecho dos versos malfeitos que Siriuss lhe ensinou para usar em tais situações:
Sob um céu de inverno frio e vazio
Havia um homem minúsculo com uma espada de prata.
Ele pulava e apunhalava num furor febril
Enfrentando as sombras que se amontoavam à sua frente...
O cerco na mente de Harry diminuiu assim que Saphira e o dragão vermelho foram de encontro um ao outro, eram dois meteoros incandescentes colidindo de frente. Os dois se engalfinharam numa luta corpo-a-corpo, chutaram as respectivas barrigas com as patas traseiras. Suas garras produziam ruídos agudos e medonhos enquanto arranhavam a armadura de Saphira e as escamas lisas do dragão vermelho. Ele era menor que Saphira, mas tinha as pernas mais grossas e os ombros mais largos. Ele conseguiu chutá-la por um instante, até que os dois se aproximaram novamente, cada um lutando para enfiar as mandíbulas no pescoço do outro.
Tudo que Harry podia fazer era segurar Zar'roc nas mãos enquanto os dragões caíam no chão, desferindo um contra o outro golpes terríveis com as patas e as caudas. Pouco mais de cinqüenta metros acima da Campina Ardente, Saphira e o dragão vermelho se separaram, lutando para recuperar altitude. Assim que freou sua descida, Saphira jogou a cabeça para trás, como uma cobra prestes a atacar e soltou uma torrente densa de fogo.
Ela não chegou a atingir o seu alvo, a uns três metros e meio do dragão vermelho, o fogo bifurcou e duas labaredas passaram por ele, absolutamente inofensivas. Maldição, pensou Harry. Assim que o dragão vermelho abriu sua boca para revidar, o jovem Cavaleiro gritou:
- Skölir nosu fra brisingr! - Foi bem a tempo. A conflagração girou em torno deles, mas nem sequer chamuscou as escamas de Saphira.
Agora Saphira e o dragão vermelho subiam o mais rápido possível, atravessaram a fumaça estriada em direção ao céu claro e frio mais acima, ziguezagueavam enquanto tentavam superar seu oponente. O dragão vermelho deu uma mordida no rabo de Saphira fazendo com que ela e Harry uivassem com a mesma intensidade. Ofegante devido ao esforço, Saphira executou um loop para trás e acabou atrás do dragão, que depois girou em torno de um eixo para a esquerda e tentou prender Saphira na mesma espiral.
Enquanto os dragões duelavam com acrobacias cada vez mais complexas Harry ficou a par de um distúrbio na Campina Ardente: os encantadores da Du Vrangr Gata foram atacados por dois novos mágicos do Império. Esses mágicos eram bem mais poderosos do que aqueles que os haviam precedido. Já haviam assassinado um dos membros da Du Vrangr Gata e estavam demolindo as barreiras de um segundo. Harry então, ouviu Cho gritar com sua mente: Matador de Espectros! Você tem que nos ajudar! Não podemos detê-los. Eles matarão todos os Varden. Ajude-nos, é o ...
Sua voz se perdeu enquanto o Cavaleiro apunhalava a sua consciência.
- Isso tem que acabar. - vociferou Harry em meio a dentes cerrados enquanto se esforçava para resistir ao ataque. Por sobre o pescoço de Saphira, ele viu o dragão vermelho mergulhar em sua direção, vindo num determinado ângulo com o intuito de atingi-los por baixo. Harry não ousava abrir sua mente o suficiente para falar com Saphira, por isso disse em voz alta: - Pegue-me! - Com dois golpes de Zar'roc, ele cortou as correias que prendiam as suas pernas e pulou das costas de Saphira.
Isso é insano, pensou Harry. Ele riu com a sensação de vertiginosa liberdade, provocada pela falta de gravidade, que o invadia. O movimento do ar arrancou seu elmo e fez seus olhos lacrimejarem e arderem. Assim que largou seu escudo, Harry abriu os braços e as pernas, como Sirius o ensinara, para estabilizar o seu vôo. Lá embaixo, o Cavaleiro vestido de aço notou a ação de Harry. O dragão vermelho se encolheu à esquerda do Cavaleiro, mas não pôde evitá-lo. Harry o atacou com Zar'roc assim que o flanco do dragão passou ao seu lado, e ele sentiu a lâmina de sua espada afundar no tendão da perna da criatura antes que sua força cinética o levasse.
O dragão rugiu de agonia.
O impacto do golpe fez Harry rodopiar para cima e para baixo. No momento em que conseguiu parar de rodar, ele já havia mergulhado, ultrapassando a cobertura de nuvens, e seguia rumo a uma queda rápida e fatal na Campina Ardente. Ele podia usar a magia para parar, mas isso consumiria suas últimas reservas de energia. Harry, então, olhou por trás de ambos os ombros.
- Vamos, Saphira, cadê você?
Como que em resposta, ela saiu de dentro da fumaça fétida, com as asas bem coladas ao corpo. Arremeteu-se sob seu parceiro e abriu as asas um pouco para diminuir a velocidade da queda. Tomando cuidado para não empalar a si próprio com uma das barbatanas, Harry fez uma manobra para cair novamente em cima da sela, recebendo bem o retorno da gravidade depois que interrompeu o mergulho.
- Nunca mais faça isso comigo. - vociferou ela.
Ele examinou o sangue quente que manchava a lâmina de Zar'roc.
- Deu certo, não?
Sua satisfação desapareceu assim que ele percebeu que sua façanha havia colocado Saphira a mercê do dragão vermelho. Ele se lançou contra ela, vindo de cima, fustigando-a de um jeito ou de outro, forçando-a a descer. Saphira tentou uma manobra enquanto estava sob o seu oponente, mas toda vez ele mergulhava sobre ela, mordendo e estapeando com suas asas para obrigar a fêmea a mudar de direção.
Os dragões se reviraram e deram botes até suas línguas saírem das bocas, seus rabos se curvarem e ambos desistirem de bater asas e simplesmente planarem.
Com sua mente mais uma vez fechada para qualquer contato, amistoso ou não, Harry disse em voz alta:
- Para baixo, Saphira, isso não está adiantando. Vou enfrentá-lo no chão.
Com um grunhido de enfado e resignação, Saphira desceu até a mais próxima área plana e aberta, um pequeno platô de pedra localizado ao longo da margem oeste do rio Jiet. A água havia ficado vermelha por causa do sangue resultante da batalha. Harry pulou de Saphira assim que pousou no platô e testou o piso. Era duro e liso, e não havia nada que pudesse fazê-lo escorregar. Ele então acenou a cabeça, satisfeito.
Alguns segundos depois, o dragão vermelho veio rapidamente de cima e aterrissou no lado oposto do platô. Ele manteve a pata traseira esquerda levantada para não agravar o seu ferimento: um longo corte que quase rasgou o músculo. O dragão tremia todo, como um cachorro ferido. Ele tentou pular para a frente, mas então parou e rosnou para Harry.
O Cavaleiro inimigo desatou suas pernas e deslizou pelo lado são de seu dragão. Então deu a volta em torno do animal e examinou sua perna. Harry permitiu que o fizesse: ele sabia o quanto doía para um homem ver as avarias impostas ao animal ao qual estava ligado. Esperou bastante, de fato, pois o Cavaleiro murmurou algumas palavras indecifráveis e, num período de três segundos, o ferimento do dragão estava curado.
Harry estremeceu de medo. Como ele conseguiu fazer isso tão rapidamente, e com um feitiço tão curto? Ainda assim, quem quer que fosse, o novo Cavaleiro certamente não era Voldemort, cujo dragão era negro.
Harry aferrou-se a essa noção, enquanto avançava para enfrentar o Cavaleiro. Assim que os dois se encontraram no meio do platô, Saphira e o dragão vermelho ficaram circulando no fundo.
O Cavaleiro segurava sua espada com ambas as mãos e a girou por sobre a cabeça na direção de Harry, que levantou Zar'roc para se defender. Suas espadas se encontraram espalhando rajadas de faíscas vermelhas. Então Harry empurrou seu oponente para trás e começou a desferir uma série complexa de golpes. Ele tentava apunhalar o adversário e aparava as estocadas, dançava sobre pés leves enquanto forçava o Cavaleiro de aço a recuar até a beira do platô.
Quando chegaram na beirada, o Cavaleiro se manteve onde estava defendendo-se dos ataques de Harry, não importando o quanto fossem hábeis. É como se ele pudesse antecipar todos os meus movimentos, pensou Harry frustrado. Se ele estivesse descansado, teria sido bem mais fácil derrotar o Cavaleiro, mas desse jeito, não dava para fazer progressos. O Cavaleiro não tinha a velocidade e a força de um elfo, mas sua técnica era melhor do que a de Vanir e se equiparava a de Harry.
Um ligeiro pânico se instalou em Harry quando sua onda de energia inicial começou a diminuir e ele não havia conseguido nada além de um leve arranhão no peitoral reluzente do Cavaleiro. As últimas reservas de força acumuladas no rubi de Zar'roc e no cinto de Beloth o Sábio, seriam suficientes apenas para manter o esforço por mais um minuto. De repente o Cavaleiro deu um passo à frente. Depois mais outro. E antes que Harry percebesse, eles haviam voltado para o centro do platô, onde permaneceram, um de frente para o outro, trocando golpes.
Zar'roc começou a ficar tão pesada em sua mão, que Harry mal podia levantá-la. Seu ombro ardia, ele ofegava e o suor escorria pelo seu rosto.
Nem mesmo o seu desejo de vingar Hrothgar podia ajudá-lo a superar sua exaustão.
Até que finalmente Harry escorregou e caiu. Determinado a não ser morto deitado, ele rolou sob os pés de seu oponente e o apunhalou. O Cavaleiro desviou Zar'roc para o lado com uma batida de leve do seu pulso.
O jeito que o Cavaleiro brandiu sua espada depois - usando-a para traçar um rápido círculo ao seu lado - pareceu subitamente familiar para Harry, assim como todas as suas manobras anteriores de espadachim. Cada vez mais horrorizado, ele encarou a espada comprida do seu inimigo e depois se voltou na direção das aberturas para os olhos do elmo espelhado antes de gritar:
- Eu conheço você!
Ele se jogou sobre o Cavaleiro, o que fez com que ambas as espadas ficassem presas entre seus corpos, enfiou os dedos por baixo do elmo e o arrancou. E lá, no centro do platô, na beira da Campina Ardente da Alagaësia, estava Draco.
Draco sorriu. E depois disse, "Thrysta vindr", e uma bola pesada de ar foi se fundindo entre os dois e atingiu Harry no meio do peito, jogando-o seis metros para trás, em cima do platô.
Harry ouviu Saphira rosnar enquanto caía de costas no chão. Sua visão piscou em tons vermelhos e brancos, depois ele se curvou e esperou que a dor cedesse. Qualquer alegria que poderia ter sentido com o reaparecimento de Draco foi esmagada pelas circunstancias macabras de seu encontro. Uma mistura instável de choque, confusão e raiva que fervia em seu interior.
Baixando sua espada, Draco apontou para Harry com sua mão ainda envolta por aço, dobrando cada dedo, menos o indicador, formando um punho com uma ponta.
- Você jamais desistiria.
Um calafrio percorreu a espinha de Harry, pois ele reconheceu a cena de sua premonição enquanto viajava de balsa pelo Az Ragni até Hedarth: Um homem estava caído na lama cheia de coágulos, tinha o elmo amassado e a cota de malha sangrenta - seu rosto escondido atrás de um braço jogado para cima. Uma mão com armadura entrou no campo de visão de Harry e apontou na direção do homem caído com toda a autoridade do próprio destino. O passado e o futuro haviam se encontrado. Agora o destino de Harry seria decidido.
Enquanto se levantava, ele tossiu e disse:
- Draco... como você pode estar vivo? Eu vi os Urgals arrastando-o para o subterrâneo. Tentei procurá-lo no cristal, mas só vi escuridão.
Draco deu uma gargalhada melancólica.
- Você não viu nada, assim como eu também não vi nada nas vezes em que usei a cristalomancia para lhe encontrar durante os dias que passei em Urû'baen.
- Você morreu! - gritou Harry, quase incoerente. - Você morreu sob Farthen dûr. Gina encontrou as suas roupas cheias de sangue dentro dos túneis.
Uma sombra escureceu o rosto de Draco.
- Não, eu não morri. Foi coisa dos Gêmeos, Harry. Eles tomaram o controle de um grupo de Urgals e armaram a emboscada para matar Ajihad e me capturar. Então eles me enfeitiçaram para que eu não pudesse escapar e sumiram comigo, levaram-me para Urü'baen. - Harry balançou a cabeça, incapaz de compreender o que havia acontecido.
- Mas por que você concordou em servir a Voldemort? Você me disse que o odiava. Você me disse...
- Concordei? - Draco riu novamente, e desta vez seu acesso continha uma ponta de loucura. - Eu não concordei. Primeiro Voldemort me puniu por maldizer seus anos de proteção durante a minha criação em Urü'baen, por desafiar sua vontade e por fugir. Depois ele arrancou tudo que eu sabia sobre você, Saphira e os Varden.
- Você nos traiu! Eu estava de luto por sua causa e você nos traiu!
- Não tive escolha.
- Ajihad teve razão quando o prendeu. Ele devia tê-lo deixado apodrecer na cela, assim nada disso...
- Eu não tive escolha! - reagiu rispidamente Draco. - E depois que Thorn rompeu a casca do seu ovo, me escolhendo como seu Cavaleiro, Voldemort forçou nós dois a lhe jurar lealdade na língua antiga. Não podemos desobedecê-lo agora.
Pena e desgosto brotaram dentro de Harry.
- Você se tornou o seu pai.
Um lampejo estranho surgiu dos olhos de Draco.
- Não, o meu pai. Eu sou mais forte do que Lucius jamais foi. Voldemort me ensinou coisas sobre magia com as quais você jamais sonhou... Feitiços tão poderosos que os elfos não ousam pronunciá-los, covardes que são. Palavras na língua antiga que estavam perdidas, até Voldemort descobri-las. Maneiras de manipular energia... Segredos, segredos terríveis, que podem destruir os seus inimigos e realizar todos os seus desejos.
Harry voltou atrás, lembrou-se de algumas lições de Sirius e retrucou:
- Coisas que deviam continuar secretas.
- Se você soubesse, não diria isso. James era um diletante, nada além disso. E os elfos, ora! Tudo que eles fazem é se esconder em sua floresta para serem conquistados. - Draco percorreu Harry com os olhos. - Você parece um elfo agora. Foi Islanzadí que fez isso com você? - No que Harry permaneceu em silêncio, Draco riu e encolheu os ombros. - Não importa. Logo eu descobrirei a verdade. - Ele parou, franziu a testa e olhou para o leste.
Acompanhando seu olhar, Harry viu os Gêmeos em pé na frente do Império, arremessando bolas de energia no meio dos Varden e dos anões. As cortinas de fumaça dificultavam a visão, mas Harry estava certo de que os mágicos estavam sorrindo e gargalhando enquanto massacravam homens a quem outrora prometiam uma amizade séria. O que os Gêmeos não notaram - e que estava claramente visível para Harry e Draco da sua posição vantajosa - era que Rony estava rastejando em sua direção vindo pelo flanco.
O coração de Harry pulou um batimento assim que reconheceu o primo. Seu tolo! Afaste-se deles! Você será morto.
Assim que ele abriu a boca para entoar um feitiço que iria transportar Rony para longe do perigo - não importava qual fosse o custo - Draco disse:
- Espere. Quero ver o que ele vai fazer.
- Por quê?
Um sorriso frio atravessou o rosto de Draco.
- Os Gêmeos gostavam de me atormentar quando eu era refém deles.
Harry o encarou, desconfiado.
- Você não irá feri-lo? Não alertará os Gêmeos?
- Vel eïnradhin iet ai Shur'tugal. Dou minha palavra de Cavaleiro. - Juntos ele viram Rony se esconder atrás de um monte de corpos.
Harry se apertou quando os Gêmeos olharam para a pilha. Por um momento, parecia que eles o haviam avistado, mas então se viraram e Rony pulou. Ele virou seu martelo e bateu na cabeça de um dos Gêmeos, rachando seu crânio. O Gêmeo que sobrou caiu no chão, convulsivamente, e deu um grito agoniado até também encontrar seu fim sob o martelo de Rony. Então, Rony plantou os pés sobre os cadáveres de seus adversários, levantou seu martelo sobre a cabeça e berrou para anunciar sua vitória.
- E agora? - perguntou Harry dando as costas para o campo de batalha. - Você está aqui para me matar?
- É claro que não. Voldemort o quer vivo.
- Para quê?
Os lábios de Draco se reviraram.
- Você não sabe? Ah! Bela piada. Não é por sua causa, é por causa dela. - Ele apontou o dedo para Saphira. - O dragão dentro do último ovo de Voldemort, o último ovo de dragão do mundo, é macho. Saphira é a única fêmea que existe. Se ela procriar, será a mãe de toda uma raça. Está vendo agora? Voldemort não quer erradicar os dragões. Ele quer usar Saphira para reconstruir os Cavaleiros. Ele não pode matá-lo, a vocês dois, se essa visão se tornar realidade... E que visão, Harry. Você deveria ouvi-lo descrevendo-a, daí não teria um conceito tão ruim dele. Será maligno o fato de ele querer unir a Alagaësia sob uma única bandeira, eliminar a necessidade de guerra e restaurar os Cavaleiros?
- Foi ele que destruiu os Cavaleiros!
- E por um bom motivo. - asseverou Draco. - Eram velhos, gordos e corruptos. Os elfos os controlaram e os usaram para subjugar os humanos. Eles tinham que ser removidos para que se pudesse começar da estaca zero.
Um olhar furioso distorceu as feições de Harry. Ele andou de um lado para o outro sobre o platô, respirava pesadamente, depois gesticulou na direção do campo de batalha e indagou:
- Como vocês podem justificar o fato de terem causado tanto sofrimento só para atender aos desvarios de um louco? Voldemort não fez nada a não ser queimar, assassinar e acumular poder. Ele mente. Ele mata. Ele manipula. Você sabe disso! Foi por isso que você se recusou a trabalhar para ele em primeiro lugar. - Harry fez uma pausa e depois adotou um tom mais delicado. - Posso entender que você tenha sido compelido a agir contra a sua vontade e não seja responsável pela morte de Hrothgar. No entanto, você pode tentar escapar. Estou certo de que eu e Gina podemos inventar uma maneira de neutralizar os vínculos que Voldemort estabeleceu com você... Junte-se a mim, Draco. Você pode fazer tanto pelos Varden. Conosco, seria exaltado e admirado, em vez de amaldiçoado, temido e odiado.
Por um instante, enquanto Draco olhava para baixo na direção de sua espada entalhada, Harry esperou que ele fosse aceitar sua oferta. Até que então ele disse em voz baixa:
- Você não pode me ajudar, Harry. Ninguém além de Voldemort pode nos livrar de nossas pragas, e ele jamais fará isso... Ele conhece os nossos nomes verdadeiros, Harry... Somos seus escravos para sempre.
Embora desejasse, Harry não podia negar a solidariedade que sentia por Draco. E no tom mais solene possível, ele disse:
- Então deixe-nos matar vocês dois.
- Matar-nos! Por que permitiríamos isso? - Harry escolheu suas palavras com cuidado:
- Isso o libertaria do controle de Voldemort. E salvaria a vida de centenas, senão milhares de pessoas. Essa não seria uma causa nobre pela qual se sacrificar?
Draco balançou a cabeça.
- Talvez para você, mas para mim a vida ainda é doce demais para que eu desista dela tão facilmente. Não há vida de estranho que seja mais importante quanto a minha e a de Thorn.
Por mais que odiasse aquilo - odiava a situação inteira, de fato - Harry soube então o que tinha que ser feito. Recomeçou seu ataque mental contra Draco, ele deu um salto para a frente, tirando os pés do chão enquanto dava um bote sobre Draco, na intenção de apunhalá-lo no coração.
- Letta! - vociferou Draco.
Harry caiu de novo no chão enquanto faixas invisíveis envolviam seus braços e pernas, imobilizando-o. A sua direita, Saphira descarregou um jato de fogo ondulado e saltou sobre Draco como se fosse um gato pisando num rato.
- Risa! - ordenou Draco, estendendo uma mão cheia de garras em sua direção, como se quisesse pegá-la.
Saphira ganiu de surpresa quando o encanto de Draco a parou no meio do ar e a deteve flutuando a alguns metros do platô. Não importava o quanto se retorcia, ela não podia tocar o chão e nem voar mais alto.
Como ele ainda pode ser humano e ter força para fazer isso? Perguntou-se Harry. Mesmo com as minhas novas habilidades, tal tarefa me deixaria ofegante e paralisado. Fiando-se na sua experiência de neutralizar os feitiços de Sirius, Harry disse:
- Brakka du vanyalí sem huildar Saphira un eka!
Draco não fez nenhuma tentativa para detê-lo, apenas o fitou como se achasse que a resistência de Harry fosse apenas uma inconveniência sem sentido. Rangendo os dentes, Harry redobrou os seus esforços. Suas mãos ficaram frias, seus ossos doíam e sua pulsação diminuiu enquanto a magia sugava a sua energia. Sem que lhe pedisse, Saphira juntou forças com o parceiro, dando-lhe acesso aos formidáveis recursos que haviam em seu corpo.
Cinco segundos se passaram...
Vinte segundos... Uma veia grossa pulsou no pescoço de Draco.
Um minuto...
Um minuto e meio... Tremores involuntários atormentaram Harry. Seus quadríceps e tendões da perna palpitavam, e suas pernas desmoronariam se ele estivesse livre para se mover.
Dois minutos se passaram...
Finalmente Harry foi forçado a largar a magia, caso contrário acabaria caindo inconsciente dentro do vácuo. Ele fraquejou, completamente esgotado.
Já sentia medo antes, mas só porque temia que pudesse falhar. Agora estava com medo porque não sabia do que Draco era capaz.
- Você não pode querer competir comigo. - disse Draco. - Ninguém pode, exceto Voldemort. - Enquanto seguia na direção de Harry, ele espetou sua espada no pescoço de Harry, picando sua pele. Harry resistiu ao impulso de se retrair. - Seria fácil levar você de volta para Urü'baen.
Harry o encarou bem profundamente.
- Não. Largue-me.
- Você acabou de tentar me matar.
- E você teria feito o mesmo na minha posição. - No que Draco permaneceu em silêncio e sem esboçar expressão alguma, Harry disse: - Fomos amigos certa vez. Lutamos juntos. Voldemort não pode tê-lo transformado tanto, em tão pouco tempo, a ponto de fazê-lo se esquecer... Se você fizer isso, Draco, ficará perdido para sempre.
Um longo minuto se passou onde o único som era o alarido e os gritos dos exércitos que se enfrentavam. O sangue escorria pelo pescoço de Harry do ponto onde a espada o cortou. Saphira batia seu rabo com fúria, mas inutilmente.
Finalmente, Draco disse:
- Fui mandado para tentar capturar você e Saphira. - Ele fez uma pausa. - Eu tentei... Certifique-se de que não venhamos a cruzar nossos caminhos novamente. Voldemort me fará jurar pragas adicionais na língua antiga, que evitarão que eu demonstre tanta piedade na próxima vez em que nos encontrarmos. - Ele baixou sua espada.
- Você está fazendo a coisa certa. - disse Harry. Ele tentou dar um passo atrás, mas ainda estava paralisado.
- Talvez. Mas antes de liberá-lo... - Estendendo-se, Draco arrancou Zar’roc das mãos de Harry e desafivelou a bainha vermelha da espada do cinto de Beloth o Sábio. - Se eu me tornei meu pai, então terei a espada do meu pai. Thorn é o meu dragão, então ele será um espinho para todos os nossos inimigos. E certo, então, que eu também empunhe a espada Desgraça. Desgraça e Espinho, uma bela dupla. Além do mais Zar'roc devia ter ido para o primogênito de Lucius, não para o filho mais jovem. Ela é minha por direito de nascença.
Um rombo se fez no estômago de Harry. Não pode ser.
Um sorriso cruel apareceu no rosto de Draco.
- Nunca lhe disse qual era o nome da minha mãe, disse? E você nunca me falou o nome da sua. Vou lhe dizer agora: Lilian. Lilian era minha mãe e sua mãe. Lucius era o nosso pai. Os Gêmeos descobriram a conexão enquanto estavam vasculhando a sua mente. Voldemort estava bastante interessado nesse fragmento de informação.
- Você está mentindo! - gritou Harry. Ele não podia suportar o fato de ser filho de Lucius. Será que James sabia? Será que Sirius sabe?... Por que não me contaram? Ele se lembrou, então, de Angela ter previsto que alguém em sua família iria traí-lo. Ela tinha razão.
Draco simplesmente balançou a cabeça e repetiu suas palavras na língua antiga, para depois colocar os lábios no ouvido de Harry e sussurrar:
- Você e eu somos iguais, Harry. Um o espelho do outro. Você não pode negar isso.
- Você está errado. - rosnou Harry, lutando contra o feitiço. - Não temos nada em comum. Não tenho mais uma cicatriz nas minhas costas.
Draco recuou como se tivesse sido ferido, tinha o rosto duro e frio. Ele ergueu Zar'roc e a empunhou em frente ao peito.
- Então que seja. Tomo minha herança de você, irmão. Adeus.
Depois disso, ele pegou seu elmo do chão e pulou em cima de Thorn. Não olhou mais nenhuma vez para Harry enquanto o dragão se agachava, levantava as asas, e voava do platô rumo ao norte. Só depois que Thorn sumiu no horizonte, foi que a teia de magia libertou Harry e Saphira.
As garras de Saphira bateram na pedra assim que o dragão pousou. Ela se arrastou até Harry e o tocou no braço com seu focinho.
- Você esta bem, pequenino?
- Sim. - Mas ele não estava e ela sabia disso.
Andando até a beira do platô, Harry examinou a Campina Ardente e as conseqüências da batalha, que agora estava terminada. Com a morte dos Gêmeos, os Varden e os anões recuperaram o terreno perdido e conseguiram desbaratar as formações de soldados confusos, conduzindo-os para dentro do rio ou perseguindo-os até o lugar de onde vieram.
Embora o bojo de suas tropas tivesse permanecido intacto, o Império havia dado o toque de recolher, sem dúvida para que se reagrupassem e se preparassem para uma segunda tentativa de invadir Surda. Em seu rastro deixaram pilhas de cadáveres dispostos de maneira confusa, de ambos os lados do conflito, homens e anões suficientes para povoar uma cidade inteira. Uma fumaça negra e espessa emanava dos corpos caídos nas fogueiras de turfa.
Agora que a luta havia cessado, os falcões e águias, os corvos e gralhas, desciam como uma mortalha sobre o campo.
Harry fechou os olhos, as lágrimas escorriam sob suas pálpebras. Eles haviam vencido, mas ele perdera.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!