O túmulo branco
Todas as aulas foram suspensas, e os exames adiados. Alguns estudantes foram retirados às pressas da escola por pais assustados e nervosos. As gêmeas Patil partiram antes mesmo do café, na manhã seguinte ao ataque à escola; Simas Finnigan, cuja mãe apareceu não muito mais tarde, recusou-se terminantemente a voltar para casa com ela. Depois de uma longa discussão – aos gritos – no saguão de entrada, a mãe finalmente concordou que ele ficasse para os funerais. Simas contou, mais tarde, a Harry e Rony que ela teve dificuldade em encontrar acomodações em Hogsmeade, porque não paravam de chegar ao vilarejo bruxos e bruxas desejando prestar homenagens a Dumbledore. Madame Maxime, a diretora da Academia de Magia Beauxbatons, espantou os alunos mais jovens ao chegar em sua gigantesca carruagem, puxada por doze cavalos alados, da qual desceu diretamente para os braços de Hagrid, que a aguardava. Uma delegação do Ministério, que incluía o próprio Ministro da Magia, foi acomodada no castelo. Harry fugia de qualquer possibilidade de contato com seus membros; tinha absoluta certeza de que, cedo ou tarde, tornariam a lhe interrogar sobre sua ausência e de Dumbledore na fatídica noite da invasão. Ele, Rony, Hermione, Sophie e Gina passavam todo o tempo livre juntos. Harry imaginava como teria sido se nada daquilo tivesse acontecido, se Dumbledore estivesse vivo, e eles tivessem todo aquele tempo livre juntos no fim do ano, os N.O.M.’s de Gina já realizados, o fim dos deveres escolares... e hora após hora ele adiava a atitude que sabia que teria que tomar, porque era a coisa certa a fazer, mas era difícil abrir mão de sua maior fonte de conforto.
Eles visitavam a Ala Hospitalar ao menos duas vezes ao dia; assim como Sophie, Neville também já havia sido liberado – embora ele não tenha sido obrigado a ouvir um sermão como o ao qual Sophie foi submetida antes de deixar a enfermaria –, mas Gui continuava sob os cuidados de Madame Pomfrey. As cicatrizes não apresentavam melhora, mas, além disso, nada havia de diferente no rapaz, exceto ter passado a gostar muito de carne malpassada.
- ... sorrte que el vá se casarrr comigue qu sou frrançaise – disse Fleur, com um sorriso, enquanto ajeitava os travesseiros de Gui –, porrqu as inglesess cozinhemm demás a carrne, eu semprre disse isse...
- Acho que eu simplesmente vou ter que aceitar que Gui vá mesmo casar com ela. – disse Gina, depois de um suspiro, mais tarde naquela mesma noite, quando ela, Rony, Hermione e Harry conversavam no salão comunal. Sophie havia fugido até Hogsmeade para se encontrar com Fred. Ela não havia contado a nenhum dos amigos o que estivera fazendo enquanto Gina foi até a Sala Precisa. Por mais que Harry ou Hermione perguntassem, a garota manteve um silêncio obstinado. Apenas Sirius sabia o que havia acontecido. Ele também era o único a saber exatamente como ela fora atingida durante o duelo na noite da invasão. Sophie o proibira de contar a Harry, pois sabia como o amigo se sentiria se descobrisse que a prima também havia se colocado à frente dele.
- Ela não é tão ruim. – comentou Harry, e Gina o fitou – Mas é feia. – acrescentou ele, rapidamente, e todos riram.
- Bem, se mamãe consegue agüentar, eu também consigo. – disse a ruivinha, dando de ombros – Bom, eu vou subir. – anunciou ela, bocejando em seguida – Não tenho dormido bem desde... bem... um soninho vai bem agora.
Ela beijou Harry – Rony, como sempre, olhou para o outro lado, encarando um velho bruxo em um quadro da parede –, acenou com a mão para os outros dois e foi para o dormitório feminino. Hermione fechou o jornal que estava lendo, pondo-o de lado.
- Algo de novo? – perguntou Rony.
- Não. – respondeu a garota – Ainda estão procurando Snape, mas até agora nada.
- Claro que não. – disse Harry – Não o encontrarão enquanto não encontrarem Voldemort, e como não conseguiram fazer isso até hoje...
- Eu ainda não entendo por que Snape não denunciou você por estar usando aquele livro... – comentou Rony – Ele devia saber de onde você estava tirando tudo aquilo.
- Ele sabia. – disse Harry, com amargura – Soube quando usei o Sectumsempra em Malfoy, nem precisava realmente de Legilimencia...
- Mas por que ele não denunciou você?
- Ele não devia querer ser associado ao livro. – foi Hermione quem respondeu – Acho que Dumbledore não teria gostado muito se soubesse.
- Eu devia ter mostrado o livro a Dumbledore. – concluiu Harry – Tive nas mãos a prova do quanto Snape era mau, e...
- Não se culpe por isso, Harry. – disse Hermione.
- É, cara. – concordou Rony – Por mais que pensássemos que ele era do mal, nenhum de nós poderia imaginar que ele...
Ele não concluiu a frase, e todos os três ficaram em silêncio, cada qual absorto em seus próprios pensamentos. Harry tinha certeza que os amigos, como ele próprio, estavam pensando na manhã seguinte, quando seria o enterro de Dumbledore. Ele jamais havia ido a um enterro, não sabia bem o que esperar, e estava um pouco preocupado com isto. Apalpou no bolso o medalhão frio da falsa Horcrux, que agora carregava consigo o tempo todo, como um lembrete de tudo o que acontecera – uma forma de tornar tudo mais real –, do que ela havia custado, e do que ainda faltava fazer.
Na Casa dos Gritos, Sophie e Fred estavam, como de costume, acomodados em um confortável sofá. Estavam em silêncio, já há alguns minutos, Fred acariciava os cabelos de Sophie, que tinha a cabeça recostada em seu peito.
- Preocupada com amanhã? – perguntou Fred, perto do ouvido dela.
- Hã? – fez Sophie; ela estava distante dali naquele momento – Desculpa, Fred, eu tava completamente distraída.
- Não tem problema. – disse o rapaz, gentilmente – Só achei você tão quieta...
- Desculpa. Desculpa, amor. – disse a garota, beijando-o – Eu... tem tanta coisa na cabeça agora... eu só quero... só quero ficar aqui com você, quietinha...
- Tá bom. – disse Fred, abraçando-a mais forte – Fica quietinha então, eu vou só ficar aqui, juntinho de você.
Na manhã seguinte, Harry levantou cedo para fazer as malas; o Expresso de Hogwarts partiria uma hora após os funerais. Quando foi ao Salão Principal, encontrar com os demais para o café da manhã – no qual nenhum dos cinco tocou –, encontrou o ambiente silencioso como jamais o vira antes. Todos usavam vestes formais,e , aparentemente, ninguém estava com muita fome. O lugar de Dumbledore à mesa dos professores estava vazio; o de Snape, no entanto, fora ocupado sem a menor cerimônia, por Rufo Scrimgeour. Harry percebeu que o Ministro esquadrinhava todo o salão com os olhos claros e argutos, e tratou de se encolher atrás de Sophie, pois deduziu logo que era a ele que Scrimgeour procurava.
À mesa da Sonserina, Crabbe e Goyle cochichavam. Era estranho vê-los sem a companhia alta e pálida de Malfoy entre os dois, dando ordens a ambos. Harry não pensara muito em Malfoy desde o incidente da Torre; toda sua animosidade convergira para Snape. No entanto ele recordava bem do medo na voz de Malfoy, enquanto o sonserino conversava com Dumbledore no alto da Torre da Astronomia, bem como lembrava que Malfoy baixara a varinha antes de chegarem os outros Comensais da Morte. Harry não achava que Malfoy teria tido coragem para matar Dumbledore. Continuava a desprezar o garoto por sua fascinação pelas Artes das Trevas, mas não conseguia deixar de sentir uma pontinha de piedade. Imaginava onde Malfoy estaria, e o que Voldemort o estaria obrigando a fazer, sob ameaças de morte, dele e de sua família.
“Ele não queria realmente fazer aquilo.”
“Eu sei. – respondeu Sophie, e então ela pareceu hesitar – Foi por isso que eu o deixei passar.”
- O quê? – perguntou Harry, encarando-a, tomado pela surpresa.
- Que foi, Harry? – perguntou Hermione, olhando dele para Sophie, e de volta para Harry. O garoto, no entanto, continuava encarando a prima.
“Por favor, Harry...” – pediu Sophie, em pensamento; seu olhar era suplicante.
“Por quê? Por que fez isso, Sophie?”
“Eu não sei! Eu não sei, Harry, não sei!”
A discussão silenciosa dos dois foi interrompida por uma cotovelada de Gina nas costelas de Harry. Ele e Sophie pararam de se encarar e voltaram-se para a mesa dos professores. A professora McGonagall ficara de pé, e os poucos murmúrios tristes existentes no Salão Principal cessaram imediatamente.
- Está quase na hora. – disse ela – Por favor, acompanhem os diretores de suas Casas até os jardins. O professor Slughorn guiará a Sonserina. Alunos da Grifinória, venham comigo.
Eles deixaram seus bancos disciplinadamente, quase em silêncio. Ao chegarem ao Saguão de Entrada, encontraram Madame Pince fungando ao lado de Filch, que tirara do armário um terno antiquado e que cheirava fortemente a naftalina. Ele também parecia profundamente abalado.
Todos seguiam, conforme Harry constatou ao descer os degraus de pedra da entrada principal, em direção ao lago. Ele sentiu o sol morno aquecendo seu rosto, enquanto acompanhava em silêncio a professora McGonagall ao lugar em que havia centenas de cadeiras enfileiradas com uma passagem pelo centro; havia uma espécie de mesa de mármore branco à frente das cadeiras.
Enquanto seguia de mãos dadas com Gina, sentiu uma mãozinha delicada enfiar-se em sua mão livre; era Sophie, e ao olhar para ela, não soube dizer se ela estava tentando lhe dar apoio ou em busca de um pouco para si própria. Sem soltar a mão dela, fez um carinho leve em seu rosto; Sophie assentiu, compreendendo o gesto. Acima de tudo eles eram amigos.
Já havia um grande número de pessoas acomodadas nas cadeiras, a grande maioria desconhecida para Harry, mas havia também alguns rostos conhecidos. Sentados juntos estavam alguns membros da Ordem da Fênix: Quim Shacklebolt, Olho-Tonto Moody, Tonks, cujos cabelos haviam recuperado a cor rosa-berrante tradicional, Remo Lupin, com quem ela parecia estar de mãos dadas, Sirius, o casal Weasley, Gui, amparado por Fleur e os gêmeos. Também estavam presentes Madame Maxime, Tom, taberneiro do Caldeirão Furado, Arabella Figg, a bruxa abortada que era vizinha de Harry na Rua dos Alfeneiros, e outras pessoas que Harry não conhecia tão bem, como os donos da Dedosdemel, o barman do Cabeça de Javali e a bruxa do carrinho de doces do Expresso.
Harry, Rony, Hermione, Sophie e Gina tomaram os últimos lugares em uma das fileiras bem do meio, ao lado do lago. A multidão continuava a crescer, e os assentos iam sendo ocupados rapidamente. Cornélio Fudge passou por eles em direção às filas bem da frente, com uma genuína expressão de tristeza; em seguida, Harry reconheceu Rita Skeeter, enfurecendo-se ao ver o bloco de notas e a pena verde-berrante nas mãos de unhas vermelhas, e com um acesso ainda mais intenso de raiva, viu Dolores Umbridge, com uma expressão de tristeza nada convincente em sua cara de sapo. O que amainou a fúria de Harry foi vê-la, ao enxergar o centauro Firenze, que estava parado como uma sentinela à margem do lago, dar um salto e correr para uma cadeira bem distante.
Os professores finalmente se sentaram. Harry viu Rufo Scrimgeour, com ar grave e sério, na primeira fila, ao lado da professora McGonagall. O garoto se questionava se o Ministro, ou qualquer daqueles figurões do Ministério presentes, realmente lamentava a morte de Dumbledore. Ouviu então uma música estranha, quase sobrenatural, e esqueceu sua antipatia pelo Ministro, olhando, como muitas outras pessoas também fizeram, ao redor, à procura da origem do som.
- Dentro do lago. – sussurrou Gina no ouvido de Harry.
Então ele os viu, nas águas esverdeadas do lago, a centímetros da superfície, lembrando-o aflitivamente dos Inferi na caverna; um coro de sereianos cantava em uma língua que ele não entendia, os cabelos arroxeados ondulando ao redor dos rostos verde-pálidos. A música fez os cabelos da nuca de Harry se arrepiarem, e ele sentiu Sophie, que continuava a segurar sua mão, apertá-la um pouquinho. Ele olhou para a prima e soube que, embora também não compreendesse as palavras, Sophie era muito mais sensível às emoções à sua volta, e com certeza sentia muito mais intensamente o pesar dos sereianos pela morte do diretor. Então Gina voltou a cutucá-lo, e Harry se virou para olhar.
Hagrid vinha andando pela passagem entre as cadeiras. Chorava silenciosamente, as grossas lágrimas escorriam, indo perder-se na barba do meio-gigante, que trazia, envolto em um veludo roxo salpicado de estrelas douradas, o que Harry sabia ser o corpo de Dumbledore. Ao vê-lo, o garoto sentiu um aperto doloroso na garganta; por um momento, a consciência de que o corpo do diretor estava ali, tão próximo, e a estranha música dos sereianos tornavam a situação toda irreal. Rony estava branco feito giz, parecia nem respirar, sentado em sua cadeira. Caíam lágrimas copiosas no colo de Gina e Hermione, que fungavam baixinho, e Sophie chorava sem emitir qualquer som, as lágrimas mornas escorrendo uma a uma pelo rosto delicado. Ao ver aquilo, qualquer restinho de indignação que Harry ainda pudesse sentir por a garota ter permitido a passagem de Malfoy na noite da morte do diretor desapareceu por completo, e ele se viu entrelaçando seus dedos aos dela.
“Me desculpa...” – ele a ouviu dizer, em pensamento, e mesmo ali, ela parecia chorar.
“Já passou, Soph... já passou...” – respondeu, da mesma forma, apertando a mão dela um pouco mais.
Eles não conseguiam ver com clareza o que acontecia à frente. Hagrid parecia ter colocado o corpo cuidadosamente sobre a mesa de mármore, e agora retirava-se pela passagem central, aparentando estar fazendo um esforço colossal para não desabar em prantos. Seus olhos estavam tão inchados que era de se admirar que ele conseguisse enxergar onde estava indo. Harry então olhou para trás, para a última fila, que era para onde Hagrid estava indo, e então compreendeu o que o orientava: Madame Maxime, muito acima das demais cabeças esperava Hagrid retornar, tendo deixado três cadeiras vazias para acomodar o guarda-caça, que se largou sobre elas, fazendo com que as pernas se enterrassem no chão. Harry lembrou-se do quarto ano, quando Madame Maxime, respondendo indignada à insinuação de Hagrid de que fosse meio-giganta, afirmara apenas ter “ossos grandes”, e teve um impulso momentâneo de rir. Então a música parou, e Harry voltou a se virar para frente.
Um homenzinho com os cabelos em tufos e vestes pretas se erguera, e agora estava parado diante do corpo de Dumbledore. Ele havia começado um discurso, e chegavam aos ouvidos de Harry palavras como “nobreza de espírito...”, “contribuição intelectual...”, “mente privilegiada...”; no entanto, nada daquilo significava muita coisa. Não tinham muito a ver com o Dumbledore que Harry conhecera. De repente o garoto se lembrou da definição de Dumbledore para a expressão “algumas palavras”, dada em seu primeiro ano em Hogwarts: “Pateta! Chorão! Destabocado! Beliscão! Obrigado.”, e mais uma vez, precisou reprimir o riso... o que diabos estava acontecendo com ele? Olhou para o lado e viu que os sereianos haviam vindo à tona para ouvir o discurso também. Ele se lembrou de Dumbledore, dois anos antes, agachado à beira do lago, conversando em serêiaco com o líder daquele povo, e perguntou-se onde Dumbledore teria aprendido aquela língua. Havia tantas coisas que nunca perguntara, tantas coisas que nunca dissera...
E então, subitamente, a terrível verdade o devassou, como ainda não havia acontecido até então. Dumbledore estava morto, partira para sempre. Tentando conter as lágrimas, apertou a mão de Sophie com tal força que imaginou tê-la machucado, mas a garota não se moveu, nem soltou a mão dele. Apesar disso, Harry não conseguiu impedir que as lágrimas fugissem pelos cantos de seus olhos; Sophie não olhou para ele, mas acariciou sua mão com o polegar, carinhosamente. Harry desviou o olhar para longe, na direção da Floresta, para onde Sophie também olhava, enquanto o homenzinho de preto continuava a falar, e percebeu um movimento entre as árvores. Os centauros também haviam vindo prestar suas homenagens; não saíram a céu aberto, mas estavam ali, parados, quietos, os arcos pendurados ao lado do corpo, apenas observando. Então Harry percebeu que o homenzinho havia finalmente parado de falar, e retornara ao seu lugar. Esperou que mais alguém se levantasse, talvez o Ministro, mas ninguém se mexeu.
Então muitas pessoas gritaram. Vivas chamas irromperam em torno da mesa de mármore e do corpo de Dumbledore, cada vez mais altas, ocultando-o por completo. No segundo seguinte, as chamas se extinguiram; em seu lugar havia um túmulo de mármore branco, encerrando o corpo do diretor e a mesa em que repousara.
Foi quando Harry percebeu com total clareza como as pessoas que gostavam dele haviam se colocado à sua frente, para defendê-lo, seu pai, sua mãe, Sirius, que quase perdera a vida também, e agora Dumbledore. Todos dispostos a protegê-lo a qualquer custo. Agora isso havia acabado. Ele olhou para os amigos, sentados ao seu lado; não permitiria que aquilo acontecesse com nenhum deles, não podia mais deixar que ninguém ficasse entre ele e Voldemort.
Era no que pensava quando se ouviram mais alguns gritos de espanto, quando uma saraivada de flechas voou pelo ar, caindo, no entanto, muito aquém da multidão. Harry, seguindo o olhar de Sophie, olhou para a beira do lago, para Firenze; ele também tinha um arco na mão. Era, ele entendeu, a homenagem dos centauros. Ao olhar para a Floresta, viu quando eles deram as costas, desaparecendo nas árvores sombrias. De modo semelhante, os sereianos imergiram lentamente nas águas do lago, desaparecendo de vista.
Harry olhou para os amigos ao seu lado: Sophie tinha os olhos fechados, e respirava profundamente; Rony tinha o rosto franzido, como se a claridade do sol o cegasse, e Hermione estava com o rosto inchado e os olhos vermelhos, ainda vertendo lágrimas.
Gina já não chorava; sustentou o olhar dele com a mesma expressão intensa e decidida que estava quando o abraçara depois de conquistar a Taça de Quadribol em sua ausência, e ele soube que ela o compreenderia perfeitamente, sempre, e que quando lhe dissesse o que iria fazer agora, ela não diria “Cuidado!” ou “Não faça isso!”, mas aceitaria sua decisão porque não esperava dele outra atitude.
Sophie deixou seu lado, e, ao contrário do que seria de se esperar, não foi para Fred que ela correu, mas para Sirius, que a abraçou com força, beijando-a no topo da cabeça e acalentando-a, enquanto a garota finalmente desmoronava.
Mas Harry não viu isso. Seu olhar estava preso no de Gina, e embora soubesse que o que iria fazer era o melhor, o mais correto, isso não o fazia se sentir nem um pouco melhor.
- Gina, escute... – começou ele, em voz baixa, em meio ao burburinho que começava a se formar e às pessoas que começavam a se levantar – Não podemos ficar juntos. Temos que parar de nos ver. Não posso mais namorar você.
Ela abriu um sorriso torto, totalmente desprovido de humor.
- É por algum motivo nobre e idiota, não é?
- Essas últimas semanas com você têm sido... – ele suspirou, sem conseguir terminar a frase – Mas não posso... não podemos... tem coisas que eu preciso fazer sozinho, agora.
Ela não chorou, nem disse nada. Apenas continuou encarando-o.
- Voldemort usa as pessoas mais próximas de seus inimigos. Já usou você como isca uma vez, e só porque era a irmã do meu melhor amigo. – continuou Harry – Você estará correndo um perigo muito maior se continuarmos a namorar. Ele descobrirá, e tentará me atingir através de você.
- E se eu não me importar? – perguntou Gina, desafiadora.
- Eu me importo. – respondeu Harry, com firmeza – Como acha que eu me sentiria se hoje fosse o seu enterro... e a culpa fosse minha?
Ela desviou o olhar na direção do lago.
- Eu nunca desisti de você, não de verdade. – disse Gina, sem olhar para ele – Sempre tive esperança... Hermione me dizia para tocar minha vida, sair com outra pessoa; Sophie disse para eu me descontrair um pouco perto de você, porque eu não conseguia nem falar quando você estava junto, lembra? Ela disse que talvez você prestasse um pouco mais de atenção em mim, se eu fosse mais... eu mesma.
- Sophie sempre sabe tudo. – disse Harry, tentando sorrir – E Hermione também, a não ser quando se trata dela mesma. Eu só queria ter convidado você para sair antes. Poderíamos ter tido meses... anos, talvez...
- É, mas você estava muito ocupado, salvando o mundo bruxo. – respondeu Gina, quase sorrindo – Bem... não posso dizer que esteja surpresa. Sabia que isso aconteceria um dia. Sabia que você não estaria descansado enquanto Voldemort estivesse vivo, e livre. Vai ver é por isso que eu gosto tanto de você.
Harry não agüentou ouvir essas coisas, e temendo não conseguir manter sua decisão se continuasse sentado ao lado de Gina, levantou-se de sua cadeira. Viu que Rony abraçava Hermione, acariciando seus cabelos enquanto ela soluçava com o rosto enterrado em seu peito, e que escorriam lágrimas na ponta de seu nariz sardento. Com o peito apertado, Harry deu as costas a Gina, aos amigos e ao túmulo de Dumbledore, e saiu andando pela margem do lago. Andar parecia bem mais suportável do que ficar ali, sentado, assim como partir logo em busca das Horcruxes seria bem melhor do que demorar a fazê-lo.
“Era a coisa certa a fazer.” – ele ouviu Sophie dizer, em sua cabeça.
“Então por que dói tanto?”
Ele olhou para onde havia visto a prima pela última vez. Ela agora estava nos braços de Fred, e o encarava à distância, sem ter a resposta para aquela pergunta.
“Ela ama você. E vai entender.” – foi só o que ela pôde responder.
“Eu sei.”
- Harry!
Harry desviou seu olhar do de Sophie, e se virou. Rufo Scrimgeour vinha mancando ligeiro em sua direção, apoiando-se em sua bengala.
- Eu gostaria de falar com você um instante... incomoda-se se eu caminhar um pouco ao seu lado?
- Não. – respondeu Harry, indiferente, recomeçando a andar.
- O que aconteceu foi uma coisa horrível. – disse o bruxo, em voz baixa – Não consigo descrever o horror que senti quando soube. Dumbledore era um bruxo extraordinário. Tínhamos nossas desavenças, mas...
- O que o senhor quer? – perguntou Harry, sem olhar para ele.
O Ministro pareceu contrariado, mas logo sua expressão voltou a mostrar uma pesarosa compreensão, totalmente falsa, na opinião de Harry.
- Naturalmente, você deve estar arrasado. Sei que era muito ligado a ele, e imagino que tenha sido o aluno de quem ele mais gostou em sua vida...
- O que o senhor quer? – repetiu Harry, parando de andar e encarando-o Ministro, muito sério. Scrimgeour também parou, e sua máscara de pesar desapareceu, dando lugar a uma expressão astuta.
- Há rumores de que você estava com Dumbledore quando ele se ausentou da escola, na noite de sua morte.
- E suponho que o senhor queira saber onde estávamos, e o que estávamos fazendo. – disse Harry, em tom petulante – Bem, isso é unicamente da minha conta. Ele não queria que eu contasse a ninguém.
- Tal lealdade, naturalmente, é admirável. – disse o Ministro, que parecia conter sua irritação a custo – Mas Dumbledore se foi, Harry.
- Ele só terá ido desta escola quando não houver aqui mais ninguém leal a ele. – replicou o garoto – Não tenho mais nada a lhe dizer, Ministro. Eu sou por inteiro um homem de Dumbledore. Pensei que havíamos deixado isto claro da última vez.
E dizendo isto, retomou sua caminhada. Scrimgeour ainda continuou parado por um instante, apoiado em sua bengala, olhando aborrecido para as costas do garoto que se afastava, e então deu meia-volta, rumando para onde o restante de sua delegação o aguardava. Rony, Hermione e Sophie cruzaram com ele, enquanto corriam ao encontro de Harry, que caminhou um pouco mais devagar para que os amigos o alcançassem.
- O que Scrimgeour queria? – perguntou Hermione.
- O mesmo que queria no Natal. Que eu desse informações confidenciais sobre Dumbledore. – respondeu Harry – Queria saber onde estávamos na noite em que ele morreu.
- Cretino. – resmungou Sophie, e Rony concordou com a cabeça. Hermione respirou fundo, olhando com tristeza para o castelo.
- Não consigo suportar a idéia de que talvez nunca voltemos. – disse ela, baixinho – Hogwarts fechada... é inconcebível pra mim.
- Talvez não feche. – disse Rony – Não corremos maior perigo aqui do que em qualquer outro lugar, talvez seja até mais seguro aqui, com tanta gente pra defender o lugar...
- Eu não vou voltar, mesmo que reabra. – disse Harry.
Sophie, que, afora o breve comentário sobre o caráter do Ministro mantivera-se em silêncio até então, permaneceu exatamente como estava, sem mover um músculo, o olhar perdido na superfície do lago. Rony encarou Harry, boquiaberto, e Hermione disse, com tristeza:
- Eu sabia que você ia dizer isso. Mas então... o que vai fazer?
- Vou voltar, pela última vez à casa dos Dursley, porque era o que Dumbledore queria que eu fizesse. Mas não vou ficar lá por muito tempo.
- E aonde é que você vai, se não vai voltar para Hogwarts?
- Pensei em ir a Godric’s Hollow. – respondeu Harry – Tenho a sensação de que preciso ir até lá. E também posso aproveitar para visitar os túmulos dos meus pais, gostaria de fazer isso.
- E depois?
- Depois tenho que procurar as Horcruxes, não é? – disse Harry, os olhos fixos no reflexo branco do túmulo de Dumbledore nas águas do lago – É o que ele queria que eu fizesse, por isso me contou tudo o que sabia sobre elas. Se Dumbledore estiver certo, e eu tenho certeza de que está, ainda tem mais quatro Horcruxes por aí. – continuou ele – Preciso encontrá-las e destruí-las, todas elas, e depois vou atrás da sétima e última parte da alma de Voldemort, a que ainda habita o corpo dele. Eu vou matá-lo, é como deve ser. E se eu encontrar Snape no caminho... bem, pior para ele.
Fez-se um longo silêncio. A multidão já havia se dispersado quase totalmente, os alunos haviam voltado ao castelo para prepararem-se para partir.
- Estaremos lá, Harry. – disse Rony.
- Quê?
- Na casa dos seus tios. – respondeu o ruivo – E então vamos com você, aonde você for.
- Não. – disse Harry, depressa. Não contara com aquilo, e não desejava arriscar a vida de nenhum dos amigos naquela empreitada.
- Você já nos disse uma vez – disse Hermione, em voz baixa, mas firme – que tínhamos tempo para desistir, se a gente quisesse. Acho que tivemos bastante tempo.
Rony concordou com a cabeça.
- Estamos com você para o que der e vier. – afirmou ele.
- E você, Soph? – perguntou Hermione, quando a outra não disse nada.
- Eu vou ficar. – respondeu Sophie, e Rony e Hermione a encararam, surpresos – Serei mais útil ficando aqui. Além disso – ela olhou para Harry, com um arremedo de sorriso no rosto triste –, alguém tem que tomar conta da Gina até o Harry voltar.
Harry sustentou o olhar dela por um instante. Então Rony voltou a falar.
- Bom, mas antes de qualquer coisa, antes mesmo de Godric’s Hollow, você vai ter que passar lá em casa, Harry.
- Por quê?
- O casamento de Gui e Fleur, lembra?
Harry olhou para ele, meio aturdido; a idéia de que algo como um casamento ainda pudesse acontecer parecia totalmente inacreditável, e ao mesmo tempo, maravilhosa.
- Ah, é. – disse ele, por fim – Não podemos perder essa festa por nada.
O expresso partiu cerca de uma hora depois, levando centenas de jovens cabisbaixos e apreensivos. O futuro era totalmente incerto, nem mesmo sabiam se iriam poder retornar a Hogwarts no ano seguinte. Foi a viagem mais triste e silenciosa que jamais aconteceu. Mesmo dentro das cabines, os alunos pouco falavam, cada qual concentrado em seus próprios pensamentos.
Chegando a King’s Cross, a recepção foi calorosa e nervosa. Os pais abraçavam seus filhos e não mais os largavam, como se temessem perdê-los no minuto seguinte. Muitos comentavam já ter decidido não enviar suas crianças para Hogwarts no ano seguinte, ainda que a escola reabrisse, algo de que todos duvidavam.
Havia uma verdadeira comitiva esperando por Harry, Sophie, Hermione, Gina e Rony na plataforma, além do casal Weasley e dos gêmeos, muitos membros da Ordem também estavam lá. Fred abraçou Sophie como se não a visse há meses, e não mais a soltou.
- Bom, nos vemos em algumas semanas, então. – disse Harry aos Weasley e a Hermione.
- É, a gente se vê logo. – concordou Rony. Hermione voou no pescoço do amigo, dando-lhe um abraço apertado.
- Cuide-se, está bem? Por favor, cuide-se.
- Pode deixar. – disse Harry, para tranqüilizá-la – Você também.
Hermione assentiu. Sob o olhar desconfiado dos pais, que nada sabiam ainda sobre o acontecido na escola – ela havia cancelado a entrega do Profeta Diário em sua casa –, ela despediu-se nervosamente de todos, detendo-se um pouco mais em Gina e Sophie.
- Nos vemos logo. – disse ela, e as duas concordaram.
- Cuide-se. – recomendou Sophie.
- Eu vou.
Depois que Hermione se despediu de todos, eles partiram, acenando timidamente para os demais. Quim Shacklebolt iria segui-los até que estivessem em casa, em segurança. Haveria sempre um membro da Ordem de guarda na casa dos Granger, a partir de agora.
- Nossa vez de ir, Harry. – anunciou Sophie, de mãos dadas com Fred – John está esperando.
Harry assentiu com a cabeça. Sophie e Sirius iriam deixá-lo em casa, antes de a garota voltar para a Mansão D’Argento. Sirius fazia questão de deixar ambos na porta de suas casas.
Os três se despediram dos demais – Sirius desviou o olhar quando Sophie despediu-se de Fred – e partiram. A viagem até a Rua dos Alfeneiros foi rápida e silenciosa. Harry podia ver o movimento nas cortinas da cozinha quando o carro parou diante do número quatro, enquanto Tia Petúnia espiava pela janela. Sirius e Sophie o acompanharam até a porta.
- Cuide-se, Harry. – pediu Sirius – Não ande sozinho por aí, fique em casa. Estaremos vigiando tudo por aqui, mas é melhor não arriscar. Logo estará conosco outra vez.
- Está bem. Vocês também. – respondeu o garoto – Soph...
- Cuide-se, sim? – pediu Sophie, abraçando-o bem apertado – E não se preocupe comigo, eu estarei bem.
Harry assentiu, e Sophie o abraçou novamente. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
- Nini... Harry vai ficar bem, ele sabe se cuidar.
- Eu sei. – disse Sophie, ainda meio chorosa – Eu sei.
- Nini? – ecoou Harry.
- É o apelido da família. – contou Sophie, enxugando os olhos – Foi minha mãe que me apelidou assim. Ela e a sua mãe.
- Sério?
- Sim. – confirmou Sirius – Até mesmo você a chamava assim, Harry, quando vocês dois eram pequenininhos.
- Eu amei o apelido, então papai passou a me chamar assim.
- Eu também gostei. E já que é o apelido da família... acho que vou chamar você assim também. Posso?
- Claro, Harry! Como meu quase-primo, você tem todo o direito.
- Quase não. Nós somos primos, Nini.
Os três riram. Harry segurou a mão de Sophie e beijou-a, de leve, e depois de abraçar Sirius, entrou na casa. Sirius e Sophie ainda ficaram por alguns segundos olhando a porta fechada, antes de voltarem, de mãos dadas, para o carro.
- Podemos ir? – perguntou John, depois que os dois entraram.
- Sim. Podemos ir.
O carro partiu, e Sophie recostou-se no peito do pai, suspirando.
- O que foi, querida? – perguntou Sirius.
- Você descobriu algo sobre Annabella?
- Não. Nada.
- Ela estava em Hogwarts no dia do ataque, não estava? – perguntou a garota, e Sirius suspirou. Era impossível esconder qualquer coisa de Sophie.
- Sim. Nós duelamos, mas ela fugiu. – contou ele, omitindo os detalhes de tal encontro.
Sophie nada disse por um momento. Então sacudiu a cabeça devagar.
- Ela não é quem pensa ser.
- Como assim, Zoe? Você descobriu algo? – perguntou ele, ansioso.
- Não. É só uma sensação. Sei que a conheço, sei que está ligada a mim de alguma forma, a nós... mas não encontro a conexão...
- Eu vou descobrir quem ela é, Zoe. Eu prometo.
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