Depois da batalha
Harry continuou ajoelhado ao lado do corpo de Dumbledore, ouvindo o canto triste da fênix; o lamento de Fawkes parecia vir de todos os lugares ao mesmo tempo, enchendo todo o jardim, entrando em cada canto e sua consciência entorpecida.
- Harry, venha... – chamou Hagrid.
- Não. – respondeu Harry. Não queria sair dali, não queria ir a lugar algum. A mão enorme de Hagrid tremia em seu ombro, sacudindo todo o corpo do garoto junto com ela.
- Você não pode ficar aí, Harry... venha...
- Não. – repetiu Harry, obstinado.
Então um aroma floral encheu o ar ao seu redor, e uma mão pequena e quente envolveu a dele.
- Harry, vamos.
A mão puxou-o para cima, e, sem pensar, Harry cedeu, levantando-se do chão. Foi somente quando atravessava, às cegas, o aglomerado de alunos que cercava o local onde estava o corpo do diretor, que Harry realmente viu que era Gina quem o conduzia de volta ao castelo. Vozes murmuravam coisas incompreensíveis ao seu redor, ele ouvia soluços e lamentos enquanto subiam os degraus de pedra para o saguão; rostos ansiosos e pálidos apenas observavam enquanto Harry e Gina avançavam, sempre de mãos dadas, rumo à escadaria de mármore.
- Vamos à Ala Hospitalar. – anunciou a ruivinha.
- Não estou ferido. – respondeu Harry.
- São ordens da McGonagall. – disse Gina – Estão todos lá, Rony, Hermione, todo mundo...
O medo voltou a tomar conta de Harry. A Marca Negra, o corpo que ele vira caído no chão...
- Gina, quem morreu? – perguntou ele, morrendo de medo da resposta que ela daria.
- Não se preocupe, não foi nenhum dos nossos.
- Mas Malfoy disse que passou... passou por cima de um corpo... – lembrou Harry.
- Passou por cima do Gui – explicou Gina –, mas ele está vivo.
Algo na voz dela fez com que Harry parasse de andar e a encarasse.
- O que aconteceu? Ele está bem?
- Está... está meio avariado, só isso. Greyback o atacou. – contou a garota, e Harry sentiu algo caindo como uma pedra em seu estômago – Não sabemos... quais podem ser as seqüelas... – continuou ela, a voz tremendo levemente – Greyback é um lobisomem, mas estava na forma humana quando o atacou, então...
Ela deixou a frase no ar, e voltou a puxar Harry pela mão. Os dois continuaram então seu caminho.
- E os outros? – perguntou Harry – Havia mais gente no chão...
- Neville está na Ala Hospitalar, mas não é nada mais grave, e o professor Flitwick foi nocauteado, mas também já está ok. – respondeu Gina – Há um Comensal morto, foi atingido por uma Maldição da Morte que o outro grandalhão estava lançando para todos os lados... se não tivéssemos tomado a Felix Felicis acho que estaríamos todos mortos, mas tudo parecia desviar de nós... bem, não de todos nós...
- Como assim? O que quer dizer?
- Eu não sei... é estranho. – disse Gina, com sinceridade – A Soph... um feitiço atingiu ela, mesmo com a poção da sorte.
- O quê? – fez Harry, os olhos arregalados – Como assim, Gina? O que houve com ela?
- Calma, ela está bem. – disse Gina, para tranqüilizá-lo – Madame Pomfrey disse que só quebrou algumas costelas e sofreu uma concussão. Está dormindo agora, estava muito agitada, então Madame Pomfrey deu uma poção calmante pra ela, mas ela deve acordar logo.
Eles chegaram à Ala Hospitalar e empurraram as portas; Neville estava em uma das camas, aparentemente adormecido, com Luna sentada ao seu lado, em uma cadeira. Rony, Hermione, Lupin e Tonks rodeavam as duas camas seguintes, e Sirius estava sentado á beira de uma delas. Harry viu Sophie, muito pálida, e com um pequeno corte na testa, na cama em que Sirius estava, antes que Hermione corresse até ele e o abraçasse com força o suficiente para partir suas costelas. Lupin também se adiantou, ansioso, bem como Sirius, que o abraçou tão logo Hermione o soltou.
- Você está bem, Harry?
- Estou... e o Gui?
Ninguém respondeu. Harry se aproximou da cama, e viu no travesseiro de Gui um rosto irreconhecível, tantos e tão profundos eram os cortes e ferimentos. Madame Pomfrey aplicava um ungüento verde de cheiro forte nos ferimentos.
- A senhora não consegue fechar os ferimentos com um feitiço ou algo assim? – perguntou Harry, lembrando-se de Snape fechando com simples acenos de varinha os ferimentos no braço de Malfoy.
- Já experimentei tudo o que sei, nada dá resultado. – respondeu a enfermeira, desalentada – Não há cura para mordidas de lobisomem.
- Mas Greyback não estava transformado, não é? – lembrou Rony – Então Gui não vai virar um... um verdadeiro... ? – ele olhou inseguro para Lupin.
- Não creio que Gui vá virar um lobisomem. – concordou Lupin – Mas isto não significa que não houve alguma contaminação. Os ferimentos... provavelmente não cicatrizarão totalmente, e... Gui talvez adquira alguma característica lupina...
- Dumbledore deve saber de alguma coisa que dê jeito. – disse Rony – Onde ele está? Gui estava cumprindo ordens dele, e...
- Rony... Dumbledore está morto. – disse Gina, sem rodeios.
- Não! – gritou Lupin, o olhar correndo de Gina para Harry, e ao ver a expressão no rosto do garoto, desmontou em uma cadeira, ao lado da cama de Gui. Sirius, que se mantinha em silêncio até então, deixou a cama de Sophie novamente, e foi até o lado do amigo, pousando a mão em seu ombro.
- Como isso aconteceu? – perguntou Tonks, num sussurro.
- Snape o matou. – respondeu Harry, a raiva transbordando ao mencionar o nome do professor – Eu estava lá e vi. Voltamos direto para a Torre da Astronomia porque vimos a Marca lá... Dumbledore estava muito fraco – contou ele –, então ouvimos passos na escada, e acho que ali ele percebeu que era uma armadilha. Ele me imobilizou, não pude fazer nada, estava com a Capa da Invisibilidade... então Malfoy apareceu e desarmou Dumbledore...
Madame Pomfrey levou as mãos à boca com uma expressão de espanto; todos os demais encaravam Harry em silêncio.
- ... então chegaram mais Comensais da Morte... mandaram Malfoy matá-lo, mas ele não conseguiu, então Snape chegou, e...
Harry não conseguiu prosseguir. Madame Pomfrey caiu no choro; Rony abraçou Hermione. Por um momento, todos ficaram em silêncio, ouvindo o canto de Fawkes que ainda não silenciara, um lamento de comovente beleza. Então as portas da Ala Hospitalar voltaram a se abrir e a professora McGonagall entrou, também exibindo marcas da batalha recente, as vestes rasgadas e diversos arranhões no rosto e nas mãos.
- Molly e Arthur estão a caminho. – anunciou ela, quebrando o encanto da música da fênix. Muitos sacudiram a cabeça, como se saíssem de um transe, e Sirius voltou para perto de Sophie – Harry, o que aconteceu? Hagrid disse que você estava com Dumbledore quando... – ela engoliu sem seco – quando aconteceu. Segundo ele, você disse que o professor Snape esteve envolvido...
- Snape matou Dumbledore. – respondeu Harry, sem meias palavras.
Ela o encarou por um instante, e então seu corpo balançou levemente. De algum lugar apareceu uma cadeira, onde a professora desabou, branca feito papel.
- Snape... – disse ela, num fio de voz – Todo esse tempo... ele confiava... Snape... não posso acreditar.
- Snape era um oclumente excepcionalmente talentoso. – comentou Sirius – Sempre soubemos disso.
- Mas Dumbledore sempre disse... que ele estava do nosso lado. – disse Tonks – Era como se ele soubesse de algo sobre Snape... algo que nós não sabíamos...
- Ele sempre insinuou que tinha uma razão inabalável para confiar em Snape. – murmurou a professora McGonagall, as lágrimas pendendo nos cantos dos olhos – Mesmo com todo o passado dele, Dumbledore afirmava categoricamente que seu arrependimento era sincero...
- Eu adoraria saber o que Snape disse para convencê-lo. – disse Tonks.
- Eu sei. – disse Harry, e todos o encararam – Foi Snape quem deu a Voldemort a informação que o fez caçar meus pais. – ele viu a expressão do rosto de Sirius se fechar em fúria – Então Snape disse a Dumbledore que não desejava que aquilo tivesse acontecido, que lamentava que eles tivessem morrido, que se arrependia...
- E Dumbledore acreditou nisso? – perguntou Lupin, incrédulo – Snape odiava Tiago!
- E também achava que minha mãe mão valia nada, porque era nascida trouxa... – disse Harry – “Sangue-ruim”, foi como a chamou...
Ninguém perguntou como Harry sabia daquilo. Todos ainda estavam sob o impacto da revelação recente.
- É tudo minha culpa. – disse a professora Minerva, de repente – Mandei Filio chamar Snape, mandei chamá-lo para nos ajudar. Se eu não tivesse alertado Snape...
- Não é sua culpa, Minerva. – disse Lupin, com firmeza – Todos queríamos ajuda, eu mesmo também sugeri que alguém fosse chamar Snape.
- É tudo tão confuso... – disse McGonagall – Dumbledore havia dito que se ausentaria da escola por algumas horas, e que devíamos patrulhar os corredores, só por precaução, vocês quatro viriam se reunir a nós... Havia gente nossa por todo o castelo, e tudo parecia calmo. – lembrou ela – Todas as entradas estavam protegidas por feitiços poderosos, ninguém poderia entrar pelo ar, as passagens secretas estavam sendo vigiadas... não consigo entender como os Comensais entraram no castelo...
- Eu sei. – disse Harry, mais uma vez – Eles entraram pela sala Precisa. – revelou ele, e então explicou rapidamente a existência do par de Armários Sumidouros, e a passagem que formavam
Ele olhou para Rony e Hermione, que fitavam o chão, parecendo arrasados.
- Não conseguimos segurá-los. – disse Rony, abatido – Depois que você saiu, a Soph fez com que nos dividíssemos. Neville, Ernie e eu fomos montar guarda no sétimo andar, havíamos checado o Mapa, e como não encontramos Malfoy, deduzimos que ele já devia estar na Sala Precisa. Ele saiu da Sala mais ou menos meia hora depois que começamos a vigiar – continuou o garoto –, sozinho, segurando aquela Mão da Glória de que você nos falou uma vez. Bem, acho que ele saiu para ver se a barra estava limpa para os outros Comensais saírem, porque assim que nos viu lançou alguma coisa no ar e ficou tudo escuro como breu. Tentamos tudo, Lumus, Incendio, nada adiantou. Só nos restou tentar sair do corredor, tateando, enquanto ouvíamos gente passar correndo por nós.
- Malfoy, é obvio, estava enxergando, por causa da Mão da Glória. – comentou Harry.
- É. Não nos atrevemos a lançar feitiços nem nada, com medo de atingir a nós mesmos, e até chegarmos a algum lugar com luz, eles já tinham sumido.
- Os garotos toparam conosco quase em seguida, e nos contaram o que havia acontecido. – disse Lupin – Os Comensais tinham seguido um caminho diferente do que utilizamos para subir. Nós os encontramos minutos depois, a caminho da Torre da Astronomia. Como a Zoe havia dito – continuou ele –, eles não esperavam encontrar resistência. Lutamos, eles se dispersaram, e nós os perseguimos. Um deles, Gibbon, escapou e subiu a escada da Torre...
- Pra lançar a Marca...
- Provavelmente. – disse Sirius – Mas ele logo voltou pra se juntar aos que estavam lutando, e foi atingido por uma Maldição da Morte que só não me atingiu porque ele apareceu e ficou na frente.
- E enquanto isso – disse Harry, voltando-se para Hermione –, você estava... ?
- Na porta do escritório de Snape, com Luna. – respondeu a garota, os olhos brilhantes de lágrimas – Não sabíamos o que estava acontecendo lá em cima, Rony tinha levado o Mapa... estávamos lá há um tempão quando o professor Flitwick desceu correndo para as masmorras, gritando que havia Comensais no castelo. – contou ela – Acho que ele nem nos viu ali, simplesmente entrou no escritório de Snape, e o ouvimos dizer ao professor que precisava subir para ajudar. Então ouvimos um barulho, e Snape saiu disparado da sala, e nos viu, e...
- E? – instou Harry.
- Ah, Harry, eu fui tão estúpida! – lamentou Hermione – Ele disse que o professor Flitwick havia desmaiado, e disse que cuidássemos dele, enquanto ele... enquanto ele ia ajudar a combater os Comensais... – ela fungou – É tão óbvio agora... Snape deve ter estuporado Flitwick, mas na hora não percebemos, e deixamos Snape passar!
- Não é sua culpa, Hermione. – disse Sirius, com firmeza – Se você não tivesse obedecido, ele provavelmente teria matado vocês duas.
- Então ele subiu – disse Harry, que mentalmente ia montando toda a seqüência dos eventos –, e encontrou o lugar onde todos lutavam...
- Estávamos em um apuro, estávamos perdendo. – disse Tonks – Gibbon havia sido atingido pela maldição, mas os outros Comensais não nos davam trégua. Gui foi mordido por Greyback, estava tudo escuro, voavam feitiços pra todo lado...
- Espera... e onde você e Sophie estavam, Gina?
- Depois que encontramos com Sirius e os outros, fomos pra perto da Torre da Astronomia. – ela olhou para Sirius com ar culpado – Então a Soph ficou com aquele olhar de quem tá vendo alguma coisa longe, e depois me disse pra subir e dar um jeito de barrar a Sala Precisa, destruir o Armário Sumidouro, sei lá. – contou ela – Ela me disse exatamente que caminho seguir, os atalhos a pegar, não encontrei ninguém no meu caminho. Eu não sei o que ela fez até a hora em que voltei, quando todo mundo já estava lutando.
- Em meio àquela confusão o garoto Malfoy deve ter passado despercebido e subido para a Torre. – disse Tonks – Então outros Comensais correram para acompanhá-lo; tentamos segui-los, mas acho que um deles bloqueou a escada com um feitiço. Neville tentou passar e bateu em algo invisível, mas bem sólido.
- Nenhum de nós conseguiu passar. – disse Rony – E aquele Comensal grandalhão continuava a disparar feitiços pra todos os lados...
- Então Snape apareceu. – disse Tonks – E desapareceu de novo.
- Vi Snape atravessar correndo a barreira mágica, como se ela não existisse. – disse Lupin – Tentei segui-lo, mas fui impedido, exatamente como Neville.
- Eu também o vi subir – disse a professora McGonagall –, mas presumi que estivesse correndo no encalço dos Comensais que tinham fugido para o alto da Torre. Como professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, achei que ele deveria conhecer algum feitiço que o fizesse passar pela barreira.
- Sim, ele estava indo atrás dos Comensais... mas para ajudá-los, não para detê-los. – disse Harry, com raiva – E aposto que precisava ter uma Marca Negra para atravessar a barreira... então, o que aconteceu depois, quando ele voltou?
- Bem, o Comensal grandalhão havia acabado de disparar um feitiço que fez boa parte do teto ceder, e que também desfez o feitiço na escada. – contou Lupin – Todos nós, os que ainda estavam de pé, avançamos, e então Snape e o garoto Malfoy saíram do meio da poeira, e, obviamente, nenhum de nós os atacou...
- Simplesmente os deixamos passar – disse Tonks –, pensamos que estivessem fugindo dos Comensais. Então os outros Comensais e Greyback voltaram também, e recomeçamos a lutar. Enquanto duelava com o grandalhão, pensei ter ouvido Snape gritar alguma coisa, mas não entendi...
- Ele disse “Acabou!”. – disse Harry – Já tinha feito o que queria.
Mais uma vez, fez-se silêncio. O lamento de Fawkes ainda ecoava pelos jardins, pelo castelo, pelas entranhas de cada um deles. Harry apertou com força a falsa Horcrux em seu bolso.
- Mas... tem uma coisa que não faz sentido... – disse ele, voltando-se para Gina – Você disse que todos vocês tomaram a Felix Felicis. Como a Soph foi atingida?
- Eu também não consigo entender... deu exatamente um gole pra cada um de nós...
- Zoe não bebeu a poção. – disse Sirius, rouco.
- O quê? – fez Gina – Como assim, Sirius?
- Algum de vocês a viu bebendo a poção? – perguntou o homem, encarando os jovens um a um.
- Eu... não... na verdade, não... – disse Gina, pensativa – Ela entregou a mim, Ernie e Luna, mas ficou um gole pra ela no frasco.
- Um gole que ela deu para mim. – disse Sirius, encarando-a, muito sério.
Todos se entreolharam, chocados. Então, as portas da Ala Hospitalar se abriram mais uma vez, sobressaltando a todos; o Sr. e a Sra. Weasley entraram andando rápido na enfermaria, com Fleur logo atrás, o belo rosto marcado pelo medo e pela preocupação.
- Molly... Arthur... – disse a professora McGonagall, levantando-se depressa e indo ao encontro deles – Eu sinto muito...
- Gui... – sussurrou a Sra. Weasley, passando direto pela professora ao avistar o rosto desfigurado do filho – Ah, Merlin, Gui!
Todos se afastaram, para que o casal se aproximasse da cama. A Sra. Weasley se curvou sobre o filho, dando um beijo suave na testa dele. Fleur continuava imóvel, fitando o noivo inconsciente.
- Você disse que Greyback o atacou. – disse o Sr. Weasley, aflito, à professora McGonagall – Mas ele não estava transformado, não é? Então... o que acontecerá ao meu filho?
- Ainda não sabemos... – respondeu a professora Minerva, olhando desamparada para Lupin.
- É um caso raro, Arthur, provavelmente único. – explicou Lupin – È provável que haja certa contaminação, mas não temos como saber...
A Sra. Weasley apanhou uma pequena toalha úmida, que estava sobre o criado mudo, ao lado da cama, e passou suavemente na testa e no pescoço de Gui, que suava, levemente febril. Fleur apenas observava tudo, ainda parada no mesmo lugar, parecendo aturdida.
- E Dumbledore... Minerva, é mesmo verdade? – perguntou o Sr. Weasley.
- Sim.
- Dumbledore... se foi. – murmurou o bruxo, caindo em uma das cadeiras próximas, mas sua esposa só tinha olhos para o filho mais velho. Ela soluçava baixinho, as lágrimas escorriam, caindo no rosto mutilado do rapaz.
- É claro que a aparência não conta... não é r... realmente importante... mas ele era um g... garotinho tão bonito... e ia se... se casar!
- E qu é qu a senhorr querr dizerr com isse? – perguntou Fleur, repentinamente, em alto e bom som. – Qu querr dizerr com "el ia se casarr"?
A Sra. Weasley ergueu o rosto manchado de lágrimas, parecendo espantada.
- Bem... só que...
- A senhorra ache qu Gui vai desistirr de casarr comigue? – quis saber Fleur. – A senhorra ache qu porr cose desses morrdides, el non vai me amarr?
- Não, não foi o que eu...
- Porrqu ele vai! – afirmou Fleur, empertigando-se e jogando seus longos cabelos prateados para trás. – Serra prrecise mais qu um lobisome para fazerr Gui deixarrr de me amarr!
- Bem, claro, tenho certeza – respondeu a Sra. Weasley –, mas pensei que talvez... visto que... que ele...
- A senhorr penso qu eu non ia querrerr casarr com ei'? U err' esse a su esperrance? – desafiou Fleur, com as narinas tremendo. – Qu me imporrte a aparênce del? Ache qu sou bastante bonite porr nós dois! Todes esses marrcas mostrram qu me marride é corrajose! E eu é qu vou fazerr isse! – acrescentou com ferocidade, empurrando a Sra. Weasley para o lado e arrebatando o ungüento das mãos dela.
A Sra. Weasley recuou para junto do marido e ficou observando Fleur tratar dos ferimentos de Gui, com uma expressão muito curiosa no rosto. Ninguém disse nada. Harry nem sequer ousou se mexer. Como os demais, ficou aguardando a explosão.
- Nossa tia-avó Muriel – disse a Sra. Weasley após um longo silêncio – tem uma linda tiara, feita pelos duendes... e estou segura que posso convencê-la a lhe emprestar para o casamento. Ela gosta muito do Gui, entende, e a tiara ficaria muito bonita em seus cabelos.
- Muite obrrigade – respondeu Fleur formalmente. – Tan certez de qu ficarrá bonite!
E então – Harry não viu direito como aconteceu – as duas mulheres estavam chorando e se abraçando. Completamente desnorteado, pensando que o mundo enlouquecera, o garoto se virou. Rony manifestava tanto aturdimento quanto o que Harry sentia, e Gina e Hermione trocavam olhares chocados.
- Está vendo?! – exclamou então uma voz triste e cansada, e todos se viraram para fitá-la. Tonks encarava Lupin, aborrecida – Ela ainda vai se casar com Gui, mesmo ele tendo sido mordido! Ela também não se importa!
- É diferente. – respondeu Lupin, sem olhar para ela – Gui não será um lobisomem típico...
- Eu não me importo com o que você é! – disse Tonks, esquecendo completamente de que estava em uma enfermaria, e que havia um monte de gente à sua volta – Eu já disse a você um milhão de vezes...
E então tudo se tornou claro para Harry, os cabelos sem cor e a aparência abatida de Tonks, e a razão pela qual ela viera correndo procurar Dumbledore quando soube que alguém havia sido atacado por Greyback... ela havia se apaixonado por Lupin!
- E eu já disse a você mais de um milhão de vezes – respondeu Lupin, sempre evitando o olhar de Tonks –, que não sirvo para você. Sou velho demais... pobre demais... perigoso demais...
A Sra. Weasley se afastou por um instante da cama de Gui e passou o braço por sobre os ombros da metamorfamaga, que respirava profundamente, tentando conter as lágrimas.
- E eu já disse que você está sendo um idiota. – disse Sirius, que segurava uma das mãos de Sophie. Harry lembrou-se de um comentário feito pela prima, meses antes.
- Não estou sendo um idiota. – retrucou Lupin, fazendo uma cara feia para Sirius – Tonks merece alguém jovem... e saudável...
- Mas ela quer você. – disse o Sr. Weasley, afável – Afinal, Remo, os homens jovens e saudáveis não permanecem sempre assim. – ele fez um gesto triste indicando Gui.
- Este... este não é o momento para discutir o assunto. – replicou Lupin, evitando, nervoso, os olhares de todos – Dumbledore está morto...
- Onde quer que ele esteja, se sentiria infinitamente mais feliz sabendo que há um pouco mais de amor sendo compartilhado no mundo. – disse a professora McGonagall, sem olhar para ninguém.
Então as portas da enfermaria tornaram a se abrir; Hagrid, com o rosto inchado e banhado de lágrimas, aproximou-se de onde todos estavam.
- Fiz... fiz o que mandou, Professora... – disse ele, com a voz embargada a McGonagall – Re... removi ele de lá. As professoras Sprout e Vector fizeram a garotada voltar para os dormitórios, o professor Flitwick está descansando, e o professor Slughorn disse que o Ministério já foi informado.
- Obrigada, Hagrid. – disse a professora, levantando-se rapidamente – Terei que falar com o pessoal do Ministério quando chegarem. Por favor, Hagrid, avise os diretores das Casas... Horácio pode representar a Sonserina... de que quero vê-los no meu escritório. Gostaria que você se reunisse a nós, também.
Hagrid assentiu, e, dando as costas a eles, deixou a enfermaria. A professora McGonagall voltou-se então para Harry.
- Antes de me reunir com o Ministério, gostaria de conversar com você, Harry. – disse ela – Se puder me acompanhar...
Harry, que sentara aos pés da cama de Sophie, ergueu-se, e murmurando um “Vejo vocês daqui a pouco” para Rony, Hermione e Gina, deixou a enfermaria junto com a professora McGonagall. Ele demorou algum tempo para perceber que não estavam seguindo para a sala de McGonagall, mas sim para o gabinete de Dumbledore, e ainda mais alguns instantes até ele lembrar-se de que ela era vice-diretora, agora, ao que parecia, diretora, e portanto a sala guardada pela gárgula lhe pertencia.
Eles subiram, em silêncio, aliás, como em todo o caminho, a escada em espiral, e entraram no escritório. A sala estava exatamente igual ao que era, quando ele e Dumbledore a deixaram, algumas horas antes; a diferença era que o poleiro de Fawkes estava vazio – a fênix continuava a cantar sua melodia triste em algum lugar dos jardins –, e um novo quadro se reunira às fileiras de antigos diretores de Hogwarts. Dumbledore dormia em uma moldura dourada, logo acima da escrivaninha, parecendo em paz e despreocupado.
A professora McGonagall hesitou um instante, olhando da escrivaninha para o retrato, e de volta para a escrivaninha. Ela então inspirou fundo, como se reunisse coragem, e então contornou o móvel para encarar Harry com o rosto muito tenso.
- Harry – disse ela –, eu gostaria de saber o que você e o professor Dumbledore estavam fazendo hoje à noite, quando se ausentaram da escola.
- Não posso dizer, Professora. – respondeu Harry. Ele sabia que ela iria perguntar aquilo, e não precisou pensar nem por um instante antes de responder.
- Harry, talvez seja importante...
- É. E muito. – confirmou Harry – Mas ele me disse que não contasse a ninguém.
- Potter... – começou a professora, e apesar de ter registrado a mudança no tom de voz dela, e o uso de seu sobrenome, Harry a interrompeu antes que concluísse a frase.
- Sinto muito, Professora. Eu realmente não posso contar. – disse ela – Mas tem uma coisa que a senhora precisa saber, antes que o Ministério chegue aqui. Madame Rosmerta está dominada pela Maldição Imperius, ela esteve ajudando Malfoy e os Comensais da Morte, foi assim que o objeto que quase matou Katie Bell e o hidromel envenenado...
A frase de Harry foi interrompida por uma batida na porta. Os professores Sprout, Flitwick e Slughorn entraram na sala, seguidos por Hagrid, que ainda chorava copiosamente. Todos eles se acomodaram, esperando que a professora McGonagall começasse a falar, mas quando ela preparou-se para fazê-lo, uma voz enérgica falou do alto da parede: um dos antigos diretores acabara de retornar ao seu quadro vazio.
- Minerva, o Ministro estará aqui dentro de um minuto, acabou de aparatar do Ministério.
- Obrigada, Everardo. – agradeceu a professora McGonagall, e então voltou-se para os professores – Quero falar sobre o que acontecerá com Hogwarts antes que ele chegue. – disse ela, depressa – Pessoalmente, não tenho muita certeza de que a escola deva reabrir no próximo ano. A morte do diretor, pelas mãos de um de nossos colegas... é uma mancha terrível na história da escola.
- Tenho certeza de que Dumbledore iria querer manter a escola aberta. – disse a professora Sprout.
- Mas será que teremos a quem ensinar? – perguntou o professor Slughorn – Os pais vão querer manter seus filhos em casa, e não podemos culpá-los por isto. Pessoalmente, creio que não corremos mais perigo em Hogwarts do que em qualquer outro lugar, mas não se pode esperar que pais e mães pensem o mesmo.
- Concordo. – disse a professora McGonagall.
- Eu acho que devemos ouvir o Conselho Diretor. – disse o professor Flitwick, que, além do grande hematoma na testa, não apresentava nenhuma outra marca do incidente no escritório de Snape – Não se deve tomar decisões precipitadas.
- Hagrid, você ainda não disse nada. – comentou a professora McGonagall – O que você acha, Hogwarts deve permanecer aberta?
O guarda-caça, que durante toda a conversa estivera chorando silenciosamente, enxugou o rosto no enorme lenço em sua mão e encarou McGonagall, os olhos vermelhos e inchados.
- Eu não sei, Professora... – disse ele, com voz rouca – Os diretores das Casas e a diretora da escola é que devem decidir...
- Alvo sempre prezou suas opiniões, Hagrid. – disse McGonagall, gentilmente – E eu também.
- Bem, eu... eu vou continuar aqui. – respondeu Hagrid; grandes lágrimas ainda escorriam de seus olhos – Hogwarts é minha casa... desde os treze anos... e se tiver garotos querendo aprender comigo, eu vou ensinar.
- Muito bem. – disse a professora McGonagall, espiando pela janela, atenta à chegada do Ministro – Então, façamos como Filio sugeriu, vamos ouvir o conselho diretor, que tomará a decisão final.
Todos acenaram com a cabeça, em concordância.
- Agora, quanto à ida dos alunos para casa... acredito que o melhor seja antecipar a partida. – prosseguiu McGonagall – Poderíamos programar o Expresso de Hogwarts para amanhã, se necessário.
- E os funerais de Dumbledore? – perguntou Harry, manifestando-se pela primeira vez desde a chegada dos professores.
- Bem... – começou a professora Minerva, perdendo parte da vivacidade – eu... eu sei que era desejo de Dumbledore ser enterrado aqui em Hogwarts...
- Então é o que acontecerá, não é? – perguntou Harry.
- Se o Ministério achar apropriado. – respondeu a professora – Nenhum outro diretor foi...
- Nenhum outro diretor fez tanto por esta escola. – disse Hagrid, abruptamente, interrompendo McGonagall.
- Hogwarts deve ser a última morada de Dumbledore. – disse o professor Flitwick.
- Com certeza. – concordou a professora Sprout.
- E neste caso – argumentou Harry –, os alunos não deveriam ser mandados para casa antes dos funerais. Todos vão querer se... – ele hesitou por um momento; a palavra parecia ter ficado presa em sua garganta – se despedir.
- Bem observado. – disse o professor Flitwick – Realmente. Nossos estudantes devem poder prestar suas homenagens. Podemos providenciar o transporte para casa depois.
- Apoiado. – disse a professora Sprout.
- Bem... creio... creio que seja o correto. – disse o professor Slughorn, e Hagrid apenas concordou com a cabeça, fungando.
- O Ministro está chegando. – anunciou a professora McGonagall, de repente, enquanto olhava para a janela – E, ao que parece, trouxe com ele uma delegação.
- Posso ir, Professora? – perguntou Harry. Ele não tinha a menor vontade de encontrar Scrimgeour, e, sobretudo, de ser interrogado pelo Ministro – como sabia que com certeza seria – naquela noite.
- Pode. – disse a professora, fitando-o brevemente – E vá depressa.
Em silêncio, Harry deixou o gabinete; desceu ligeiro a escada em espiral e seguiu andando rápido pelo corredor. Tudo estava quieto, não havia viva – ou morta – alma nos corredores, ele não viu nem mesmo os fantasmas, ou Pirraça em lugar algum. Harry fez seu caminho até a torre da Grifinória sem tomar nenhum de seus conhecidos atalhos, seguiu andando pelos corredores vazios, até chegar à entrada do salão comunal da Grifinória.
- É verdade? – perguntou a Mulher Gorda, baixinho, quando ele se aproximou – É mesmo verdade? Dumbledore... morto?
- É.
Ela soltou um lamento de tristeza, e, sem esperar pela senha, girou para permitir a entrada dele. Como Harry já esperava, o salão comunal estava lotado. E tão logo ele entrou ficou em absoluto silêncio.
Ele viu Dino e Simas sentados perto da lareira; isto significava que, com Neville na Ala Hospitalar, só havia Rony no dormitório. Sem falar com ninguém, nem olhar diretamente para nenhum dos colegas, Harry atravessou a sala, sentindo todos os olhares cravados nele, seguindo diretamente para a escada que levava aos dormitórios dos garotos.
Rony estava, como ele também já esperava, aguardando-o, sentado na cama, e ainda vestido. Harry sentou-se na própria cama, e, por um momento, os dois apenas se encararam.
- Estão pensando em fechar a escola. – disse Harry.
- Lupin falou que poderiam fazer isso. – contou Rony.
Houve um momento de silêncio.
- Mas e então? – perguntou Rony, baixinho, embora estivessem apenas os dois no quarto – Vocês encontraram? Conseguiram pegar uma? Uma Horcrux?
Harry negou com a cabeça, pesaroso. Rony o encarou, confuso.
- Não conseguiram pegá-la? – perguntou o ruivo – Por quê?
- Não estava mais lá. – respondeu Harry – Alguém já tinha levado... e deixado uma imitação no lugar.
- Já tinha levado... ? – repetia Rony, sem acreditar – Mas... como... ?
Em silêncio, Harry tirou a falsa Horcrux do bolso, abriu o medalhão e o entregou a Rony. A história inteira poderia ser contada depois... quando as meninas estivessem junto com eles. Não tinha importância. Nada mais importava, a não ser a lembrança de que Dumbledore estava morto, e a culpa disso era de Snape.
- R.A.B. – murmurou Rony – Mas quem será?
- Não sei. – respondeu Harry, deitando-se na cama exatamente como estava, e encarando o teto do dormitório. E foi então que ele percebeu que os jardins estavam em silêncio. Fawkes parara de cantar. E Harry soube que a fênix havia partido. Como Dumbledore, Fawkes havia deixado Hogwarts. E também como ele, ela jamais voltaria.
Logo depois que Harry deixou a Ala Hospitalar junto com a professora McGonagall, Madame Pomfrey deu jeito de esvaziar a enfermaria. Rony, Gina, Hermione, Ernie e Luna foram mandados para seus respectivos dormitórios; Tonks e o Sr. Weasley também foram embora – ela para o Ministério e ele, para o Beco Diagonal, para informar aos gêmeos o que havia acontecido.
A Sra. Weasley e Fleur se recusaram a sair do lado de Gui, e Sirius também permaneceu junto de Sophie.
- Ela é bem filha da Isa, mesmo. – comentou Remo para Sirius, quando se preparava para ir também.
- É. Sinto como se estivesse tendo um dejavú. – disse Sirius, sem tirar os olhos da filha.
- Vai repetir o sermão que passou na mãe dela, da outra vez?
- Com certeza. – respondeu Sirius – Ela não podia ter se arriscado dessa forma.
- Está tudo se repetindo. – disse Lupin, com um sorriso – Só espero que não tenhamos nenhuma surpresa, como da outra vez, quando descobrimos que tinha um bebê a caminho...
- Aquele moleque nem é maluco, Aluado! – disse Sirius, de imediato, e Lupin riu.
- Bom, eu tenho que ir. – disse ele – Madame Pomfrey já espiou duas vezes pra ver se eu ainda estava aqui.
- Está bem. – disse Sirius, e então Lupin o fitou com mais atenção.
- Sirius... está tudo bem com você?
Eu... não sei, Remo. – confessou Sirius – Aquela mulher, Annabella... eu pude vê-la de perto desta vez. – disse Sirius – A semelhança é incrível, Remo, inacreditável.
- Pode ser um truque. – argumentou Lupin.
- Eu sei, mas... tem alguma coisa... – disse Sirius, de cenho franzido – alguma coisa errada...
- O que pretende fazer?
- Eu não sei. Minha opção mais viável é Narcissa, ela com certeza sabe quem de fato é aquela mulher. – disse Sirius – Mas ela certamente não estará na Mansão Malfoy, especialmente agora, com o envolvimento de Draco no ataque ao castelo.
- Mas você não irá descansar enquanto não descobrir, não é? – perguntou Lupin, e os dois apenas se encararam – Pretende dizer algo a Zoe?
- Não por enquanto. – respondeu Sirius – Prefiro descobrir mais sobre ela antes de conversar com Zoe. Tenho medo que isto a perturbe.
- Como fez com você? – perguntou Lupin, e Sirius o encarou por um instante, antes de finalmente responder.
- É, como fez comigo.
- Zoe é forte. – comentou Lupin.
- Eu sei disso. Mas nunca pude tomar conta dela, protegê-la. – respondeu Sirius – Me deixe ser pai, só um pouco.
- Está bem. – concordou Remo – Mas se precisar de alguma coisa... vou estar em casa.
- Ok. Obrigado.
Lupin foi embora, deixando Sirius à beira da cama de Sophie, pensativo. Não sabia o que fazer, o que acontecera mais cedo, aquela mulher... simplesmente não era possível. Isabelle morrera, ele tivera seu corpo nos braços... mas Annabella...
- Pai?
Sirius olhou para Sophie, que abrira os olhos e agora o fitava, levemente confusa.
- Nini!
- Minha cabeça... – murmurou ela, apertando os olhos, e então abriu-os novamente, assustada – Harry! Onde ele está? Ele está bem? Pai... ?
- Shh... acalme-se. – disse Sirius – Ele está bem, Harry está bem.
- Os outros... Gina, Mione, Rony...
- Eles estão bem... todos eles. – disse Sirius – Estão no salão comunal agora. Onde você me prometeu que iria ficar.
- Pai...
- Zoe... você tem consciência do que fez?
- Sei que prometi ficar na torre... – disse a garota, envergonhada – mas eu não podia...
- Essa é a menor parte do problema. – disse o homem, sério – Rony, Hermione, Gina... todos eles estão bem. Só você está aqui, deitada em uma cama da enfermaria, e por quê?
- Por que eles tiveram mais sorte do que eu? – sugeriu Sophie, sem imaginar que Sirius sabia da Felix Felicis.
- Porque você deu sua sorte para mim. – respondeu Sirius, e a garota baixou o olhar – Você deu a poção da sorte para que Gina, Luna e Ernie bebessem... e o gole que deveria ser seu, você deu a mim.
- Não podia arriscar perder você de novo. – disse Sophie, em voz baixa.
- Mas podia arriscar me deixar sem você de novo? – perguntou Sirius, irritado – Nini, você é tudo o que eu tenho! Como acha que me sentiria perdendo você? E o que é pior, sabendo que teria perdido você para salvar a mim mesmo?
- Pai... – começou Sophie, mais uma vez, mas então se interrompeu – um Weasley. Nos meus sonhos eu via um Weasley no chão...
Ela então olhou para o lado. A Sra. Weasley havia ido até a salinha de Madame Pomfrey, enquanto Fleur, sentada ao lado da cama de Gui, acariciava suavemente a mão do noivo.
- O que... o que aconteceu?
- Greyback.
- Ah, não... não... – murmurou a garota, horrorizada – Mas... não era lua cheia. Gui não vai... ser um lobisomem, vai?
- Não se tem certeza de nada, o caso dele jamais foi visto antes, por nenhum de nós.
Sophie fez uma careta de dor ao mudar de posição.
- Já está virando um hábito, acabar o ano na Ala Hospitalar... – disse ela.
- Espero que esta seja a última vez.
- Pai, o que mais aconteceu?
- Dumbledore. – disse Sirius, e então fez uma pausa – Dumbledore está morto.
- O quê? – perguntou Sophie, erguendo-se do travesseiro bruscamente.
- Acalme-se... – pediu Sirius, preocupado.
- Como... quem...? – gaguejou a garota, nervosa.
- Snape. – respondeu Sirius – Snape o matou.
Sophie caiu de volta na cama, parecendo bastante abalada, mas ao mesmo tempo, pareceu a Sirius ver em sua expressão uma espécie de alívio.
- Merlin... eu vi nos olhos dele... vi morte... – disse ela, mais para si mesma – mas... pensei que fosse a dele próprio, nunca... ah, Merlin, Harry...
- Está arrasado, mais do que qualquer outro de nós.
Uma lágrima escorreu dos olhos da garota.
- O que será de Hogwarts agora? – perguntou ela.
- Não se sabe ainda.
Sophie encarou Sirius por um instante, e então ele desviou o olhar para fitar a cama de Gui. Havia mais. Ela tinha certeza de queele estava escondendo dela alguma coisa.
- Pai... você não está contando tudo...
- Você precisa descansar, Nini. – desconversou Sirius – Durma um pouco, se sentirá melhor depois que descansar.
- Pai, eu estava dormindo até agora, e posso descansar depois. Quero saber o que aconteceu. – disse a garota, decidida – Malfoy. O que aconteceu com ele?
- Fugiu, junto com Snape e os outros Comensais. – contou Sirius – Harry disse que ele não conseguiu matar Dumbledore, não teve coragem, e... espere. – ele se interrompeu – Gina disse que vocês estavam... estavam perto da Torre, e que a deixou lá quando foi à Sala Precisa destruir o Armário Sumidouro. Zoe... você estava lá quando Draco subiu?
- Estava. – respondeu Sophie, em voz baixa. Ela fitou as próprias mãos – Eu... eu o deixei passar.
- O quê?
- Eu deixei Malfoy passar. – repetiu a garota, como se as palavras lhe causassem dor – Eu não sei por que fiz isso. Mas quando ele foi na direção da escada, eu estava lá, barrando o caminho. Eu não movi um músculo enquanto ele passava por mim, me encarando como se desejasse que eu o impedisse. Mas eu não fiz isso, eu não pude fazer!
- Zoe...
- Alguma coisa... alguma coisa me dizia que ele não conseguiria fazer o que lhe fora ordenado, e que talvez... talvez eu o estivesse salvando ao deixá-lo passar.
- Harry disse que ele estava sendo ameaçado...
- Ninguém o viu como eu o vi, pai. – disse Sophie – Vulnerável, sem aquela máscara de superioridade... ele estava apavorado! Eu tive... pena dele! – disse a garota, os olhos enchendo-se de lágrimas – Pai... eu disse a você... eu disse a você que não sabia se tomaria a decisão certa, lembra? Eu disse a você...
- Filha... – disse Sirius, abraçando-a.
- Eu sei que Dumbledore sabia o que estava sendo tramado, embora tenha sido pego de surpresa hoje à noite... – disse Sophie – mas ele sabia. Nada acontecia nesse castelo sem que ele soubesse... eu achei... achei que ele resolveria...
- Soph!
Sophie e Sirius olharam para a porta. Fred, afogueado, vinha andando rápido em sua direção, o rosto vermelho e marcado pela preocupação. Ele parou à beira da cama de Gui, parecendo chocado e inconformado, e afagou uma das mãos do irmão adormecido, e depois apertando a mão de Fleur, que se mantinha ao lado da cama, acariciando os cabelos do noivo, em um gesto de conforto. Depois, dirigiu-se à cama de Sophie.
- Minha linda, eu não pude vir antes. – disse ele, beijando-a e abraçando-a.
- Ei, devagar, Weasley, as costelas dela ainda não estão totalmente recuperadas. – disse Sirius, meio emburrado. Sophie ainda olhava para ele, os olhos brilhantes de lágrimas – Conversamos sobre isso depois, está bem? – disse ele e a garota assentiu – Não fique assim.
Sirius deu um beijo na testa da filha e se afastou, indo conversar com Madame Pomfrey e a Sra. Weasley, e Fred se acomodou na cama, junto com Sophie. A garota aninhou-se a ele, que acariciou levemente os cabelos dela.
- Você está bem?
- Não. – respondeu Sophie, chorosa – Mas se eu ficar assim quietinha com você, vou melhorar.
- Então é o que vamos fazer. – disse Fred – Ficar aqui bem quietinhos, até você se sentir melhor.
Após deixar o castelo, Annabella e os demais aparataram diretamente para os arredores da mansão onde Voldemort estava mantendo “residência”. Snape e Draco foram imediatamente conduzidos à presença do Lorde, e Narcissa postou-se à porta do escritório, ansiosa. Annabella foi diretamente para o quarto que dividia com a outra, ignorando o cumprimento de Rabastan Lestrange, que foi quem os recebeu a todos à entrada, e então para o banho.
Ficou longos minutos debaixo do chuveiro, repassando o que acontecera em Hogwarts, a reação de Sirius ao vê-la sem a máscara.
“Bell... foi como ele me chamou... Bell...”
Ela olhou para a tatuagem em seu pulso. Ele também detivera o olhar ali, e mais uma vez parecera ver algo familiar. Quem era ele, afinal? E o mais importante, que relação teria com quem ela fora antes de ser Annabella? Não fora seu inimigo, com certeza. Eles haviam se conhecido bem o suficiente para que ele reconhecesse a marca em seu pulso. E quem era Zoe? Ela percebera que o nome representava algo para ele, algo importante. E estranhamente, também para ela. Não conseguia parar de pensar em como seu coração acelerara ao ouvir o nome ser gritado daquela forma. Precisava descobrir, precisava saber. Mas não ali. Teria que encontrar uma forma de descobrir o que tudo aquilo significava, e sem que ninguém ali soubesse o que estava fazendo.
Houve então uma batida na porta, e alguém chamou do lado de fora.
- Annabella?
- Sim?
- O Lorde deseja vê-la.
- Está bem.
Ela terminou de vestir-se, e prendeu os cabelos, e então foi até o escritório. Voldemort a aguardava, parado diante da janela, de costas para a porta.
- Milorde... desejava me ver?
- Sim. Gostaria de saber sobre seu encontro com Black. – disse Voldemort.
- Eu o mantive ocupado, afastado do foco, como havia ordenado. – contou a mulher – Foi um duelo bastante equilibrado.
- Pelo que soube, você não o matou. – comentou Voldemort, casualmente.
- Não. – confirmou Annabella – Como disse, foi um duelo equilibrado. Parecia-me, de alguma forma, conhecer seus movimentos, e também o inverso.
- Hmm... e como se sentiu ao duelar com ele?
- Não acredito ter compreendido a pergunta – disse a mulher, meio desconfiada, meio nervosa – Nada havia para sentir. Estava focada apenas em combatê-lo o melhor que pudesse.
- Algo mais que queira me dizer? – perguntou Voldemort, encarando-a intensamente.
- Não, milorde. – mentiu Annabella – Nada.
- Muito bem. Pode ir.
A mulher saiu, e Voldemort continuou encarando a porta pela qual ela passara, pensativo.
“Nenhum sinal de real reconhecimento, mas a mente dela estava vazia demais. Vazia demais.”
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