Sectumsempra



Sirius estava na biblioteca quando ouviu a porta da frente bater. A pedido de Dumbledore, ele continuava a passar boa parte do tempo em Grimmauld Place, servindo como uma espécie de anfitrião da Sede da Ordem, para receber os membros que eventualmente passavam por ali. Tonks acabara de sair, e ele estava na biblioteca, terminando de ler um livro que havia encontrado nas abarrotadas estantes e que havia lhe chamado a atenção antes de ir embora. Sabendo que somente membros da Ordem, ou pessoas muito próximas poderiam entrar na mansão, Sirius não se apressou em largar sua leitura, limitando-se a avisar:


- Na biblioteca!


Foi com absoluta surpresa que viu a porta se abrir, revelando Sophie, ainda com o uniforme da escola e o rosto aparentando intensa perturbação.


- Zoe?! – disse ele, largando o livro imediatamente, e indo até ela – Filha, o que...


- Eu posso ficar com você essa noite? – perguntou a garota, a voz totalmente fora de seu tom normal – Por favor...


- Zoe... claro, filha. – concordou Sirius – Mas... o que houve?


- Por favor, pai... não me pergunta nada. – pediu Sophie, abraçando-se a ele – Eu só preciso ficar quietinha, e perto de você eu me sinto melhor.


- Está bem, querida. – disse o bruxo – Vem, vem pra cá. – disse ele, levando-a pela mão até a poltrona em que estivera sentado, a qual aumentou com um feitiço, e acomodando-se ali. Sophie recostou a cabeça em seu peito, e ele ficou acariciando os cabelos dela, em silêncio, enquanto tentava imaginar o que poderia ter acontecido em Hogwarts para fazer com que Sophie deixasse o castelo àquela hora e fosse até Grimmauld Place.


- Pai... – chamou ela.


- O que foi, Zoe?


- Eu tô com medo. – disse ela – Não sei mais se consigo definir o que é certo e errado.


- Claro que consegue, meu bem. – disse Sirius, sem parar de acariciar os cabelos dela – Não se preocupe, vai ficar tudo bem.


- Promete que vai me perdoar... se eu fizer a escolha errada?


- Filha, o que é isso? – perguntou Sirius, fitando-a, mas Sophie não ergueu a cabeça para encará-lo.


- Promete pra mim, pai.


- Eu prometo, Zoe. – disse Sirius, por fim – Mas agora não pense mais nisso.


Na mansão Malfoy, Narcissa subia calmamente as escadas, terminando de separar a correspondência que Dot acabara de lhe entregar. Entre elas, havia uma carta de Lucio, que ela segurava com firmeza, e que pretendia ler recolhida em seu quarto. Ao chegar no corredor, no entanto, sua atenção foi desviada para um urro de frustração e raiva, vindo do quarto ocupado por Annabella, cuja porta estava entreaberta.


- Annabella? – chamou ela, batendo levemente à porta, sem obter qualquer resposta, a não ser o som de papel sendo rasgado e depois amassado – Annabella? – chamou ela, novamente, empurrando a porta, e olhando para dentro do quarto. O que viu lá dentro a deixou totalmente estarrecida. Espalhados pela cama, inúmeros desenhos, representando sempre as mesmas pessoas, em diferentes situações; havia grandes bolas de papel amassado pelo chão, e pedaços de papel rasgados em pedacinhos, e Annabella trabalhava febrilmente no desenho da face de um homem, já infinitas vezes representado nos desenhos sobre a cama.


- Annabella!? – chamou ela, mais uma vez, sem ser atendida – Annabella! – gritou, segurando a outra pelos ombros e forçando-a a virar-se para encará-la. A geralmente tão contida Annabella tinha o rosto contraído de angústia e raiva, e os olhos cheios d’água.


- Quem é ele? – perguntou a mulher, a voz totalmente alterada – Quem são eles? – perguntou ela, apontando os desenhos sobre a cama. Neles, o homem da tela estava junto de uma criança, uma menina, que não devia ter mais do que um ou dois anos, ambos sorrindo.


- Eu... não sei, Annabella. – mentiu Narcissa, observando, de olhos arregalados, o rosto de Sirius espalhado nas várias folhas sobre a cama – Eu não sei...


- Não consigo parar de desenhá-los, eles aparecem nos meus sonhos, em silêncio, por vezes ele chora... – disse Annabella. A voz dela era cheia de dor, e Narcissa sentiu uma forte onda de remorso.


- Acalme-se. – pediu ela – Venha, eu vou pedir a Dot que faça um chá para nós duas. Você precisa se acalmar, e acho que eu também.


- Estou prestes a enlouquecer, Narcissa...prestes a enlouquecer...


Em Hogwarts, Harry, Rony e Hermione jantavam em silêncio. Hermione perguntara a Harry sobre Sophie, e o garoto lhe rosnou de volta que não a havia visto, não respondendo depois, quando ela perguntou porque ele olhava tanto para a mesa da Sonserina. Receosa de fazer mais perguntas, Hermione só pôde observar, enquanto Harry encarava a mesa da outra Casa com declarada hostilidade, o olhar duro cravado em Draco Malfoy.


- Harry, o que... – começou ela, mais uma vez, mas a chegada de uma coruja marrom, que deixou um pequeno envelope diante de Harry a fez calar-se.


Harry reconheceu imediatamente a letra de Sirius no lado de fora do envelope, que abriu rapidamente.


“Harry, como você está? E Rony, e Hermione?


Estou escrevendo a você, porque acredito que Zoe não tenha falado com você antes de sair da escola.


Ela está aqui comigo, em Grimmauld Place, chegou muito agitada, mas agora parece ter adormecido.


Ela não quis me contar o que a fez vir até aqui, então pensei que talvez você ou Hermione pudessem saber de alguma coisa.


Se souber de algo, me avise. Cuidem-se, todos vocês.


Sirius.”


- E então? – perguntou Rony.


- É de Sirius. – respondeu Harry, o olhar fixo no tampo da mesa – Sophie está com ele, em Grimmauld Place.


- Em Grimmauld Place? – ecoou Hermione – Mas o que ela foi fazer lá?


- Eu não sei. – respondeu Harry, e então viu Malfoy deixando a mesa da Sonserina – Mas já vou descobrir. – disse ele, levantando-se também, e começando a andar rumo à saída do Grande Salão.


- Harry, espera, o que vai fazer? – guinchou Hermione, mas Harry já ia longe, e não respondeu.


Ele saiu do Grande Salão, e não viu Malfoy em um primeiro momento. Mas então enxergou, em um dos corredores laterais, a cabeça louro-platinada se afastando rumo às masmorras, e se apressou em segui-lo. Quando já haviam se afastado do Grande Salão, Harry acelerou mais o passo, alcançando Malfoy, a quem segurou pelo ombro, forçando-o a se virar para encará-lo.


- O que você fez com ela? – perguntou, irado, empurrando Malfoy para trás, até que ele batesse com as costas na parede de pedra.


- Me solta, seu cicatriz idiota! – gritou Malfoy, empurrando Harry de volta – Pirou de vez, foi? Eu não sei do que você está falando!


- Sophie! – vociferou Harry em resposta, segurando o sonserino pelo colarinho – Estou falando de Sophie! O que você fez a ela?


- Eu não fiz nada! – disse Malfoy, tentando se manter firme, embora estivesse apavorado. O que a garota teria dito a Potter? – Eu sequer a vi!


- Mentira! – rugiu Harry, sacudindo-o, e Malfoy bateu com força na parede – Eu vi vocês juntos, e agora ela simplesmente sumiu, sem falar com ninguém! O que. Você. Fez. A. Ela? – perguntou ele, a fúria gravada em cada palavra.


“Viu? Como viu?” – Malfoy se perguntava em pensamento – “Impossível! Só estávamos nós dois naquele banheiro, e obviamente, se ele estivesse lá, teria se mostrado...” – pensava ele, e então se encheu de coragem. Se Potter estava fazendo todas aquelas perguntas, e não havia visto a garota depois do encontro no banheiro, isso queria dizer que ela não contara nada sobre a conversa deles.


- Vai se ferrar, Potter! – disse ele, empurrando Harry com força, e então sacando a varinha. Fisicamente ele não era páreo para o grifinório, mas em um duelo, com certeza se sairia melhor – Eu já disse que não sei do que você tá falando.


- Ah, não, é? – perguntou Harry, irônico – Então eu vou fazer você lembrar... – disse ele, também sacando a varinha, mas Malfoy não lhe deu tempo nem para pensar, lançando um feitiço do qual Harry desviou no último instante.


- Ah, seu filho de uma... – rosnou ele, atacando também, mas o sonserino o bloqueou, lançando em seguida ouro feitiço, do qual Harry não conseguiu desviar.


- Bacento!


A visão de Harry ficou turva, pior do que era normalmente quando ele estava sem os óculos. Malfoy e o corredor se fundiam em um único borrão escuro.


- Cruc... – começou o sonserino, mas Harry foi mais rápido.


- Sectumsempra! – gritou ele, a varinha apontada para onde achava que o sonserino devia estar.


- Aaaah!


Sangue espirrou do braço esquerdo de Malfoy, como se uma faca invisível o houvesse cortado. Harry conseguiu encontrar um feitiço que anulasse o que Malfoy usara contra ele, e sua visão voltou ao normal. Ele então olhou para o sonserino, horrorizando-se com o que viu; Malfoy tinha uma expressão apavorada no rosto, enquanto tentava, em vão, estancar o sangue que não parava de sair do corte que parecia profundo.


- O que está acontecendo aqui?


Harry olhou para trás; Snape vinha andando na direção deles, o olhar correndo do braço ferido de Malfoy para Harry, que ainda tinha a varinha nas mãos, e de volta para Malfoy. Ele passou direto por Harry, em direção ao sonserino, terminou de rasgar a manga, já empapada de sangue, das vestes do garoto, e tocando com a varinha o ferimento causado pelo feitiço de Harry, que felizmente só atingira Malfoy no braço, murmurava algumas palavras, enquanto o corte parava lentamente de sangrar, e começava a se fechar.


- Você precisa ir para a Ala Hospitalar. Agora. – disse ele ao sonserino, depois de tratar do ferimento – Perdeu muito sangue. Acha que consegue ir sozinho? – Malfoy, que estava mortalmente pálido, assentiu com a cabeça, deixando o corredor logo em seguida. Snape voltou-se então para Harry.


- Professor, eu não queria... – começou Harry, nervoso – eu não conhecia o efeito daquele feitiço...


- Cale-se. – ordenou Snape – Quem diria, Harry Potter, utilizando magia negra nos corredores de Hogwarts.


- Mas, eu...


- Acho que mandei que se calasse, Potter. – disse Snape, furioso – Onde aprendeu aquele feitiço?


- Eu... – Harry tentava pensar rápido, mas estava muito apavorado para elaborar uma mentira convincente – li em algum lugar... não lembro onde...


- Mentiroso. – disse Snape, fixando seu olhar nos olhos verdes do garoto. Harry sabia o que ele iria fazer, e também tinha a dolorosa consciência de que jamais fora capaz de impedi-lo. Snape continuou olhando-o no fundo dos olhos, e pareceu a Harry que o corredor tremeluziu levemente diante de seus olhos por um instante. No entanto, os pensamentos não vieram à tona. Ele continuou e encarar Snape, que parecia frustrado e furioso.


- Ora, ora, ora... – disse o professor, o rosto contorcido num esgar de sorriso – Parece que alguém finalmente aprendeu a fechar a mente...


Harry não respondeu. Era melhor não provocar Snape, quando ele já estava furioso daquela forma.


- Quero ver todos os seus livros escolares. – disse Snape, de repente – Agora. Traga-os todos para mim. Estarei em minha sala.


Não adiantava discutir, e Harry nem ousou tentar. Girou nos calcanhares, seguindo rumo à torre da Grifinória, enquanto pensava em como Snape não conseguira ler sua mente, e simplesmente não conseguia entender. No entanto, a explicação era simples. Agitada, Sophie acordara de seu sono, em Grimmauld Place, com a sensação de que havia algo errado. Sentou-se na cama, e seus olhos perderam o foco, enquanto ela procurava mentalmente pelo motivo de sua aflição, o qual encontrou rapidamente. Harry havia discutido com Malfoy, e acabara de usar o fetiço desconhecido contra o sonserino. Sophie viu quando Snape chegou ao corredor, ajudou Malfoy e então se voltou para Harry. Ela fez então a única coisa que podia para ajudar o amigo naquele momento: usou a própria mente para fechar a dele, de forma que Snape não pudesse usar Legilimencia no garoto.


Em Hogwarts, Harry andava rápido, e sem de fato ver o caminho, rumo ao salão comunal da Grifinória. Ele estava completamente aturdido; em que encrenca se metera por causa daquele feitiço estúpido. Aliás, em que estava pensando o dono do livro ao anotar aquele feitiço ali? E agora Harry teria de entregar o livro a Snape... o que aconteceria então? Será que o professor confiscaria, ou pior, será que destruiria o livro que tanto o ajudara naquele ano? Sua reputação de bom preparador de poções iria por água abaixo...


”O meu livro... pegue o meu livro...” – Harry ouviu a voz de Sophie dizer em sua cabeça. Claro! Por isso Snape não conseguira penetrar sua mente, Sophie não permitira – “No dormitório feminino, dentro da minha mochila, ao lado da cama. Peça a Hermione...”


- Harry, o que... – começou Hermione, ao vê-lo entrar no salão comunal correndo.


- O livro de Poções da Soph. – disse Harry, interrompendo-a – Eu preciso dele. Está na mochila dela, ao lado da cama dela.


- Mas, Harry...


- Rápido, Mione! – disse Harry, impaciente – Depois eu explico.


Enquanto Hermione subia, meio contrafeita, até o dormitório feminino, Harry foi até o próprio dormitório onde pegou a sua mochila, jogou-a no ombro e desceu novamente para o salão comunal. Lá, pegou com Hermione o livro de Sophie, que colocou também dentro da mochila, e disparou pelo buraco do retrato, seguindo desembestado até o corredor da Sala Precisa.


“Preciso de um lugar para esconder o meu livro... preciso de um lugar para esconder o meu livro...”


Ele andou três vezes diante da parede, de um lado para o outro, e quando abriu os olhos, encontrou a porta da Sala, que abriu, entrando rapidamente e batendo a porta atrás de si.


Apesar da pressa e do medo do que o estaria aguardando na sala de Snape, Harry não pôde deixar de parar por um instante para observar o lugar onde estava. Era uma sala gigantesca, cujas altas janelas lançavam raios de luz sobre pilhas inimagináveis dos mais variados objetos, Harry imaginou, escondidos ali por várias gerações de habitantes do castelo. Havia frisbees dentados, livros, chapéus, jóias, frascos de diversos tamanhos, com conteúdos extremamente suspeitos, e até mesmo um machado sujo com sangue já seco. Andando por entre as pilhas e pilhas de objetos, passou por um trasgo empalhado, e pelo Armário Sumidouro, no qual um aluno da Sonserina – com uma ajudinha dos gêmeos Weasley – se perdera no ano anterior, e então encontrou um outro armário, coberto de poeira. Uma das portas estava emperrada, e a outra estava seguindo pelo mesmo caminho. Com um pouco de dificuldade, Harry abriu a porta que ainda se movia, e escondeu o livro lá dentro, atrás de uma gaiola com o esqueleto de algum bicho que tinha cinco patas, e que morrera já há um bom tempo. Preocupado em conseguir reencontrar o lugar em meio àquela bagunça de objetos escondidos, apanhou o busto de um bruxo velho e feio, colocou nele uma peruca e uma tiara oxidada, e encarapitou-o sobre o armário. Satisfeito com o esconderijo, voltou correndo para a entrada da Sala, saiu, e depois de ver a porta transformar-se novamente em pedra, seguiu correndo rumo ao escritório de Snape. Um minuto depois, graças aos vários atalhos apanhados no caminho, ele estava diante do professor, que simplesmente lhe estendeu a mão para apanhar a mochila de Harry, que a entregou, ofegando, e aguardou.


Snape tirou os livros da mochila, um a um, e examinou-os, deixando o livro de Poções por último. Ele o examinou com muita atenção, e, ainda com o livro em mãos, voltou-se para Harry.


- Este é o seu exemplar de Estudos Avançados em Poções, Potter?


- É. – respondeu Harry.


- Você tem certeza disso? – perguntou Snape, estreitando os olhos.


- Tenho. – disse Harry, tentando não se deixar intimidar.


- Este livro imaculadamente limpo e bem cuidado – disse Snape, colocando o livro de Sophie ao lado dos de Harry, que eram rabiscados e cheios de marcas nas páginas –, é o seu exemplar de Estudos Avançados em Poções, Potter?


Harry engoliu em seco, e baixou o olhar. Esperou que Snape tentasse ler sua mente outra vez, mas isto não aconteceu.


- Sabe o que eu acho, Potter? – disse Snape, calmamente – Acho que você é um mentirosinho descarado, que merece ficar detido comigo todos os sábados até o final do trimestre, a começar pelo próximo sábado.


Harry sentiu como se houvesse um bloco de gelo em seu estômago. No sábado seria o jogo contra Corvinal, a decisão da Taça de Quadribol.


- Mas, senhor... – ele tentou protestar, lançando um olhar desesperado na direção de Snape, que parecia divertir-se – Quadribol... o último jogo da...


- Dez horas. – disse Snape, friamente – Nem um minuto a mais. Agora pegue seu material e saia.


Derrotado, Harry recolheu seus livros de sobre a escrivaninha, mas quando ia apanhar o livro de Sophie, foi impedido por Snape.


- Eu disse para pegar o seu material. – disse o professor, segurando o livro sobre a mesa – Este livro não é seu. Diga a Srta. D’Argento que ela mesma deve vir buscar o livro dela, se o quiser de volta.


E tendo dito isso, guardou o livro em uma das gavetas da escrivaninha, enquanto Harry, cabisbaixo, deixava o escritório.


- Eu não gostei daquele livro desde o começo... – disse Hermione, à mesa do café da manhã, depois que Harry contou a ela, Rony e Gina tudo o que havia acontecido.


- Ah, dá um tempo, Hermione. – retrucou Rony, solidário a Harry.


Na verdade, os três já sabiam mais ou menos o que havia acontecido no caminho até as masmorras antes que Harry lhes contasse, já que uma versão levemente distorcida – que dizia que Harry atacara Malfoy sem qualquer motivo – havia sido espalhada por todo o castelo pela sonserina Pansy Parkinson. Além disso, Snape também tinha informado os professores do ocorrido, e Harry tivera que passar por longos quinze minutos na presença da professora McGonagall, que lhe dissera que tinha sorte em não ser expulso, e que apoiava totalmente a decisão de Snape em aplicar-lhe aquele castigo.


Harry, na verdade, não estava realmente ouvindo o sermão de Hermione, pois tinha na cabeça algo muito mais importante e que o afligia muito mais. Ele havia convocado o time da Grifinória, para contar a eles que não estaria presente na partida do sábado. Também anunciou que Gina o substituiria como apanhadora, e no lugar dela, Dino Thomas retornaria ao time, como artilheiro. Por mais que evitasse pensar naquela possibilidade, Harry não conseguia deixar de pensar que, caso a Grifinória vencesse, com toda a euforia pós-jogo, Gina e Dino poderiam fazer as pazes, e... bem, ele nem queria imaginar algo assim. Seus devaneios foram interrompidos pela chegada de Sophie, que ostentava escuras olheiras, com dois exemplares de Estudos Avançados em Poções nas mãos.


- Soph! – exclamou Hermione, ao vê-la.


- Bom dia, gente. – cumprimentou Sophie, ao alcançá-los. Ela olhou para Harry, que fitava a taça à sua frente, e suspirou. Sentou-se à mesa, apontando a varinha para um dos livros de Poções, que se transformou em um velho livro que Harry acreditava já ter visto na biblioteca da mansão Black.


- Eu precisava do meu livro de volta. – disse a garota, à guisa de explicação.


- Soph, o que aconteceu? – perguntou Hermione – Você simplesmente sumiu!


- Eu só precisava pensar um pouco, Mione, então fui ver meu pai. – respondeu Sophie, e Hermione não insistiu. Sophie então voltou-se para Harry – Eu sinto muito, Harry. – murmurou ela para o amigo – Sinto de verdade.


- Você não me obrigou a usar aquele feitiço, Soph. – respondeu Harry, sem encará-la.


- Mas ainda assim, a culpa é minha. – disse Sophie, e Harry a encarou.


- Você não tem culpa pelo que eu fiz, Soph. – disse Harry, com firmeza – Mas eu gostaria que me desse algumas explicações.


- Eu sei. Eu vou dá-las a você. – respondeu a garota, e Harry assentiu.


Depois do café, os dois saíram um pouco mais à frente dos demais, e Sophie contou, em parte, sobre o que havia acontecido no banheiro masculino na véspera.


- Eu não sei o que aconteceu comigo, não foi a primeira vez. – disse ela – Mas quando dei por mim, ontem, já estava entrando no banheiro, e encontrei Malfoy lá, sozinho. Há muito tempo eu sentia que havia algo que ele sabia, e que era do meu interesse, mas eu não sabia o que era. Harry, Malfoy conhece a mulher dos meus sonhos. – contou ela – Mais do que isso, ele esteve com ela há pouco tempo. Ela está na mansão Malfoy.


- Como... como ele a conhece? O que ela está fazendo na mansão Malfoy?


- Eu não sei. – mentiu Sophie – Ele não quis me dizer nada, embora tenha deixado escapar algo sobre ela estar lá, eu o peguei de surpresa.


- Isso está muito estranho, Soph. – disse Harry – Eu já não tô entendendo mais nada.


- Não sei muito mais do que você, Harry. – mentiu a garota, sentindo-se péssima por fazê-lo – Ele é um bom oclumente, e eu não pude ver por conta própria nada na mente dele. E obviamente, ele não me contaria nada por livre e espontânea vontade.


- Claro.


- Por favor, me desculpe por fazê-lo tomar aquela atitude ontem. – pediu a garota, realmente sentida.


- Está tudo bem, Soph. – respondeu Harry, fazendo com que ela sentisse ondas de remorso – Não se preocupe com isso, sim?


Poucas vezes Harry se sentiu tão infeliz quanto na ensolarada manhã de sábado, quando, enquanto todos os alunos saíam do castelo, usando chapéus, rosetas e agitando bandeiras, rumo ao campo de Quadribol, ele seguia sozinho o caminho oposto, descendo as frias escadas de pedra para as masmorras, sabendo que, lá em baixo, não conseguiria sequer ouvir a narração da partida.


- Ah, Potter... – disse Snape, quando Harry bateu à porta e entrou no sombrio escritório que, apesar de estar dando aulas vários andares acima, o professor ainda ocupava. Nas prateleiras, os frascos com objetos de aspecto viscoso e poções coloridas continuavam em seus mesmos lugares e – Harry suspirou ao ver –, ao lado da mesa em que ele deveria sentar, muitas caixas, cobertas por uma grossa camada de poeira e teias de aranha, empilhadas, lhe indicavam longas horas de trabalho árduo e absolutamente monótono e inútil.


- O Sr. Filch está há muito tempo desejando limpar estes arquivos antigos. – disse Snape, calmamente, parecendo estar apreciando muito o momento – São os registros dos delitos dos antigos transgressores de Hogwarts, e seus respectivos castigos. Onde a tinta houver desbotado, ou os cartões tiverem sido danificados por ratos, você deve copiar novamente os crimes e os castigos, e depois de verificar se estão em ordem alfabética, tornar a guardá-los as caixas. – instruiu ele – Acredito que não seja necessário que eu diga que não deve usar magia.


- Sim, senhor. – respondeu Harry, desanimado e irritado, colocando o máximo de desprezo nas últimas sílabas. Snape simplesmente ignorou seu tom.


- Talvez devesse começar com as caixas que vão de 1012 a 1056. – disse ele, com um sorriso maldoso – Encontrará aí alguns nomes conhecidos, o que deverá tornar mais interessante a sua tarefa. Vejamos aqui... – continuou, retirando um cartão de uma das caixas indicadas, em um gesto teatral – “Tiago Potter e Sirius Black. Detidos pelo uso de azaração ilegal em Alex Benson. Benson está com a pele verde, e acredita ser um sapo, tendo saído correndo da sala de aula e mergulhado no lago. Detenção dupla.”


Harry apertou os lábios, e Snape voltou a sorrir.


- Aqui estão registrados os grandes feitos dos delinqüentes juvenis autodenominados “Marotos”. – disse ele, dando tapinhas sobre as caixas, e levantando uma nuvem de poeira. – Tenho certeza de que você irá se divertir muito. Pode começar.


Como Harry previra, era um trabalho monótono e cansativo, pontuado por leves solavancos no estômago, a cada vez que via o nome do pai associado a vários delitos menores, na maior parte das vezes acompanhado pelo de Sirius, e eventualmente os de Remo Lupin e Pedro Pettigrew. E o que tornava o castigo ainda pior, enquanto transcrevia o conteúdo dos cartões danificados, ficava imaginando o que estaria acontecendo no campo de Quadribol, onde a partida já devia ter começado, Gina jogando em seu lugar como apanhadora contra Cho...


Os ponteiros do relógio pareciam não se mover, era como se houvessem sido enfeitiçados para se mover na metade da velocidade normal. Será que Snape era capaz de fazer algo do tipo? Sendo para prejudicar Harry, com certeza seria, era o que o garoto pensava. Não era possível que estivesse ali há apenas meia hora... uma hora... uma hora e meia... Como estaria o jogo? Não era possível ouvir nada dali. Quando o relógio marcava meio-dia e meia, o estômago de Harry começou a roncar, mas foi somente quando já passava da uma e quinze que Snape tirou os olhos do pergaminho à sua frente e ergueu a cabeça.


- É o suficiente por hoje. – disse ele, friamente – Marque o ponto onde parou. Continuará no próximo sábado, às dez horas.


- Sim, senhor. – respondeu Harry, automaticamente. Ele enfiou de qualquer jeito um pergaminho na caixa, e saiu depressa porta afora, apurando os ouvidos para algum rido vindo do campo, mas só havia o silêncio. Então o jogo acabara... mas como? Ele hesitou à porta do Grande Salão, lotado para o almoço, e então tomou o rumo da torre, subindo as escadas de dois em dois degraus; qualquer fosse o resultado da partida, a equipe da Grifinória sempre costumava ir para o salão comunal da Casa, seja para comemorar a vitória ou para lamentar a derrota.


- Quid agis? – disse Harry à Mulher Gorda, quando alcançou a entrada do salão comunal.


- Você verá. – disse ela, enigmática, e então o quadro girou.


Um urro de comemoração explodiu do buraco, atingindo Harry, enquanto ele passava, atordoado pela porta, seguindo por entre a massa de alunos que festejava.


- Vencemos! – berrou Rony, alcançando-o – Quatrocentos e cinqüenta a cento e quarenta! Vencemos!


Harry então teve a atenção desviada para um ponto logo acima do ombro de Rony. Gina vinha correndo em sua direção, uma expressão intensa no rosto, e sem sorrir, mas com os olhos infinitamente brilhantes. E quando a garota jogou os braços em seu pescoço, Harry simplesmente esqueceu qualquer dúvida que pudesse ter, e, sem pensar, ou mesmo lembrar de que havia cinqüenta pessoas olhando, ele a beijou.


Depois do que pareceu a Harry os dois ou três minutos mais perfeitos de sua vida, eles se separaram. A sala ficara muito silenciosa. Algumas pessoas então fizeram gracejos, outros assoviaram, e houve uma erupção de risadinhas nervosas por todos os lados, mas Harry só olhava para Gina, e ela para ele. Ele então correu o olhar pela sala rapidamente; Dino Thomas segurava um copo quebrado na mão, e Romilda Vane parecia ter engolido uma bomba de bosta. Hermione sorria satisfeita, e Sophie ergueu a taça como em um brinde, com aquele sorriso meio debochado que havia herdado de Sirius, e que Harry adorava. Mas Harry procurava por Rony. Encontrou-o finalmente, com uma taça na mão, e com a expressão de quem havia levado uma bordoada na cabeça. Eles se encararam por um instante, e então Rony acenou com a cabeça, gesto que Harry entendeu como um “Bom, se não tem jeito...”


Feliz com o desenrolar das coisas, Harry voltou a fitar Gina, sorrindo, e fez um gesto indicando a saída do salão comunal, para o que Gina sorriu, e assentiu com a cabeça. Uma volta pelos jardins parecia uma idéia bastante interessante, e se, por um acaso sobrasse algum tempo, ela poderia contar a ele sobre o jogo.

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