CAPÍTULO XI



CAPÍTULO XI

Dias após a chegada de Harry a Glenroe, os franceses impuseram uma humilhante derrota aos ingleses em Fontenoy. Apesar disso, Luís XV ainda hesitava em conceder seu apoio aos rebeldes. E Charles, na expectativa de que a vitória da França desse o tão necessário impulso à sua causa, foi uma vez mais abandonado à sua própria sorte.
Mas, dessa vez, ele não permaneceu de braços cruzados à espera do auxílio que não achava em parte alguma. Com o dinheiro que conseguiu empenhando os famosos rubis de sua mãe, equipou e armou a fragata Doutelle e um navio de linha regular, o Elizabeth. Então, deixando a seus seguidores a tarefa de continuar a pressão, visando uma nova aliança de interesses, o Príncipe Galante zarpou de Nantes, rumo à Escócia e ao seu destino.
Era pleno verão; quando a notícia chegou a Glenroe. Soube-se então que o Elizabeth, com seu precioso carregamento de homens e armas, fora perseguido por seus inimigos britânicos e obrigado a voltar ao porto. Em compensação a Doutelle, com Charles a bordo, continuava a navegar na direção da costa escocesa, onde se formaria um exército leal aos Stuart.
- Meu pai acha que eu sou muito jovem para combater. - disse Malcolm com tristeza. - Mas eu não concordo com isso.
Harry olhou para o garoto que acabara de completar onze anos e reprimiu um sorriso.
- Rony e eu lutaremos em seu lugar. - retrucou, enquanto lhe desmanchava os cabelos com o jeito paternal com que o tratava.
Malcolm suspirou.
- Não me conformo de ser tratado como uma criança.
- Acha que seu pai confiaria seu lar e sua família a uma criança? Quando ele partir com seus homens, não haverá nenhum Weasley no solar, além de você. Quem protegerá as mulheres, se vier conosco?
- Gina. - disse o menino, sem hesitar.
- Deixaria à sua irmã o encargo de proteger o nome e a honra de sua família?
Malcolm refletiu um minuto.
- Ela sabe atirar melhor do que eu ou Rony, embora meu irmão não queira admitir. Mas eu sou melhor com o arco e a flecha.
- Se você estiver aqui, não precisaremos nos preocupar com a segurança das mulheres.
Harry sentou-se a seu lado e pousou-lhe a mão no ombro.
- Vou lhe dizer uma coisa, Malcolm. Um homem não vai com prazer à guerra, mas irá com o coração mais leve, se souber que suas mulheres estão protegidas.
- Não vou permitir que nada lhes aconteça.
- Sei disso e seu pai também. E se acontecer que Glenroe não ofereça mais segurança, peço-lhe que as leve para as colinas.
- Vou procurar um bom abrigo para elas. Especialmente por causa de Mione.
- Por que especialmente para ela?
- Por causa do bebê que vai nascer. Não sabia?
Harry fitou-o, espantado. Depois soltou uma risada.
- Não. E você, como soube?
- Ouvi a sra. Drummond falar sobre isso. Ela disse que tem certeza de que haverá um bebê no solar na próxima primavera.
- Nesse caso deve ser verdade!
Malcolm sorriu com malícia.
- Estão dizendo também que você vai se casar com Gina. Vai mesmo, Harry?
- Vou, mas ela ainda não sabe.
- Então, você se tornará um Weasley.
- Por extensão. Assim como Gina se tornará uma Potter.
- Uma Potter. Será que ela vai gostar disso?
O sorriso deixou os lábios de Harry.
- Gina terá que se acostumar com a idéia. Bom, se ainda quer dar um passeio a cavalo é melhor irmos andando.
Malcolm levantou-se de um salto.
- Sabe que Parkins está cortejando a sra. Drummond?
Harry estacou, boquiaberto.
- E verdade?
- Juro que é!
Da janela da sala de visitas, Gina viu-os partir para o campo aberto rindo alto. Harry parecia tão alto, tão bonito! Ela debruçou-se à janela e seguiu-os com o olhar até vê-los desaparecer de vista. Ele não iria esperar muito... era o que havia dito da última vez que se encontraram, perto do lago. Queria torná-la lady Potter, do Solar Potter. Lady Potter, da alta sociedade de Londres. Essa idéia era simplesmente aterradora!
Olhou para seu vestido caseiro, de algodão azul, e para os seus pés nus, algo que sua mãe teria reprovado. Lady Potter nunca mais correria pelas charnecas ou pelos bosques de pés descalços. Examinou as mãos com ar crítico. Macias porque a mãe obrigava-a a esfregá-las com loção todas as noites. Mas não eram as mãos de uma lady.
Amava-o, porém, e entendia agora que o coração podia falar mais alto do que a razão.
Inglês ou não, seria dele! Preferia trocar sua amada Escócia pela Inglaterra a viver sem ele!
- Gina.
Ela virou-se rapidamente e viu sua mãe parada no corredor.
- Já terminei minhas tarefas, mamãe.
Molly entrou na sala e fechou a porta atrás de si.
- Sente-se, Gina. Preciso falar com você.
Molly raramente usava esse tom grave. Em geral, isso significava que ela estava preocupada ou aborrecida.
- Fiz alguma coisa que a aborrecesse, mamãe?
- Você está perturbada. - começou Molly. - Pensei que estivesse sentindo falta de Harry. Mas ele voltou há várias semanas e você continua perturbada.
- Não estou perturbada. Estava pensando no que acontecerá quando o príncipe chegar.
"Deve ser verdade", pensou Molly. "Mas não inteiramente."
- Em outras épocas, você teria se aberto comigo, Gina.
- Não sei o que dizer.
Gentilmente, Molly tomou-lhe a mão entre as suas.
- Diga o que está em seu coração.
- Eu o amo. - confessou ela, por fim, deitando a cabeça no colo da mãe. - Eu o amo e isso dói terrivelmente.
- Sei disso, querida. O amor traz grandes alegrias, mas também grandes sofrimentos.
- Não devia fazer sofrer!
- Quando abrimos nosso coração, ficamos muito sensíveis, querida.
- Eu não queria amá-lo. Agora, não posso fazer mais nada.
- Ele a ama?
- Sim, ama.
- Sabe que ele a pediu em casamento?
- Sei.
- E sabe que seu pai, depois de uma longa reflexão, deu seu consentimento?
Isso, Gina não sabia. Ela endireitou-se bruscamente e voltou o rosto pálido para a mãe.
- Mas eu não posso me casar com ele, mamãe. Não posso!
Molly olhou-a com atenção.
- Seu pai nunca a obrigaria a casar-se contra a vontade. Mas você mesma acabou de dizer que o ama e que esse amor é retribuído!
- Eu o amo e gostaria muito de me casar com ele. Mas isso me assusta.
Molly começou a compreendê-la melhor.
- Pobre menina! Você não é a primeira jovem a ter esses receios, nem será a última.
- Não quero me tornar lady Potter!
- Por quê? - perguntou Molly, surpreendendo-se com a veemência da filha. - É uma família muito honrada.
- Não quero ser condessa, mamãe. Lady Potter teria que viver na Inglaterra, em grande estilo. Teria de se vestir com elegância, comportar-se como uma dama, oferecer jantares magníficos!
- Nunca pensei ver minha filha acuada num canto, como uma gata medrosa!
Gina enrubesceu.
- Não tenho medo apenas por mim. Eu estaria disposta a ser uma esposa perfeita, uma digna lady Potter. Mas...
Ela fez uma pausa, à procura de palavras que traduzissem sua apreensão.
- Harry me ama pelo que eu sou. Mas amaria a mulher que eu teria de me tornar para ser sua esposa?
Molly guardou silêncio por um momento.
- É isso que a atormenta?
- Sim. Não fiz outra coisa, nestas últimas semanas, senão pensar nisso.
- Se ele a ama de verdade, não irá pretender que você se torne o que não é.
- Prefiro perdê-lo a envergonhá-lo!
- Isso não irá acontecer. - Molly tomou-lhe as mãos entre as suas. - Querida, há uma coisa que você precisa saber.
- O quê?
- Eu estava trabalhando na horta, quando ouvi Parkins e a sra. Drummond conversarem na cozinha. Harry...
- Sim, mamãe?
- Parece que antes de deixar Londres, Harry bateu-se em duelo com um oficial do exército do governo. O coronel Standish.
Toda a cor abandonou o rosto de Gina.
- Standish... - disse ela num sussurro, revendo-o como o vira dez anos antes, esbofeteando sua mãe. - Como isso foi acontecer? Por quê?
- Não sei. Sei apenas que houve um duelo e que Standish morreu. - Molly juntou fervorosamente as mãos. - Que Deus me perdoe, mas estou contente. O homem que você ama vingou minha honra e eu nunca vou esquecer isso!

Essa noite, Gina foi ter com ele. Era tarde e a casa estava havia muito em silêncio. Abriu a porta do quarto e o viu sentado à mesa, escrevendo. A luz do castiçal incidia sobre seu rosto, acentuando os contornos perfeitos.
Harry ergueu a cabeça e fitou-a espantado. Não percebera nenhum ruído de passos nem da porta sendo aberta.
Depôs a pena sobre a mesa e levantou-se.
- Gina.
- Eu queria ficar a sós com você.
- Não devia ter vindo aqui e muito menos vestida desse jeito!
- Tentei dormir, mas foi impossível. - Ela umedeceu os lábios. - Amanhã, a esta hora, você já terá partido.
Ele a abraçou, beijando-lhe a testa.
- Meu amor, é necessário que lhe diga outra vez que voltarei?
Ela ergueu os olhos brilhantes de lágrimas.
- Eu queria lhe dizer que sentirá orgulho de sua futura esposa, quando voltar.
Por um momento, ele não disse nada, apenas a fitou.
- Esposa... Foi seu pai que lhe ordenou que se casasse comigo?
- Não. A decisão é minha.
Era a resposta que ele queria ouvir. Gentilmente, beijou-lhe a mão.
- Eu a farei feliz, Gina. Juro pela minha honra!
- E eu serei a mulher que você merece. Eu lhe prometo.
- Você é a mulher que eu preciso, meu amor.
Ele tirou o anel de esmeralda do dedo e colocou-o em Gina.
- Esse anel pertence aos Potter há mais de cem anos. Peço-lhe que o use até minha volta. Aí, se Deus permitir, eu lhe darei outro.
Gina atirou-se nos braços de Harry chorosa.
- Se eu o perder, Harry, que será de mim?
- Não quero que se preocupe comigo, amor. - Ele ergueu-lhe o rosto e beijou-lhe os lábios. - Nunca.
- Se deixar que o matem, eu o odiarei pelo resto de minha vida.
- Nesse caso, vou tomar muito cuidado. Agora vá, antes que você me faça sentir vivo demais!
- Não. Só depois que me fizer sentir assim.
Uniram os lábios. Tinham pela frente a noite toda, antes que a manhã viesse a sussurrar de encontro às janelas.
Gina acordou e sorriu ao ver que Harry a observava com imensa ternura.
- Eu estou tão feliz. Gostaria que fosse sempre assim. - continuou a fitá-la, fascinado. Ela era linda até mesmo ao despertar, com os cabelos revoltos e os olhos um pouco inchados.
- Será sempre assim conosco.
Ele puxou-a para si e aconchegou-a em seus braços.
- Um dia, eu a levarei para o Solar Potter. É lindo, Gina, com seus telhados vermelhos e seus imensos jardins.
- Então nosso filho nascerá lá. Oh, Harry, não vejo a hora de termos um filho!
- Para que tanta pressa? Mais tarde, se você quiser, teremos uma dúzia. Com a esperança de que não sejam geniosos como a mãe!
- Ou arrogantes como o pai?
Gina apoiou-se nele. O tempo estava passando depressa. A luminosidade do amanhecer já se insinuava por entre a fenda das cortinas. Apesar disso hesitava, sem saber como formular uma pergunta que poderia aborrecê-lo. Começou:
- Harry...
- Sim?
- Soube que lutou com um oficial chamado Standish. Por quê?
Ele a fitou intrigado, mas logo compreendeu. Parkins devia ter batido com a língua nos dentes.
- Por uma questão de honra. Ele me acusou de estar trapaceando no jogo de dados.
Ela ficou em silêncio alguns instantes.
- Por que está mentindo?
- Não é mentira. O coronel perdeu muito dinheiro e achou que devia haver outro motivo para isso, que não sua falta de sorte.
- Está querendo dizer que não sabia quem era ele?
Harry suspirou.
- Sabia, sim. E digamos que o encorajei a me desafiar para um duelo.
- Por quê?
- Por outra questão de honra.
Gina tomou-lhe a mão e beijou-a.
- Obrigada.
- Foi por isso que veio aqui esta noite e concordou em ser minha esposa?
- Sim.
Ele balançou a cabeça decepcionado antes de se afastar bruscamente. Mas Gina o reteve, atraindo-o de volta a seus braços.
- Não foi por me sentir grata, embora seu gesto tenha pesado muito em minha decisão.
- Você não me deve nada. - murmurou ele, ainda ressentido.
- Devo-lhe muito. - ela retrucou com veemência. - Agora, quando me lembrar daquela noite terrível, saberei que o infeliz está morto e que morreu por suas mãos.
- Quero muito que seja minha esposa, Gina. Mas por amor, não por gratidão.
- E você tem alguma dúvida sobre o meu amor?
Ele hesitou apenas um instante.
- Não.
- Eu já o amava, Harry. Já sabia que não amaria nenhum outro a não ser você. E foi isto que eu vim lhe dizer esta noite: se permitir, quero honrar o seu nome como você honrou o meu.
Ele a beijou, emocionado.
- Vou deixar meu coração com você, Gina. Quando voltar, eu lhe darei também o meu nome.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.