CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO VIII
Mione equilibrou-se no degrau da escada de mão e poliu o canto superior do espelho. Depois voltou-se para Gina, entusiasmada.
- Será um lindo baile, perfeito em seus mínimos detalhes! A música, as luzes...
- E Rony. - acrescentou Gina.
Sua amiga não se deixou, de modo algum, perturbar e respondeu, com seu divino e suave sorriso:
- Sim, Rony. Ele me pediu que eu lhe reservasse a primeira dança, sabia?
- Isso não é surpresa.
- Estava tão carinhoso quando me disse isso... Tive vontade de responder que lhe reservaria todas as danças se ele quisesse. Mas achei que iria deixá-lo sem jeito.
- Seria a primeira vez que alguém consegue tal proeza!
- Não é maravilhoso? - suspirou Mione deliciada.
- Ele está apaixonado por você e isso é a melhor coisa que poderia lhe acontecer.
- Está dizendo isso porque é minha amiga?
- Não só por isso. Rony irradia felicidade, quando você está presente.
Mione sentiu as lágrimas aflorarem-lhe aos olhos.
- Lembra-se de que alguns anos atrás prometemos uma à outra que seríamos irmãs um dia?
- Você se casaria com meu irmão e eu com um de seus primos. - confirmou Gina. - Rony já fez o pedido?
- Ainda não. Mas o fará. Eu o amo tanto...
- Tem certeza? Éramos crianças, quando fizemos essa promessa. Agora você é mulher feita.
- É um sentimento diferente, Gina. Quando éramos crianças, eu o julgava um príncipe!
- Rony?
- Ele era tão alto e bonito... Eu o imaginava batendo-se em duelo por mim e depois levando-me para bem longe num corcel ricamente enfeitado.
Mione riu e desceu um degrau.
- Hoje eu sei que ele não é nenhum príncipe. A convivência me fez vê-lo sob um novo aspecto: o de um homem equilibrado e gentil, que, às vezes, pode perder a calma e tornar-se ousado e até imprudente. Mas eu o amo de todo o meu coração.
- Ele já beijou você? - perguntou Gina, o rosto revelando maior interesse.
- Não, mas gostaria que me beijasse.
Ela viu o maravilhoso sorriso e a expressão dos belos olhos azuis e comoveu-se.
- Nunca vi Rony com esse ar tão sonhador. Quando ele olha para você, fica pálido e depois enrubesce.
- Oh! Mas é tão tímido... Se ele não se declarar logo, tomarei a iniciativa! - Gina olhou-a com curiosidade.
- Como?
- Bem, eu...
Mione interrompeu-se, ao ouvir um ruído de passos que se aproximavam. Sua pulsação acelerou-se, dando-lhe a certeza de que era Rony, antes mesmo que ele entrasse na sala. Então, entregando-se sem constrangimento aos impulsos de seu coração, deixou o pé resvalar pelo degrau da escada e caiu docemente ao chão.
Rony alcançou-a com duas passadas e passou-lhe o braço pela cintura.
- Você se machucou?
- Sou mesmo desajeitada. - murmurou ela, enquanto fitava o rosto querido a um palmo do seu.
- Uma jovem tão frágil como você não devia arriscar-se tanto.
Ele a ajudou a levantar-se, mas no instante em que a ouviu soltar um grito abafado de dor, tornou a sustentá-la pela cintura.
- Quer que eu chame Gwen? - perguntou aflito. - Ela pode dar um jeito nisso.
- Oh, não! Se eu pudesse sentar-me apenas um momento...
De pronto, Rony ergueu-a nos braços e a depositou na cadeira mais próxima, como se ela fosse um objeto frágil e precioso.
- Você está pálida, Mione. Vou buscar um copo de água.
Ele endireitou-se e saiu, antes que ela pudesse pensar numa desculpa qualquer para retê-lo.
- Está doendo muito? - perguntou Gina, ajoelhando-se aos pés dela. - Oh! Mione... Seria uma pena se você não pudesse dançar amanhã.
- Mas eu vou dançar! E dançarei a noite toda com Rony.
- E o tornozelo?
- Não seja boba, não há nada em meu tornozelo! - Para provar o que dizia, Mione levantou-se e ensaiou uma passo de dança.
- Você mentiu para Rony, Hermione MacDonald!
- Nada disso! - disse ela com audácia e tornou a sentar-se. - Ele supôs que eu tivesse torcido o pé, mas eu não disse absolutamente nada!
- Mas você caiu da escada de propósito!
- Sim, e não me arrependo.
Depois de um momento de silêncio, Gina respondeu magoada:
- Foi um estratagema indigno de você.
- Não foi um estratagema e não há nada de indigno nisso.
Mione sentiu as faces arderem e tornou logo, com calor:
- Foi a única maneira de fazê-lo perceber que eu preciso de seus cuidados. Os homens não se apaixonam por mulheres auto-suficientes, Gina. Se ele acha que eu sou frágil e indefesa, que mal há nisso?
Gina lembrou-se do dia em que Harry empunhara a espada por ela. Se tivesse se mostrado um pouco mais frágil... Não! Isso era para Mione, não para ela.
- Nenhum, suponho.
- Um homem tímido precisa de um pequeno empurrão. - Mione ergueu os olhos e fitou-a com ar suplicante. - Você nos deixaria a sós por um momento?
- Bem... sim.
Quando Rony entrou com o copo de água, Gina levantou-se.
- Vou ver se Gwen precisa de ajuda.
Assim que a irmã saiu, Rony tomou as mãos de Mione entre as dele. Eram tão suaves, tão macias...
- Está doendo muito?
- Não. - murmurou ela, saboreando, de pálpebras semi-cerradas, a doçura daquele momento. - Não precisa se preocupar comigo.
Ele a devorou com os olhos. Ela lhe lembrava uma linda boneca de porcelana que vira na Itália. Tinha vontade de tocá-la, acariciála, mas temia que suas mãos, grande e rudes, pudessem machucá-la.
- Se eu tivesse sido mais rápido...
Os dedos esguios de Mione entrelaçaram-se ternamente aos dele.
- Eu era tão aborrecida e insípida anos atrás! Sou ainda?
- Não. - murmurou Rony roucamente. - Você é a moça mais linda da Escócia e eu...
- E você?
Ele fitou-lhe os olhos azuis como a noite e, ardente, cingiu-a nos braços.
- Quer se casar comigo, Mione?
- Querido... é o que eu mais quero! - Ela ergueu o rosto para que ele a beijasse. - Você é tudo para mim.
E foi assim que Molly os encontrou, ao entrar no salão, um nos braços do outro, num abandono completo.
- Rony! Como se atreve?
Ele voltou-se para ela, irradiando felicidade.
- Mione concordou em ser minha esposa! Não é maravilhoso, mamãe?
Molly fitou um e outro com os olhos cheios de espanto, e então suspirou.
- Não posso dizer que seja propriamente uma novidade, mas... acho que é melhor você não ficar a sós com ela até o dia do casamento.
- Mamãe...
- Largue essa moça, Rony.
Assim que ele a obedeceu, Molly estendeu os braços para Mione, que se encolhera toda diante de seu ar severo.
- Bem-vinda à família, minha querida. Finalmente, meu filho mostrou ter um pouco de bom senso.
Enquanto terminava de ordenhar, Gina pensou na alegria de Mione, ao anunciar que ela e Rony iam se casar.
- Que pensa disso? - perguntou à vaca que ruminava tranqüilamente na baia.
A notícia não era ainda oficial. Sua mãe insistira para que Rony fizesse antes o pedido a lorde MacDonald, como era de praxe. Mas ninguém duvidava que o velho lorde, que ia chegar dentro de algumas horas, com outros convidados, concordasse com os esponsais. Mione estava quase delirante à idéia de que o anúncio do noivado seria feito durante o baile daquela noite.
Gina sorriu, enquanto erguia os dois baldes. Estava feliz pelos dois. Sua amiga seria uma boa esposa: saberia refrear os impulsos mais exaltados do marido e ficaria satisfeita de fiar e coser para um bando de pirralhos. Rony, por sua vez, seria como seu pai: um homem devotado à família.
Quanto a ela própria, estava mais decidida do que nunca a não se casar. Seria uma péssima esposa. Não por ser seca de ternura, ou por não querer filhos. Mas porque não via com bons olhos a perspectiva de viver em perpétua submissão a um marido autoritário.
"E depois, como posso me casar com um homem qualquer, quando estou apaixonada por Harry?", perguntou-se, enquanto saía da baia. Mesmo sabendo que nunca poderia tornar-se parte da vida dele, ou ele parte da sua, isso não mudava o que estava nas profundezas de seu coração.
Equilibrou os dois baldes e começou a galgar a costa. O sol começava a brilhar, derretendo as últimas neves do inverno. A trilha estava escorregadia, mas transitável para quem, como ela, fazia esse caminho diariamente. Contudo, ia sem pressa. Não por precaução, mas porque sua mente estava longe dali.
Não invejava a felicidade de Rony e Mione. Seria mesquinhez, sem contar que ela os amava demais. Porém, o modo pelo qual sua amiga conseguira realizar seus anseios afetivos, simplesmente fazendo-se de frágil, dava-lhe o que pensar.
Um ruído de botas pisando o solo rochoso interrompeu-lhe os pensamentos. Ergueu os olhos: era Harry que se dirigia para a estrebaria. Sem pensar, mudou de rumo, de modo que seus caminhos se cruzassem. Depois, murmurando um perdão silencioso pelo leite que ia ser derramado, deixou-se escorregar pelo declive lamacento.
Harry correu para ela com o rosto fechado.
- Machucou-se?
Era uma acusação, não uma pergunta que traduzisse cuidados. Gina ferveu de raiva por dentro, mas procurou representar bem seu papel.
- Não tenho certeza, mas acho que torci o tornozelo.
- Por que diabo você tem que andar por aí com esses baldes de leite? - Ainda nervoso, ele inclinou-se para examinar-lhe o tornozelo. - Onde está Malcolm, ou a desmiolada da Fiona?
- Ordenhar não é tarefa de Malcolm. E Fiona está ocupada com os preparativos do baile.
Súbito, Gina desistiu de parecer frágil ou feminina. O seu amor não deveria depender de tal estratagema.
- Não é nenhuma vergonha ordenhar, lorde Potter! Talvez as delicadas damas inglesas de seu círculo social não saibam distinguir o úbere de uma vaca de...
- Isso não tem nada a ver com minhas damas inglesas! As trilhas estão escorregadias e os baldes são pesados demais. Você está fazendo um trabalho que está acima de suas forças.
Ela empurrou a mão dele com rudeza.
- Sou tão forte quanto o senhor e talvez mais! E é a primeira vez que escorrego nesta trilha!
Ele olhou-a fixamente e depois balançou a cabeça.
- Teimosa como uma mula!
Gina sentiu o sangue subir-lhe à cabeça.
Sem uma palavra, apanhou um balde de leite que estava pela metade e lançou-lhe o conteúdo no rosto. Depois levantou-se, os olhos fuzilando.
- Não há nada melhor para uma delicada pele inglesa do que um pouco de leite morno, my lord!
Harry enxugou o leite que lhe escorria do rosto moreno e vociferou:
- Eu deveria dar-lhe uma surra, sua pirralha malcriada!
- Não quer tentar, Sassenach ? - provocou ela, sem nenhuma ponta de remorso.
- Gina!
Seu ar desafiador transformou-se numa expressão submissa, quando o chamado peremptório de seu pai cortou o ar ainda úmido da manhã. Não havia outra coisa a fazer senão abaixar a cabeça e esperar o pior.
- Você perdeu o juízo? - trovejou Arthur, possesso de raiva, quando os alcançou.
Ela suspirou, resignada.
- Sim, pai.
- Foi um acidente. - começou Harry conciliador. - Gina escorregou como os dois baldes e...
- Não foi um acidente. - retrucou ela fria e composta. - Eu despejei o balde de leite em lorde Potter deliberadamente.
- Foi o que imaginei! - As feições de arthur pareciam esculpidas em pedras. - Vou me desculpar com lorde Potter por seu comportamento deplorável e prometer-lhe que será castigada. Já para casa, moça!
- Sim, pai.
Harry colocou a mão no ombro dela.
- Não posso permitir que Gina leve toda a culpa. Eu a provoquei, também deliberadamente. Chamei-a de mula. O insulto foi tão infeliz quanto o incidente e igualmente explorável. Você me faria um favor Arthur, se deixasse o assunto morrer.
Weasley permaneceu em silêncio por um segundo. Depois ordenou, brusco:
- Leve esse balde de leite para casa, Gina!
- Sim, papai.
Ela lançou um olhar rápido a Harry, um misto de gratidão e frustração, e então pôs-se a subir a colina.
- Ela merecia ser castigada por isso. - comentou Arthur, embora soubesse que, mais tarde, iria rir à lembrança de sua garotinha despejando um balde de leite na cabeça do jovem inglês.
- Foi o que eu pensei a princípio. Infelizmente, tenho que admitir que a provoquei. - Harry soltou um suspiro. - Parece que sua filha e eu somos incapazes de manter um convívio civilizado.
- Era o que eu imaginava.
- Ela é teimosa, tem um língua afiada e um temperamento explosivo.
Arthur afagou a barba e sorriu.
- Gina é uma cruz em meus ombros, Harry.
- Seria para qualquer homem, Arthur. Às vezes, chego a pensar se ela não apareceu em meu caminho para complicar minha vida, ao invés de iluminá-la.
- Que está querendo dizer?
Foi somente então que Harry percebeu que exprimira seus pensamentos em voz alta.
- Pretendo casar-me com ela. Com sua permissão, naturalmente.
Arthur sufocou um sorriso.
- E se eu não der permissão?
- Eu me casarei com Gina de qualquer modo.
Era a resposta que Arthur esperava, mas, ainda assim, ele hesitou. Queria saber qual era a opinião de sua filha, antes de dar uma resposta.
- Vou pensar nisso, Harry. Quando vai partir?
- Dentro de alguns dias.
Harry pensou na carta que recebera de Londres.
- Lorde George Murray acredita que tenho elementos para convencer os jacobitas ingleses que ainda relutam em dar seu apoio ao príncipe.
- Pois terá minha resposta quando voltar. Não vou negar que ficaria muito feliz em dar-lhe a mão de minha filha. Mas ela tem que estar de acordo. E isso, meu rapaz, eu não posso prometer.
Uma sombra velou os olhos cinzentos de Harry.
- Por que sou inglês?
- Sim, certas feridas demoram muito para cicatrizar.
Arthur sorriu e bateu-lhe amavelmente nas costas.
- Você a chamou de mula, não foi?
- Sim, mas devia ter-me afastado depois de provocá-la.
Arthur soltou uma risada sonora e deu-lhe outro tapinha nas costas.
- Se quer mesmo casar-se com Gina, é melhor que aprenda a esquivar-se!
Gina estava sentada diante do toucador, onde se enfileiravam os produtos de toalete, tendo atrás de si Mione que lhe penteava os cabelos.
- Seus cabelos já são naturalmente encaracolados. - observou a amiga, enquanto manejava os ferros de frisar. - Você nunca vai precisar dormir com papelotes.
- Eu nunca faria isso. Não vejo por que uma mulher deva enfeitar-se tanto para um homem.
Mionee esboçou o sorriso sábio de uma mulher apaixonada.
- Que outros motivos poderia ter uma mulher para enfeitar-se?
Gwen chegou mais perto, para se mirar no espelho, e depois ensaiou alguns passos de dança, exultante. Seria seu primeiro vestido de gala.
- Acha que alguém vai me tirar para dançar, Mione?
- Todos os rapazes irão disputar esse privilégio, querida.
- Talvez alguém tente beijar-me...
- Terá que se haver comigo! - disse Gina com severidade.
- Você parece mamãe! - Gwen riu e afofou os saiotes. - Não vou permitir que ninguém me beije, é claro. Mas seria maravilhoso se alguém tentasse.
- Continue a dizer bobagens, mocinha, e papai a fará esperar mais um ano pelo baile!
- Gwen está entusiasmada e é natural, sendo o seu primeiro baile. - interveio Mione enquanto, com mãos experientes, trançava uma fita verde por entre os cabelos da amiga.
- Eu também estou.
Ela deu um passo para trás e estudou seu trabalho.
- Você está linda, Gina. E ficará ainda mais, se sorrir.
Gina mostrou os dentes, numa careta.
- Desse modo, você vai espantar os rapazes!
- Tanto melhor. Prefiro vê-los pelas costas.
- Harry não teria medo. - observou Gwen, com uma ponta de malícia.
Gina ergueu o vestido de baile, que estava estendido sobre a cama, e deu de ombros.
- Não me interessa o que lorde Potter possa pensar.
- Ele é bonito, para quem gosta de homens morenos. - Comentou Mione. - Mas um tanto cheio de si, não acha?
- Harry não é cheio de si. - disse Gina com calor. - Ele é...
Ao ouvir a risadinha de Gwen ela se reprimiu e completou:
- Ele é grosseiro, aborrecido... e inglês! - Sua irmã, porém, não se conteve.
- Outro dia eu o surpreendi beijando Gina na cozinha.
Os olhos de Mione arredondaram-se de espanto.
- O quê?
- Gwen! - explodiu Gina escandalizada.
- Podemos confiar em Mione, não podemos? - A voz de Gwen adquiriu um petulante tom infantil: - Mas como eu ia dizendo, ele estava beijando Gina. Foi tão romântico...
- Já chega! Não foi romântico, foi...
Ela quis dizer desagradável, mas como não sabia mentir, rompeu num lamento quase furioso:
- Oh! Quem me dera ele me deixasse em paz! - Mione ergueu uma sobrancelha.
- Se foi assim tão terrível, por que você guardou segredo?
Gina enrubesceu e gaguejou:
- Porque... não dei nenhuma importância ao fato.
Sua amiga reprimiu um sorriso.
- Não se aborreça, Gi. Meu primo Jamie vai estar presente ao baile. Talvez ele lhe agrade mais do que lorde Potter.
Quando Harry conseguiu escapar dos cuidados perfeccionistas de Parkins, estava irritadiço, mal-humorado e pouco disposto ao convívio social. Os rumores que corriam não só na Inglaterra como na Escócia eram alarmantes, dando conta de que o apoio que o príncipe esperava de seus simpatizantes ingleses não fora irrestrito e total, como se esperava.
Havia ainda a esperança de que, usando de sua própria influência, pudesse convencer os indecisos a aderirem à facção dos Stuart. Seria, porém, uma missão perigosa. Não podia prever se teria sucesso ou, caso fosse descoberto, o que seria feito de suas propriedades e de seu título.
Naquela noite, dezenas de chefes de clãs se reuniriam no solar dos Weasley. As lealdades seriam testadas, os juramentos confirmados. O que veria e ouviria ali seria cuidadosamente exposto no clube dos jacobitas, em Londres, com o fato de estimular o espírito combativo dos ingleses leais ao príncipe. Era uma guerra que se baseava sobretudo em discursos, em palavras. E, a exemplo de Rony, estava começando a ficar cansado disso.
Ao descer a escada, no entanto, era a imagem perfeita de um elegante aristocrata inglês. Nada em seu aspecto, ou em sua expressão, traía as opressivas preocupações que lhe agitavam o espírito.
- Lorde Potter...
Molly fez uma reverência, quando ele entrou no salão. Ela já tomara conhecimento dos sentimentos que o conde nutria por sua filha mais velha. E, mais sensível do que o marido, entendia as desencontradas emoções que Gina devia estar experimentando.
- Lady Weasley... A senhora está encantadora.
Ela sorriu, não deixando de observar que os olhos dele perscrutavam, ansiosos, o salão.
- Obrigada, my lord. Espero que se divirta esta noite.
- Posso pedir que me reserve uma dança?
- Será um prazer. Mas, antes, permita que eu o apresente aos nossos convidados.
Molly pousou a mão no braço dele e deixou que ele a conduzisse pelo salão que, pouco a pouco, enchia-se de uma multidão elegantemente trajada. Os homens, em sua maioria, usavam saiotes e mantos com as cores de seus clãs, formando um belo contraste com os vestidos mais alegres e luxuosos das damas. A doce claridade das velas brilhava em brocados de ouro e prata, em veludos preciosos de um azul desmaiado, cor-de-rosa, verde-mar, e incidia sobre os ombros nus, acariciados pela brisa dos leques de pluma. Jóias cintilavam.
Era evidente que, naquele canto remoto da Alta Escócia, observava-se a moda francesa tão estritamente quanto nos salões de Paris e Londres.
Harry foi conduzido de grupo em grupo e apresentado a todos, indistintamente. Mas, enquanto ele sorria para as pessoas, murmurando algumas palavras de cumprimento, continuava a esquadrinhar o salão à procura de Gina. Estava determinado a convidá-la para a primeira dança e para quantas mais pudesse conseguir.
- A pequena Mackintosh tem a graça de um elefante. - confidenciou-lhe ao ouvido Rony, que chegava sem ser pressentido. - Fique longe dela.
Harry arrastou-o para um lado e perguntou-lhe, sorridente:
- Você parece bastante satisfeito. Posso saber se sua entrevista com o sr. MacDonald transcorreu como desejava?
- Pode dar como certo que Mione e eu estamos casados em maio.
- Meus cumprimentos! Vou ter que encontrar outro companheiro de noitada.
Rony apertou-lhe afetuosamente o braço.
- Gostaria de poder ir a Londres com você.
- Seu lugar é aqui. Além do mais, será uma viagem breve. Voltarei dentro de algumas semanas.
- Com notícias boas, espero. Quanto a nós, continuaremos a trabalhar pelo príncipe. Mas não esta noite. Esta noite é para celebrar!
Ele bateu no ombro de Harry orgulhoso.
- Aí vem a minha Mione. Se você quiser dançar com alguém leve como uma pluma, convide Gina. Ela tem um gênio terrível, mas sabe dançar como ninguém.
Harry apenas assentiu, enquanto Rony ia ao encontro de sua prometida. Ao lado da frágil e doce Mione MacDonald, Gina parecia dotada de uma beleza excitante. Os cabelos estavam penteados para cima, deixando-lhe a nuca a descoberto, e o vestido verde, de decote quadrado, expunha-lhe a curva delicada dos seios que um colar de pérolas, com um pendente de esmeraldas, tornava, por esse motivo, ainda mais visível.
Envolveu-a num olhar demorado e, quando os acordes de um minueto flutuaram no ar, moveu-se inconscientemente na direção dela.
- Srta. Weasley... - murmurou, com uma elegante curvatura. - Pode me conceder a honra desta dança?
Ela, que tinha vontade de recusá-lo, viu-se, sem saber como, estendendo-lhe a mão e, numa espécie de torpor, deslizando para o meio do salão. Súbito, ficou com medo de ter esquecido até os passos mais simples. Porém, quando ele sorriu e inclinou-se novamente, pôs-se a executá-los com graça cativante, seus pés mal parecendo tocar o chão.
Sonhara com isso certa vez, na clareira do bosque. Agora, seu sonho se transformava em realidade. Efetuou todos os movimentos com tal leveza, que os lábios dele entreabriram-se num sorriso de aprovação, quando ela curvou-se até o chão, na reverência final.
- Obrigado. - Ele não largou-lhe a mão, como ambos sabiam que era apropriado. - Estava querendo dançar com você desde o instante em que a vi à beira do rio. E quando penso nisso, não sei dizer se você estava mais encantadora de calção ou nesse lindo traje verde.
- O vestido é de mamãe. - explicou ela e acrescentou: - Quero me desculpar pelo... incidente desta manhã.
Audaciosamente, ele beijou-lhe a mão.
- Não é preciso se desculpar. Você fez o que achou que devia fazer.
- Desculpar-me é o mínimo que posso fazer, depois que my lord me salvou da ameaça de uma surra.
- Apenas ameaça?
- Sim, papai só faz ameaçar. Ele nunca ergueu a mão contra mim. Talvez por isso eu seja tão impossível.
- Esta noite, minha querida, você é apenas uma mulher bonita.
Gina corou e abaixou os olhos.
- Não sei o que dizer quando my lord fala desse modo.
- Oh! Gina...
- Srta. Weasley?
Os dois voltaram-se ao mesmo tempo para o intruso, o jovem filho de um proprietário de terras das vizinhanças.
- Quer me dar a honra? - Ele curvou-se, elegante e polido.
Gina teria preferido esquivar-se, para evitar o tédio que previa, mas sabia quais eram seus deveres. Esboçando um sorriso formal, estendeu-lhe graciosamente a mão, pensando, cheia de ansiedade, quando voltaria a dançar com Harry.
Ele não podia manter os olhos longe dela. Sentia uma cólera fria, irracional, ao vê-la nos braços de outro. Por que sua mãe permitira que ela usasse um traje que a tornava tão... deleitável? E seu pai, como não via que aquele jovem devasso murmurava bobagens encantadoras ao ouvido da filha?
Imprecou por entre os dentes e recebeu um olhar espantado de Gwen, com quem acabara de dançar.
- Que disse, Harry?
- Oh... nada. - Ele sorriu e procurou falar com naturalidade. - Está se divertindo?
Gwen retribuiu o sorriso, desejando secretamente que ele a tirasse novamente para dançar.
- Muito. E você, Harry, aprecia os bailes e as festas?
- Em Londres, durante a temporada, não passava dia sem que houvesse algum tipo de entretenimento a que eu era obrigado a comparecer.
- Eu adoraria conhecer Londres e Paris.
- Algum dia, alguém a levará para conhecê-las.
Ela riu delicada.
- Acha mesmo?
- Sem dúvida nenhuma.
Oferecendo-lhe o braço, Harry levou-a de novo para o centro do salão. Mas, mesmo então, seus olhos continuavam fixos em Gina e seu par. Quando a dança terminou, quis saber:
- Quem é esse rapaz que está falando com Gina?
- É Rob, um dos admiradores dela.
- Admirador...
Harry sentiu como um choque no peito. Tentou falar, sorrir, mas a cena continuava diante de seus olhos. Então, sem refletir, atravessou o salão com largas passadas.
- Srta. Weasley... posso falar com a senhora?
Gina voltou-se para ele, surpresa.
- Lorde Potter! Permita que lhe apresente Rob Weasley.
- Seu criado. - disse ele formal. Depois, tomando Gina pelo braço, levou-a sem cerimônia para a alcova mais próxima.
Com medo de provocar um escândalo, ela não teve outra alternativa senão segui-lo.
- Por que me trouxe aqui? Não vê que está chamando a atenção de todos?
- Pouco importa! Por que permitiu que aquele janota segurasse sua mão?
- Rob Weasley é um jovem de ótima família!
- Que o diabo o leve! - Harry respirava com tanta dificuldade, que ela pôde ouvir um leve sibilar. - Por que ele estava segurando sua mão?
- Porque eu permiti.
- Ele não tem nenhum direito a isso, compreendeu?
- Entenda de uma vez por todas que sou livre de dar a minha mão a quem eu quiser!
Ele fuzilou-a com o olhar.
- Pois não torne a fazer isso, se quiser que esse jovem de boa família continue a viver!
Gina tremia da cabeça aos pés, mas fez esforço para falar com calma:
- Vamos acabar com essa conversa. Quero voltar para o meio dos convidados para não ser obrigada a essa troca inútil de palavras.
- Vai voltar para a companhia dele?
- Se eu quiser.
- Pois não vai, não. - declarou ele, em tom frio e autoritário. - Esta dança é minha.
- Quero lembrá-lo, lorde Potter, que só meu pai pode me dar ordens.
- Isso vai mudar! - Os dedos dele cerraram-se em torno dos pulsos frágeis. - Quando eu voltar de Londres...
- Vai a Londres? - A raiva de Gina esvaiu-se no mesmo instante, substituída pela aflição. - Quando?
- Dentro de dois dias. Tenho que resolver alguns negócios pendentes.
- E quando pretendia contar-me?
- Recebi uma mensagem poucos momentos antes do baile. - A voz dele suavizou-se. - Importa-se que eu vá?
- Por que deveria importar-me? - disse ela, num sussurro cansado.
Ele acariciou-lhe o rosto com ternura.
- Mas você está se importando. Leio isso em seus olhos.
- Engana-se. Para mim, tanto faz que vá ou fique!
- Vou para fortalecer uma aliança de interesses em favor do príncipe.
- Nesse caso, boa viagem.
- Eu voltarei, Gina.
- Voltará, my lord? - Havia um tremor involuntário na voz de Gina, quase um soluço. - Pois eu duvido!
Antes que ele pudesse impedi-la, ela afastou-se rapidamente, abrindo caminho por entre os grupos de convidados.
Agradecimentos especiais:
Bianca: Pois é Gwen, até eu odiei você um pouquinho, porque interromper quando a coisa fica boa, não e mesmo... mas tudo bem, eu concordo com você, gostaria de estar lá para escutar os caras tocando e tocar junto, embora eu não faça a mínima idéia de como tocar um fole, mas posso imaginar não é mesmo? Beijos.
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