e sou o que restou do ontem
Foi um choque. Ela não poderia negar.
Apesar de já estar sob essa exepectativa, tanto era que conhecia seu amado. Claro que já sabia, pressentia, qual seria a postura de Harry. Ela sabia bem mais do que ele poderia supor. Ela já sabia que não fora a toa que Dumbledore dera a Harry durante todo esse ano letivo aulas particulares e secretas. Ela sabia que eram mais do que aulas. Sabia que Harry estava sendo preparado para sair atrás do Lord das trevas e isso não iria demorar. Estava apenas esperando que o próprio Harry confirmasse a ela que não voltaria a Hogwarts no próximo ano, mas que pelo contrário, iria partir em busca do seu destino. Ela sabia da profecia, não fora com ele no ano anterior até o ministério da magia atrás daquele maldito globo, alvo da cobiça cruel daquele que roubara da vida de seu amado toda e qualquer possibilidade de felicidade? Sim. Muito cedo ela soube que seria a corporificação da felicidade de Harry, que a completaria indelevelmente ao lado dos tão queridos amigos de seu amado que, sabia ela, eram o único motivo para que Harry desejasse viver e prosseguir. Talvez também a memória dos pais e o desejo de vingança, mas ela conhecia bem o garoto que amava, e sabia que esses sentimentos apenas não o moveriam. Apenas a dor dos pais mortos e desejos de vingança e justiça não bastariam para que Harry desejasse tanto lutar e vencer. Ela sabia que mais forte do que isso, Harry queria livrar os amigos e todo o mundo de qualquer ameaça, que desejava acima de tudo proteger aqueles que ele amava e evitar a perda de mais pessoas queridas. E ela se orgulhava disso. Por isso não chorou. Apenas concordou, amou ainda mais aquele que se tornava cada dia mais seu grande herói, aquilo que nasceu predestinado a ser.
Agora se encontrava sozinha no pátio. Eram os últimos dias na escola e já não haviam mais aulas, mas os sinos continuavam a soar indicando os horários das refeições e de algumas atividades que ainda aconteciam nessa última semana em Hogwarts. Ela não sabia como seria o próximo ano sem Dumbledore, mas sabia que podia esperar grandes perigos para o próximo ano, e uma estadia no castelo nada agradável, segura ou feliz, como em seus cinco anos até então. E sabia que seria, por todo o ano, difícil respirar em qualquer parte que fosse do castelo, tamanho o fluxo de lembranças que carregava nos arcabouços de sua memória. Exatamente como agora. Não conseguia respirar, ou ao menos não conseguia perceber o ar entrando-lhe pelos pulmões dando manutenção a sua vida que seria, a partir de agora , durante todo o próximo ano e até que seu amado volte vitorioso. Sim. Ela tinha certeza que ele voltaria vitorioso, ou então não suportaria viver mediante sua partida.
Agora os sinos ribombaram melodiosos indicando que estava na hora do jantar e logo depois, seria necessário recolher-se a sala comunal, onde, com certeza o mínimo contato que teria com seu amado seria um cruzamento dos olhares. E ela precisaria estar firme, porque o menor sinal de fraqueza, sabia, se tornaria uma tortura sem fim para o moreno.
Olhou mais uma vez para o céu antes de se dirigir para o interior do castelo. O tempo estava chuvoso, nublado como seus olhos. Repletos de lágrimas, prestes a chover, mas ainda as contendo condensadas em seu comprimido peito.
E percebeu então que desde quando previu o diálogo fatídico que realmente aconteceu entre os dois, ela já criara para si todo o subtexto de que necessitou desesperadamente para suportar a separação que permeava o oposto do desejo de ambos. Criara sua outra consciência, aquela que convencia a primeira a aceitar, suportar, apoiar e esperar seu amado em sua mortal empreitada.
Playground school bell rings again
Rain clouds come to play again
Has no one told you she's not breathing?
Hello I am your mind giving you someone
To talk to... Hello
O sinal do pátio da escola toca de novo
Nuvens chuvosas vêm para brincar de novo
Ninguém disse pra você que ela não está respirando?
Olá sou sua mente dando a você alguém
Para conversar... Olá
E foi essa outra consciência que ela a duras penas, mas competentemente, elaborou que conseguiu agir exatamente como precisava agir diante do seu amado. Foi essa consciência, genuinamente própria, autêntica, mas outra, que não aquela que desejava se agarrar a Harry e tentar impedi-lo, protegê-lo, que desejava prendê-lo a ela indissoluvelmente, ou então segui-lo aonde fosse e entregar deliberadamente a própria vida para que a dele não corrresse nenhum risco, que preferiria morrer a ver o resquício de alegria do moreno ser minada por uma temerária missão, como a de matar o mais perigoso bruxo das trevas que já existira, foi essa, que ela tão carinhosa e meticulosamente forjou no fogo da aflição, que conseguiu resumir todas as atitudes que poderia ter tomada a apenas algumas poucas e apropriadas, foi essa consciência que conseguiu apenas beijá-lo apaixonadamente, concordar com o amado, prometer que o esperaria o tempo que fosse e por fim, no mais dorido ato de amor e desprendimento, sorrir encorajadoramente.
E foi assim que ela decidiu viver sob a tutela dessa nova consciência durante o tempo que fosse necessário ter o amado ausente e assim encarar toda aquela época tenebrosa e infernal como um grande sonho, um interminável pesadelo que uma hora, quando finalmente seu amado herói vencesse, iria terminar e ele poderia voltar para ela e a acordar com um apaixonado beijo, e trazê-la de volta a realidade tão desejada por ambos.
If I smile and don't believe
Soon I know I'll wake from this dream
Don't try to fix me I'm not broken
Hello I am the lie living
For you so you can hide,
Don’t cry
Se eu sorrir e não acreditar
Logo eu sei que irei despertar deste sonho
Não tente me consertar, não estou quebrada
Olá, eu sou a mentira vivendo
Para você para que você possa esconder
Não chore
E ela não chorou, e nem choraria. Não chorou diante dele, não choraria em nenhum momento. Apenas esperaria. Entrou com essa certeza pelas portas do castelo, foi até a mesa da grifinória no salão principal, onde estavam todos os seus mais queridos sentados. Olhou para a mesa da corvinal e viu o loiro rosto de sua outra amiga tão querida em quem confiaria a própria vida, a única que não era da grifinória, e percebeu enfim que não adiantaria fingir que tudo era um grande sonho, um interminável pesadelo. Porque cada vez que olhasse aqueles rostos tão queridos e percebesse que entre eles faltavam três tão incrivelmente inigualáveis e indiscutivelmente insubstituíveis, ela saberia da realidade, teria consciência, tão plena como a de seu amado, que havia sim uma dura batalha acontecendo, e que ela tinha sua parcela de responsabilidade nela. Ela reergueria a Armada de Dumbledore, e ela lutaria, ao lado de todos os grandes bruxos com os quais ela se sentia orgulhosa de estar construindo sua formação acadêmica bruxa, defendendo-os, somando-lhes força, e ela sabia que assim, onde quer que Harry estivesse ele saberia em seu íntimo, em sua alma, que não está sozinho, que o que restou do ontem que os uniu, aos dois, nesse amor interminável, ainda prevaleceria eternamente, e enfim, triunfaria.
Suddenly I know I'm not sleeping
Hello I'm still here
All that's left of yesterday
De repente eu sei que não estou dormindo
Olá ainda estou aqui
Tudo o que restou do ontem
E assim, em sua mais completa consciência, aquela que reuniu as outras duas, ela se sentiu plena, guerreira ao lado de seu guerreiro. Pela primeira vez teve consciência de que seu irmão estaria ausente também e sentiu que sua responsabilidade diante de tudo o que ocorria nas vidas de todos crescia e tomava proporção. Ela não decepcionaria seu amor, nem seu irmão, nem seus amigos. Pelo contrário, ela fomentaria para que todos cumprissem sua parcela de dever mediante a guerra. Sim, era uma guerra, ninguém mais tentava contestar.
E esses eram os últimos dias em que seria possível afirmar que Hogwarts gozava de segurança e paz. Sem Dumbledore em seu caminho Voldemort estaria cada vez mais implacável, com certeza conquistaria tentáculos no ministério e com certeza até mesmo dentro de Hogwarts. E seria preciso resistir. E seria assim. Estava decidido. A Armada de Dumbledore voltaria à ativa no próximo ano letivo, e teria uma nova e nobre missão. Defender Hogwarts e acolher todos os que estivessem sob ameaça dentro do castelo que já não era mais seguro.
E enquanto isso o amor se manteria inabalável. Amor ao irmão e à amiga, que iriam com Harry. Isso a alegrava, saber que Harry não estaria só, mas contaria com a sinceridade desses dois que, provaram inúmeras vezes, jamais o abandonariam. Amor a Harry, por todos os motivos já mencionados e por um ainda, maior que todos os outros. Ele era um ser humano e um bruxo excepcional, era exemplar, seu caráter, sua personalidade. Não merecia estar exposto a tudo aquilo. E independente disso, independente de toda a sua bravura, nobreza, ela o amava, sob qualquer circunstância, e o amaria de igual maneira caso ele tivesse optado por não partir em busca de enfrentar e derrotar o mais perigoso inimigo da sociedade bruxa. Se tivesse optado por se salvar e buscar abrigo e esconderijo, ela teria sido a primeira a providenciar o máximo que pudesse refugio e proteção a ele. Mas ela sabia, sempre soube, nunca exitara, nunca duvidara. Ele partiria tão logo fosse possível, porque ele simplesmente era, inegavelmente, indubitavelmente, a criança da profecia, aquele que sobreviveu. E que sobreviverá sempre, tantas vezes quantas o Lord tentar exterminá-lo.
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