CAPÍTULO DOZE



CAPÍTULO DOZE

Até que não foi tão ruim, concluiu Gina. Pelo menos, em comparação com as revoltas populares das Guerras Urbanas, as câmaras de tortura da Inquisição Espanhola e uma sessão de testes no XR-85, o jato que ia à Lua. E Gina era uma policial, uma veterana com dez anos de serviço, acostumada a enfrentar o perigo.
Estava certa de que seus olhos tremeram um pouco, como os de um cavalo em pânico, quando Trina testou suas tesouras de cabelo.
- Olhe, talvez a gente pudesse simplesmente...
- Deixe tudo por conta dos especialistas. - disse Trina. Gina quase gemeu de alívio quando ela guardou as tesouras novamente. - Vamos ver o que podemos fazer.
Ela chegou mais perto, desarmada, mas Gina a vigiou com cautela.
- Eu tenho um programa de estilos para cabelo. - Leonardo olhou para elas. Estava junto da mesa comprida coberta de tecidos onde ele e Biff trocavam idéias, baixinho. - Ele cria qualquer formato de penteado.
- Eu não preciso de um programa fedorento. - e para provar isso, Trina segurou o rosto de Gina e o colocou entre as duas mãos largas. Com os olhos semi-cerrados, focou com cuidado, movendo os olhos para cima e depois em torno da cabeça de Gina, analisando o queixo e a seguir as maçãs do rosto. - Ela tem uma estrutura óssea decente. - aprovou. - Com quem você faz?
- Com quem eu faço o quê?
- Escultura facial.
- Com Deus mesmo.
Trina fez uma pausa, deu um risinho abafado e então soltou uma gargalhada com estrondo, que parecia vir de uma tuba enferrujada.
- Gostei da sua amiga policial, Luna.
- Ela é a melhor. - confirmou Luna, meio bêbada. Sobre um banquinho ao lado, estudou o próprio rosto no espelho triplo. - Talvez você possa arrumar o meu cabelo também, Trina. Os advogados sugeriram que eu vá à audiência com um visual mais discreto, bem sossegado. Você sabe, cabelo escuro ou algo desse tipo.
- Ah, pára com isso, Luna! - Trina apertou os polegares sob o queixo de Gina para elevá-lo. - Tenho um troço novo aqui que vai sacudir qualquer juiz por baixo da toga, belezoca! A cor é rosabordel, com um toque de prateado. Acabou de ser lançado.
- Isso! - Luna atirou seus cachos da cor de safira para trás e ficou considerando a idéia.
- Imagine só o que eu poderia fazer com você, com um pouco de brilho para dar destaque. - disse Trina, olhando para Gina.
- Quero apenas um corte, tá bom? - seu sangue ficou gelado. - Vamos só dar uma aparada nas pontas.
- Tá bom, tá bom! - Trina empurrou a cabeça de Gina um pouco para a frente sobre o peito - E essa cor também é um presente de Deus? - Ela tornou a dar uma risada, puxou a cabeça de Gina de volta para trás e tirou-lhe todo o cabelo da frente do rosto. - Os olhos são bons. As sobrancelhas precisam ser ajeitadas, mas podemos resolver isso.
- Pegue um pouco mais de vinho para mim, Luna. - Gina fechou os olhos que eram bons e disse a si mesma que, não importa o que acontecesse, tudo ia crescer novamente depois.
- Tudo bem, vamos lavar. - Trina girou a cadeira e a sua relutante usuária até uma pia portátil e puxou a cabeça de Gina para trás, até que o pescoço pousou sobre a base acolchoada. - Feche os olhos e aproveite, querida. Eu faço a melhor massagem e uso o melhor xampu da cidade.
Aquilo era algo realmente especial. O vinho ou os dedos ágeis de Trina fizeram com que a tensão de Gina chegasse aos limites do relaxamento total. Ao longe, ela ouvia Leonardo e Biff discutindo as suas preferências entre cetim carmesim ou seda escarlate como opção para pijamas mais confortáveis. A música que Leonardo programara no som era algo clássico, com arpejos em um piano que parecia chorar baixinho, e o aroma de flores picadas enchia o ar.
Por que motivo Paul Redford contara a ela a respeito da caixinha chinesa e das drogas ilegais? Se ele próprio tivesse voltado lá para buscá-las e agora estava de posse delas, por que iria querer que a sua existência fosse conhecida?
Um blefe? Um estratagema? Talvez jamais tivesse existido caixinha alguma, para começo de conversa. Ou ele já sabia que ela tinha desaparecido mesmo, e então...
Gina não movia um músculo, até que alguma coisa fria e gosmenta foi jogada em sua cara. Nesse momento, ela deu um berro:
- Mas que diabo...
- É uma aplicação facial de Saturnia. - e Trina aplicou um pouco mais da gosma parda. - Limpa os seus poros como se fosse um aspirador de pó. Tratar mal da própria pele é um crime. Ei Luna, dá para você pegar o Sheena para mim, por favor?
- O que é esse Sheena aí?... Ah, deixa pra lá. - sentindo um tremor final, Gina fechou os olhos e se rendeu. - Eu não quero saber.
- Já que você está aqui, vamos fazer um tratamento completo. - Trina espalhou mais daquela lama embaixo do queixo de Gina, com os dedos ágeis fazendo leves massagens para cima. - Você está tensa, querida. Quer que eu coloque um programa de realidade virtual bem legal para você?
- Não, não. Isso já está tão divertido quanto eu consigo agüentar, obrigada.
- Certo. Quer me falar a respeito do seu noivo? - Com um movimento rápido, Trina abriu o roupão que obrigara Gina a vestir e espalmou as mãos cheias de lama em seus seios. Quando os olhos de Gina saltaram, esbugalhados, e olharam para Trina com ferocidade, ela riu. - Não esquenta não... que mulher não é a minha praia. Seu homem vai adorar os seus peitos quando eu acabar de prepará-los.
- Ele já gosta deles agora.
- Sei, mas o amaciante de busto da Saturnia é a última palavra. Seus seios vão parecer pétalas de rosa. Pode acreditar. Ele gosta de apertar ou de chupar?
- Vou fingir que nem ouvi você perguntar isso. – Gina simplesmente fechou os olhos novamente.
- Você é que sabe...
Gina ouviu o barulho de água correndo, e então Trina estava de volta, passando alguma coisa em seu cabelo que tinha um aroma forte de baunilha.
As pessoas pagavam por aquilo, Gina lembrou a si mesma. Grandes quantidades de dinheiro que abriam rombos em suas contas bancárias.
Elas eram, obviamente, insanas. Gina manteve os olhos teimosamente fechados enquanto algo morno e úmido era espalhado por cima dos seus seios já cobertos de lama e em seu rosto. As conversas continuavam em ritmo animado em volta dela. Luna e Trina discutiam as vantagens de vários produtos de beleza enquanto Leonardo e Biff trocavam idéias um com o outro sobre estilos e cores.
Muito insano, tudo aquilo, pensou Gina enquanto deixava escapar um gemido ao sentir os pés serem massageados. Eles acabavam de ser imersos em uma substância quente e estranhamente agradável. Ela ouvia o barulho de alguma coisa estalar, sentiu os pés serem levantados e trabalhados. Então, as mãos receberam o mesmo tratamento.
Ela agüentou tudo, tolerou até mesmo o zumbido de alguma coisa que passava em volta das suas sobrancelhas. E se sentiu heróica ao ouvir a risada fácil de Luna, que flertava com Leonardo.
Ela precisava manter o estado de espírito de Luna em um patamar elevado, pensou. Aquilo era tão importante quanto os outros passos da investigação. Não era o bastante defender os mortos.
Apertou os olhos com mais força quando ouviu o barulhinho das tesouras de Trina e sentiu as pontas junto da pele e o pente através do cabelo. Cabelo era só cabelo, disse a si mesma. A aparência não era importante.
Ah, meu Deus, não permita que ela me escalpele!
Forçou a mente a permanecer focada no trabalho, repassou as perguntas que ia fazer a Redford na manhã seguinte e analisou as possíveis respostas. Era bem provável que ela fosse chamada à sala do comandante para explicar o vazamento de notícias para a imprensa. Ia conseguir lidar com isso.
Precisava marcar uma reunião com Hermione e Neville. Já era hora de saber se alguns dos dados que os três haviam conseguido poderiam se encaixar. Ia voltar à boate e pedir que Crack a apresentasse a alguns dos freqüentadores assíduos. Era possível que alguém tivesse visto quem conversara com Boomer naquela última noite. E se a mesma pessoa também tivesse conversado com Hetta...
Ela fez uma careta quando Trina reclinou a cadeira e começou a retirar a lama.
- Vou liberá-la para você em cinco minutos. - avisou Trina para o impaciente Leonardo. - Os gênios não podem ser apressados. - e riu para Gina. - Você tem uma pele muito boa. Vou deixar algumas amostras de cremes com você. Use-as e você vai conseguir mantê-la assim.
Luna apareceu, olhando para baixo, na direção de seu rosto, e Gina começou a se sentir como uma paciente na mesa de operação.
- Você fez um belo trabalho nas sobrancelhas dela, Trina. - elogiou Luna. - Estão parecendo tão naturais! Tudo o que ela vai precisar fazer é tingir os cílios. Não precisa nem alongá-los. E você não acha fantástica essa covinha no queixo dela?
- Luna. - disse Gina, com ar cansado. - Não me faça bater em você.
- A pizza chegou! - e Gina sorriu. - Coma um pedaço. - e enfiou uma fatia na boca de Gina. - Espere só até ver como a sua pele ficou, Weasley. Está linda!
Gina simplesmente resmungou. O queijo derretido grudou no céu da boca, mas começou a estimular a fome. Com o risco de se engasgar, ela pegou o resto da fatia quando Trina prendeu seu cabelo em um turbante prateado.
- É térmico. - explicou Trina, enquanto colocava a cadeira novamente na posição vertical. - Coloquei um produto que penetra na raiz e fortalece o bulbo.
Gina olhou para o reflexo. Sua pele estava com um ar refrescante, e ao tocá-la com os dedos, ainda desconfiada, Gina sentiu que, certamente, estava mais macia. Só que ela não conseguia ver um fio sequer de cabelo por baixo do turbante.
- Tem cabelo aí debaixo, não tem? Cabelo meu?
- Claro que tem. Muito bem, Leonardo, ela é sua por vinte minutos.
- Finalmente! - Ele abriu um sorriso largo. - Tire o roupão.
- Olhe, escute aqui...
- Weasley, somos todos profissionais aqui. Você vai ter que experimentar o modelo do seu vestido de noiva para fazer a prova. Certamente vou precisar fazer alguns ajustes.
Ela já havia sido toda apalpada por um figurinista, decidiu Gina. Por que, então, não ficar nua na frente de um monte de gente? E, levantando os ombros, deixou cair o roupão.
Leonardo foi para cima dela, trazendo algo branco e brilhante. Antes que conseguisse gritar, ele já a havia envolvido com aquilo e prendera o tecido na parte de trás. Suas mãos imensas entraram por baixo do material e cuidadosamente lhe ajustaram os seios. Agachando-se, ele enfiou uma ponta do tecido por entre as pernas de Gina, segurando-a, e então foi para trás dela.
- Ah!
- Caramba, Weasley! A língua de Potter vai ficar pendurada para fora e bater no chão quando ele colocar os olhos nisso.
- E que diabo é isso?
- Uma variação do velho modelo da Viúva Alegre. - com gestos rápidos e certeiros, esticando e puxando, Leonardo terminou a prova. - Eu chamo este modelo de Curvilíneo. Ele acrescenta um pouco de volume sob o busto. Seus seios são legais, mas este corte dá um pouco mais de contorno. Agora, apenas um toque de renda e algumas pérolas. Nada muito papagaiado. - e a virou de frente para o espelho.
Ela parecia sexy, cheia de curvas. Madura, notou Gina, com um pouco de espanto. O material tinha um brilho discreto, como se estivesse úmido. Ele envolvia a cintura, moldava os quadris e, ela tinha de reconhecer, levantava o busto de modo novo e fascinante.
- Bem apropriado, acho, para... você sabe... a noite de núpcias.
- Para qualquer noite! - exclamou Luna, com ar sonhador. - Ah, Leonardo, você não quer fazer um desses para mim?
- Já fiz, todo em seda, em uma cor chamada vermelho-patife. E então, Weasley, está espetando em algum lugar ou incomodando?
- Não. - Ela mal podia acreditar. Podia estar sendo torturante e, no entanto, era tão confortável quanto uma roupa de ginástica. Para experimentar, ela se curvou e girou o corpo. - Nem parece que estou vestida.
- Excelente! Biff achou este tecido em uma lojinha no Satélite Richer Five. Agora, vamos ao vestido! Está só alinhavado; portanto, temos que tomar cuidado. Levante os braços, por favor.
Ele colocou a roupa por cima de sua cabeça e a deixou cair, deslizando. O tecido era fabuloso. Dava para ver isso, mesmo todo marcado por linhas pontilhadas. Parecia perfeito nela, o formato reto, as mangas justas, a linha simples, mas Leonardo franziu as sobrancelhas, ajeitou o material e fez mais algumas dobras e pregas.
- A gola ficou boa, ficou mesmo. Onde está o colar?
- Hein?
- O colar de cobre e pedras. Não disse para você pedir um ao seu noivo?
- Não posso simplesmente chegar e dizer a Harry que eu quero um colar!
Leonardo soltou um suspiro, fez Gina girar o corpo e trocou um olhar com Luna. Concordando com a cabeça, mediu os quadris de Gina.
- Você perdeu peso. - ele acusou.
- Não, não perdi.
- Perdeu sim. Pelo menos um quilo. - e estalou a língua. - Não vou mexer na roupa ainda não. Tente ganhar esse peso de volta.
Biff apareceu ao lado e segurou uma peça de tecido junto da pele do rosto de Gina. Com um aceno de cabeça, voltou ao seu lugar murmurando para o notebook.
- Biff, dá para você mostrar a ela os outros modelos enquanto eu anoto os ajustes que vou precisar fazer no vestido?
Com um floreio, Biff ligou um telão de parede e começou:
- Como você pode ver, Leonardo analisou tanto o seu estilo de vida quanto as medidas do seu corpo para criar estes modelos. Este terninho simples é perfeito para um almoço de negócios, uma entrevista coletiva com a imprensa, muito simples e, no entanto, trés, trés chic. O material que utilizamos foi um linho misto, entremeado com um pouco de seda. A cor é amarelo-citrino com um toque de vermelho-granada.
- Hã-hã... - Para Gina pareceu, a princípio, um terninho simples e simpático, mas ela levou um susto ao ver a sua imagem gerada por computador aparecer na tela, envergando a roupa. - Biff?
- Sim, tenente.
- Por que você tem um mapa tatuado na cabeça?
- É que eu tenho um péssimo senso de direção. - Ele sorriu. - Bem, o modelo seguinte dá continuidade ao tema.
Ela viu uma dúzia de modelos. Eles se misturaram todos em sua cabeça. Um modelo raiado em verde-limão, renda da Bretanha enfeitando uma roupa de veludo, seda preta, clássica. Todas as vezes que Luna exclamava "Ohs" e "Ahs", Gina encomendava a roupa na mesma hora, sem pensar. Qual a importância de ficar pagando prestações pelo resto da vida, comparado com a paz de espírito de sua melhor amiga?
- Pronto, isso já vai deixar vocês dois ocupados por um bom tempo. - comentou Gina. No minuto em que Leonardo pegou o vestido de volta, Trina envolveu Gina novamente com o manto.
- Agora, para coroar gloriosamente o nosso trabalho, vamos dar uma olhada no cabelo. - Depois de desenrolar o turbante, ela pegou no meio dos próprios cabelos encaracolados um pente comprido que mais parecia um pequeno forcado e começou a puxar, alisar e afofar.
O alívio inicial de Gina ao sentir que ainda tinha cabelos para serem penteados desapareceu rapidamente no instante em que olhou diretamente para uma das espirais rosadas, pequenas cobras que saíam da cabeça da cabeleireira.
- Quem é que prepara o seu cabelo, Trina?
- Ninguém toca neles, a não ser eu mesma. - e piscou. - Além de Deus. Pronto, dê uma olhada.
Preparada para o pior, Gina girou a cabeça. A mulher no espelho era, sem dúvida, Gina Weasley. A princípio, ela achou que toda aquela encenação tinha sido uma brincadeira bem elaborada, e nada tinha sido feito em seu cabelo, na verdade. Então, resolveu olhar mais de perto e chegou o rosto junto da imagem. Os tufos picotados e as pontas rebeldes haviam desaparecido. Seus cabelos estavam com um corte casual, sem estrutura definida, mas pareciam estar com formato e volume, afinal. E, certamente, eles não possuíam aquele brilho maravilhoso antes. O corte acompanhava as linhas do seu rosto de forma agradável, a franja curta servia de moldura e ressaltava a curvatura das maçãs do rosto. E quando ela balançou a cabeça de um lado para outro, tudo voltou ao lugar, de forma obediente.
Gina apertou os olhos, passou os dedos através dos fios e os viu tombar de volta para o lugar.
- Você colocou luzes nele?
- Nadinha... Os reflexos são naturais. Eu puxei o brilho que eles já tinham com o Sheena, só isso. Você tem cabelos de gazela.
- O quê?
- Já viu uma gazela se escondendo nos arbustos? Ela tem todas aquelas cores, ruivo, castanho, dourado, até mesmo toques de preto. É o que você tem aqui. Deus tem sido muito bom com você. O problema é que quem tem aparado o seu cabelo anda usando um cortador de grama e nenhum tonificante.
- Parece muito bom.
- É claro que parece! Eu sou uma estilista de cabelos genial.
- Você está linda! - Subitamente, Luna cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar. - Você vai se casar...
- Ah, meu Deus, não fique assim, Luna, pare com isso! - Sem saber o que fazer, Gina lhe deu encorajadores tapinhas nas costas.
- Eu estou tão bêbada, tão feliz! E tão apavorada, Gina, perdi meu emprego!
- Eu sei, querida. Sinto muito. Você vai conseguir outro. Um emprego ainda melhor.
- Eu não me importo. Não quero saber. Não vou esquentar. Vamos preparar o casamento mais espetacular que já houve; não vamos, Gina?
- Pode apostar.
- Leonardo está fazendo o vestido mais arrasador para mim também. Vamos mostrar para ela, Leonardo!
- Amanhã. - e chegou junto dela, aconchegando-a nos braços. - Weasley está cansada.
- Ah, isso é verdade! Ela precisa de um descanso. - Luna deixou a cabeça reclinar para o lado sobre o ombro. - Ela trabalha demais! Está muito preocupada comigo. Não quero que ela se preocupe assim, Leonardo. Tudo vai dar certo, não vai? No final, vai dar tudo certo.
- Tudo certo. - Leonardo lançou para Gina um último olhar desconfortável, antes de levar Luna embora.
- Droga! - suspirou Gina, enquanto os observava sair.
- Como se aquela coisinha doce fosse capaz de desfigurar por completo a cara de alguém... - reclamou Trina com mau humor, enquanto arrumava seus apetrechos. - Espero que Cho esteja queimando no inferno!
- Você a conhecia?
- Todo mundo que trabalha nessa área a conhecia. E a detestava com todas as forças. Certo, Biff?
- Ela já nasceu uma vaca e morreu como uma vaca.
- Ela usava drogas ou só comercializava?
Biff olhou de lado para Trina e então encolheu os ombros.
- Ela nunca vendeu assim, abertamente, mas todo mundo ouvia dizer que ela andava sempre com um bom estoque. O bochicho é que ela era viciada em Erótica. Gostava de sexo, e provavelmente vendia um pouco de cada vez para o parceiro que estivesse com ela.
- E você alguma vez foi um desses parceiros que esteve com ela?
- Romanticamente, eu prefiro os homens. - e sorriu. - Eles são menos complicados.
- E quanto a você, Trina?
- Eu prefiro os homens também, pelo mesmo motivo. Assim como Cho. - Trina pegou o seu kit. - No último desfile do qual participei, a fofoca era que ela andava misturando negócios com prazer. Tinha um cara de quem ela estava chupando o sangue. Andava exibindo um monte de brilhos novos pelo corpo. Cho gostava de decorar a pele com pedras preciosas de verdade, mas não gostava de pagar por isso. O pessoal achava que tinha algum tipo de acordo com uma fonte.
- E você sabe o nome dessa fonte?
- Não, mas ela vivia pendurada no tele-link portátil entre as mudanças de roupa, o tempo todo. Isso já faz uns três meses. Não sei com quem conversava, mas pelo menos uma das chamadas era sempre intergaláctica, porque ela ficava extremamente revoltada com o atraso de voz.
- Ela estava sempre com um tele-link portátil?
- Todos os que trabalham no mundo da moda e beleza estão sempre com um tele-link à mão, querida. Somos como os médicos.

Já era quase meia-noite quando Gina conseguiu chegar à sua mesa de trabalho. Não conseguia enfrentar o quarto de casal sozinha, preferia a suíte que usava para ter privacidade e poder trabalhar. Programou um café, mas se esqueceu de tomá-lo. Sem Neville por perto não havia escolha, a não ser procurar no escuro e tentar rastrear uma chamada intergaláctica feita há três meses de um tele-link portátil que ela não tinha.
Depois de uma hora, ela desistiu e se arrastou até a cadeira reclinável. Ia só tirar um cochilo, disse a si mesma. Ajustou o alarme mental para acordar às cinco da manhã.
Drogas ilegais, assassinato e dinheiro sempre andam juntos. Tenho que descobrir a fonte, pensou, já meio zonza de sono. Preciso identificar a substância desconhecida.
De quem você estava se escondendo, Boomer? Como conseguiu pôr as mãos em uma amostra e pegar a fórmula? Quem deixou você todo quebrado para tê-las de volta?
A imagem do corpo massacrado de Boomer piscou em sua mente e foi vigorosamente descartada. Ela não precisava pegar no sono acompanhada por aquela visão.
Teria sido muito melhor do que as imagens com as quais ela acabou se envolvendo...

A luz vermelha piscava o tempo todo através da janela. SEXO! AO VIVO! SEXO! AO VIVO!
Gina tinha só oito anos, mas era muito esperta. Perguntou a si mesma se as pessoas pagariam para ver "sexo ao morto". Deitada em sua cama, ela olhava para a luz que piscava. Ela sabia o que era sexo. Era algo feio, doloroso, assustador. E do qual não tinha escapatória.
Talvez ele não voltasse para casa naquela noite. Ela já parara de rezar, pedindo que ele se esquecesse do lugar em que a deixara ou caísse morto em algum beco próximo. Ele sempre voltava.
Às vezes, porém, se ela estivesse com muita, muita sorte, ele chegava tão bêbado e desorientado que não conseguia fazer nada além de despencar em cima da cama e roncar. Nessas noites, ela estremecia de alívio e se enroscava no cantinho da cama para dormir.
Pensava o tempo todo em escapar dali. Em achar um jeito de passar pela porta trancada e descer os cinco andares. Quando a noite era muito ruim, ela se imaginava simplesmente pulando da janela. O vôo até lá embaixo seria rápido, e então tudo estaria terminado.
Ele não seria mais capaz de machucá-la depois disso. Só que ela era covarde demais para pular.
Era apenas uma criança, afinal, e, naquela noite, estava com muita fome. E sentia frio, porque ele quebrara o controle de temperatura ambiente em um acesso de fúria e o aparelho ficara ligado direto na ventilação máxima.
Foi andando até o canto do quarto que servia de quitinete. Como já estava bem escolada, bateu na gaveta fechada antes de abri-la, para espalhar as baratas. Encontrou uma barra de chocolate lá dentro. A última. Ele provavelmente bateria nela, por ter comido a última barra. Também, a verdade é que ele bateria nela de qualquer forma; então, era melhor que, pelo menos, ela aproveitasse o doce.
Atacou a barra como um animal e limpou a boca com as costas da mão. A fome continuava. Uma pesquisa mais apurada a fez encontrar um pedaço de queijo já mordido. Ela não queria nem pensar no que é que andara mordendo as pontas do queijo! Com todo o cuidado, pegou uma faca e começou a raspar as arestas nojentas.
Então, ouviu um barulho na porta. Em pânico, deixou a faca cair no chão. O objeto fez barulho ao bater no piso e ele entrou.
- O que anda aprontando, garotinha?
- Nada. Eu acordei. Vim apenas pegar um pouco d'água.
- Acordou. - Seus olhos estavam vidrados, mas não o bastante, ela notou, sem esperança. - Sentiu saudades do papai? Venha dar um beijinho no papai...
Ela mal podia respirar. Já estava sem ar, e o espaço entre as suas pequenas pernas, onde ele a machucara, começou a latejar, com um medo doloroso.
- Estou com dor de estômago. - explicou ela.
- Ah, é? Então papai vai dar um beijinho aí. - Estava sorrindo quando atravessou o quarto em direção a ela. Então, o sorriso desapareceu. - Você não andou comendo novamente sem me pedir, andou? Andou?
- Não, eu... - mas a mentira e a esperança de escapar morreram na mesma hora, no instante em que a mão dele atingiu-lhe o rosto, com toda a força. Os seus lábios se abriram e seus olhos se encheram d'água, mas ela mal piscou. - Eu ia pegar um pedaço de queijo. Ia preparar um lanche para quando o senhor...
Ele a golpeou novamente, com tanta força que ela sentiu estrelas explodindo dentro da sua cabeça. Dessa vez ela caiu, e, antes que conseguisse lutar para se colocar novamente em pé, ele já estava sobre ela.
E então os gritos, gritos dela, porque os seus punhos eram duros e implacáveis. Dor, uma dor cegante, uma dor que entorpecia e não representava nada além de medo. O medo que sentia por saber que, por mais horrível que parecesse, aquilo ainda não era o pior que ele fazia com ela.
- Papai, por favor! Por favor, por favor!
- Vou ter que punir você! Você nunca me escuta! Jamais me escuta! Depois, vou lhe dar um presente... Um presente bem legal, bem grande, e você vai ser uma boa menina...
Seu hálito estava quente sobre o rosto dela e, por algum motivo, tinha cheiro de bala. Suas mãos rasgavam as suas roupas já esfarrapadas, apalpando, apertando, invadindo. A respiração dele mudou, uma mudança que ela já conhecia e temia. Começou a ficar ofegante e voraz.
- Não, não, isso machuca, isso machuca!
Sua pobre carne de criança resistia. Ela batia nele, ainda gritando, foi levada para algum ponto além do medo e o arranhou. Ele soltou um urro de dor e fúria. Virou o braço dela para trás. Ela ouviu o som seco e pavoroso do seu próprio braço se quebrando.
- Tenente. Tenente Weasley...
O grito lançou-se de sua garganta e ela acordou agitando-se, às cegas. Em um estado de pânico selvagem, lançou-se para a frente, com as pernas tremendo, e caiu no chão, formando uma massa sem forças.
- Tenente!
Ela recuou ao sentir a mão que tocava em seu ombro e se encolheu toda, enquanto os soluços e gritos eram abafados na garganta.
- A senhorita estava sonhando. - disse Moody com cuidado, o rosto impassível. Daria para ver a compreensão nos olhos dele se ela não estivesse completamente embotada com a lembrança. - A senhorita estava sonhando. - repetiu ele, aproximando-se com cuidado, como se ela fosse um lobo preso na armadilha. - Foi um pesadelo.
- Fique longe de mim! Vá embora. Saia daqui e fique lá fora!
- Tenente. A senhorita sabe onde está?
- Sim, eu sei onde estou. - Ela conseguiu pronunciar as palavras entre rápidas golfadas de ar. Estava com frio, tremendo, e não conseguia parar de tremer. - Vá embora! Simplesmente vá embora! - Ela conseguiu ficar de joelhos, e então cobriu a boca com as mãos e sacudiu o corpo. - Que droga! Caia fora daqui, agora!
- Deixe-me ajudá-la a se sentar na cadeira. - As mãos dele eram gentis, mas firmes o bastante para conseguir segurá-la mesmo quando ela tentou empurrá-lo.
- Não preciso de ajuda.
- Mas eu vou ajudá-la a chegar até a cadeira. - Tudo o que ele via é que ela era uma criança agora, uma criança ferida que precisava de cuidados. Como a sua Marlena. Ele tentou não imaginar se sua filhinha havia implorado como Gina fizera. Depois de colocá-la na cadeira, Moody foi até uma cômoda e pegou um cobertor. Os dentes de Gina estavam batendo e os seus olhos estavam arregalados de choque.
- Fique parada! - A ordem foi enérgica, pois ela já estava tentando se levantar. - Fique onde eu a coloquei e permaneça quieta!
Ele girou sobre os calcanhares e foi direto até o AutoChef da pequena cozinha. Havia gotas de suor na testa de Moody e ele as enxugou com um lenço enquanto ordenava um chá calmante. Suas mãos tremiam. Não era surpresa. Os gritos de Gina causaram-lhe calafrios e o fizeram ir até a suíte dela com toda a rapidez.
Eram gritos de criança.
Acalmando-se um pouco, ele levou o copo até onde ela estava.
- Beba isto!
- Eu não quero...
- Beba, ou eu enfio o líquido pela sua goela abaixo, com todo o prazer!
Gina pensou em dar um tapa na mão dele e atirar o copo longe, e então conseguiu deixar os dois constrangidos ao se enroscar toda, formando uma bola, e começar a chorar baixinho. Desistindo, Moody colocou o copo ao lado dela, ajeitou o cobertor com mais firmeza em torno do seu corpo e saiu com o objetivo de entrar em contato com o médico pessoal de Harry.
Mas foi o próprio Harry que encontrou, ao chegar ao andar de baixo.
- Moody, você não dorme nunca?
- Trata-se de um problema com a tenente Weasley. Ela está...
Harry largou sua pasta na mesma hora, agarrou Moody pela lapela e perguntou:
- Ela está ferida? Onde ela está?
- Foi um pesadelo... Ela estava gritando... - Moody deixou a compostura usual de lado e passou a mão pelos cabelos. - Não quer cooperar. Estava indo chamar o seu médico. Deixei-a em seu quarto privativo.
Quando Harry o empurrou para o lado, Moody agarrou-lhe o braço.
- Harry, você deveria ter me contado o que fizeram com ela. - Harry simplesmente balançou a cabeça e continuou andando.
- Eu cuido dela. - disse.
Ele a encontrou toda encolhida e tremendo. As emoções se digladiaram dentro dele, raiva, alívio, pesar e culpa. Ele lutou com todas elas e a levantou com todo o cuidado.
- Agora já está tudo bem, Gina.
- Harry. - Ela estremeceu convulsivamente e então se aninhou junto dele, enquanto ele se acomodava na cadeira, com ela no colo. - Os sonhos.
- Eu sei. - e aplicou um beijo em sua testa molhada. - Eu sinto muito.
- Eles vêm o tempo todo agora, o tempo todo! Nada consegue pará-los.
- Gina, por que não me contou? - Ele colocou a cabeça dela um pouco para trás, para olhar melhor para o seu rosto. - Você não precisa passar por tudo isso sozinha.
- Nada consegue fazer os sonhos pararem. - repetiu ela. - Eu não conseguia me lembrar de mais nada. Agora, eu me lembro de tudo. - e esfregou a parte interna do pulso sobre o rosto. - Eu o matei, Harry! Eu matei o meu pai!





Agradecimento especial:

Bianca: O capitulo H/G foi mesmo muito interessante, a Gina tem medo de viajar, quem diria, mas o Harry vai sim dar um jeitinho e a levara para o outro planeta, o que vai ficar mais claro no próximo livro, Lua-de-Mel. É uma especialista e ela vem no próximo capitulo. Isso mesmo, o lance entre a Hermione e o Draco vai ser puramente físico, não que ela não vá desfrutar, não é mesmo? A garota foi mais uma queima de arquivo, como diriam os policias, sabia demais. Os amigos da Luna são todos loucos e divertidos, mas a amam incondicionavelmente, a Gina é muito esperta e sabe jogar como ninguém. Obrigado pelo feliz aniversario, não importa se já passou ou não, o que vale é a intenção. Beijão pra você.


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