CAPÍTULO UM
CAPÍTULO UM
Preparar-se para o próprio casamento era algo de matar! Para começar, Gina nem sabia como foi que aquilo acontecera. Ela era uma policial, pelo amor de Deus! Durante todo o período em que esteve na força, ela acreditara firmemente na teoria de que os policiais deviam permanecer solteiros, sem ficar sobrecarregados, para conseguir concentrar a atenção no trabalho. Era loucura acreditar que alguém seria capaz de dividir o seu tempo, a sua energia e as suas emoções entre a lei cheia de nuances entre o certo e o errado e uma família, com todas as suas exigências e diferenças de personalidade.
As duas carreiras (e, pelo que ela podia observar, o casamento era uma espécie de emprego) impunham necessidades impossíveis e infernais horas de trabalho. Não importa que o ano fosse 2058, uma época gloriosa e iluminada para o avanço tecnológico, porque casamento ainda era casamento. E para Gina ele se traduzia em terror.
No entanto, ali estava ela, em um lindo dia de verão (era um dos seus raros e preciosos dias de folga) preparando-se para ir às compras. Não conseguia evitar os calafrios. E não eram compras comuns, lembrou a si mesma, sentindo o estômago se repuxar. Era a aquisição de um vestido de noiva.
Ela só podia ter enlouquecido.
Aquilo tudo tinha sido idéia de Harry, é claro. Ele a pegara em um momento de fraqueza. Os dois estavam sangrando naquele momento, feridos e sentindo-se com sorte por estarem vivos. Quando um homem é esperto e conhece a sua presa bem o bastante para escolher a hora e o lugar certos para propor casamento, bem, então a mulher não tem escapatória.
Pelo menos no caso de uma mulher como Gina Weasley.
- Você está com cara de quem vai prender uma quadrilha de traficantes de drogas químicas sozinha e desarmada.
Gina enfiou o sapato, levantou os olhos e olhou para trás. Ele era atraente demais, pensou. Tinha uma beleza quase criminosa. O rosto forte, a boca que inspirava poesia, os olhos azuis arrasadores. A juba de cabelos pretos e pesados que a enfeitiçava. E quando a gente conferia o resto do corpo ficava igualmente impressionado. Para dar um toque final, era só acrescentar o leve traço de um sotaque irlandês e pronto! Um tremendo presente!
- O que eu vou ter que enfrentar é pior do que qualquer traficante! - Ao ouvir o tom estridente de sua voz, Gina fez cara de quem não gostou. Ela nunca falava assim, com a voz esganiçada. A verdade, porém, é que ela preferia brigar corpo a corpo com um viciado enfurecido a ficar discutindo o comprimento e a bainha de um vestido.
Bainha! Ai, doce Cristo!
Ela engoliu uma maldição pouco antes de lançá-la e ficou olhando para Harry com os olhos apertados, enquanto ele atravessava o quarto espaçoso. Ele tinha o poder de fazê-la se sentir tola nos momentos mais estranhos. Como agora, ao se sentar ao lado dela na cama alta e larga que dividiam.
Ele tomou o queixo dela em sua mão e disse:
- Estou perdidamente apaixonado por você.
Pronto! Aquele homem com olhos pecaminosos, o olhar forte e lindo que lhe fazia lembrar um anjo caído a amava.
- Harry... - ela fez força para não soltar um suspiro. Era mais fácil e dava menos medo enfrentar um laser engatilhado nas mãos de um mercenário mutante enlouquecido, situação que ela já enfrentara, do que encarar uma emoção inabalável como aquela. - Eu vou até o fim. Já lhe disse que sim.
As sobrancelhas dele se apertaram, escuras, convergindo para o centro da testa. Ele se perguntou como é que ela podia se manter tão inconsciente do próprio encanto enquanto ficava ali com cara de irritada, os cabelos em tom castanho-claro, muito mal cortados, espalhando-se em tufos e pontas, agitados pelas mãos inquietas, além das linhas de aborrecimento e dúvida que apareciam por entre seus olhos grandes com a cor do mel.
- Querida Gina... - ele beijou de leve seus lábios franzidos e a seguir tornou a fazê-lo, dessa vez mirando a covinha de seu queixo. - Eu jamais duvidei disso. - Embora duvidasse o tempo todo. - Preciso resolver várias coisas hoje. Você voltou tarde para casa. Não tive chance de lhe perguntar quais eram os seus planos.
- A emboscada que preparamos para o caso Bines só terminou às três da manhã.
- Vocês o pegaram?
- Ele caiu direto nos meus braços, embalado por sonhos e uma maratona de realidade virtual. - Ela sorriu, mas era um sorriso de caçador, sombrio e feroz. - O assassino canalha veio até mim como um robozinho de estimação.
- Que bom! - Harry deu um tapinha no ombro dela, antes de se levantar. Descendo da plataforma elevada onde ficava a cama, ele foi até o quarto de vestir e começou a escolher um dentre inúmeros paletós. - E para hoje? Você tem relatórios para preencher?
- Não, estou de folga.
- Ah, é? - com ar distraído ele se virou para trás, segurando um maravilhoso paletó preto de seda na mão. - Posso remarcar os meus compromissos da parte da manhã, se você quiser.
O que seria o mesmo, avaliou Gina, que um general remarcar batalhas. No mundo de Harry, os negócios eram uma guerra complicada e rentável.
- Eu já marquei hora. - a expressão fechada voltou ao rosto de Gina, antes que ela conseguisse impedir. - Vou às compras - murmurou - para comprar meu vestido de noiva.
Ao ouvir isso, ele exibiu um sorriso rápido e espontâneo. Vindo dela, aquilo era uma declaração de amor.
- Não é à toa que você está com essa cara emburrada! Eu lhe disse que podia cuidar disso.
- Eu escolho o meu próprio vestido de noiva. E eu mesma quero pagar por ele também. Não estou me casando com você por causa da porcaria do seu dinheiro!
Tranqüilo e tão elegante quanto o paletó que vestiu, Harry continuava a sorrir.
- E por que está se casando comigo, tenente? - a cara emburrada de Gina se fechou ainda mais, mas Harry era, acima de tudo, um homem paciente. - Quer que eu lhe dê várias opções?
- Porque você jamais aceita um não como resposta. - ela se levantou e enfiou as mãos nos bolsos.
- Humm... Só meio ponto por essa resposta. Tente outra.
- Porque eu pirei de vez.
- Hã-hã... Isso não vale uma viagem para dois até o Mundo Tropical no Satélite Star 50.
- Talvez eu ame você. - Um sorriso relutante transpareceu em seus lábios.
- Pode ser. - Satisfeito com isso, ele atravessou o quarto até onde ela estava e colocou as mãos em seus ombros fortes. - Comprar um vestido não deve ser assim tão difícil. Você pode pesquisar algumas páginas de compras no computador, escolher entre dezenas de modelos interessantes e encomendar o que lhe agradar mais.
- Essa era a minha idéia, - e levantou os olhos - só que a Luna me fez descartar isso.
- Luna? - ele empalideceu um pouco. - Gina, diga que você não vai comprar esse vestido com a Luna!
- Ela tem um amigo. - A reação dele a deixou mais animada. - Ele é estilista de moda.
- Meu santo Cristo!
- Luna diz que ele é o máximo! Está só precisando de uma chance para estourar no mundo fashion. Tem um pequeno ateliê no Soho.
- Vamos fugir, só nos dois. Agora! Você está muito bem assim mesmo.
- Assustado? - o sorriso de Gina se abriu.
- Aterrorizado.
- Que bom, estamos empatados! - Adorando o fato de estar sobre a plataforma e acima dele, ela se inclinou e o beijou. - Agora você vai ter bastante com o que se preocupar, imaginando o que eu vou usar na hora da cerimônia, no grande dia. Tenho que ir. - e deu um tapinha em sua bochecha. - Vou me encontrar com ela em vinte minutos.
- Gina! - Harry agarrou a mão dela. - Você não vai fazer nenhum papel ridículo, vai?
- Eu vou me casar, não vou? - e puxou a mão para livrar-se dele. - O que pode ser mais ridículo do que isso?
Gina tinha esperança de que Harry fosse ficar encucado com aquilo pelo resto do dia. A idéia do casamento já era assustadora, mas uma cerimônia completa com roupas, flores, música e convidados era horripilante.
Seguindo em alta velocidade pela Avenida Lexington, ela teve que frear de repente e resmungou xingamentos para o vendedor ambulante com seu carrinho de cachorros-quentes fumegantes que se espremia na pista, junto da calçada. A violação já era péssima, mas o nauseante cheiro das salsichas de soja cozidas demais atingiu o seu estômago como se fosse chumbo.
O motorista do táxi expresso que parou bem atrás dela violou as leis anti-poluição sonora apertando a buzina e berrando palavrões pelo alto-falante. Alguns turistas, carregados com pequenas câmeras, mapas computadorizados e binóculos, olhavam com cara apalermada para o tráfego incessante. Gina balançou a cabeça ao ver um trombadinha se infiltrar no meio deles.
Ao chegarem de volta no hotel, eles iam descobrir que estavam várias fichas de crédito mais pobres. Se ela estivesse com tempo e conseguisse estacionar, ia perseguir o pequeno larapio. Só que ele se perdeu na multidão e já estava na outra esquina montado em seus skates aéreos antes mesmo de Gina ter tempo de piscar.
Nova York era assim mesmo, pensou ela, com um sorriso tênue. É tudo por conta e risco do freguês. Gina amava as multidões, o barulho, a correria frenética daquela cidade. Você quase nunca estava sozinho, mas jamais conseguia intimidade com alguém. Foi por isso que ela escolhera vir para Nova York, tantos anos atrás.
Não, ela não era um ser social, mas espaço demais e solidão em excesso a deixavam nervosa.
Ela viera para Nova York para ser uma policial, pois acreditava na ordem e precisava dela para sobreviver. Sua infância miserável e cheia de abusos, com todos os seus espaços em branco e cantos escuros, não podia ser modificada. Mas ela mudara. Adquirira controle sobre a própria vida e se transformara na pessoa que alguma assistente social anônima batizara de Gina Weasley.
Agora, ela estava mudando novamente. Dentro de poucas semanas não ia mais ser apenas Gina Weasley, tenente da Divisão de Homicídios do Departamento de Polícia de Nova York. Ela seria também a esposa de Harry. Como conseguir manter as duas identidades era algo tão misterioso quanto o pior dos casos que já pousara em sua mesa.
Nem ela nem Harry sabiam o que era ter parentes ou formar uma família. Só conheciam crueldade, abuso e abandono. Ela se perguntava se não era por causa disso que os dois estavam juntos. Ambos sabiam o que era não ter nada, não ser nada; os dois conheciam o medo, a fome e o desespero; e os dois haviam reconstruído as próprias vidas.
Ou será que era apenas a necessidade mútua que os atraía? A necessidade de sexo, de amor e a combinação desses dois elementos que ela jamais imaginou ser possível antes de Harry.
Questões para a doutora Minerva, refletiu Gina, pensando na psiquiatra da polícia com quem às vezes se consultava. Por ora, no entanto, Gina estava determinada a não pensar sobre o futuro nem sobre o passado. O presente já trazia complicações suficientes.
A três quarteirões da Rua Greene, ela aproveitou uma vaga e estacionou. Depois de remexer nos bolsos, encontrou algumas fichas de crédito para enfiar no parquímetro decrépito que estalava e chiava com ruídos de estática, e colocou o bastante para cobrir um período de duas horas.
Se levasse mais tempo do que isso, ela já estaria pronta para ir para o hospício, e uma multa de trânsito seria o menor dos problemas. Respirando fundo, deu uma olhada na área em volta. Ela não era chamada para aquela região da cidade com muita freqüência. Assassinatos aconteciam em toda parte, mas o Soho era um baluarte para jovens aficionados por arte que lutavam pela vida, e normalmente resolviam suas diferenças com a ajuda de copos de vinho barato ou xícaras de café bem forte.
Naquele momento, o Soho estava vestido para o verão. Vendedores de flores explodiam, cercados de rosas; havia as clássicas, vermelhas e claras, e havia as híbridas, listradas. O tráfego se arrastava, barulhento, sobre as ruas, e ribombava acima, alimentado pelo êxodo vacilante das pessoas. Os pedestres, em sua maioria, se amontoavam nas calçadas tradicionais, embora as passarelas deslizantes também estivessem lotadas. As roupas largas e soltas, que estavam na última moda na Europa, também se destacavam ali, e havia sandálias trabalhadas, adornos de cabeça e cordões entrelaçados e brilhantes que pendiam das orelhas até os ombros.
Pintores de quadros a óleo e aquarelas, bem como artistas de pinturas por computador, exibiam suas obras pelas esquinas e na frente das lojas, competindo com vendedores de frutas híbridas, iogurtes gelados ou combinados vegetais naturais, sem conservantes.
Membros da Seita Pura, típicos do Soho, desfilavam em seus mantos brancos como a neve e sujos na barra, com os olhos brilhando e as cabeças raspadas. Gina ofereceu algumas fichas de crédito a um deles que tinha o olhar particularmente devoto e suplicante, e foi recompensada por um sorriso beatífico e um pequeno cristal brilhante.
- Amor puro - desejou-lhe o devoto - e alegria pura.
- Sim, tá legal! - murmurou Gina, e passou de lado.
Ela tinha que voltar a pé para achar o ateliê de Leonardo. O figurinista promissor alugara o último piso de um prédio de três andares. A janela que dava para a calçada estava cheia de manequins, explosões de cores e formas que fizeram Gina engolir em seco, de nervoso. Seu gosto para roupas tendia para o insípido e o banal, de acordo com Luna.
Pelo jeito, Gina notou enquanto tomava a passarela até o nível da vitrine para dar uma olhada. O estilo de Leonardo não tinha nada a ver com ela.
O aperto no estômago voltou com força redobrada quando ela analisou as roupas mais de perto pelo lado de fora do vidro e viu as plumas, as contas e os terninhos emborrachados tingidos. Por mais que adorasse imaginar a cara que Harry ia fazer ao vê-la em uma daquelas vestimentas, ela não podia se casar usando uma roupa de borracha fluorescente.
Havia mais, muito mais. Pelo visto, parecia que Leonardo era adepto da arte de chamar a atenção. Seu modelo mais importante, exibido em um manequim sem rosto com ar fantasmagórico, era uma elaborada roupa toda drapeada feita de inúmeros lenços transparentes que brilhavam com tamanha intensidade que o material parecia vivo.
Hã-hã, pensou ela. De jeito nenhum!, e se virou, pensando apenas em escapar dali, mas deu de cara com Luna.
- Essas roupas são tão formais! - Luna enlaçou a cintura de Gina de modo amigável e olhou com ar sonhador para a vitrine.
- Escute Luna...
- Mas ele é incrivelmente criativo. Eu já o vi trabalhando e criando roupas na tela do computador. É demais! É selvagem!
- Selvagem... Olhe, eu estive pensando...
- Ele realmente compreende a alma da gente. - Luna saiu correndo na frente. Ela compreendia a alma de Gina, e sabia que a amiga estava pronta para ir embora dali. Luna Lovegood, magra como uma ninfa, vestida com um macacão branco e dourado, usando sapatos de salto alto com uma camada de ar de oito centímetros de altura, jogou para trás seus cabelos pretos encaracolados com faixas brancas, avaliou Gina e sorriu. - Você vai se transformar na noiva mais quente de Nova York!
- Luna! - Gina apertou os olhos para evitar outra interrupção. - Eu só queria alguma coisa que não me fizesse parecer uma idiota.
Luna abriu ainda mais o sorriso, e a nova tatuagem que mostrava um coração alado em seu bíceps tremulou quando ela levou a mão ao seio, dizendo:
- Weasley, confie em mim.
- Não! - replicou Gina quando Luna a puxou de volta para a passarela deslizante. - Estou falando sério, Luna. Vou encomendar alguma coisa pelo computador.
- Nem morta! - resmungou Luna, forçando a passagem até a entrada que dava para a rua e puxando Gina pela mão. - O mínimo que você pode fazer é dar uma olhada, conversar com ele. Dar uma chance ao cara. - e lançou para fora o seu lábio inferior, uma arma formidável, ainda mais pintada de magenta. - Não seja uma estraga-prazeres, Weasley!
- Droga, tudo bem... Já estou aqui mesmo...
Corando de alegria, Luna saltitou até a câmera de segurança, que zumbia.
- Luna Lovegood e Gina Weasley. Viemos ver Leonardo. - anunciou ela.
A porta externa se abriu com um som metálico. Luna foi em linha reta até o antigo elevador de grade.
- Este lugar tem um estilo assim meio retro. Acho que Leonardo é capaz até de ficar por aqui, mesmo depois de fazer sucesso. Sabe como é, estilo artista excêntrico e tudo o mais.
- Certo. - Gina fechou os olhos e começou a rezar, enquanto o elevador ia subindo, aos pulos. Na volta, ela ia descer de escada, com certeza.
- Olhe, mantenha a cabeça aberta - ordenou Luna - e deixe que Leonardo cuide de você. Querido! - e quase flutuou para fora do apertado elevador, saindo em um espaço apertado e muito colorido. Gina tinha que admirá-la.
- Luna, minha pombinha!
Então, Gina perdeu a fala. O homem com nome de artista tinha quase dois metros de altura e a compleição de um ônibus. Imenso, com bíceps ondulados que emergiam como montanhas por baixo de um manto sem mangas que exibia as cores fluorescentes de um pôr-de-sol marciano. Seu rosto era largo como a lua, e a pele em tom acobreado revestia como o couro de um tambor as bochechas pontudas. Tinha uma pequena pedra incrustada no rosto, ao lado do sorriso generoso, e os olhos pareciam duas moedas de ouro.
Ele pegou Luna nos braços, levantou-a do chão e fez um círculo gracioso no ar com ela. A seguir, beijou-a de uma forma demorada, com energia e de um modo que fez Gina compreender que os dois tinham muito mais em comum do que o amor pela moda e pela arte.
- Leonardo! - sorrindo como uma tola, Luna enfiou as pontas dos dedos com as unhas pintadas de dourado dentro do cabelo encaracolado dele, que descia até a altura dos ombros.
- Bonequinha!
Gina conseguiu segurar o riso ao vê-los arrulhando abraçados, mas lançou os olhos para cima. Agora ela tinha certeza. Luna estava novamente apaixonada.
- Seu cabelo, querida! Está maravilhoso! - e Leonardo correu os dedos amorosos do tamanho de salsichas de soja por dentro da cabeleira listrada de Luna.
- Estava torcendo para você gostar. Esta... - e fez uma pausa dramática, como se estivesse prestes a apresentar o seu cão premiado - é a Weasley!
- Ah, sim, a noiva! Muito prazer em conhecê-la, tenente Weasley. - mantendo uma das mãos em volta de Luna, ele esticou a outra para cumprimentá-la. - Luna já me contou tantas coisas a seu respeito!
- Sei. - Gina lançou um olhar de lado para a amiga. - Só que ela não foi tão generosa com os detalhes a seu respeito.
Ele riu com um som de trovão, fazendo com que os ouvidos de Gina estremecessem, o que a fez repuxar os lábios.
- Minha rolinha sabe ser discreta. Vou buscar refrescos! - afirmou ele, enquanto girava o corpo e desaparecia com agilidade inesperada em uma nuvem de cores.
- Ele é maravilhoso, não é? - sussurrou Luna, com os olhos dançando de paixão.
- E você está dormindo com ele.
- Nossa, você não ia acreditar no quanto ele é... criativo. Como ele é... - e Luna soltou um sopro, dando tapinhas no seio. - Esse homem é um artista sexual!
- Não quero ouvir falar. Definitivamente, não quero saber dos detalhes. - Juntando as sobrancelhas, Gina deu uma olhada em volta da sala.
Era ampla, com teto alto, e estava entulhada com rios e rios de tecidos. Buquês coloridos, cascatas de ébano e nuvens amarelo-esverdeadas pendiam do teto, desciam pelas paredes e se espalhavam pelos tampos das mesas e braços das cadeiras.
- Minha nossa! - foi tudo o que Gina conseguiu falar.
Tigelas e bandejas cheias de laços brilhantes, fitas e botões estavam empilhados por toda parte. Saches, cintos, chapéus e véus se amontoavam ao lado de trajes semi-prontos feitos de tecidos cintilantes e corpetes ornados com pequenos pinos.
O lugar tinha um aroma que era uma mistura de incenso com loja de flores.
Gina estava apavorada.
Um pouco pálida, virou-se para trás e disse:
- Luna, eu amo você. Talvez eu nunca lhe tenha dito isso, mas eu a amo de verdade. Agora vou embora!
- Weasley! - com um riso rápido, Luna agarrou-a pelo braço. Para uma mulher baixa, até que Luna era surpreendentemente forte. - Relaxe! Respire fundo! Eu garanto que Leonardo vai ajeitar tudo para você.
- É disso que eu tenho medo, Luna. Muito medo.
- Chá gelado, com limão. - anunciou Leonardo com voz cantada, entrando na sala através de uma cortina de seda artificial e carregando uma bandeja e copos. - Por favor, por favor, sentem-se. Primeiro vamos relaxar, temos que nos conhecer melhor.
Olhando para a porta, Gina foi na direção de uma cadeira e disse:
- Escute Leonardo, acho que Luna não explicou as coisas direito para você. O caso é que eu...
- Você é uma detetive da Divisão de Homicídios. Já li a seu respeito. - disse Leonardo com voz suave, aninhando-se em um pequeno sofá em curva com Luna no colo. - Seu último caso foi manchete em toda a mídia. Devo confessar que fiquei fascinado. Seu trabalho é resolver enigmas, tenente, assim como o meu.
- O seu trabalho é resolver enigmas em que sentido? - Gina experimentou o chá e quase piscou ao descobrir que ele era forte, tinha um cheiro muito bom e um sabor maravilhoso.
- Naturalmente. Quando vejo uma mulher, imagino de que forma gostaria de vê-la vestida. Então, tenho que descobrir quem ela é, o que ela é e como leva a vida; quais são os seus sonhos, as suas fantasias, a visão que tem de si mesma. Depois, tenho que pegar tudo isso e juntar cada uma das partes para compor uma imagem. Embora, a princípio, ela seja um mistério, sinto-me impelido a solucioná-lo.
Sem se mostrar envergonhada, Luna soltou um suspiro de luxúria:
- Ai Weasley, ele não é demais?
- Sua amiga está preocupada, minha pombinha. - afirmou Leonardo, rindo e esfregando o nariz na orelha de Luna. - Está achando que vou cobri-la de rosa-choque com lantejoulas.
- Ué, me parece lindo!
- Para você! - e sorriu de volta para Gina. - Então, você vai se casar com o esquivo e poderoso Potter.
- Parece que sim. - murmurou Gina.
- Você o conheceu quando estava investigando um caso. O caso DeBlass, não foi? E o deixou fascinado pelos seus olhos castanho-amarelados e o sorriso sério.
- Eu não diria que...
- Não diria - continuou Leonardo - porque você não se vê como ele a vê. Ou como eu a vejo. Forte, corajosa, atormentada, confiável.
- Você é um figurinista ou um analista? - quis saber Gina.
- Não se pode ser um sem ser o outro. Diga-me, tenente, como foi que Potter ganhou você?
- Ganhou? Eu não sou um prêmio! - retrucou ríspida, e colocou o copo de lado.
- Maravilha! - ele apertou as mãos uma contra a outra e quase chorou. - Calor e independência, e apenas um pouquinho de medo. Você vai dar uma noiva magnífica! Agora, ao trabalho! - e se levantou. - Venha comigo!
- Olhe, não vale a pena você desperdiçar o seu tempo, nem o meu. - e se levantou também. - Eu vou só...
- Venha comigo! - repetiu ele, levando-a pela mão.
- Dê uma chance a ele, Gina...
Por Luna, ela permitiu que Leonardo a guiasse por baixo e em volta das cascatas de tecidos, até chegar a uma mesa de trabalho igualmente entulhada de objetos, na parede dos fundos do salão.
Diante daquilo, rosa-choque e lantejoulas lhe pareceram uma coisa trivial.
Os manequins com corpos exageradamente esguios pareciam mutantes. Uns vestiam plumas, outros pedrarias. Alguns usavam o que pareciam roupas, mas em um estilo tão extravagante (golas pontudas, saias do tamanho de panos de prato, ternos colantes em estilo unissex) que mais pareciam participantes de uma parada de Halloween.
- Aqui estão alguns dos modelos da minha primeira coleção. Alta-costura é uma distorção da realidade, como você pode ver. O ousado, o incomparável, o impossível.
- Adorei! - disse Luna.
Gina torceu os lábios olhando para a amiga e cruzou os braços, explicando:
- Vai ser uma cerimônia simples, em casa.
- Humm... deixe ver... - Leonardo já estava no computador, usando o teclado com uma agilidade impressionante. - Isto, por exemplo... - e trouxe para a tela uma imagem que fez o sangue de Gina congelar.
O vestido tinha uma cor de urina fresca, era drapeado com babados cor de barro que iam da gola recortada até a barra de pontas agudas que terminavam em gotas feitas com pedras do tamanho da mão de uma criança. As mangas eram tão apertadas nos braços que Gina pensou que a pessoa que as usasse ia perder toda a sensibilidade dos dedos.
Enquanto a imagem girava na tela, ela foi brindada com uma visão das costas, onde se via um decote que terminava abaixo da cintura e era todo enfeitado dali para baixo com plumas leves.
-... Evidentemente não serve para alguém como você. - completou Leonardo, e se divertiu soltando uma gargalhada profunda diante da palidez de Gina. - Desculpe, eu não pude resistir. Para você tem que ser... isso é apenas um esboço, certo? Esbelto, longo, simples. Apenas uma linha de corte reto. Não muito delicado.
Ele continuava a falar enquanto trabalhava. Na tela, as linhas e formas começaram a se formar. Enfiando as mãos nos bolsos, Gina observou.
Parecia tão fácil, refletiu ela. Linhas longas, um toque sutil no busto, mangas que acabavam em pontas suaves e arredondadas nas costas das mãos. Ainda se sentindo pouco confortável, ela ficou esperando que ele começasse a colocar rodelas coloridas nas pontas do vestido.
- Agora, vamos dar um pouco de movimento. - disse ele distraído e novamente fez a imagem girar para exibir as costas, tão lisas e elegantes quanto a frente, com uma pequena fenda que vinha da bainha até a altura dos joelhos. - Você não vai querer uma cauda, vai?
- Uma cauda?
- Não, - e apenas sorriu, olhando de relance para trás - você não ia querer... Agora, quanto à cabeça... Seus cabelos.
- Posso cobri-los, se for preciso. - Acostumada a ouvir comentários desagradáveis, Gina passou os dedos por eles.
- Não, não, não. Eles combinam com você.
- Combinam? - e deixou a mão cair chocada.
- Certamente! Precisam só de um pouco de forma. Eu conheço uma pessoa... - e lançou a idéia de lado. - A cor deles, porém, com todos esses tons de castanho e dourado, e o estilo, muito curtos e meio selvagens... eles ficam muito bem em você! Só precisam de uns repiques. - com os olhos apertados, ele a estudava. - Não, não, definitivamente sem adornos de cabeça, nem véus. Seu rosto é o bastante. Agora, a cor e o material do vestido. Ele tem que ser de seda, com um bom caimento. - e fez uma careta. - Luna me disse que não é Potter que vai pagar.
- Não, o vestido é meu. - e levantou os ombros.
- Ela insiste nisso! - comentou Luna. - Como se `Potter fosse sentir a falta de alguns milhares de fichas de crédito.
- Não se trata disso...
- Não, claro que não. - Leonardo sorriu novamente. - Bem, podemos lidar com isso. E a cor? Não acho que o branco sirva, é muito simples para o seu tom de pele.
Apertando os lábios, ele pegou a paleta de tintas do programa e experimentou. Sem conseguir esconder o fascínio, Gina observou o esboço ir do branco total ao creme, depois ao azul, verde vivo e um arco-íris de cores intermediárias. Apesar de Luna exclamar "Ohs" e "Ahs" em várias das opções, ele simplesmente balançava a cabeça. Acabou escolhendo um tom de bronze.
- Este! - exclamou. - Sim, ah, esse sim! Combina com a sua pele, seus olhos, seus cabelos. Você vai ficar radiante, majestosa! Uma deusa! Vai precisar apenas de um colar com, pelo menos, oitenta centímetros de comprimento. Melhor ainda, duas fileiras, uma com sessenta e outra com oitenta centímetros. De cobre, acho, com algumas pedras coloridas. Rubi, topázio-citrino, ônix. Sim, sim, e calcedônia, talvez algumas turmalinas. Você pode falar com Potter a respeito dos acessórios.
Roupas jamais haviam significado nada para ela, mas Gina sentiu um desejo por aquele vestido.
- É lindo. - disse ela com cautela, enquanto começava a calcular o custo. - Só que não estou muito certa. Sabe, seda... fica um pouco fora do meu orçamento.
- O vestido vai ser por minha conta, quero apenas uma promessa sua. - e se divertiu com o ar de cansaço que apareceu em seus olhos. - Você vai deixar que eu desenhe o vestido de acompanhante para Luna e vai usar outros modelos meus no seu enxoval.
- Eu nem pensei em fazer enxoval! Tenho algumas roupas...
- A tenente Weasley tem roupas, - corrigiu ele - mas a esposa de Potter vai precisar de outras.
- Talvez a gente possa entrar em acordo. - Gina queria muito aquele vestido, compreendeu então. Já dava até para senti-lo no corpo.
- Maravilha! Agora, tire a roupa.
- Certo, engraçadinho! - revidou ela, saltando como uma mola.
- É para tirar as medidas! - explicou Leonardo, falando depressa enquanto se levantava e dava um passo para trás ao ver o olhar que ela lhe lançou. Ele era um homem que adorava as mulheres e compreendia suas fúrias. Em outras palavras, ele as temia. - Você pode me considerar como um profissional de saúde. Não dá para cortar o vestido de forma apropriada, a não ser que eu conheça o seu corpo. Sou um artista e um cavalheiro. - encerrou ele com dignidade. - Luna pode ficar na sala, se você se sentir pouco à vontade.
- Olhe, sei como lidar com você, meu chapa. - Gina virou a cabeça um pouco para o lado. - Saia da linha comigo e vai descobrir por você mesmo...
- Tenho certeza. - Com cautela, ele pegou um aparelho. - Este é o meu scanner. - explicou. - Ele vai tirar todas as suas medidas com precisão absoluta, mas você tem que estar despida, para uma leitura correta.
- Pare com esses risinhos, Luna. Vá pegar mais um pouco mais de chá.
- Tudo bem, já vi você pelada mesmo. - e lançando beijos para Leonardo saiu da sala.
- Tenho outras idéias para você... estou falando de roupas. - explicou Leonardo quando Gina apertou os olhos. - As idéias básicas para o seu vestuário, é claro. Roupas para o dia e para a noite, estilo formal e casual. Sua lua-de-mel vai ser onde?
- Não sei. Ainda não pensei nisso. - Resignada, ela tirou os sapatos e abriu os jeans.
- Então Potter vai lhe fazer uma surpresa. Computador, crie um arquivo novo. Weasley, primeira vez, medidas, cores, altura e peso. - Depois que ela tirou a blusa, ele se aproximou com o scanner. - Mantenha os pés juntos, por favor. Altura, um metro e setenta e cinco. Peso, cinqüenta e cinco.
- Há quanto tempo você anda dormindo com a Luna?
- Há umas duas semanas. - e ficou murmurando outras medidas. - Ela é uma pessoa muito querida. Cintura, sessenta e seis e meio.
- Você começou a sair com a Luna antes ou depois de ela contar que a melhor amiga dela ia se casar com Potter?
Ele parou na mesma hora, com olhar frio, e seus brilhantes olhos dourados brilharam de raiva.
- Não estou usando Luna para fins profissionais, e você a insulta ao pensar isso.
- Estou só conferindo. Ela é uma pessoa muito querida para mim também. Se nós vamos entrar em acordo, quero ter certeza de que todas as cartas estão viradas para cima, apenas isso. Então...
A interrupção foi repentina e furiosa. Uma mulher com roupa colante preta e sóbria irrompeu na sala como um cometa, com os dentes arreganhados e as unhas vermelhas e letais curvadas como se fossem garras.
- Seu safado, traidor, duas caras, filho-da-puta! - e lançou-se em um vôo, mais parecendo um míssil teleguiado para o alvo. Com uma agilidade criada por puro medo, Leonardo se desviou.
- Cho, eu posso explicar...
- Então explique isto! - e desviando toda a sua fúria para Gina, a mulher lançou um soco no ar que, se a tivesse atingido, teria lhe arrancado os olhos das órbitas.
Havia apenas uma coisa a fazer. Gina a nocauteou.
- Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! - Leonardo encolheu os ombros largos e começou a torcer as mãos imensas, de aflição.
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