Decadência



"Há quem procura glória e encontra humilhação, e há quem foi humilhado, mas levanta a cabeça." (Vulgata)


O tempo foi culpado por nos tornar humanos sensatos, e a inocência dos onze anos não é a mesma depois que aprendemos o que é corrupção, traição, humilhação e todas os outros fatores da vida que nos levam a uma verdade. Por isso a Weasley e eu jamais nos encaramos como naquela vez na biblioteca.

A única maneira de livrar meus pensamentos de sua figura indesejável era atingindo-a com palavras, pois conhecia seu ponto fraco. Ela era sensível, tanto quanto um frasco de vinho. Assim ela finalmente proclamaria seu ódio, e eu agüentaria suas ofensas idiotas com mais superioridade. Feriria o orgulho dela. E meu inimigo finalmente entraria em decadência.

No entanto, de tudo que imaginei só não esperava que ficasse terrivelmente apaixonado por ela logo mais tarde. Mas, bem antes disso, estávamos no quinto ano.

– Então está na detenção com o Potter? – perguntei com azedume quando encontrei Zabini no corredor da masmorra da Sonserina. Seu olho estava roxo e a gravata verde e prata rasgada violentamente em uma de suas mãos, que estava vermelha onde atingira o rosto do Potter com categoria.

– Sim! E darei mais uma surra nele se for preciso!

– Porque o faz não sei, mas se odeia tanto o Potter, porque não o ignora logo de uma vez?

Zabini riu com desdém.

– Olha quem fala, Malfoy. Você não tem uma Weasley para infernizar, não? Ou está, finalmente, ignorando-a?

Não acreditei que, depois de todos os meus esforços, justamente Zabini quem havia destruído tudo. Começando por arranjar uma briga inútil com o santo Potter, mais tarde levarem detenção e, por isso, faltarem a aulas de Trato de Criaturas Mágicas naquele dia depois do almoço.

E queria dar um outro soco em Zabini. Será que ele havia esquecido que para as aulas de Trato de Criaturas Mágicas precisávamos de um parceiro para examinar aquelas lições idiotas? Ele era meu parceiro!

O professor Hagrid coçou o queixo quando a Weasley constatou que o Potter, seu parceiro legitimo, estava em detenção. E suspirou pesadamente quando deu pela falta de Zabini. Em seguida, deu um passo para frente e, com demora, ele disse olhando para mim e, depois, para Weasley:

– Seus parceiros não estão aqui, então receio que terão de trabalhar juntos dessa vez. Weasley e Malfoy.

Hagrid abanou a cabeça sem acreditar que dissesse aquilo.

Eu soltei uma risada forçada e cruzei os braços, negando. Achei que a Weasley faria a mesma coisa, tentaria convencer o professor de que era capaz de fazer sozinha, sem precisar do Potter ou de mim, – como eu estava quase sugerindo. Mas ao contrário, para meu desgosto, Weasley continuara calada com aquela expressão de menina aplicada e atenciosa. Sendo assim, ela não objetou. Não fez absolutamente nada, nem mesmo olhou para mim com aquele olhar de que “tente pisar no meu calo que eu o liquidarei sem piedade” que ela, por muitas vezes, lançava para mim nas outras aulas.

Lize Parkinson, contudo, disse naquele tom meloso de voz:

– Scorpius pode trocar com o Luke, e ser meu parceiro!

Eu senti uma espécie de desespero. Odiava Lize Parkinson. Decidi que precisava escolher entre a inconveniência e o perigo. Entre Parkinson e Weasley. Parecia uma escolha difícil, mas, dando razão ao que meu pai dissera; sou fraco, quase um covarde, é claro que evitei o perigo.

– Tudo bem – disse Hagrid. – Sr. Malfoy?

Olhei para Lize Parkinson. Ela sorriu para mim e se aproximou animadamente. Suas amigas deram risadinhas histéricas impossíveis de serem ignorados. Isso me deixou mais nervoso ainda.

– Ótimo – repeti tentando parecer contente. Minha resposta fez com que a Weasley finalmente se virasse para mim.

Sorri com satisfação para irritá-la. Luke Beaumont era um idiota completo e eu sabia o quanto a Weasley o odiava também.

– Finalmente vou com você – Luke caminhou e o olhar que lançara a ela dos pés a cabeça apagou o sorriso satisfeito do meu rosto. O pensamento de que talvez ele tivesse a intenção de não ser apenas o parceiro dela havia me incomodado.

– Mas não altera nada – murmurou a garota para Hagrid quando se juntou ao novo parceiro. Ele não soube o que dizer.

Havia cinco mini-esplosivins para cada dupla tentar liquidar nas extremidades da floresta proibida. Quando eu e Parkinson passamos a seguir as demais duplas, tirei a varinha do bolso. No meio do caminho, o professor mandou que as duplas se espalhassem.

– Caso alguma coisa aconteça, dêem sinal com a varinha. Podem ir! E cuidado, existem outras criaturas!

A primeira coisa que Parkinson fez foi começar a tagarelar enquanto, com a varinha apontada para todos os lugares, eu seguia um caminho estreito e cheio de pedras. Conseguimos despistar todas os outros alunos e somente Parkinson para quebrar o silêncio.

– Ai, Scorpius! Achei um esplosivins! Achei! Achei!

– Então cale a boca, ou serei obrigado a jogá-lo em você agora.

Liquidei o primeiro esplosivin, que não foi uma tarefa difícil. Lize se desfez de sua tagarelice, mas ainda continuava reclamando de algumas pedras que pisava pelo caminho. Em todo o trajeto, eu imaginava como seria se estivesse com a Weasley naquele momento.

Não saberia dizer se era pior.

Parkinson aguardava, sentada numa grande raiz de uma árvore, o duelo que eu estava tendo contra o segundo esplosivins acabar logo. Ela me observava, com um sorriso malicioso no rosto.

– Você é bom, Scorpius.

– Não, eles apenas são tão fáceis quanto você.

– E acho que você gosta disso – ela enrolou uma mecha de sua franja com o dedo indicador, e abriu um sorrisinho torto. – De saber que sou fácil, não é? Você parece gostar das meninas fáceis...

Percebi que quanto mais a ignorava, mais ela queria que fosse ignorada, de modo que se levantou e se aproximou de mim. Parkinson era do meu tamanho, e nos encaramos. Eu soltei uma risada trocista.

– E o que faz achar que eu goste de você?

– Você me ignora. Você me despreza – respondeu ela, docemente. – São conceitos básicos de um garoto orgulhoso e apaixonado.

– Ah, Parkinson – eu disse em tom desagradável. – Afaste-se de mim agora.

Ela negou com a cabeça, aproximando-se mais ainda. Eu dei um passo para trás, em vão.

Ouviu-se um grito agudo e, assustada, Parkinson olhou para os lados. Era um grito desesperado, mas ligeiro, e estava perto daquela área em que nos encontrávamos. Além disso, o grito era de uma menina, de modo que corri – como se alguma sensação tivesse tomado conta de mim – em direção ao som do grito.

Parkinson seguia-me, com a varinha em punhos. Ela começou a berrar que era a Weasley, pois ela conhecia sua voz, como se fosse impedir que eu corresse até lá. Mas isso apenas me deu motivo para correr mais rápido.

Eu não sabia a razão de continuar correndo, ela estaria a salvo sem a minha ajuda mesmo.

Vimos duas pessoas logo a nossa frente, e era exatamente a Weasley e Beaumont. Já havia um grupo de pessoas em volta deles. Beaumont gargalhava tão alto que parecia estar com dor de barriga. Aproximei-me deles e de mais uma dupla da Corvinal. A Weasley parecia nervosa, no sentido de desespero, e parecia chorar fracamente.

– O que diabos aconteceu? – perguntou Parkinson em voz alta para Beaumont. Ele precisou se recompor para em fim conseguir dizer alguma coisa. Revelou que Weasley havia visto apenas uma aranha.

– E ela achando que podia dar conta dos esplosivins! – gargalhou ele ainda mais. Olhou para mim, talvez imaginando que eu também iria gargalhar com o fato. – Nem acredito que ela quase morreu quando viu a aranha! Que nem passava de uma formiguinha!

Parkinson começou a rir também, chamando-a de boba. Sua amiga Violeta Johnson envolveu a Weasley com o braço, para consolá-la. Meu inimigo estava sendo humilhado. Quando finalmente tive chance de fazer alguma coisa, fiquei observando a garota com a testa ligeiramente franzida.

Poderia ter rido junto com Beaumont e Parkinson, contudo a forma como a Weasley olhava para eles, como se quisesse explicar que tinha aracnofobia, como se quisesse explicar o seu medo, me fez hesitar. Eu não queria que ela olhasse para eles daquele jeito; não era necessário que se desculpasse por algo tão singelo.

De todos ali, contudo, percebi que somente eu que estava sendo humilhado. Com o orgulho ferido, fui pego de surpresa não achando graça nenhuma o fato de Weasley ter demonstrado uma pequena fraqueza.

Mas Parkinson, que não pareceu se conter, ainda acrescentou:

– Pensei que quem entrasse na Grifinória tivesse coragem. Uma aranha, Weasley!

Weasley não era boba. Ela a ignorou.

– Deixe-a em paz – disse um colega do Corvinal, parceiro de Violeta Johnson.

Tinha total consciência de que a Weasley estava olhando para mim, enquanto ignorava os comentários de Beaumont e Parkinson. O que ela queria dizer com aquele olhar? Não era acusador, não era zangado, não era feliz, nem mesmo triste.

Contudo, ela foi embora ligeiramente – acompanhada pelos amigos – e não tive tempo o suficiente para decifrar a expressão dela.

Decidi que estava na hora de acabar com aquilo, então fui embora deixando Parkinson e Beaumont ali na floresta, que de repente começaram a se beijar desesperadamente. Só Deus sabe o que poderia ter acontecido logo depois, de modo que não fiquei interessado e me retirei, acompanhando – de longe – Johnson, o garoto da Corvinal e a Weasley.

Encontraram o professor Hagrid. Johnson foi a primeira a explicar o fato:

– Rose está assustado, pois Beaumont jogou uma aranha nela. Como brincadeira, entende, professor? De certo modo, mesmo sabendo que Rose tem pavor por esses aracnídeos, ele quis caçoá-la.

– Você é mesmo filha do Rony Weasley! Pavor de aranhas... – ele parecia achar aquilo fantástico. De repente, virou-se preocupado para a Weasley. – Espero que já tenha se recuperado, de qualquer maneira.

– Estou bem – ela respondeu com a voz firme. – Não me importa mais. Destruí os esplosivins, Hagrid.

Ao dizer aquilo, ela pareceu satisfeita. E, de fato, o professor lhe dera dez pontos por isso. Por outro lado, a Sonserina havia acabado de perdê-los. Naquele dia eu entendi que humilhar a Weasley seria tão em vão quanto tentar mudar o que eu sou, um Malfoy.

Antes do sol se pôr caminhei até o corujal para certificar-me se haveria alguma correspondência para mim. A coruja que minha avó me dera estava piando alto, e era tão característico que só precisei seguir o som agudo e gracioso para encontrá-la. Em suas finas garras, estava preso um envelope. Ao abri-lo logo identifiquei a letra da minha mãe.

Scorpius,

Por favor, não fique zangado. Sinto a sua falta, contudo garanto que irá se divertir mais com seus amigos em Hogwarts do que aqui em casa no Natal.

Mamãe.


Reli a carta três vezes. Eu nunca havia passado o Natal em Hogwarts, mas felizmente eu não ficara zangado com a idéia daquela vez. Os últimos Natais que tive com a minha família não foram os melhores.

Guardei a carta no bolso e alimentei a coruja para que ela pudesse fazer uma longa viagem até a mansão. Enquanto isso eu escrevi num pequeno pergaminho a resposta:

Mãe,

Realmente não me importo. Vou ficar em Hogwarts.

Scorpius.


Envolvi com um laço o pergaminho rasgado nas garras da coruja, não precisei dizer absolutamente mais nada para que ela saísse batendo as asas pelo céu que escurecia rapidamente.

Quando caminhei para a estrada de volta ao castelo, alguém me chamou. Meu sobrenome fora proferido de modo peculiar e urgente. A voz era tímida e, naquele momento, tão suave que me fez estremecer. Olhei para os lados, não havia ninguém. Foi quando desprezei a mim mesmo. Não podia me rebaixar tanto a ponto de ouvir a voz da Weasley na minha cabeça.

Finalmente ela se revelou atrás de uma pequena árvore e acenou para que eu esperasse, como se fossemos bons amigos. Ao vento, o cabelo cacheado e ruivo esvoaçava em seu rosto.

– Algum problema, Weasley? – perguntei severamente, mas aliviado que ela realmente estivesse na minha frente, e eu não escutado vozes do além na cabeça.

– Sim – respondeu baixinho. De repente balançou a cabeça de modo apressado. – Quero dizer, não. Eu acho. Não sei...

– Então queira sair da minha frente – eu a interrompi em tom desagradável. – Tenho coisas mais importantes do que ficar aqui esperando você se decidir.

Ela ficou olhando para mim com a boca torta, a testa ligeiramente franzida e a expressão zangada.

– Como consegue ser tão desprezível? – perguntou ela, indignada.

– Sabe que sou assim, então por quê ainda faz questão de perguntar?

Ela não disse nada. Abriu a boca, apontou o dedo para mim e a voz não saiu. Fiquei observando-a lutar contra alguma coisa – talvez contra a vontade de me xingar –, e comecei a rir.

– Você não consegue fazer mal a ninguém com suas palavras.

– É, Malfoy – ela retrucou, com um ar de superioridade. – Por isso somos completamente diferentes.

Girou o corpo e começou a andar para o outro lado. Fiquei parado, observando-a fazer menção de se retirar. Não dera nem dois passos quando Weasley se virou novamente e disse, de modo displicente:

– Eu sei que estava fingindo pena, mas da próxima vez que seus amiguinhos me humilharem, aproveite o momento para caçoar também antes que se torne incapaz disso depois.

Detestei o modo como aquelas palavras pareceram tão prováveis. Observei Weasley se afastar com a idéia de que eu seria capaz de odiá-la para sempre. Mas tudo o que aconteceu foi bem pior do que isso.

*********

Obrigada!
B. InkHeart

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Comentários (5)

  • Mariana Berlese Rodrigues

    SIMPLISMENTE P-E-R-F-E-I-T-O ESSE CAP. A-M-E-I *.*#MORRI A-M-E-I <3 <3 <3 MUITOOOOOOOOOO LINDAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA *.*CHOREI AQUI :)A-M-E-I ISSO: "– Você é mesmo filha do Rony Weasley! Pavor de aranhas... – ele parecia achar aquilo fantástico..." kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk'

    2013-02-05
  • Lana Silva

    Nossa foi muito legal ele não ter rido dela. Mesmo depois tê-la tratado friamente. Amei o capitulo Muiiito divo *--------------------* 

    2012-02-15
  • Lana Silva

    Nossa foi muito legal ele não ter rido dela. Mesmo depois tê-la tratado friamente. Amei o capitulo Muiiito divo *--------------------* 

    2012-02-15
  • Lana Silva

    Nossa foi muito legal ele não ter rido dela. Mesmo depois tê-la tratado friamente. Amei o capitulo Muiiito divo *--------------------* 

    2012-02-15
  • Keriane

    Lindooo!Só podia ser filha do Rony mesmo,ter medo de aranhas! Posso nem reclamar,morro de nojo desses bichos aushaushaush... Acompanhando e amando cada capítulo^^

    2011-09-06
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