Capitulo 42 - A TEMPESTADE
Capitulo 42 - A TEMPESTADE
- Apanhem-nos! Quero-os apanhados! - Os berros de fúria de Voldemort ecoavam na neblina.
Gina e o Garoto 412 remavam a Muriel Dois tão depressa quanto podiam em direção ao Canal Deppen, e Rony, que recusara a se separar da canoa do Caçador, seguia-os.
Um outro grito de Voldemort chamou-lhes a atenção.
- Enviem os nadadores. Já!
Houve uma pausa nos sons que emanavam do Vingança, enquanto os únicos dois marinheiros que sabiam nadar eram perseguidos pelo convés e capturados. Seguiu-se o som de dois corpos batendo na água quando eles foram atirados borda afora para persegui-los.
Os ocupantes das canoas ignoraram as exclamações que vinham da água e aceleraram em direção à segurança dos Pântanos Marram. Muito para trás, os dois nadadores, que tinham ficado meio inconscientes por causa da enorme queda, nadavam em círculos em estado de choque, compreendendo que o que os velhos navegadores costumavam dizer era verdade: realmente, para um marinheiro, saber nadar dava azar.
No convés do Vingança, Voldemort recolheu-se a seu trono. Os grumetes tinham se retirado depois de terem tido que atirar dois dos seus borda afora, e Voldemort tinha o convés por sua conta. Um frio gélido rodeava-o, enquanto se sentava no trono e mergulhava na Magya Negra, entoando e lamuriando um longo e complicado Encantamento Inverso.
Voldemort estava Convocando as marés.
A maré que estava subindo obedeceu-lhe. Reuniu-se vinda do mar e derramou-se rio acima, rugindo e espumando ao passar pelo Porto, afunilando-se rio acima, arrastando consigo golfinhos e alforrecas, tartarugas e leões-marinhos, todos varridos pela torrente irresistível. O nível da água subiu. Mais e mais alta, enquanto as canoas se esforçavam lentamente para atravessar o rio agitado.
Quando as canoas chegaram à boca do Canal Deppen, tornaram-se ainda mais difíceis de controlar na corrente que rapidamente enchia o Canal.
- Está forte demais! - gritou Gina sobre o rugido da água, debatendo-se com o remo contra um novo redemoinho, enquanto a Muriel Dois era atirada de um lado para o outro das águas revoltas. A água da enchente arrastava as canoas consigo, levando-as para o Canal a uma velocidade alucinante, balançando e quase virando-se na corrente furiosa. Enquanto eram arrastados como se não passassem de restos de um naufrágio, Rony podia ver que a água estava quase a chegando ao topo do Canal. Nunca tinha visto algo assim antes.
- Alguma coisa está errada. - gritou ele a Gina.
- Isto não devia estar acontecendo.
- É ele! - gritou o Garoto 412, acenando com o remo na direção de Voldemort e arrependendo-se imediatamente, pois a Muriel Dois inclinou-se assustadoramente para um dos lados. - Ouçam!
A medida que o Vingança se erguia na água e esticava a corrente da âncora, Voldemort tinha alterado suas Ordens e gritava agora por sobre o rugido da maré.
- Sopre! Sopre! Sopre! - gritava. - Sopre! Sopre! Sopre!
O vento juntava-se e obedecia ao que lhe era Ordenado. Soprava com mais e mais força, uivando de forma selvagem, arrancando ondas da superfície das águas, e atirando violentamente as canoas de um lado para o outro.
Dissipou a neblina e, vogando na crista das águas no topo do Canal Deppen, Gina, Rony e o Garoto 412 podiam ver agora o Vingança de forma desimpedida.
E o Vingança também podia vê-los.
Na proa do navio, Voldemort pegou no telescópio e percorreu as redondezas até encontrar o que estava procurando. Canoas.
E ao estudar os ocupantes, viu concretizados os seus maiores receios. Não havia como confundir o longo cabelo negro e a pequena tiara dourada da menina que seguia na frente da estranha canoa verde.
Era a Herdeira. A Herdeira tinha estado a bordo de seu navio. Tinha andado por ali, debaixo do seu nariz, e ele a deixou escapar.
Voldemort ficou estranhamento silencioso enquanto reunia suas energias e Convocava a pior Tempestade que era capaz de invocar.
A Magya Negra transformou o uivo do vento num guincho capaz de arrebentar com os ouvidos de uma pessoa. Nuvens negras de tempestade acorreram ao seu chamado e começaram a acumular-se sobre a paisagem desolada dos Pântanos Marram. A pálida luz da tarde escureceu ainda mais, e ondas negras e frias começaram a quebrar-se contra as canoas.
- A água está entrando. Estou encharcada. - gritou Gina enquanto se esforçava para manter o controle sobre a Muriel Dois, e o Garoto 412 tentava remover a água do fundo da canoa. Rony também estava tendo problemas com a canoa do Caçador, uma onda tinha acabado de se abater sobre ele e a canoa estava inundada.
Outra onda daquelas, pensou Rony, e ia parar no fundo do Canal Deppen.
E, de repente, o Canal Deppen deixou de existir.
Com um rugido ensurdecedor, as margens do canal cederam. Uma onda gigantesca avançou pela brecha e rugiu sobre os Pântanos Marram, levando tudo consigo: golfinhos, tartarugas, alforrecas, focas, nadadores... e duas canoas.
Rony estava viajando a uma velocidade que nunca julgara possível. Era ao mesmo tempo aterrorizador e excitante. Mas a canoa do Caçador vogava na crista da onda leve e facilmente, como se tivesse estado à espera de uma oportunidade assim.
Gina e o Garoto 412 não estavam tão entusiasmados como Rony com o súbito precipitar dos acontecimentos. A Muriel Dois era uma canoa velha e teimosa, e não se adaptava de maneira nenhuma a esta nova forma de viajar. Tinham que se esforçar duramente para impedir que fosse virada pela onda gigantesca que estrondeava pelos pântanos adentro.
A medida que a água se espalhava pelos pauis, a onda começou a perder um pouco de sua força e Gina e o Garoto 412 já eram capazes de conduzir a Muriel Dois mais facilmente. Rony manobrou a canoa do Caçador ao longo da onda, em direção a eles, voltando para cá e para lá, conforme avançava.
- Isto é melhor do que tudo! - gritou por cima do rugido da água.
- Você é maluco! - gritou Gina, ainda se debatendo com o remo para conseguir impedir que a Muriel Dois virasse.
A onda estava se dissipando rapidamente, abrandando de velocidade e perdendo muita de sua força, quando a água que a levava se afundava na ampla extensão dos pântanos, enchendo os canais, os lamaçais, e os lodaçais com água fria, límpida e salgada, e deixando atrás de si um enorme mar aberto. Não tardou que a onda tivesse desaparecido e Gina, Rony e o Garoto 412 estavam à deriva num mar aberto que se estendia em todas as direções, até onde o olhar podia alcançar, pontilhado aqui e ali por minúsculas ilhotas.
Enquanto remavam as canoas no que esperavam, fosse a direção correta, uma escuridão ameaçadora começou a abater-se sobre eles, à medida que as nuvens de tempestade se acumulavam lá no alto. A temperatura caiu bruscamente, e o ar ficou carregado de eletricidade. Em breve um trovão de aviso ribombou pelo céu, e grossas gotas de uma forte chuva começaram a cair. Gina olhou para a longa extensão de água cinzenta que se estendia à sua frente, e interrogou-se como iriam conseguir encontrar o caminho para casa.
À distância, numa das ilhotas mais afastadas, o Garoto 412 viu uma luz bruxuleante. Tia Zelda estava acendendo as velas de tempestade e colocando-as nas janelas.
As canoas ganharam velocidade e dirigiram-se para casa, enquanto a trovoada estrondeava nos céus, e folhas de silenciosos relâmpagos brancos começavam a iluminar as nuvens.
A porta de Tia Zelda estava aberta. Estava esperando por eles.
Amarraram as canoas à raspadeira de calçado da porta da frente e entraram na choupana estranhamente silenciosa. Tia Zelda estava na cozinha com o Boggart.
- Voltamos! - gritou Gina. Tia Zelda saiu da cozinha, fechando silenciosamente a porta atrás de si.
- Encontraram-no? - perguntou.
- Encontramos quem? - quis saber Gina, surpresa.
- O Aprendiz. Harry.
- Oh, esse. - Tinha acontecido tanta coisa desde que tinham saído nessa manhã, que Gina tinha se esquecido por que tinham saído logo para começar.
- Meu Deus, chegaram bem a tempo. Já é noite. - disse Tia Zelda, apressando-se para fechar a porta.
- Sim, é...
- Argh! - gritou Tia Zelda ao chegar à porta, vendo a água lambendo o degrau da entrada, sem falar nas duas canoas que balançavam bem à entrada.
- Estamos inundados. Os animais! Vão se afogar!
- Eles estão bem. - tranqüilizou-a Gina. - As galinhas estão no topo do barco capoeira, contamos todas. E a cabra subiu no telhado.
- No telhado?
- Sim, estava comendo o colmo quando a vimos.
- Oh. Oh, pronto...
- Os patos estão bem e os coelhos... bom, acho que os vi mais ou menos flutuando por aí.
- Flutuando por aí? - gritou Tia Zelda. - Os coelhos não flutuam!
- Estes flutuavam. Passei por alguns, deitadinhos de costas. Como se estivessem tomando banho de sol.
- Banho de sol? - guinchou Tia Zelda. - À noite?
- Tia Zelda, - disse Gina, com firmeza - esqueça os coelhos. Vem aí uma tempestade.
Tia Zelda deixou-se de azáfamas inconseqüentes e avaliou as três crianças encharcadas à sua frente.
- Desculpem. - disse ela. - Onde eu estava com a cabeça? Vão, vão se secar à beira da lareira.
Enquanto Gina, Rony e o Garoto 412 estavam se secando perto do fogo, libertando nuvens de vapor, Tia Zelda voltou a espreitar a noite. Depois fechou calmamente a porta exterior.
- Há Escuridão lá fora. - sussurrou. - Devia ter percebido, mas o Boggart tem estado um bocado mal, muito mal... e só de pensar que vocês estiveram lá fora com ela... sozinhos. - Tia Zelda estremeceu.
Gina começou a explicar:
- É Voldemort. - disse. - Ele é...
- Ele é o quê?
- Horrível. - concluiu Gina. - Nós o vimos. No navio dele.
- Vocês o quê? - exclamou Tia Zelda, boquiaberta, não se atrevendo a acreditar no que estava ouvindo. - Vocês viram Voldemort? No Vingança? Onde?
- Perto do Canal Deppen. Nós nos limitamos a subir, e...
- Limitaram-se a subir o quê?
- A escada. Subimos no navio...
- Vocês... vocês estiveram no Vingança? - Tia Zelda mal conseguia entender o que estavam dizendo.
Gina percebeu que sua tia ficara subitamente muito pálida, e suas mãos tremiam ligeiramente.
- É um navio malvado. - disse Rony. - Cheira mal. Dá mal-estar.
- Você também esteve lá?
- Não. - respondeu Rony, desejando agora também ter estado. - Eu queria ir, mas o meu Invisível não era suficientemente bom, por isso fiquei para trás. Com as canoas.
Tia Zelda precisou de uns minutos para aceitar tudo aquilo. Voltou o olhar para o Garoto 412.
- Então você e Jenna estiveram naquele navio Negro... sozinhos... no meio de toda aquela Magya Negra. Porquê?
- Oh, bem, é que encontramos o Alther... - tentou explicar Gina.
- Alther?
- E ele disse que a Marcia...
- Marcia? O que é que a Marcia tem a ver com isso?
- Foi capturada por Voldemort. - explicou o Garoto 412.
- Alther disse que desconfiava que ela pudesse estar no navio. E estava. Nós a vimos.
- Oh, ai. Isso vai de mal a pior. - Tia Zelda caiu numa poltrona perto da lareira. - Esse velho fantasma intrometido devia ter mais juízo. - ralhou Tia Zelda. - Mandar três criancinhas para um navio Negro. Onde é que ele estava com a cabeça?
- Ele não nos mandou, não mesmo. - disse o Garoto 412. - Ele disse para não irmos lá, mas nós tínhamos que tentar salvar a Marcia. Mas não conseguimos...
- A Marcia prisioneira. - murmurou Tia Zelda. - Isso é grave. - Remexeu a lareira com um atiçador, fazendo com que algumas chamas saltassem no ar.
Um longo e ensurdecedor trovão atravessou o céu bem acima da choupana, fazendo-a estremecer de alto a baixo. Uma brutal rajada de vento encontrou uma entrada pelas janelas, apagando as velas de tempestade e deixando apenas a lareira bruxuleante como única iluminação da sala. Momentos depois uma súbita chuva de granizo começou a estrondear contra as janelas e a cair pela chaminé, apagando o fogo com um sibilar zangado.
A choupana ficou mergulhada na escuridão.
- As lanternas! - disse Tia Zelda, levantando-se e avançando às apalpadelas pela sala, até o armário das lanternas.
Max ganiu e Berta escondeu a cabeça debaixo da asa boa.
- Bolas, e agora onde é que está a chave? - resmungou Tia Zelda, remexendo nos bolsos sem conseguir encontrá-la. - Bolas, bolas, bolas.
Crac!
Um relâmpago refulgiu pelas janelas, iluminando a cena exterior, e atingiu a água muito perto da choupana.
- Falhou. - disse Tia Zelda com um sorriso desconfortável. - Por um triz.
Max soltou um latido e enfiou-se debaixo do tapete. Rony estava olhando pela janela. No breve clarão do relâmpago, tinha visto uma coisa que esperava não voltar a ver.
- Ele vem aí. - disse baixinho. - Vi o navio. Ao longe. A velejar sobre os pântanos. E vem para cá.
Todos correram para a janela. A princípio não conseguiam ver mais do que a escuridão da tempestade que se aproximava, mas enquanto olhavam, com os olhos mergulhados na noite, o refulgir de novo relâmpago atravessou as nuvens como um lençol, e mostrou-lhes aquilo que Rony tinha visto antes.
Recortado contra o relâmpago, ainda distante, mas com as velas desfraldadas ao vento uivante, o enorme navio Negro avançava sobre as ondas e dirigia-se diretamente à choupana.
O Vingança estava a caminho.
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