Capitulo 30 - UMA MENSAGEM PAR
Capitulo 30 - UMA MENSAGEM PARA MARCIA
Não tardou que Stanley tivesse uma audiência expectante à sua volta. Ergueu-se com dificuldade sobre a almofada, levantou-se e respirou fundo. Por fim disse, numa voz ainda trêmula:
- Primeiro tenho que perguntar o seguinte. Há alguém nesta sala que responda pelo nome de Marcia Overstrand?
- Sabe que sim. - respondeu Marcia com impaciência.
- Mesmo assim devo perguntar, Vossa Excelência. É parte do procedimento. - esclareceu o Rato Mensageiro. E prosseguiu. - Estou aqui para entregar uma mensagem a Marcia Overstrand, ex-Feiticeira ExtraOrdinária...
- O quê? - exclamou Marcia. - Ex? O que esse rato idiota quer dizer com ex-Feiticeira ExtraOrdinária?
- Acalme-se Márcia. - recomendou Tia Zelda. - Espere até ouvir o que ele tem para dizer.
Stanley continuou.
- A mensagem foi enviada às sete da manhã... - O rato interrompeu-se para fazer as contas de quantos dias já tinham se passado. Como um autêntico profissional, Stanley manteve um registro exato do tempo que tinha passado na gaiola, riscando uma linha para cada dia numa das grades. Sabia que tinha passado vinte e nove dias em poder de João Tolo, mas não fazia idéia de quanto tempo passara delirante em frente da lareira na Choupana da Guardiã. -... aaangh... de um dia há muito tempo, através de interposta pessoa, por um Tiago Potter, com residência no Castelo...
- O que significa por interposta pessoa? - perguntou Rony.
Stanley bateu o pé, impaciente. Não gostava de ser interrompido, especialmente quando a mensagem já era tão antiga e ele tinha medo de não se conseguir recordar dela. Tossiu, impacientemente.
- Início da mensagem: Cara Marcia, Espero que esteja bem. Eu estou bem e estou no Castelo. Ficaria muito grato se pudesse se encontrar comigo no exterior do Palácio logo que possível. Há novidades. Estarei no Portão do Palácio, todas as noites à meia-noite, até a sua chegada. Mortinho por te ver, Os melhores cumprimentos, Tiago Potter. Fim da mensagem.
Stanley voltou a sentar-se na sua almofada e soltou um suspiro de alívio. Missão cumprida. Pode ter demorado mais do que qualquer Rato Mensageiro já tivesse demorado para entregar uma mensagem, mas tinha conseguido. Permitiu-se um breve sorriso, embora ainda estivesse de serviço.
Por momentos gerou-se um silêncio na sala, e depois Marcia explodiu.
- Típico, é mesmo típico! Não faz sequer um esforço para voltar antes do Grande Gelo, e depois, quando finalmente se resolve a mandar uma mensagem, nem sequer se dá ao trabalho de citar meu FicaEmSegurança. Desisto. Devia ter ido eu mesma.
- E o Gui? - perguntou Gina ansiosamente.
- E por que é que o Papai não mandou uma mensagem também para nós?
- Não se parece nada com o Pai. - resmungou Rony.
- Não, suponho que tenha sido mesmo por interposta pessoa. - concordou Tia Zelda hesitante.
- O que quer dizer isso? - voltou a perguntar Rony.
- Significa que foi outra pessoa que entregou a mensagem ao Gabinete dos Ratos. Tiago não deve ter podido ir lá. O que era de se esperar, calculo. Quem seria essa interposta pessoa?
Stanley não disse nada, embora soubesse perfeitamente que a interposta pessoa tinha sido o Supremo Guardião. Embora já não fosse um Rato Confidencial, ainda estava vinculado pelo Regulamento do Gabinete dos Ratos. E isso significava que todas as conversas mantidas no interior do Gabinete dos Ratos eram Altamente Confidenciais. Mas o Rato Mensageiro sentiu-se pouco à vontade. Estes Feiticeiros tinham-no resgatado, tinham tratado dele e, provavelmente, tinham-lhe salvo a vida. Stanley agitou-se na almofada e cravou o olhar no chão.
Algo se passava, pensou ele, e não queria ser cúmplice disso. Esta missão tinha sido um autêntico pesadelo do princípio ao fim.
Marcia foi até à escrivaninha e fechou o livro que estava lendo com estrondo.
- Como Tiago se atreve a ignorar uma coisa tão importante como o meu FicaEmSegurança? - perguntou furiosa. - Não sabe que a única razão de ser de um Feiticeiro Normal é servir o Feiticeiro ExtraOrdinário? Não vou continuar tolerando esta atitude insubordinada. Vou falar com ele e vou dizer-lhe o que penso de tudo isto.
- Marcia, acha que é sensato? - perguntou Tia Zelda, com calma.
- Ainda sou a Feiticeira ExtraOrdinária, e não vou permitir que me afastem. - declarou Marcia.
- Bom, mas acho que deve pensar melhor no assunto durante a noite. - disse Tia Zelda com bom senso. - As coisas parecem sempre melhores pela manhã.
Mais tarde nessa mesma noite, o Garoto 412 estava deitado à luz bruxuleante da lareira, ouvindo as fungadas de Rony e a respiração compassada de Gina. Tinha sido acordado pelo ressonar ruidoso de Max, que se ouvia até mesmo através do teto. Max devia estar dormindo no andar de baixo, mas tentava sempre esgueirar-se para ir se deitar na cama de Tiago, se lhe parecia que tinha uma oportunidade. Na verdade, sempre que Max começava a ressonar no andar de baixo, o Garoto 412 dava-lhe um empurrão e incentivava-o a escapulir para o andar de cima. Mas nessa noite o Garoto 412 percebeu que estava ouvindo mais alguma coisa além do ressonar de um cão lobo com problemas de sinusite.
O ranger de tábuas por cima de si... passos furtivos nas escadas... o chiar do antepenúltimo degrau das escadas... Quem poderia ser? Lembrou-se subitamente de todas as histórias de fantasmas que já lhe tinham contado, ao ouvir o sibilar surdo de uma capa que se arrastava sobre o chão de pedra e soube que quem quer que fosse, o que quer que fosse, tinha acabado de entrar na sala.
O Garoto 412 sentou-se lentamente, o coração batendo descompassado, e fitou os olhos na penumbra. Um vulto escuro estava se movendo furtivamente em direção ao livro que Marcia tinha deixado sobre a escrivaninha. A figura pegou o livro e enfiou-o sob o manto. Depois percebeu o branco dos olhos do Garoto 412 que olhavam para ela na escuridão.
- Sou eu. - sussurrou Marcia. Fez-lhe sinal para que fosse para perto dela. O Garoto 412 escorregou silenciosamente da colcha e avançou descalço pelo chão de pedra para saber o que ela queria.
- Como podem esperar que alguém consiga dormir no mesmo quarto com aquele bicho, é coisa que não compreendo. - sussurrou Marcia mal-humorada. O Garoto 412 sorriu timidamente. Não disse que tinha sido ele quem empurrara Max escadas acima. - Vou Regressar hoje à noite. - disse-lhe Marcia. - Vou me servir dos Minutos da Meia-Noite, só para me garantir. Deve fixar isso, os minutos de cada um dos lados da meia-noite são a melhor hora para Viajar em segurança. Sobretudo quando pode haver alguém no ponto de destino que te queira mal. E eu desconfio que há. Vou me dirigir ao Portão do Castelo e ver o que se passa com esse Tiago Potter. Que horas são?
Marcia pegou o relógio.
- Dois minutos para a meia-noite. Volto em breve. Pode dar o recado à Zelda? - Marcia fitou o Garoto 412 e recordou-se de que ele ainda não tinha dito uma palavra desde que lhes dissera o seu nome e posto na Torre dos Feiticeiros. - Bom, não faz mal se não disser. Ela adivinhará logo onde fui.
O Garoto 412 lembrou-se subitamente de uma coisa importante. Remexeu nos bolsos da blusa e tirou o Encantamento que Marcia tinha lhe dado quando o convidara para seu Aprendiz. Pegou no pequeno par de asas de prata e olhou para elas com alguma pena. Refulgiam em tons de ouro e prata no clarão Mágyko que começava a envolver Marcia. O Garoto 412 estendeu o Encantamento a Marcia, para devolve-lo, achava que não devia ficar com ele mais tempo, já que não haveria maneira dele poder ser seu Aprendiz, mas Marcia abanou negativamente a cabeça e ajoelhou-se junto dele.
- Não. - sussurrou-lhe. - Ainda tenho esperança de que mude de idéia e queira ser meu Aprendiz. Pense nisso enquanto eu não estiver aqui. Vá, falta um minuto para a meia-noite. Afaste-se um pouco.
O ar em torno de Marcia ficou gelado, e um estremecimento de pura Magya rodopiou à sua volta, enchendo o ar de uma carga elétrica. O Garoto 412 recuou até à lareira, um bocado assustado, mas principalmente fascinado. Marcia fechou os olhos e começou a entoar algo longo e complicado numa língua que ele nunca tinha ouvido antes e, enquanto olhava para ela, viu surgir a mesma névoa Mágyka que tinha visto pela primeira vez a bordo do Muriel, no Canal Deppen. Subitamente, Marcia atirou a capa sobre si mesma, de forma a ficar coberta dos pés à cabeça e, ao fazê-lo, o púrpura da névoa Mágyka e o púrpura da capa uniram-se num só. Ouviu-se um sonoro sibilar, como água pingando sobre metal quente, e Marcia desapareceu, deixando apenas uma tênue sombra que se dissipou em breves momentos.
No Portão do Palácio, vinte minutos depois da meia-noite, um pelotão de Guardas estava de serviço, tal como tinha estado nas cinqüenta amargamente frias noites que precederam aquela. Os Guardas estavam gelados e contando com mais uma noite de tédio em que não fariam nada mais do que bater os pés no chão e fazer a vontade do Supremo Guardião, que tinha a extravagante idéia de que a ex-Feiticeira ExtraOrdinária ia aparecer exatamente ali. Assim, sem mais nem menos. Claro que nunca apareceu, e eles também não estavam à espera que isso viesse a acontecer. E no entanto, todas as noites os enviava para lá para ficarem à espera e com os pés transformados em blocos de gelo.
Por isso, quando uma tênue sombra purpurina começou a formar-se no meio deles, nenhum dos Guardas conseguia acreditar no que se estava acontecendo.
- É ela. - murmurou um deles, meio assustado com a Magya que revolteava subitamente no ar, enviando desconfortáveis descargas elétricas através dos seus elmos de metal negro. Os Guardas desembainharam as espadas e aguardaram enquanto a sombra indistinta se transformava numa sólida figura envolta na capa púrpura de um Feiticeiro ExtraOrdinário.
Marcia Overstrand tinha Aparecido bem no meio da armadilha do Supremo Guardião. Foi apanhada de surpresa, e sem o FicaEmSegurança e a proteção dos Minutos da Meia-Noite, pois tinha chegado vinte minutos atrasada, não pôde impedir que o Capitão da Guarda lhe arrancasse o Amuleto Akhu que levava ao pescoço.
Dez minutos mais tarde, Marcia estava caída no fundo da Masmorra Número Um, que não passava de uma chaminé profunda e escura, enterrada nas fundações do Castelo. Marcia estava meio atordoada, presa no meio de um Vórtice de Sombras e Vultos que Voldemort tinha criado, com grande prazer, especialmente para ela. Aquela era a pior noite da vida de Marcia. Estava indefesa, caída numa poça de água malcheirosa, apoiada numa pilha de ossos dos ocupantes anteriores da masmorra, atormentada pelos gritos e gemidos das Sombras e Vultos que rodopiavam à sua volta e lhe sugavam seus poderes Mágykos. Só na manhã seguinte, quando, com um bocado de sorte, um fantasma Antepassado se perdeu e calhou passar através da parede da Masmorra Número Um, é que mais alguém, que não Voldemort ou o Supremo Guardião, soube onde ela estava.
O Antepassado levou Alther até lá, mas não havia nada que ele pudesse fazer a não ser sentar-se ao lado dela e encorajá-la para que se mantivesse viva. E Alther necessitou de todos os seus poderes de persuasão, pois Márcia estava desesperada. Por causa de uma birra com Tiago, sabia que tinha deitado tudo aquilo por que Alther tinha lutado a perder ao depor Voldemort. Pois, uma vez mais, Voldemort tinha o Amuleto Akhu em volta do seu pescoço gordo. Era ele e não Marcia, que era agora verdadeiramente o Feiticeiro ExtraOrdinário.
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