Capítulo 4



Capítulo 4
Sexta-feira 28


Os dias foram se passando lentamente. Enquanto Draco já sabia até o que dizer pra Gina quando ela viesse perguntar sobre a carta, a própria Gina estava ficando cada vez mais chateada. O que Draco não sabia, era que a carta tinha se perdido (um cachorro comeu a bolsa do carteiro) e não tinha chegado até Gina, que pensava que Draco estava decididamente evitando-a por ela ter escrito aquela carta.

Na sexta-feira, o dia mais importante da semana pras crianças protagonistas da nossa historia, Draco recebeu a noticia de que uma bolsa de correspondência já tinha passado pelo sistema digestivo de um dobermann e com ela, sua carta. Ele ficou furioso com o correio, diga-se de passagem, mas Gina era mais importante do que cachorros.

Quando o sinal tocou, todo mundo saiu correndo da sala, respirando freneticamente o ar puro do corredor, menos Draco, que armou um plano maligno para fazer Gina ficar para trás arrumando seu material. Ele fingiu amarrar os sapatos enquanto Gina enfiava o livro de ciências na bolsa e quando ela fechou o zíper com força, ele pigarreou:

- COF-COF.

Gina parou no ato de abrir a porta da sala e aula e se virou lentamente para encarar Draco. A expressão no seu rosto era indecifrável. Draco se sentiu nervoso, talvez por estar falando com a pessoa que fez sua vida virar um repolho, talvez por medo de Gina, nunca saberemos.

- Gina, eu... – começou Draco ligeiramente ansioso, passando a mão que não estava segurando a alça da mochila nos cabelos muito loiros. Ele pigarreou de novo, e então Gina o interrompeu, indiferente ao seu embaraço.

- Draco, não precisa dizer nada. Olha, me desculpa por ter escrito tudo aquilo e...

Mas Gina ficou um pouco vermelha e não terminou a frase, parecendo tão embaraçada quando Draco. Ele não precisou falar nada também, porque de repente as luzes se apagaram e tudo ficou escuro. Gina se sobressaltou, e tentou dar um passo para trás, mas acabou tropeçando numa mesa no escuro, caiu em cima dela e machucou o tornozelo.

- Droga – xingou Gina baixinho, se desvencilhando da alça da bolsa e da mesa e apalpando sua perna no escuro delicadamente. Quando chegou na parte do tornozelo, uma pontada forte a fez gritar um: - AI.

- Gina? – perguntou Draco ansioso, mais perdido do que cego em tiroteio, ainda mais no escuro. – Eu ouvi um barulho, cadê você?

Ele também se desvencilhou da mochila, a largando no chão e estendeu as mãos pra frente, tentando se orientar ou chegar até Gina, o que vier primeiro.

- Eu to aqui – choramingou a voz da Gina no breu. Draco ergueu os braços apalpando tudo ao seu alcance e a voz de Gina ficou mais perto. – Mas que droga, por que diabos as luzes se apagaram? E antes que pergunte, não eu não to bem, Draco, machuquei meu tornozelo.

Draco ainda apalpava tudo ao seu redor para tentar chegar até onde Gina estava. Quando a ponta de seus dedos roçaram em algo macio, que Draco sabia ser o cabelo de Gina, ele se abaixou e apalpou o troço macio. Era mesmo o cabelo de Gina. Seus dedos acabaram por ficar ali e seus polegares fizeram carinho na bochecha de Gina.

- OK – sussurrou ela de repente, erguendo as mãos pra tirar as maos de Draco do seu rosto. – Como a gente sai daqui?

Draco franziu o cenho.

- Eu não pretendo sair daqui tão cedo. Pelo menos não enquanto a gente não se resolver de uma vez por todas.

Gina praguejou.

- Você devia lavar sua boca com sabão – murmurou Draco maldosamente com um sorriso malicioso que Gina não viu. Mas ele não viu ela revirar os olhos também. – Gina, do que você estava falando antes de as luzes se apagarem? Que lance é esse de desculpa?

Gina ficou em silencio durante uns segundos, em que Draco viu se não tinha nada no seu caminho e se sentou no lugar que ele julgava estar em frente a Gina. Sabia que ela não podia fugir por causa do tornozelo, então não havia necessidade de segurá-la.

- Pensei que você estivesse me evitando por causa do que escrevi – murmurou a garota, parecendo constrangida e meio desconcertada.

Draco teria encarado Gina perplexo, mas não sabia exatamente onde ela estava.

- Mas eu não estava ignorando você! Te mandei uma carta! Mas ela foi comida por um dobermann, então...

- O que? Então quer dizer que você não está me evitando, barra, querendo me matar, barra, querendo se matar, barra...

- Barra, eu estava esperando você receber a carta, mas fiquei sabendo hoje que o cachorro comeu a porcaria dela...

Gina não falou nada de novo, mas dessa vez era um silencio mais digno.

- Hm – grunhiu, depois de uns segundos em que os dois processavam as informações. – Irado.

Draco riu baixinho.

- Então... O que estava escrito na carta? – perguntou Gina animada, esquecendo da dor no tornozelo e tentando movê-lo. – Ai.

Draco sentiu seu rosto ficar quente e não respondeu. Essa teria sido uma boa hora pra beijá-la, mas ele tinha medo de errar e acabar beijando a mesa, ou algo assim.

- Hein? – insistiu ela, estendendo hesitante uma mao pra frente com a intenção de cutucar Draco bem nas costelas, onde doía mais, mas isso foi um erro.

Draco segurou a mao de Gina, e foi pousando a mão ao longo do braço dela, no cotovelo, no ombro, até que achou o rosto de Gina. E finalmente ele conseguiu beijar ela, e não a mesa.

Depois de uns segundos confusos, onde Draco sentia seu rosto cada vez mais quente e agradecia a Deus que estivesse escuro e onde Gina ficava feliz por ter resolvido metade do problema com Draco (a outra metade só quando ele contasse o que tinha na carta. Gina não era boba).

- Draco, você tem que parar de me distrair antes que possamos chegar a um acordo – sussurrou ela no escuro rindo levemente. Houve um estrondo momentâneo e as luzes se acenderam.

Ron e Hermione apareceram na porta, os dois sorridentes e maldosos ao mesmo tempo. Hermione segurava um fone de ouvido e Ron outro. Os dois lançaram olhares curiosos a um Draco perplexo, fazendo um biquinho e uma Gina confusa, segurando o tornozelo como se sua vida dependesse disso.

Eles se entreolharam e caíram na gargalhada.

- AÍ! – chamou Draco furioso, se levantando e entendendo tudo de repente. Ele olhou em volta, procurando uma escuta e achou apenas uma borboleta falsa, pousada perto do lugar onde ele tinha sentado com Gina. Ele a arrancou do lugar e viu que era realmente uma escuta. – Onde vocês arranjaram isso? – perguntou aos dois risonhos parados na porta.

- Se eu te contasse teria de te matar – disse Hermione com cara de maníaca, sacudindo o fone de ouvido na direção de Draco com um sorriso malicioso. Ron recebeu a borboleta e a enfiou no bolso discretamente, olhando para os lados como se fosse o James Bond.

Gina revirou os olhos. Só Ron e Hermione mesmo.

- E vocês escutaram tudo o que a gente falou? – perguntou ela meio constrangida.

- Aham – concordou Ron com uma piscadela. – O velho truque do susto da luz. Não sei como vocês caíram nessa...


Uma hora mais tarde, estavam os três reunidos na casa do Draco, as meninas no sofá (Gina com um gesso enorme, já todo rabiscado de mensagens no tornozelo) e os meninos estirados em dois colchões em frente a uma tevêzona onde passava um filme sobre porcos.

Hermione já estava tendo um troço. O filme era a coisa mais capenga que ela há tinha visto, e Hermione já tinha visto muitas coisas capengas, incluindo a cueca de carinhas felizes do Draco quando eles tinham sete anos. Gina estava concentrada no filme como se uma bomba fosse cair do céu e fosse tirar o filme dela. Draco e Ron tinham caído no sono há tempos.

Quando viu-se um grande “FIM” muito colorido, uns fogos de artifícios e umas carinhas felizes, Hermione berrou “ALELUIA IRMÃ!”, porém Gina bateu palmas até suas mãos ficarem vermelhas e enxugou uma lagrima dos olhos castanhos.

- Oh, que coisa meiga – disse ela carinhosamente, como se o filme fosse o... Draco.

E falando nele, o dito cujo e Ron tinham acordado. Os dois olharam em volta, sonolentos e mal humorados e encontraram Gina e Hermione encarando a televisão, Hermione com uma expressão homicida, Gina como se fosse abraçar a tela a qualquer momento.

- OK – resmungou Draco com a voz rouca, empurrando a coberta pro lado e se levantando. Ele se espreguiçou longamente, bocejando. Depois encarou todos. – Quem quer comer?

- Qualquer coisa pra não ter que ver mais um filme desses – resmungou Hermione se levantando e puxando Ron até a cozinha.

Gina não se mexeu, só encarou Draco fixamente.

- Você não vem? – perguntou ele, sem desgrudar os olhos do rosto dela.

- Talvez – murmurou Gina em resposta -, se minhas muletas estivessem aqui...

Draco sequer piscou, muito menos Gina. Inconscientemente, eles se inclinaram um para o outro, ainda sem quebrar o contato visual. Quando estavam tão próximos um do outro que se o vento batesse eles se beijariam, a mãe de Draco chegou repentinamente, fazendo os dois em vez de se separarem, se beijarem na frente da mãe dele mesmo.

- UUUHHH, vão para um quarto – disse tia Narcisa monotonamente, como se fosse a coisa mais normal do mundo ver seu filho beijando uma garota na sua frente.

Draco e Gina não ouviram.

Draco mal havia notado a presença de sua mãe, e só notou quando ela deu um pigarro. Ele levantou-se do colchão com um pulo, de olhos arregalados, e provavelmente buscando uma desculpa em sua mente super complexa para dar à sua mãe, de forma que ela entendesse que por um erro, ele havia beijado uma garota e que não faria isso novamente até depois dos dezenove anos.

- Mãe. Eu... Eu... – gaguejava Draco, muito desajeitado.

Gina estava meio abobada, então, surpreendentemente, a mãe de Draco sorriu.

- Porque não vão comer? – indagou ela. – Eu comprei algumas coisas. Mas é melhor ir logo se não quiserem que Ron e Hermione acabem de vez com o sorvete.

Sorvete? Quem ligava pra sorvete? Queriam era ficar ali. Nenhum dos dois sequer lembrava do significado da palavra sorvete.

Bom, isso penso eu, porque eles pareciam confusos, coçando a cabeça.

De repente, quando a mãe de Draco passou e estalou os dedos perto dos narizes dos coitados, eles se tocaram que existia um mundo e não só eles. Gina parecia desconcertada, então, sem dizer nada, ela pegou uma das sacolas que a mãe de Draco tinha trazido e a levou pra cozinha. Draco pegou outra e a seguiu.

Quando chegaram, viram a manteigueira, um prato e duas facas na mesa e Ron e Hermione encostados no balcão onde se guardavam os pratos, brigando furiosamente de guerra de polegar. O pote de sorvete pela metade tinha duas colheres espetadas nele. Gina e Draco pegaram suas próprias colheres, sentaram ao lado dos guerreiros e os encararam.

- Demoraram, hein? – disse Ron maliciosamente, sem tirar os olhos do polegar frenético de Hermione. – Ai!

- UHUL! VAI EU! VAI EU! – berrou Hermione de repente, sobressaltando Draco, Gina e Ron, que se encolheram ligeiramente. – Eu ganhei a parada!

- Hermione – começou Gina hesitante -, isso foi uma guerra de polegar.

Hermione parou de balançar a cabeça como se fosse um daqueles cachorrinhos de brinquedo e encarou Gina friamente.

- Tentem fazer guerra de polegar com essa criatura e vão entender do que eu estou falando! – exclamou Mione de forma brava se levantando com o nariz empinado.

Ron se adiantou.

- Hermione, eu sou demais, e você sabe disso.

Isso parecia ter sido a gota d’água pra Hermione, que empinou ainda mais o nariz, fazendo Ron se lembrar de uma competição pra ver quem conseguia encostar o nariz no teto primeiro. Ele tentou abafar uma risada, fazendo Hermione lançar um olhar ainda mais gélido pra ele.

Ron, não sabendo mais o que fazer, jogou um braço nos ombros de Hermione e com a outra mão, começou a gesticular de uma forma muito frenética, falando um monte de coisas ao mesmo tempo. Isso iria confundir ela momentaneamente.

E funcionou.

Dez segundos depois, Hermione estava sentada no sofá, olhando de queixo caído para Ron, que ainda gesticulava. Draco e Gina observavam tudo da cozinha. Quando Hermione bufou, se levantou, segurou Ron e tascou-lhe um beijo, eles desejaram terem trazido seus celulares.

Entrementes, Ron levantou ligeiramente Hermione do chão, enquanto Draco e Gina atacavam o sorvete como urubus na carniça.

- Você ainda não me contou o que tinha escrito naquela carta – comentou Gina depois de engolir o sorvete que tinha na sua colher.

Draco não disse nada, nem teve nenhuma reação. Estava na hora de falar pra Gina o que ele tinha escrito na carta, mas de longe era mais fácil escrever tudo e mandar pelo correio do que ter que falar olhando nos olhos dela. Mais um pouco e Draco desejaria ter uma copia da antiga carta.

- Eu falei mais ou menos assim, que gostava também de você – Draco criou coragem e finalmente encarou Gina nos olhos. – Que tudo bem, e tal, mas queria que fosse segredo por enquanto. – Ele enfiou a colher no pote e tirou uma quantidade enorme de sorvete e enfiou na boca sem cerimônias.

Depois de um segundo, ele estava agarrando a cabeça como se sua vida dependesse disso e berrando “GELO NA CUCA! GELO NA CUCA!” enquanto Gina batia nas suas costas tentando não rir.

- CALMA-TE, COISA! – berrou ela autoritariamente. – E, Draco, me faz um favor.

Assim que Draco parou de tossir, encarou Gina de olhos arregalados.

- Vamos acabar logo com isso – ela disse de forma brusca, antes de segurar o rosto de Draco e beijá-lo de novo.

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