CAPÍTULO IX
CAPÍTULO IX
Hermione ficou vagando pelo castelo, surpresa com o número de pessoas que circulavam por todos os cantos, embora o dia mal houvesse amanhecido. No grande salão, um servo que ia passando ofereceu-se para ir buscar uma maçã para ela, o que a deixou ainda mais surpresa. Por acaso aquela gente não sabia quem ela era? Bem, seria bom dar uma demonstração, mas por alguma razão ela não estava disposta a gritar ou brigar. E estava com fome. Não havia comparecido a nenhuma das refeições do dia anterior e, tendo perdido peso nos últimos meses, não podia emagrecer mais. Precisava manter as forças e já sentia as túnicas folgadas no corpo.
Silenciosamente assentiu, aceitando a oferta do servo, que apressou-se em se afastar, retornando pouco depois não só com a maçã, mas também com um bom naco de queijo e um pedaço de pão. Hermione olhou com desconfiança para a comida, porque no castelo do pai dela só se comia nas horas de refeições. Excetuando-se ele. Antigos ressentimentos e ódios vieram à lembrança dela, mas Hermione procurou afastá-los e começou a mastigar a comida.
- O tempo está firme e seco, minha lady. - informou o servo. - Se quiser comer sua refeição no terraço no alto do castelo, sinta-se à vontade.
Dito isso o homem se afastou, e Hermione ficou olhando para as costas dele, perguntando-se o motivo daquele convite. Estaria o Lobo esperando no terraço, pronto para empurrá-la lá de cima?
Bem, só havia um meio de descobrir.
Depois de muito procurar, Hermione encontrou a escada que levava ao terraço no alto do castelo. Quando chegou lá, porém, não encontrou ninguém a esperá-la. Ninguém a não ser um guarda solitário, que a cumprimentou com uma reverência, como se estivesse acostumado a receber visitantes. Hermione ficou surpresa. Os soldados do pai dela nunca haviam merecido confiança e por isso ela procurou deixar o punhal à mão e ficar sempre olhando para aquele guarda enquanto comia.
Logo, porém, o homem se afastou, caminhando ao lado do muro enquanto vasculhava com os olhos as terras do lorde. Hermione relaxou um pouco e também olhou para a paisagem. Então conteve a respiração. A alvorada criava um rico aparato de cores no horizonte, distribuindo luz pelas colinas e florestas que se espalhavam diante dela, como se o próprio Deus estivesse movendo a mão pelo mundo.
Embora não fosse raro ela se levantar bem cedo, nunca tinha tido a oportunidade nem a inclinação para apreciar uma vista como aquela. E há muito tempo que também não sentia admiração por nada. O sol nascente a deixou com os olhos úmidos, mas a vista era fascinante, de uma beleza superior a qualquer outra coisa que ela já tivesse visto, exceto talvez… Rony.
Hermione cuspiu na pedra lisa o pedaço de maçã que estava mastigando. Pensamentos como aquele eram perigosos, assim como era perda de tempo ficar contemplando a paisagem quando devia estar atenta a possíveis perigos. Ela estava na toca do Lobo e devia se lembrar sempre disso. Por mais bela que fosse a vista, Wessex era a fonte de todas as desgraças dela, a tentação que havia levado o pai à perdição, roubado a herança dela e a transformado num joguete nas mãos dos homens.
Mesmo assim, olhando para os campos da propriedade, onde àquela hora muita gente já trabalhava, Hermione não conseguiu ativar sua costumeira revolta. O canto dos pássaros e a brisa da manhã, mais a profusão de cores espalhando-se pelas colinas, tudo parecia dissipar as desconfianças que ela sempre tinha. Estava cansada de ter que ficar alerta o tempo todo, sempre desconfiando do comportamento dos outros. Talvez, pelo menos uma vez, pudesse ficar calmamente sentada ali, apenas admirando a beleza do amanhecer, longe da confusão que reinava no castelo lá embaixo.
A decisão de Hermione proporcionou um estranho tipo de paz, embora não pudesse ser uma coisa verdadeira. Não havia lugar para contentamento na vida dela, e no entanto era como se já tivesse se sentido assim antes, e recentemente. Fechando os olhos ela buscou na memória, apenas para aprumar o corpo quando a lembrança surgiu.
A única outra vez em que tinha se sentido tão à vontade tinha sido naquela manhã mesmo, ao despertar tranqüila e segura na cama do marido. Idiota! Irritada com aquele pensamento absurdo, Hermione procurou ignorar o vago anseio que a lembrança de Rony parecia inspirar, voltando a atenção para o que estava comendo.
A improvisada refeição permitiu que Hermione evitasse o café da manhã e continuasse sozinha, já que não estava muito ansiosa para ver o marido, o Lobo e sua esposa de covinhas no rosto. A idéia de encarar Rony depois que ele a havia carregado para o quarto e dormido ao lado dela já era ruim o suficiente, além do que ela ainda precisava arranjar um jeito de assimilar sem traumas a forma como ele a havia beijado no dia anterior. A simples lembrança a deixava com as faces quentes, tanto que ela achou melhor não se encontrar com ele.
Assim sendo, pôs-se a perambular por Wessex. Já tinha visto desenhos de castelos maiores e ouvido histórias sobre o luxo de outros. Por mais que procurasse se convencer de que Wessex era velho, pequeno e feio, sentia uma traiçoeira admiração pelo lugar. Obviamente Gina estava fazendo o melllor possível para torná-lo habitável, já que, pelo que Hermione imaginava, dificilmente o Lobo se preocuparia com cortinas e bonitas almofadas.
Ouvindo vozes num espaçoso cômodo do primeiro andar, Hermione parou. Depois caminhou furtivamente para perto da porta aberta. Lá dentro estava Rony e por um momento ela ficou fascinada ao vê-lo, moreno e belo. Quando viu a figura gigantesca do Lobo, porém, encolheu-se e buscou a proteção das sombras. Mas ficou perto da porta, acostumada que estava a escutar conversas para se inteirar de possíveis traições.
Logo ouviu a voz profunda do Lobo.
- Por que não vem morar aqui, Rony? Isso deixaria Gina muito feliz. Você sabe que ela sente muito a sua falta.
- Ela agora tem o bebê para cuidar. - respondeu Rony, com sua voz calma. - E tenho certeza de que Gina não está muito ansiosa para ter por perto um bando de Potter grosseirões.
- Bobagem. - rebateu o Lobo. - Bem, pessoalmente não ficarei aborrecido com sua presença aqui.
Rony sorriu… uma bela exposição de dentes brancos que provocou uma coisa engraçada no íntimo de Hermione.
- Obrigado, Harry. Estou lisonjeado, principalmente porque, não faz muito tempo, você só queria distância dos seus irmãos.
O Lobo resmungou alguma coisa, como se não gostasse de ser lembrado daquilo, mas Rony não se intimidou e retomou a palavra, agora mais sério.
- Eu agradeço, mas ainda há muito o que ser feito no meu feudo.
- A começar pela sua esposa. - sugeriu o irmão mais velho, o que fez Hermione se encolher novamente. - Será que você não pode pelo menos convencê-la a tomar um banho?
Rony voltou-se e fez uma careta, embora parecesse divertido com o assunto.
- Acho que não. - respondeu, pondo-se a andar de um lado para outro, devagar. - Hermione tem um pensamento diferente das outras pessoas.
- É justamente esse o problema, Rony. - aproveitou o Lobo. - O que ela precisa mesmo é de uma mão firme. Eu sempre achei que Dino seria mais adequado para a tarefa.
Diante daquelas palavras Rony virou-se prontamente, e Hermione surpreendeu-se com a dureza do olhar que ele dirigiu ao irmão. Agora o marido dela parecia tão perigoso quanto o Lobo, talvez até mais.
- Nada disso. - ele protestou, quase com ferocidade. - Hermione é minha esposa, pela vontade de Deus e pela minha.
Ao ouvir a declaração, Hermione apoiou-se na parede para não perder o equilíbrio. E o Lobo também parecia muito surpreso.
- Pelas chagas de Cristo, Rony. - ele exclamou. - Você tem que ser sempre tão nobre?
Rony riu, aparentemente esquecido da raiva, a dureza das feições dele cedendo lugar ao bom humor.
- Tem razão. Hermione até me chama de Santo Rony. Portanto, espero que você me trate com o devido respeito, meu irmão.
O Lobo ficou olhando para ele, depois balançou a cabeça, como se estivesse confuso com a brincadeira.
- Você devia arranjar uma concubina. - sugeriu.
Rony ficou quieto e Hermione rapidamente encheu os pulmões de ar. Uma concubina! Ela já ouvira falar de lordes que mantinham uma outra mulher além da esposa, embora o pai dela nunca tivesse feito isso. Dificilmente uma mulher teria mantido o interesse dele por um tempo suficiente para pensar em se tornar lady. Mas Rony…
Hermione imaginou-o dirigindo toda a sua afeição a uma outra mulher e sentiu um estremecimento. Procurou se convencer de que, uma vez ocupado em outra coisa, Rony não seria uma ameaça muito grande para ela. Mesmo assim a idéia não era confortadora. O suspeito relacionamento dele com Gina não era nada agradável para ela, mas a coisa duraria apenas o tempo de uma visita. Uma concubina, porém, estaria morando com eles no castelo.
Hermione ficou tensa, esperando pela resposta que o marido dela daria ao irmão.
- Não. - disse Rony finalmente. - Não estou mais ansioso do que você para ter uma concubina.
A resposta era uma repreensão branda e Hermione soltou a respiração. Quase ao mesmo tempo ouviu um farfalhar de tecido, indicando a aproximação de alguém. Atenta ao marido, ela havia se esquecido de tudo o mais, mas rapidamente se lembrou que estava numa posição vulnerável. Buscando o punhal escondido por baixo das roupas, voltou-se para enfrentar o intruso.
Era Gina. Para surpresa de Hermione, a lady não se encolheu ao ver a expressão ameaçadora dela. Em vez disso, sorriu.
- Hermione. Que bom encontrá-la - disse Gina num tom de conspiração que fez Hermione juntar as sobrancelhas. - Vamos até o meu quarto. A tarde, geralmente vou para lá e me ocupo com as costuras.
Hermione olhou para a porta aberta, mas Gina já estava caminhando rapidamente pelo corredor e ela precisou se apressar para segui-la. A esposa do Lobo levou-a até um espaçoso quarto, duas vezes maior do que o dela no castelo Granger. A marca de Gina também se via ali, nos coloridos travesseiros e na bonita cadeira posicionada de forma a receber o sol da manhã diante de uma das janelas. Hermione sentiu uma ponta de inveja.
Circulando pelo quarto, encostou o dedo na borda de uma tapeçaria inacabada.
- Gostou? - Perguntou Gina.
Hermione ergueu a peça ficou admirada com a cena que a tapeçaria mostrava. Em primeiro plano via-se um lobo, numa postura audaz em meio a um campo verdejante, e ao fundo o castelo de Wessex, naquele trabalho ainda incompleto.
- Não. - ela mentiu, soltando a tapeçaria e voltando a caminhar, estranhamente incomodada pelo talento de Gina. Mas a mulher não se mostrou ofendida com o insulto. Apenas fez um gesto para que a visitante se sentasse na cadeira e acomodou-se num banquinho baixo.
- Você gosta de costurar? - perguntou.
- Não gosto mesmo. - respondeu Hermione, subitamente se dando conta da feiúra das roupas que envergava.
Só costurava porque era preciso e não sentia nenhum prazer naquele trabalho. Além disso, não tinha muita habilidade. E, diferentemente da mimada esposa do Lobo, não contava com um bando de auxiliares para fazer a maior parte do trabalho para ela. Hermione nunca tinha tido ninguém para ajudá-la, protegê-la…
- Quanto tempo você ficou lá? - voltou a falar Gina.
- Lá onde? - perguntou Hermione, confusa com a súbita mudança de assunto.
- Perto da porta.
Hermione juntou as sobrancelhas, surpresa. Depois fechou o semblante.
- Um bom tempo.
Gina suspirou.
- Sinto muito pelo que deve ter ouvido. Sinto-me na obrigação de lhe pedir desculpas pelo meu marido. Ele gosta do mundo todo em preto e branco, e temas bem claros e definidos. Por isso fica desconcertado quando vê meios-tons.
Hermione ficou olhando para a mulher, sem esconder a perplexidade, já que não fazia a menor idéia do que a esposa do Lobo falava.
- Ele nunca poderia ter feito aquela sugestão, menos ainda para Rony. - explicou Gina, logo depois apertando os lábios e franzindo a testa.
Hermione recostou-se na cadeira e ficou olhando para a lady. Obviamente a esposa do Lobo também havia escutado parte da conversa e não aprovava a idéia de que Rony arranjasse uma concubina. Não era de admirar, já que muito certamente queria essa posição para si própria!
- Ele não quer uma concubina porque deseja você. - declarou Hermione.
Por um longo momento Gina ficou apenas olhando para ela, boquiaberta, mas logo depois riu, um som adorável que encheu o quarto.
- Rony e eu? Ah, não! Eu adoro Rony, e acredito que ele também goste de mim, mas é uma afeição fraternal, coisa de cunhados que se dão bem.
Hermione apertou os olhos, desconfiada. Por que acreditaria na esposa do Lobo? .
Parecendo realmente divertida com a idéia, Gina respirou fundo.
- Há dois anos, Rony e Dino me encontraram numa estrada. Eu estava ferida e eles me levaram para o castelo de Campion. - Então ela sorriu, como se recordasse uma doce lembrança. - Aqueles rudes guerreiros me receberam na família como uma irmã. E eu os considerei meus irmãos. Quando chegou a hora da minha partida, o conde perguntou a cada um dos filhos se queria se casar comigo, mas nenhum deles quis me tomar por esposa. Se não estiver acreditando em mim, pode perguntar a qualquer um dos Potter.
Embora Gina contasse a história sorrindo, Hermione encolheu-se ao pensar em tal rejeição.
- Mas por que não? - perguntou, examinando a lady da cabeça aos pés, como se procurasse algum defeito nela. - Por que nenhum deles quis se casar com você?
- Eram todos homens independentes e não queriam mudar de vida, menos ainda tendo que fazer uma mudança tão irrevogável. - respondeu Gina rindo. - É engraçado ver aqueles destemidos guerreiros se encolhendo diante de uma coisa tão simples como o casamento, mas é o que eles fazem. E são todos homens honrados, que não se casariam nem com a herdeira de um trono se não a amassem.
Aquelas palavras foram ditas com muita seriedade e Hermione dirigiu à interlocutora um olhar duro.
- Com Rony não foi assim.
Gina hesitou, na certa percebendo que havia falado o que não devia.
- Não. - reconheceu. - Eu estava lá quando o decreto do rei chegou. Todos nós ficamos sabendo que um dos rapazes deveria se casar com você. - Fazendo uma pausa ela ficou olhando para Hermione com surpreendente intensidade. - Você não conseguiria ninguém melhor do que Rony, Hermione. Ele é o mais instruído e o mais prudente de todos. E também o mais bondoso. Acho que as coisas sempre acabam sendo como devem ser, inclusive o nosso próprio destino, seja a mão de Deus ou alguma outra força que determine as nossas ações.
Hermione sentiu um sobressalto ao ouvir menção à mão de Deus, porque naquela manhã mesmo ela havia pensado na mesma imagem ao acompanhar o nascer do sol. Franzindo a testa, ficou olhando com cautela para Gina.
- Embora você tenha se casado por obrigação, talvez seja para o seu próprio bem, se você colaborar. - prosseguiu a esposa do Lobo. - Rony é um homem maravilhoso que obviamente aprendeu a gostar de você…
Hermione pôs-se de pé, o que fez a outra se calar.
- Rony apenas me tolera, nada além disso! - ela despachou, sem querer ouvir mais nada daquelas bobagens.
Sentia um estranho aperto no peito. Mas o que estava acontecendo com ela? Teria contraído alguma doença?
- Está certo. - disse Gina, num tom brando. - Não vou mais falar nesse assunto. Mas venha. Tenho uma coisa para lhe dar! - Caminhando até um baú, a lady ergueu a tampa e pôs-se a tirar peças de tecido lá de dentro. Curiosa, Hermione aproximou-se e conteve a respiração quando viu o belo tecido verde que Gina examinava naquele momento.
- O que está fazendo? - perguntou.
- Sim, acho que vai servir. - disse Gina, jogando sobre a cama o que tinha nas mãos e pegando uma peça de linho branco. - E este aqui também. Combinará muito bem com seus cabelos.
- O quê?
- Vou pôr minhas auxiliares para fazer algumas túnicas para você. - respondeu Gina. - E eu mesma vou me ocupar disso.
Hermione não soube o que dizer ao ouvir aquilo, mas ficou outra vez desconfiada. Afinal de contas, nada se conseguia de graça. Então apertou os olhos.
- Por quê?
Gina pareceu surpresa.
- Ora, porque você agora faz parte da família Potter e deve ter boas roupas. Tenho certeza de que Rony pensaria nisso, mais cedo ou mais tarde, mas parece que a mente dele anda muito ocupada com o feudo.
Hermione recuou dos tentadores tecidos. Então Gina estava pensando em renovar o guarda-roupa dela para torná-la uma esposa adequada para um dos bonitos e poderosos Potter? Bem, ela não tinha o menor interesse na família do marido nem na herança dos Potter. Eles podiam fazer pouco, mas ela não se sentia na obrigação de agradar àqueles cretinos.
- Não quero túnicas novas. - declarou.
O sorriso de Gina tornou-se hesitante.
- Mas eu não ia usar mesmo esses lindos tecidos. Harry gosta de me dar peças de tecido de presente e, embora ele não tenha se casado comigo por causa da minha fortuna, acho que às vezes se sente humilhado ao pensar que fui eu que contribuí para a formação da maior parte do nosso patrimônio. Provavelmente é por isso que me dá tantos e tão caros presentes.
Hermione olhou novamente para o lindo tecido verde, que era muito melhor do que qualquer coisa que ela já houvesse possuído. Na verdade, parecia ter mais qualidade que as finas roupas que o pai dela usava. Isso a fez sentir um rebelde desejo de tê-lo, no mínimo para ofender a memória dele.
- Por que eu? - perguntou, olhando de lado para a lady.
Gina voltou a sorrir, mostrando as covinhas.
- Porque agora você é minha irmã! Não imagina o quanto eu sempre sonhei em ter uma família, a minha vida inteira. Ao me acolher, os Potter me proporcionaram não apenas um lugar para viver, mas um lugar na vida deles. Ah, eles são todos grandes guerreiros, homens valentes, mas mesmo assim cada um deles tem bom coração, cada um é especial. - Fixando em Hermione os grandes olhos de corça, que brilhavam de emoção, a lady passou a falar ainda mais vivamente. - E, desde que me casei com Harry, sempre esperei que um deles se casasse. Assim eu poderia ter uma amiga, uma outra lady na família.
Hermione ficou olhando para ela. Uma amiga? Ela nunca tinha sido amiga de ninguém, assim como jamais tivera uma amiga. Uma lady? Ninguém nunca a havia chamado de lady. A não ser Rony e algumas pessoas de Wessex. Hermione perguntou-se qual era o problema com os Potter. Talvez eles não fossem cobiçosos conquistadores de terras, mas sim uma dinastia de homens decentes, cavaleiros que pensavam mais na honra do que numa bolsa cheia de dinheiro. Talvez um deles, em especial, um homem bom, bem-educado, instruído…
Um choro de criança interrompeu aqueles pensamentos e Hermione retirou a mão da seda que distraidamente alisava.
- Ah, o bebê acordou. - disse Gina, sem se deixar perturbar pelo choro cada vez mais alto. - E os pulmões dele são como os do pai!
Caminhando até o berço, colocado a um canto do quarto, não muito longe da lareira, a mulher pegou a criança nos braços e pôs-se a murmurar palavras doces. O filho do Lobo, pensou Hermione, outra vez sentindo amargura. Embora ainda fosse pequeno e indefeso, aquele menino cresceria e fatalmente seria igual ao pai e aos tios, mais um implacável Potter. Seria mesmo? De alguma forma, ela não conseguia sentir ódio do bebê, que estava se acalmando nos braços da mãe.
Hermione olhou para ele cautelosamente. Raramente via crianças, já que as mães tomavam o cuidado de manter seus filhos longe da famigerada Granger. E faziam muito bem! Tendo visto tão poucos recém-nascidos, ela não resistiu à curiosidade e se aproximou para ver o rosto do garoto e as mãozinhas perfeitas.
- Ele tem muita fome, exatamente como o pai. - disse Gina, desculpando-se com um sorriso enquanto se sentava na cadeira que a visitante havia desocupado. Observando a lady ninar o filho, Hermione sentiu uma coisa engraçada por dentro, uma estranha sensação de perda e ansiedade que a fez voltar-se quando a criança começou a mamar.
Não era a primeira vez que via uma criança sendo amamentada. A última filha da mãe dela, que havia morrido ao dar à luz essa criança, tinha sido alimentada por uma das mulheres da aldeia, embora até isso o pai dela houvesse permitido de má vontade. Adoecendo, a menina logo tinha ido se juntar à mãe. Hermione sentiu um aperto no peito ao se lembrar daquilo. Embora houvesse sentido raiva da irmã por causa da morte da mãe, havia se afeiçoado à recém-nascida durante o curto período de vida dela, ajudando a cuidar, pegando-a no colo… até vê-la morrer. Como acontecia com todos de quem ela gostava.
Hermione respirou fundo, emitindo um som que chegou a ser audível no silêncio do quarto. Precisava sair dali… afastar-se daquela criança, da estranha esposa do Lobo, de Wessex. Apressadamente marchou para a porta, mas a voz de Gina a fez parar.
- Venha sentar-se aqui. Podemos conversar enquanto ele mama. Quero conhecer melhor minha irmã.
Irmã! Hermione quase soltou um riso de amargura. Filho. Marido. Eram apenas palavras sem significação, porque na realidade não havia laços de sangue. Sem confiar em si própria para falar, ela girou nos calcanhares para se afastar de Gina e seu mundo perfeito de bebês saudáveis, maridos indulgentes, cunhados fascinantes, riqueza e luxo. Sempre adulada, a esposa do Lobo não fazia idéia de como a vida realmente era. E Hermione a odiava por isso.
Se ficou aborrecida com a súbita retirada de Hermione, Gina não disse nada. Ao jantar estava com seu costumeiro jeito de pessoa despreocupada e feliz. Silenciosamente Hermione a observou, com um misto de desagrado e fascínio. Nunca tinha visto ninguém tão alegre. E estava sempre se surpreendendo com a forma como o Lobo tratava a esposa.
Ele certamente era ríspido e resmungava um bocado, como um urso grande, mas estava sempre oferecendo petiscos a Gina e inclinando-se para cochichar no ouvido dela, com uma intimidade chocante. Vez por outra falava dela e do filho com evidente orgulho, parecendo fazer questão de que todos ouvissem.
Hermione abservou-o com os olhos apertados. Talvez todos pais de recém-nascidos se comportassem daquele jeito… quando a criança fosse um menino. Se fosse menina, sem dúvida seria relegada a algum canto do castelo e ficaria sob os cuidados de uma serva infeliz. E, se morresse, tanto melhor. Afinal de contas, os irmãos Potter não tinham nenhuma irmã. Mesmo assim, Hermione não via por ali nenhuma serva infeliz nem conseguia imaginar Gina abrindo mão facilmente de um bebê, mesmo que fosse do sexo feminino. De alguma forma, a esposa do Lobo parecia ser mais substancial, como se seu bom humor escondesse um âmago sólido como uma rocha.
Hermione franziu a testa ao ter aquele pensamento. Não gostava da mulher e não mudaria a opinião segundo a qual Gina era uma pessoa mimada e estúpida. Parecendo sentir-se observada, a esposa do Lobo voltou para ela os grandes olhos e pôs a mão no braço do marido.
- Acho que Hermione já ouviu o suficiente sobre o nosso filho, Harry. - ela o repreendeu.
O homem fez um ar de surpresa, como se houvesse se esquecido da existência de Hermione, e demonstrou não gostar da reprimenda, fazendo cara feia para a esposa. Gina, porém, não se intimidou com aquilo.
- Você devia falar sobre os Potter, para que ela possa ter mais informações sobre os cunhados.
A atmosfera alegre à mesa mudou repentinamente e vários pares de olhos se voltaram para Hermione, que ergueu a cabeça, dirigindo a Gina um olhar ameaçador. Por que a mulher chamava atenção para ela? Rony pigarreou.
- Ela conheceu todos eles, Gina. No casamento.
Hermione abriu a boca para expressar a opinião que fazia daqueles brutamontes, mas alguma coisa no tom de voz de Rony, talvez fadiga, a manteve calada. Em vez dos outros seis ameaçadores irmãos, ela viu o rosto dele, sombrio, preocupado… Abaixando os olhos para a comida que restava no prato, Hermione atacou ferozmente o pedaço de carne com a faca de comida que a deixaram usar.
- Ah, mas você sabe que à primeira vista eles parecem ferozes! - protestou Gina - A princípio até assustam, mas depois se mostram os brincalhões que são. - Os dois irmãos a fitaram como se ela houvesse enlouquecido, mas a lady não se abalou. - E o mais engraçado é Fred, claro. Esse adora pregar peças, portanto tome cuidado com ele, Hermione! Uma vez o tratante encheu minha cama de castanhas.
Gina concluiu o relato rindo.
- O que ele estava fazendo perto da sua cama? - resmungou o Lobo.
O riso de Rony soou alto e Hermione olhou para ele. Era bonito vê-lo com a cabeça levantada, os longos cabelos alcançando os ombros.
- Então ele também atormentou você, Gina? Durante anos o cretino pôs praticamente de tudo na minha cama, menos o Santo Graal… embora uma vez tenha convencido o pobre Nicholas de que a tíbia de São Gregório havia aparecido miraculosamente embaixo do travesseiro dele durante a noite!
Um som grave trovejou no outro lado da mesa e Hermione olhou para lá, vendo com espanto que agora era o Lobo quem gargalhava.
- Eu me lembro disso! Ele vivia aparecendo com relíquias falsas, como um cílio de Santo Olavo!
- E a primeira moeda possuída por São Mateus, o padroeiro dos banqueiros! - acrescentou Rony, sem parar de rir. - E era apenas uma pedra lisa.
- Sim, mas Simas disse que a imagem havia se desgastado.
- Simas? - perguntou Gina, parecendo fascinada por aquelas histórias ridículas.
- Ele mesmo. - continuou Rony. - Era sempre Simas quem enganava o pobre Fred e os mais jovens, convencendo-os a entregar o que eles possuíssem ou a fazer o trabalho dele em troca daquelas falsificações.
- E por acaso você estava entre esses mais jovens? - perguntou o Lobo, com o semblante tão transformado pelo riso que Hermione se espantou.
Rony mostrou um sorriso amarelo.
- Está bem, eu reconheço. Quando Simas me mostrou o que dizia ser a unha do dedão do pé de São João Crisóstomo, o padroeiro dos oradores, eu dei a ele o meu pudim da sobremesa do jantar… mas só porque no dia seguinte teria que declamar perante meu mestre um poema decorado!
O riso de Gina juntou-se ao dos dois homens, formando uma sinfonia tão contagiante que Hermione também sentiu vontade de rir. Com esforço, manteve o semblante fechado.
- Ah, aquilo estava se tornando um próspero negócio para o esperto Simas. - relembrou o Lobo.
O sorriso de Rony foi desaparecendo.
- Até que papai o pegou tentando vender a Reynold um dente que afirmava ter pertencido a São Gilberto.
- O padroeiro dos aleijados? - perguntou Gina, parecendo ter levado um golpe.
- Sim. - respondeu Rony.
Agora o ar jovial dos três havia desaparecido e Hermione procurou se lembrar de Reynold. Não era o que tinha o semblante amargo e coxeava? Ela havia pensado que aquilo tinha sido adquirido em alguma batalha, mas Rony estava dando a entender que era uma deformidade de nascença. A idéia a perturbou, porque ela não queria pensar nos Potter como pessoas humanas capazes de sofrer alguma desgraça. Ou de sentir orgulho com o nascimento de um filho. Ou de sentir um desejo tão forte que fazia um homem pedir à esposa que…
- Mesmo assim, Reynold pode ser tão brincalhão quanto os outros. - voltou a falar Gina. - Lembro-me de uma vez em que ele roubou minha cesta de costura e chamou os irmãos para me atazanar. Durante vários minutos eles ficaram jogando o rolo de linha de um para outro, sem que eu pudesse alcançar. Até mesmo Dino, o mais velho depois de Harry e o guerreiro mais feroz entre os irmãos… - Fazendo uma pausa ela sorriu para o marido, que pareceu ofendido com a declaração. -… até mesmo Dino tem senso de humor.
Por alguns instantes os dois irmãos ficaram olhando para a lady, com ar de descrença.
- Tem, sim! - insistiu Gina.
No mesmo instante os três desataram na gargalhada. Ouvi-los era uma experiência tão nova que Hermione pensou estar sonhando. O riso era uma coisa que ela raramente ouvia em casa. Aparentemente o pai dela se divertia provocando o sofrimento dos outros, enquanto os Potter pareciam ver humor em histórias simples e lembranças tolas. Hermione procurou ignorá-los, mas a alegria de Rony despertava alguma coisa no íntimo dela, uma ansiedade tão forte que ela apertou os olhos. Embora, a muito custo, conseguisse não deixar transparecer, sentia uma vontade muito grande de se juntar àqueles três, fazer parte da… da família deles, mesmo que fosse apenas na imaginação.
Mesmo se tudo aquilo fosse apenas um plano para ludibriá-la.
Hermione obrigou-se a sentir rejeição pelos Potter e pela aparentemente agradável atmosfera de intimidade que eles pareciam criar. Abaixando a cabeça, olhou para os três com a ferocidade com que se devia olhar para os inimigos. Não devia se aproximar muito do marido nem dos novos parentes, porque nenhum deles merecia confiança.
A vida era dura demais, cheia de perigos e ameaças sobre as quais Gina, com seus sorrisos atraentes e suas histórias interessantes, não sabia nada. Mas Hermione conhecia os perigos que ameaçavam os que não se acautelavam. Há muito tempo havia jurado que não cairia na armadilha de ninguém. E era muito possível que essa armadilha fosse um rosto bonito ou um riso contagiante. Ah, não! Ela era uma sobrevivente. Sobreviveria aos Potter.
N/A: Galera, desculpe a demora e o pequeno atraso, mas a semana foi corrida e demorei um pouco para ter todas as minhas fics prontas para atualizar. Espero que me perdoem. Abraços.
Um ultimo aviso, se eu esqueci de responder algum comentario me desculpem, foram muitos e entao se eu fui omisso me desculpem, por isso mando um abraço a todos os que estao lendo a fic.
Agradecimentos especiais:
Anna: Quebom que gostou, a Mione com ciume e muito legal, embora ela não reconheça. Beijos.
Bianca: Hermione morrendo de ciumes do Rony, mas admitir que é bom, nem pensar. Beijos.
Priscila Monteiro: Bem vida a minha fic, fico feliz por ter gostado. Beijos.
Srtª Granger: Leu rapidinho assim, é? Que bom que gostou, mais um capitulo postado, espero que goste. Beijos.
Raquel Pereira: O ciume as vezes cega as pessoas e com a Mione não foi diferente, mas em breve ela vai começar a perceber o que sente. Capitulo toda segunda garantido. Beijos.
Clara Eringer: Voce disse tudo agora, ela tem medo do Rony tornar-se como o pai, acertou em cheio. Mas rapidinho ela vai perceber que Rony é diferente e vai cair no encanto dele. Beijos.
(-( Duda Pirini )-): Desculpa a demora para Att, mas tive uns problemas essa semana que me enrolaram um pouco, mas capitulo novo no ar. A mione não vai aguentar muito mais não. Me passa o link assim que voce postar, acabei de ler o capitulo 21 de O chefe e a Secretária e ficou demais, espero ansioso pelo Epilogo. Beijos.
Suellen: obrigado, espero que continue acompanhando. Beijos.
Julie Malfoy: é, mione com ciumes do Rony, a reação dele foi explosiva, espero que tenha gostado. Beijos.
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