CAPÍTULO I



CAPÍTULO I

Com um misto de espanto e horror, Ronald Potter olhou para o pedaço de graveto que tinha na palma da mão. Percebeu a reação dos cinco irmãos que o cercavam, as mal contidas exclamações de surpresa, os suspiros de alívio e os murmúrios de solidariedade, mas não deu resposta. Apenas olhava para o minúsculo graveto, sem querer acreditar que, entre todos os Potter ainda solteiros, tinha sido ele o escolhido pela sorte.
Havia perdido. E agora devia se casar com a filha de Voldemort.
Erguendo finalmente a cabeça, Rony viu que era observado pelo pai. Se o conde de Campion estava chocado com o fato de que o mais instruído de seus filhos iria se casar com a endiabrada mulher, não dava mostras disso. Evidentemente compreendia que Rony tinha motivos, para ficar abatido, mas devia estar orgulhoso, já que tinha certeza de que aquele filho jamais o desapontaria.
Mais do que em qualquer outra oportunidade, Rony sentiu o peso daquela confiança e das responsabilidades que isso implicava, sabendo que não teria como fugir ao cumprimento do dever. O rei Edward havia decretado que um dos Potter deveria tomar a mulher como esposa, e caberia a ele cumprir essa determinação, pelo rei, pelo pai e pelos irmãos.
Aprumando o corpo, Rony tomou todos os cuidados para não demonstrar o quanto estava arrasado.
- Pois muito bem, eu a desposarei. - declarou.
Não houve congratulações, já que ninguém no castelo tinha a mais longínqua ilusão de que Rony seria feliz naquele casamento. E, pela primeira vez, nenhum dos irmãos disse nada para caçoar do irmão, o que gostavam muito de fazer uns com os outros. Mas era evidente que estavam aliviados por haverem escapado daquele capricho do destino.
Sem querer continuar mostrando a covardia que os acometia quando o assunto era casamento, os cinco rapazes, todos destemidos guerreiros, pediram licença e apressaram-se em se retirar. Rony não se sentia no direito de censurá-los. Quem não recuaria diante da perspectiva de um casamento como aquele? Depois da retirada dos irmãos, ele se viu a sós com o conde de Campion.
- Sente-se. - disse o pai, indicando-lhe uma cadeira.
Rony acomodou-se de frente para o homem que respeitava mais do que qualquer um outro, sustentando o olhar firme do pai. Campion coçou o queixo, pensativo.
- Eu tinha esperanças de que fosse um outro, talvez Dino, embora ele seja tão exaltado que poderia matá-la antes mesmo que a cerimônia se concluísse. - disse, fazendo uma careta.
Rony permitiu-se rir do que acabava de ouvir. Rony, o segundo filho de Campion, era um feroz cavaleiro que não tinha a menor complacência com as mulheres. Sem dúvida, deixaria intimidada até mesmo a filha de Voldemort, mas por causa do temperamento às vezes não sabia agir com bom senso.
Campion assentiu, como se estivesse concordando com o pensamento do filho.
- Bem, talvez seja melhor mesmo que você, com seu talento de negociador, encarregue-se da tarefa. Tenho orgulho de todos os meus filhos, mas você, Rony, é o que mais se parece comigo.
Rony olhou para o pai sem esconder a surpresa. Embora Campion sempre deixasse clara a afeição que sentia pelos filhos, nunca era pródigo em elogios. E aquele era de fato um elogio muito grande, porque todos os esforços de Rony eram no sentido de seguir os exemplos do pai.
- Você tem a firmeza dos seus irmãos, mas também é dotado de sabedoria. - prosseguiu Campion, fazendo depois uma recomendação. - Use a cabeça e o coração, além da mão com que maneja a espada, para lidar com a mulher que será sua esposa. Contam-se muitas coisas sobre ela, mas você sabe tanto quanto eu que muitas vezes essas histórias são exageradas. As pessoas nem sempre são o que parecem ser. Por isso peço-lhe que, quando se casar, procure manter a mente aberta. Sei que saberá levar em consideração este conselho.
Rony assentiu, em silêncio, embora não tivesse a menor esperança de que a filha de Voldemort fosse diferente do que se dizia dela: um demônio conhecido por suas explosões de cólera, pelo linguajar obsceno e pelo comportamento rebelde. Era sabido que ela havia assassinado o primeiro marido no leito nupcial, um ato que o soberano havia preferido perdoar por causa das circunstâncias do casamento. Mesmo assim, o fato daria o que pensar a qualquer homem, principalmente àquele que tivesse a incumbência de ocupar o lugar do cavaleiro morto.
Como se pudesse ler o pensamento do filho, Campion pigarreou e adotou uma expressão grave.
- Daqui para frente, use o bom senso e a sua boa vontade, mas nunca se esqueça, filho, de se manter atento ao que se passa às suas costas.

Com cuidado, Rony pôs no baú o volume que tinha nas mãos, ao lado dos que já estavam lá. Tinha mais livros do que qualquer outra pessoa no castelo de Campion, incluindo o pai. Embora todos os Potter soubessem ler e escrever, apenas ele havia estudado com um sábio viajante, a fim de satisfazer sua sede de conhecimentos. E continuava expandindo sua biblioteca, sempre que possível, já que, mesmo após a partida do preceptor, mantinha o interesse em aprender cada vez mais.
As batidas na porta o surpreenderam, porque naquele dia os irmãos haviam desaparecido. Rony entendia a relutância deles em procurá-lo. Eram todos homens fortes e destemidos, travavam batalhas difíceis, mas não saberiam enfrentar um inimigo como a filha de Voldemort. Como o iminente casamento dele não poderia ser evitado com a ajuda de espadas e machados, os irmãos não tinham como ajudá-lo.
- Entre. - disse Rony, achando que se tratava de algum criado.
Para surpresa dele, quem apareceu à porta foi Harry, o irmão mais velho. Rony não se assustou com a carranca do cavaleiro. Bem, era comum Harry esconder seus bons sentimentos por trás de palavras e expressões duras.
Naquele momento o primogênito dos Potter estava evidentemente constrangido. Rony retirou de cima de uma cadeira um monte de roupas deixadas ali pelo relaxado Simas, o irmão com quem dividia o quarto, e fez um gesto para que Harry se sentasse.
- Eu preferia que a responsabilidade coubesse a um outro. - declarou o recém-chegado. - Dino, por exemplo.
Era uma repetição do que o conde de Campion já tinha dito e Rony deu de ombros.
- Saberei lidar com a situação, espero. - disse, enquanto dobrava uma túnica de lã para pôr em outro baú.
- Por Deus, Rony, eu… - Harry resmungou um palavrão antes de recomeçar. - Eu me sinto responsável. Afinal de contas, foi minha espada que matou o pai dela.
Rony interrompeu o que estava fazendo e olhou diretamente para o irmão.
- Porque ele declarou guerra a você. Voldemort foi um patife que estava determinado a se apossar de seu castelo e de suas terras. Já se esqueceu de como ele armou a emboscada para atacar sua comitiva, chacinou seus homens e aprisionou você no seu próprio calabouço?
Harry trincou os dentes.
- Não, não me esqueci. Mas foi meu próprio cavaleiro, Zacarias Smith, quem me traiu em favor de Voldemort e depois se casou com a filha dele.
- Felizmente ela acabou com ele antes que o cretino causasse mais prejuízos a você. - disse Rony, agora evitando olhar para o irmão.
Embora estivesse dizendo a verdade, ele não queria prosseguir naquela linha de raciocínio, principalmente porque seria o próximo a se casar com a mulher em questão.
- Por Deus, Rony! Fiquei muito grato por meus irmãos terem corrido para me ajudar, mas não queria que nenhum deles sofresse por causa disso, menos ainda você. Que os diabos levem o decreto do rei!
Rony continuou a arrumar as coisas.
- Você não pode censurar Edward por querer pôr um fim às hostilidades. Ele quer a paz no reino, e ninguém melhor para conseguir isso do que um de nós.
- Sim, mas você, Rony…
Harry fez um gesto de desânimo.
Rony não disse nada, mas olhou sério para o irmão. Embora não fosse um sanguinário como Dino, sentia-se perfeitamente capaz de controlar uma mulher, fosse ela uma assassina ou não. Por isso, estava começando a se ressentir das sugestões de que não tinha essa capacidade.
Harry deve ter adivinhado o que ele estava pensando, porque desviou os olhos, embaraçado.
- Só lamento você ter que se casar com uma mulher que não ama. - resmungou.
Ao ouvir aquilo Rony voltou à arrumação da bagagem, já sem sentir raiva. De todos os irmãos dele, Harry era o único capaz de demonstrar aquela preocupação, já que os outros caçoavam das idéias românticas. Não muito tempo antes o próprio Harry teria rido do assunto, mas agora estava casado, tendo recentemente reconhecido na frente dos outros Potter o que sentia pela mulher que havia desposado.
Gina. Rony procurou não comparar a doce e carinhosa mulher que estimava como irmã com a endiabrada criatura com quem se casaria, mas isso seria impossível. Ainda se lembrava bem da temporada que havia passado no castelo de Harry, em Wessex, podendo observar o casal. Desejava poder ter na vida alguém que lhe desse um afeto parecido.
Mas jamais teria isso.
Rony continuou a dobrar as roupas, sentindo-se incapaz de dizer alguma trivialidade que isentasse Harry do sentimento de culpa. Queria que o irmão nunca tivesse tocado naquele assunto, porque agora só sentia desalento ao pensar no futuro.
O sacrifício que iria fazer parecia grande demais.

O natal passou depressa, uma comemoração insossa tornada especial apenas pela presença de Gina, que estava esperando o primeiro neto de Campion. Ela e Harry permaneceram no castelo do conde, mesmo depois das festividades, como se pensassem ter o poder de desfazer a dura realidade representada pelo próximo casamento que se realizaria na família. O estado das estradas em conseqüência do inverno também conspirou para adiar as núpcias, mas finalmente o tempo melhorou e todos partiram para Wessex, ficando apenas Campion.
O conde sofria com o frio do inverno e Rony sentiu-se aliviado quando o demoveu da intenção de acompanhá-los. Embora os irmãos pensassem no pai como um homem apenas um pouco mais velho do que eles, era evidente que agora o chefe da família encontrava dificuldades para se locomover. Raramente deixava o castelo e Rony não queria que ele tivesse que fazer uma longa viagem sob uma temperatura tão baixa. A preocupação tinha fundamentos, porque eles só chegaram à propriedade de Harry depois de quase uma semana percorrendo estradas enlameadas e suportando muita chuva. Ali deixaram Gina. Embora ela protestasse com veemência, Harry não quis deixá-la prosseguir viagem no estado em que se encontrava.
Havia uma outra preocupação, embora o assunto não fosse tocado: temia-se que a filha de Voldemort, perversa como era, pudesse recorrer à violência. E ninguém, inclusive Rony, queria que Gina ficasse exposta a algum perigo.
Fosse submetida ao que brevemente seria a vida dele.
Rony procurou afastar aqueles pensamentos, mas o costumeiro otimismo dele desapareceu por completo quando eles passaram pela aldeia perto do castelo Voldemort e viram o estado das casas. Era um lugar pobre. O povo que ele governaria era muito pobre. Aquilo o deixou ainda mais abatido. Obviamente, Voldemort havia empregado todos os seus recursos em guerras, esquecendo-se de melhorar a vida daquela gente. O desprezo que ele sentia pelo homem aumentou ainda mais à medida que eles foram se aproximando do castelo.
Embora ninguém fizesse nenhum comentário sobre as miseráveis choupanas, o espanto ficou muito claro nos olhares dos irmãos dele. Somente Harry parecia não dar atenção à imundície, o que deixou Rony grato ao irmão mais velho. Ele nunca tinha tido muita proximidade com Harry, que havia deixado a casa paterna há muitos anos, mas agora sentia um grande respeito pelo homem que era conhecido como o Lobo de Wessex. Num certo sentido o casamento significaria uma coisa boa para Rony, porque Harry, além de irmão, seria também o suserano dele.
Infelizmente, com relação aos outros aspectos do futuro, ele não podia ter muitas esperanças. Já tinha um monumental trabalho pela frente: reconstruir o que a negligência de Voldemort havia destruído.
Aproximando-se do castelo ele olhou com atenção para os celeiros, oficinas e currais que se sucediam encostados à parede exterior. A velha barreira de pedra deveria ser removida para que se construíssem moradias para os servos do castelo. E tudo ali parecia precisar de consertos.
Quando olhou para o castelo em si, Rony até ficou aliviado. O lugar era maior do que ele havia imaginado. Depois de ter morado em Campion, seria difícil viver num lugar apertado e apinhado de gente. Uma outra parede acompanhava o muro principal pelo lado de dentro, dando proteção à entrada do castelo, mas parecia de pouca eficiência. Seria necessário também melhorar as defesas ali.
À entrada eles foram recebidos pelo mordomo, um homenzinho de cabeça calva e aparência nervosa. Embora fosse pródigo em mesuras diante dos recém-chegados, nada podia desculpar a ausência da senhora da casa. Rony ficou ainda mais decepcionado. A filha de Voldemort devia ter ido recebê-los ao portão, como se fazia com visitantes importantes. O barão de Wessex e seus irmãos certamente mereciam essa honra, mas eles não viram sinal da mulher nem mesmo quando chegaram ao salão do castelo.
O lugar era espaçoso, mas não muito limpo. Sentia-se o cheiro de lixo, provavelmente acumulado durante todo o inverno. O piso de pedra mostrava rachaduras em vários pontos, enquanto muita fuligem cobria as paredes. Embora Rony houvesse crescido numa casa onde os homens predominavam e a limpeza doméstica nem sempre era cuidadosa, Gina havia mudado isso, adotando hábitos que os servos continuaram a praticar mesmo depois da partida dela.
A filha de Voldemort caiu ainda mais no conceito de Rony quando ele viu a falta de asseio que imperava naquele salão. Se uma mulher morava ali, o lugar devia pelo menos ter um cheiro melhor. Que tipo de castelã era ela? Ainda mais apreensivo em relação à criatura com quem se casaria, Rony perguntou-se se ela ao menos tomava banho. Na mente dele surgiu a imagem de uma demoníaca amazona, armada até os dentes, de cabelos desgrenhados e dentes falhos. Ele nem sabia qual era a idade dela.
Bem, era melhor estar preparado para tudo.
Rony viu que era o centro dos olhares dos irmãos. Certamente os Potter esperavam que ele, como futuro senhor daquele castelo, tomasse providências para que os visitantes fossem mais bem recebidos. Então adiantou-se e dirigiu-se ao assustado mordomo.
- Mande que nos sirvam cerveja e traga a senhora do castelo à nossa presença, por favor.
- Providenciarei para que canecas de cerveja sejam trazidas imediatamente, meu lorde. - respondeu o homem, recuando enquanto fazia mais mesuras - Quanto a lady Granger… ela… não poderá vir aqui no momento. Ordenou-me que lhes pedisse para voltar numa outra data.
Rony suspirou. E aquilo era apenas o começo.
Os irmãos dele também não estavam nada satisfeitos com a notícia que acabavam de ter. Dino mostrava uma expressão ameaçadora, Harry tinha os dentes trincados e Simas parecia igualmente aborrecido.
Obviamente o pobre mordomo não era o culpado por aquela situação. Rony franziu a testa. Sabia muito bem a quem cabia a culpa.
- Mas onde está a lady? - inquiriu.
O mordomo olhou nervosamente para a escada aos fundos da sala e depois para os ameaçadores cavaleiros postados por trás de Rony. Parecia temer tanto a ama quanto os visitantes, o que não era um bom augúrio sobre o futuro do homem que se casaria com a senhora daquele castelo.
- Talvez esteja em seu quarto. - sugeriu Rony, com um riso forçado. - Vou tentar convencê-la a nos fazer companhia.
- Não suba sozinho, Rony. - recomendou Dino.
- É bem possível que ela esteja com a flecha no arco, esperando.
Embora tivesse a mesma preocupação, Rony estava resolvido a não tratar a futura esposa como uma criminosa enquanto não pudesse fazer um julgamento pessoal. Também não pretendia se acovardar dentro da própria casa. Ignorando a advertência, olhou para o mordomo.
- Ela tem um quarto, não tem?
- Tem, sim, meu senhor, à direita da escada. - informou o homem, escapando em seguida.
Rony levou a mão ao cabo da espada enquanto subia a escada em curva. Já havia passado por situações bem mais complicadas que aquela, mas não podia descartar a possibilidade de estar correndo perigo. A demoníaca mulher podia estar armada e era óbvio que não queria se casar com ele.
Quando pensou novamente no que havia resultado o primeiro casamento dela, ele procurou se convencer de que a situação agora era inteiramente outra. Zacarias Smith tinha sido um patife interessado exclusivamente em se apoderar da herança dela, enquanto qualquer mulher em seu juízo perfeito veria com bons olhos um casamento com um dos Potter. Mas a questão era justamente essa. Estaria a filha de Voldemort em seu juízo perfeito?
A resposta esperava por ele logo adiante. Aproximando-se do que parecia ser a porta a que havia se referido o mordomo, Rony bateu de leve.
- Vá embora!
O grito foi ameaçador. A voz era feminina, mas grave e rouca. Seria a filha de Voldemort? Achando melhor não se identificar, Rony simplesmente voltou a bater, outra vez de leve.
- Pare de me perturbar e vá embora!
Depois de hesitar por alguns instante, Rony tentou novamente, sempre batendo de leve, mas com firme persistência.
- Fique sabendo, Serle, que está arriscando sua vida! Mande esses canalhas embora, como eu ordenei, e pare de me aborrecer!
Rony sorriu. Ela estava pensando que quem estava ali era o mordomo, que havia se apresentado a eles como Serle. Talvez até se arriscasse a abrir se houvesse insistência. Foi o que ele fez. A porta se abriu e Rony entrou, imediatamente a fechando com o pé. Como não tinha nenhuma prova da veracidade de tudo o que se falava da futura esposa dele, queria pelo menos ter privacidade no primeiro encontro com ela.
Ficou de costas para a porta para eliminar a possibilidade de fuga, ao mesmo tempo que se preparou para lutar contra inimigos que talvez estivessem no interior do quarto. Esperava ter que enfrentar servos, soldados ou guardas, mas surpreendeu-se ao constatar que o espaço ali mal era suficiente para acomodar uma pequena cama e um baú. E era um lugar limpo e bem arrumado, o que dava a entender que a filha de Voldemort tinha uma criada pessoal encarregada de manter o quarto dela em melhores condições que o resto do castelo. Rony suspeitou de que estava olhando para a tal criada.
- Onde está sua senhora? - perguntou à mulher que olhava para ele.
A desconhecida vestia uma túnica de lã de qualidade um pouco superior à das que as servas normalmente usavam, mas bem inferior às roupas que ele próprio estava vestindo.
- Senhora? - ela repetiu, como se cuspisse a palavra. - Não tenho nenhuma senhora! Sou uma Granger e não devo satisfações a ninguém, seu velhaco! Agora saia daqui antes que eu risque meu nome na sua carcaça!
Dizendo isso ela levou a mão ao cabo do punhal que tinha na cintura e Rony teve certeza de que estava olhando para a futura esposa.
Ela era alta para uma mulher, mas nem de longe se parecia com uma amazona. E era esbelta, pelo que ele podia avaliar. O exame era dificultado pelos fartos cabelos que praticamente cobriam a parte de cima da túnica dela, indo quase até a altura dos joelhos. De uma tonalidade um tanto indefinida, aqueles cabelos precisavam ser penteados e cobriam uma parte do rosto como se estivessem ali para esconder alguma cicatriz.
Atento ao punhal dela, Rony preparou-se para o pior. Por outro lado, os dedos da mulher eram elegantes e limpos, de unhas lisas e brancas. Pelo menos ela tomava banho. Rony alegrou-se com essa constatação enquanto examinava as feições da tal Granger que era filha de Voldemort, um tanto obscurecidas pela vasta cabeleira.
Agradavelmente surpreso, ele não viu nenhuma cicatriz ou imperfeição. Na verdade, em vez de ter um rosto feio ou marcado, ela parecia muito… graciosa. Os olhos, que soltavam chispas na direção dele, eram negros e pareciam os de uma gata enfurecida, mas a ferocidade terminava aí, porque as feições eram delicadas. As maçãs do rosto tinham uma leve curvatura e a boca era pequena, bem desenhada. Estando aqueles lábios fechados, ninguém diria que a dona deles era capaz de pronunciar as imprecações que ele já ouvira.
Depois de ficar olhando por mais algum tempo para os lábios dela, Rony obrigou-se a desviar os olhos e examinou a futura esposa da cabeça aos pés. Era aquela a mulher que inspirava tanto medo e aversão? Não estava ali nenhuma bruxa, nenhuma criatura monstruosa, mas simplesmente uma mulher, embora tivesse um linguajar reprovável.
- Quem diabo você pensa que é para ficar olhando para mim desse jeito, seu idiota? - ela vociferou. - Se veio como emissário daquele bando de chacais que são os Potter, pode sair já!
- Lobos. - corrigiu-a Rony, um tanto distraído.
Ainda estava espantado com a constatação de que não se casaria com uma mulher velha e de pele enrugada. Havia o cabelo exageradamente grande, claro, mas aquilo mais o fascinava do que causava repulsa. Bem que ele queria enfiar os dedos naqueles fios e empurrá-los para trás, só para ter uma visão melhor do intrigante rosto da futura esposa.
A Granger ficou olhando para ele como se estivesse diante de um louco. Rony achou melhor explicar.
- Os Potter. O emblema deles é um lobo, não um chacal.
A mulher apertou os olhos.
- Não me importo com isso, porque não tenho nada a ver com eles. Volte e diga que eu cuspo neles, lacaio!
- Acho que isso não seria prudente, já que alguns deles são de natureza violenta. - advertiu Rony. - Venha recebê-los, assumindo o seu papel de castelã, e logo se livrará deles.
- Há! - ela gritou. - E como posso saber que isso acontecerá mesmo?
- É bem simples. Logo que o casamento se realizar, prometo-lhe que eles partirão.
Não era mentira. Na verdade, Rony estava tão ansioso para se livrar dos vigilantes parentes quanto a Granger. Achava-se em condições de assumir sozinho o controle da propriedade e da mulher, sem precisar da ajuda dos muitas vezes autoritários irmãos.
- Casamento? Há! - ela caçoou. - Não me casarei com ninguém, menos ainda com um Potter!
Aquilo atingiu Rony em cheio.
- Não sou tão repulsivo assim. - ele rebateu, sem erguer o tom de voz.
A opinião daquela mulher não tinha a mínima importância para ele, mas mesmo assim Rony se viu esperando atentamente pela resposta dela.
Não tinha o desembaraço nem os modos sedutores do irmão Simas, que flertava com muitas mulheres. Também não era muito hábil em fazer a corte, embora já houvesse atraído algumas representantes do sexo oposto. Agora aquelas deficiências pareciam muito sérias e ele se perguntou o que seria preciso fazer para obter os favores de uma mulher, mais especificamente daquela mulher.
A Granger ficou olhando para ele, sem sucesso tentando esconder o espanto. Depois fez uma careta.
- Você é um Potter?
- Rony. - ele disse, dominado por um absurdo desejo de ouvir o próprio nome pronunciado pelos lábios dela.
Em vez disso, a mulher pronunciou uma sucessão de imprecações que deixariam assustado até mesmo Dino.
- Eu devia ter percebido que se tratava de um embuste! - vociferou, fechando os dedos no cabo do longo punhal que tinha no cinto.
Rony franziu a testa ao ver a transformação que se operou nas feições da mulher, perguntando-se se o que vira antes era apenas uma máscara que escondia um poço de amargura. A aparência era atraente, mas ele precisava se lembrar da verdadeira natureza da fera. A Granger não era uma mulher comum.
- Você deve ter ouvido falar que eu já fui casada. - ela disse, com os olhos brilhando perigosamente. - Está querendo ter o mesmo destino dele?
Rony suspirou e balançou a cabeça ao ouvir a ameaça. Havia esperado sensibilizar a inteligência dela, mas talvez a Granger fosse mesmo um animal selvagem e sem mente, apesar das feições delicadas.
- De nada lhe servirá tirar minha vida, minha lady, porque há cinco lá embaixo que podem tornar o meu lugar. - ele argumentou. - Submeta-se.
Aquelas palavras brandas, ditas com a intenção de confortá-la, pareceram deixá-la ainda mais enraivecida.
- Submeter-me! Não me submeto a nada, Potter! Esteja avisado, meu lorde. - ela advertiu, pronunciando o título nobiliárquico como se estivesse rogando uma praga. Depois abaixou a cabeça e olhou para ele por entre os cabelos. - Case-se comigo e lamentará amargamente o seu destino.
Dito isso, passou por ele e abriu a porta num gesto cheio de violência, obrigando Rony a se encostar na parede. Ele já se sentia como se houvesse passado a tarde participando de uma batalha e ainda teria que se casar com ela. Com sua língua afiada e seus modos rebeldes, aquela mulher o deixaria no mínimo exausto. Mas tentaria realmente matá-lo?
Soltando um longo suspiro, Rony ficou observando enquanto ela saía, fascinado pela forma como os longos cabelos balançavam. Aqueles cabelos cobririam um homem como uma manta, ele imaginou, logo afastando o pensamento idiota. A mulherzinha era uma assassina enlouquecida, não uma dama que merecesse admiração.
Mesmo assim, havia alguma coisa nela, alguma coisa que ela escondia por trás daquela massa de cabelos, alguma coisa na espartana limpeza do quarto que não estava de acordo com a reputação da filha de Voldemort. Rony coçou a cabeça. Um homem erudito como ele devia solucionar o enigma como se estivesse resolvendo um problema de matemática.
- Mas que bobagem! - resmungou, correndo atrás dela.
Por mais perigosa e indomável que fosse a mulher, ele não a deixaria sozinha diante dos lobos que esperavam lá embaixo.

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