Três meias verdades






I



O salão principal de Hogwarts parecia estar ainda mais enfeitado que o normal naquela primeira noite. Para abrigar alguns convidados, ele havia sido ampliado através de um feitiço, comportando, então, as quatro mesas pertencentes às casas, a mesa dos professores e uma outra um pouco menor. O teto já não era mais enfeitiçado para parecer um céu noturno. Ao invés disso, apenas as cores das quatro casas davam vida ao ambiente.
Nas duas mesas colocadas na horizontal ao final do salão, sentavam-se os professores, diretores das casas, inspetores e guarda-caças. Logo ao centro da mesa maior, sentado em uma enorme cadeira de longo encosto negro, se encontrava um homem grisalho de sorriso amplo e postura ereta. Dwayne Wahlgreen não parecia exatamente confortável ou relaxado, mas desfilava sua simpatia a todos que sentavam ao seu redor e aos alunos que agora entravam pelas enormes portas do salão.
A primeira noite do ano era sempre a mais tensa de todas, considerando que era a única em que alunos das quatro casas dividiam um mesmo ambiente durante a refeição. Os respectivos diretores agora mantinham-se cuidadosamente sob alerta – assim como os outros professores, diretores, inspetores e cada funcionário presente – pra que nenhuma briga tivesse início ou, como em muitos casos, continuidade.
“O senhor realmente acha que é a melhor alternativa?” – perguntou uma voz feminina ao lado de Wahlgreen.
“Perdão?” – repetiu o homem abrindo um enorme sorriso. A mulher, de longos cabelos loiros e sobrancelhas arqueadas, lançou-lhe um olhar significativo e continuou:
“Contar a eles!” – falou com forte entonação.
“Ah, claro, minha querida. A situação está caótica demais para haver mais segredos.”
“Talvez verdades gerem mais caos.”
“Ah, Trícia, verdades sempre tendem ao caos. Mas segredos o prolongam.”
A mulher sussurrou mais alguns resmungos inaudíveis dando fim à conversa e logo o diretor já havia sido alugado por algum outro assunto importante.
Antes, porém, que o discurso de boas vindas ocupasse a atenção de todos pelo salão, Joanne acabava de se sentar junto a Ellen, Oliver, Edward e alguns outros Grifinórios. O grupo concentrava-se bem ao meio da longa mesa, tendo, assim, uma visão consideravelmente privilegiada. Como de costume, os olhos da menina corriam por todo o ambiente como um inseto ágil e eficiente. Na rápida análise da situação, a mesa menor que se encontrava logo a frente e em um nível mais baixo que a de Wahlgreen chamou a atenção por alguns rostos desconhecidos. Nela havia três homens bem vestidos e, aparentemente, muito bem educados. E, na extremidade da mesa, uma mulher bastante peculiar. Sua pele era morena e os olhos de um verde amarelado muito aceso. Esses últimos eram não só grandes, mas perfeitamente delineados com uma forte maquiagem. Seu cabelo negro e liso passava de sua cintura e era preso em uma meticulosa trança. As vestes também eram diferentes considerando os tecidos leves das quais eram fabricadas e o lindo tom de roxo pertencente a elas. Era uma mulher extremamente singular e analisava o ambiente com o mesmo cuidado e competência que Joanne. Ao contrário dos outros, não conversava ou sequer sorria. Na realidade, exceto pelo olhar felino que ainda corria pelo salão, parecia estar completamente imóvel como uma estátua ou um predador esperando o momento de ataque.
Assim que Wahlgreen pronunciou a última palavra – ou antes mesmo disso – um falatório se espalhou pelo salão. O homem riu diante da curiosidade que explorava o rosto de todos e, com um gesto de mão, fez com que o silêncio de restaurasse.
“Eu entendo a curiosidade, meus queridos, mas vocês terão muito tempo para conhecê-los bem. Além de professores, nossos quatro convidados também atuarão como diretores das casas para facilitar um maior intercâmbio agradável. Por enquanto, deixem-me fazer uma curta apresentação: Temos aqui o professor Rutger Dillon, a partir de agora diretor da Lufa-lufa.” – Wahlgreen fez uma pausa enquanto um baixo e espevitado homem de terno acenava para uma multidão de alunos mais surpresa do que animada – “O professor francês Thierry Amer que assumirá a Corvinal.” – no instante seguinte levantou-se um senhor robusto e quase careca que deu apenas uma tentativa de sorriso e voltou a se sentar – “Yeardley Hawkes que ficará responsável pela nossa querida Grifinória” – um homem alto e magro abriu um largo sorriso enquanto acenava com sua mão enrugada – “E, por último, mas não menos importante, a professora indiana Maya Estarque assumindo a Sonserina.” – nesse momento um silêncio maior se fez e a misteriosa indiana se levantou lentamente. Ela encarou Wahlgreen com uma expressão mais afável e logo varreu o salão com olhos astutos e cortantes. Sem sorrisos ou acenos, voltou a se sentar.
“Feitas as apresentações, partamos para outro ponto importante. Esse ano nós teremos aqui em Hogwarts dois novos estudantes vindos de outras escolas de magia.” – recomeçou o diretor – “Imagino que vocês estejam estranhando tal fato visto que transferências não são permitidas em Hogwarts. Mas, devido às circunstâncias, nós abrimos uma concessão para esse caso.” – Wahlgreen fez uma pausa e levantou-se, fazendo um sinal para o inspetor que estava colado às portas do salão e que, prontamente, se colocou a abri-las. No instante seguinte, uma senhora magra e sorridente entrou acompanhando um garoto moreno e aparentemente impressionado com o castelo. Logo ao seu lado, uma outra menina que andava séria e decidida. Esta se destacava não só pelos passos fortes e pesados como pelo cabelo incrivelmente rosa.
“Peço que dêem as boas vindas e tratem bem os mais novos estudantes do quinto ano que ficarão – por escolha feita anteriormente – na Grifinória: Pixie Lowenthal e Chad Gallant.”
Nesse momento, o salão foi ocupado pelas palmas abafadas e secas dos alunos das quatro casas. Nos rostos, as expressões eram um misto de surpresa e desconfiança. Alguns se entreolhavam e cochichavam coisas, muitos se perguntando o porquê da casa escolhida ter sido a Grifinória.
Joanne, por sua vez, continuava observando o salão sem fazer grandes comentários. Embora a história da transferência lhe sugasse um pouco a curiosidade, o que não saía de sua cabeça realmente eram os quatro novos diretores. Ao seu lado, na mesa, ela ouvia alguns dos muitos comentários feitos:
“Viu, foi essa a menina que eu falei!” – começou Oliver apontando para os cabelos berrantes que se destacavam perto dos diretores e professores.
“Como é mesmo o nome dela? Pixie Lowenthal?” – perguntou Ellen franzindo o cenho – “Estranho, eu nunca ouvi falar nesse sobrenome...”
“Vai ver ela é filha de trouxas.” – comentou Edward sem muito interesse.
“E, se fosse, porque estariam abrindo uma concessão pra ela?” – perguntou Joanne, manifestando-se pela primeira vez desde o início do assunto.
Os outros ficaram momentaneamente em silêncio e trocaram olhares típicos de quem divide a falta de saber o que falar. Antes, porém, que preenchessem o silêncio com alguma frase vazia, o diretor acabou o seu discurso de boas vindas e já encaminhava os dois novatos à longa mesa Grifinória.



II


Uma enorme pilha de papéis ocupava a mesa escura e entulhada. Em cada um deles, mil letras minúsculas formavam cláusulas quase incompreensíveis se vistas a mais de cinco centímetros de distância. Em comum a todos, a assinatura no final da página.
O ambiente era escuro. Os móveis tinham uma aparência antiga e descuidada. Embora a sala fosse grande, os tons escuros e as cortinas fechadas davam uma aparência enclausurada e sufocante. Ao lado de um relógio enorme e desbotado, Cárcius Alterwood batia seus compridos dedos na sua nova mesa. Deu mais dois passos aproximando-se dos quadros dos antigos ministros e sentou-se na longa cadeira reclinável. Sorriu. Pela primeira vez desde os últimos atarefados e longos dias, ele tinha a oportunidade de estar sozinho com seus pensamentos. Lembrou, então, das mudanças que estavam em seus planos. Mudanças, muitas mudanças.
Passou os olhos mais uma vez pelo ambiente. O antigo ministro definitivamente não dava a devida atenção à sua sala. Os móveis pareciam ser de milênios atrás, a estética da sala em nada lembrava o poder de um ministro da magia. Mudanças seriam realmente necessárias.
Abriu as gavetas, dando mais uma olhada no espaço disponível e remexeu as que ele já tinha ocupado com alguns de seus pertences. Pegou seu caderno de anotações. O bloco do tamanho de sua mão cumprida e enrugada tinha um gordo cadeado na lateral. A capa era de um veludo azul extremamente bonito e instigante. Cárcius Alterwood passou a mão pelo tecido com delicadeza enquanto vagava pelos próprios pensamentos.
Logo entre as primeiras páginas do caderno, o homem pegou com cuidado um pedaço de papel amarelado. Abriu lentamente e o observou com uma expressão indecifrável no rosto. Um sorriso trêmulo nascia nos lábios ao mesmo tempo em que os olhos endureciam.
No instante seguinte, uma forte batida na porta acordou o ministro de seus devaneios Rapidamente, ele se pôs a guardar tudo que tinha em mãos e mandou o visitante desconhecido entrar.
“Senhor ministro, perdoe-me interromper mas nós precisamos agendar algumas entrevistas! A Srta. Brooke Jones do Profeta Diário já mandou três corujas querendo agendar uma reportagem com o senhor e, nesta manhã, nós fomos contatado também pela emissora de rádio Telemagia e pelas emissoras de televisão TV Bruxa e Televicorpus.” – concluiu o rapaz magro e agitado que havia adentrado o gabinete com pressa e determinação.
“Muito bem, Sr. Dickson, vamos por partes... Como está minha agenda essa semana? Ainda atordoada?”
“Bastante, senhor ministro! Hoje o senhor se encontrará com o diretor do departamento de artefatos mágicos, amanhã com um representante do F.A.L.E. Também terá um almoço importante com o diretor do setor trouxa e um jantar com o Sr. Wahlgreen depois de amanhã. E também precisamos agendar os horários para os chefes de outros setores com quem o senhor vai se reunir.”
“Hum...” – ponderou o homem pensativamente – “Encaixe as entrevistas e as reuniões com os chefes de outros setores para o mais tarde possível. Por agora, me deixe apenas com os 4 primeiros. Se possível, adiante meu encontro com o Sr. Wahlgreen. Temos alguns pontos importantes a discutir.”
“Claro, senhor.” – exclamou o jovem com eficiência – “Quanto às entrevistas, o senhor tem alguma preferência de horários ou...”
“Não.” – interrompeu o ministro – “Apenas marque tudo que for necessário e me informe com antecedência.”
“Sim, senhor.” – assentiu o assistente se encaminhando rapidamente para a porta – “Ah! Senhor ministro, a Sra. Brenda ligou duas vezes.”
“Então, caso ela ligue a 3ª, avise que não ligue mais e nós nos falamos mais tarde.”
“Sim, senhor.”
O ministro virou-se para a janela coberta por longas e grossas cortinas amarronzadas. Puxou com delicadeza um pedaço do tecido e tornou a se voltar para o homem:
O ministro virou-se para a janela coberta por longas e grossas cortinas amarronzadas. Puxou com delicadeza um pedaço do tecido e tornou a se voltar para o homem:
“Gregory?” – chamou rapidamente – “Entre em contato com consultoras bruxas que possam refazer esse gabinete, por favor. Móveis, lareira, paredes... Eu poderia fazer eu mesmo, mas prefiro que seja dessa forma” – o empregado assentiu, anotando as recomendações – “E me arranje novas cortinas principalmente. Azuis e novas. De veludo.”

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