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Duas semanas antes da viagem, em Londres.

No salão do Ministério da Magia, geralmente usado para grandes eventos políticos e sociais, estava reunida em peso a imprensa mágica mundial. Todos aguardavam ansiosos pelo anuncio do que prometia ser o acontecimento do ano desde que Ketherin Doumajyd se aposentara e passara o comando dos negócios da família para o seu herdeiro. Agora, este mesmo herdeiro estava ali, diante de todas as pessoas, sendo apresentado pelo seu fiel secretário:

- A partir de agora, – começou o já grisalho Richardson, com sua voz ressoando por todo o salão, fazendo com que o murmúrio, até então predominante, cessasse e todos prestassem atenção às suas palavras – o senhor Christopher Doumajyd, presidente da Multinacional D&M, irá fazer pessoalmente um anuncio oficial sobre alguns artigos publicados em revistas e jornais.

De pé, no lugar onde vários Ministros já haviam feitos tantos anúncios desde a fundação do Ministério, Doumajyd olhou para a multidão, que aguardava com uma grande expectativa, e disse:

- Eu, Christopher Doumajyd, irei me casar na próxima primavera! – sua voz, magicamente amplificada, percorreu o salão e os murmúrios recomeçaram, dessa vez mais alvoroçados.

Apesar de o noivado ter sido anunciado há quatro anos atrás, durante um formatura de Hogwarts, desde então não havia sido divulgada uma data para o casamento. Durante todo esse tempo, tantos rumores e boatos foram publicados sobre a suposta noiva sangue-ruim do Líder do D4, sem nenhuma confirmação oficial, que não se podia ter certeza sobre a veracidade das informações.

Tudo o que se sabia como certo era que a noiva estava estudando na Academia Bruxa, mas a sua identidade havia sido confiado a um fiel do segredo, tornando-se impossível investigá-la. Porém hoje, com a revelação do seu nome, o encanto seria quebrado, e finalmente todos saberiam quem estava vivendo essa versão bruxa de Cinderela.

- Como vocês souberam, minha noiva é uma sangue-ruim. Ela não tem nada de esquizofrênico, mas ela-

- Senhor! – Richardson, praticamente aos tropeços, foi até o seu chefe para lhe alertar do seu erro – É extraordinário!

- Quê?

Diante da confusão do presidente, pôde se ouvir a voz de um repórter na platéia:

- Como alguém que sabe falar tantos idiomas consegue se confundir com a sua língua materna?

- EI, VOCÊ AÍ! – rosnou Doumajyd.

A pessoa que havia feito o infeliz comentário se encolheu no seu lugar, diante do olhar ameaçador do dragão, que praticamente se debruçara por cima do púlpito. Vendo que assustara todos os outros presentes com o seu berro, Doumajyd acabou rindo:

- Você é idiota? São apenas palavras!

Já que havia se descontrolado, o dragão resolveu deixar de lado toda a seriedade que fora orientado a ter durante o anuncio, e começou a agir como sempre agira: no modo Líder dos Dragões. Com um sorriso convencido, apontou para uma esfera de vidro gigante, anunciando:

- Essa é a Ilustríssima Mary Ann Weed, minha noiva! – e então estalou os dedos.

No mesmo instante uma imagem de Mary em uma lanchonete perto da Academia, saboreando um prato enorme de espaguete, nem um pouco desconfiada de que estava sendo filmada com as esferas transmissoras produzidas pela empresa de seu noivo, se formou na fumaça azulada. Visivelmente faminta, ela engolia tudo sem mastigar direito, não se importando de lambuzar o seu rosto no processo. Então a imagem congelou no instante em que alguém pareceu lhe falar sobre seu estado e ela olhou para frente confusa, com dois fios de macarrão ainda para fora da boca.

Instantaneamente não só a platéia de repórteres no salão do Ministério, como toda a população mágica que assistia à transmissão ao vivo pelas esferas D&M, caíram na gargalhada.

No Beco Diagonal, em frente a uma loja que vendia as esferas em versões domésticas, Mary deixou cair as suas compras e olhou chocada para a sua própria imagem lambuzada de molho.

- Mentira... – foi tudo o que ela conseguiu pronunciar.

Então a imagem voltou a focar Doumajyd, que contou como se fosse a coisa mais fantástica do mundo:

- Assim que ela se formar na Academia, iremos nos casar!

A voz do dragão ainda ecoava na cabeça de Mary e ela o amaldiçoava mentalmente por não ter tido a gentileza de avisá-la de que anunciaria o casamento e, conseqüentemente, quebraria o encanto que a mantinha protegida do assédio da impressa. Mas a sua raiva pelo aparente esquecimento dele não era nada comparada a sua fúria pela imagem que ele escolhera para exibir nacionalmente.

- Essa moça é estranha, papai. Por que o Dragão Doumajyd vai casar com alguém assim?

O fio de pensamento de Mary foi cortado pela vozinha de uma menina que assistia a transmissão junto com o seu pai, inconformada de ver alguém que, aos olhos dela, era como um príncipe, se casando com uma sangue-ruim.

Indignada com o comentário e se dando conta de que estava em um lugar público e logo seria reconhecida, Mary se apressou em recolher as coisas que deixara cair com o choque e saiu, tentando manter o rosto parcialmente coberto pelos cabelos.

***

- INACREDITÁVEL!

Richardson quase se afogou com a sua xícara de café quando as portas do escritório de Doumajyd foram abertas e o próprio entrou, sendo seguido pelos seus assessores e pela sua noiva, que continuou esbravejando furiosa:

- Por que colocou justo aquela imagem?! – ela inquiriu, enquanto o dragão assinava vários pergaminhos que lhe eram entregues pelos bruxos a sua volta.

- Era você como realmente é. – ele se defendeu de forma simples, e logo depois deu uma ordem aos assessores, que saíram em seguida.

- Entre tantas imagens tinha que ser uma em que eu estava comendo?! Eu não como vinte e quatro horas por dia! E porque justo eu comendo espaguete?! Agora sou motivo de risadas para todo mundo!

Com um ‘hum-hum’ discreto, Richardson indicou para ela uma revista em cima da mesa de Doumajyd. Mary a pegou e exclamou horrorizada:

- Sou motivo de risadas para o mundo todo! – ela quase chorou, mostrando a mesma imagem como uma foto animada na capa de uma revista internacional.

- Essa foi a minha estratégia! – retrucou Doumajyd – Porque está reclamando? Foi o Ryan que sugeriu! ‘Se você mostrar a melhor imagem da Mary, o mundo se apaixonará por ela’, foi o que ele disse. – ele reuniu alguns pergaminhos em sua mesa com mais alguns que Richardson lhe entregou e então saiu do escritório, com Mary seguindo os seus passos – E eu não quero que o mundo se apaixone por você!

- O Ryan sugeriu?! – definitivamente ela não esperava por aquilo.

- E não foi só ele. – Doumajyd continuou enquanto os dois entravam no elevador e as portas eram fechadas – Adam disse que deveria ser uma imagem de você fazendo algo marcante, ou não causaria impacto e não seria lembrada.

- Não preciso ser lembrada pelo mundo inteiro!

- Claro que é importante que você seja lembrada! Como minha esposa você terá que ir a um monte de lugares importante! – a porta do elevador se abriu no andar térreo do edifício onde estava localizada a sede da Multinacional Doumajyd&Monagham, conhecida como popularmente D&M.

- Sendo assim, não teria sido melhor que me mostrasse com uma boa aparência? – ela saiu logo depois dele, seguindo seus passos apressados – Algo que me fizesse ser lembrada como uma pessoa inteligente, alguém atenta as coisas que acontecem a sua voltAAAHH!

Na sua ânsia de perseguir Doumajyd, Mary não reparou em uma das colunas do edifício que estava no seu caminho e acabou colidindo. Ela caiu no chão e foi socorrida pelos funcionários que há pouco haviam cumprimentado o seu chefe quando ele passara, enquanto o mesmo não havia reparado no acidente da noiva. Sem perder tempo, Mary dispensou a ajuda agradecendo e correu para alcançar o dragão, que lia distraído os seus pergaminhos, andando em direção as lareiras da rede de pó de Flu.

- Enfim, não seria melhor ter me preparado e ficado pelo menos um pouco bonita? – ela entrou com ele nas chamas esverdeadas.

- O Simon disse que se você aparecesse como uma boneca produzida não seria a Mary Ann Weed. – respondeu ele, ainda com os olhos nos pergaminhos, deixando claro que caberia a ela informar a direção deles.

- Hogsmeade. – disse Mary sem vontade, sabendo que só poderia continuar a conversa quando os dois chegassem ao seu destino.

- Seria melhor ser uma boneca produzida do que uma cara estranha! – reclamou ela assim que eles saíram na estação de lareiras no centro de Hogsmeade, onde deveriam almoçar juntos antes de o dragão voltar para o seu escritório.

- Não ligue para o lado externo, Mary. – disse ele pacientemente – O que importa é o interior.

- Oh, sim! – concordou ela de forma irônica – Era exatamente isso que você e o D4 fizeram durante todos os seus anos de Hogwarts, não é mesmo?

- Por que está brava, afinal? – pediu ele, enfim olhando diretamente para ela e não para um pergaminho ou para um documento sendo estendido por um assessor que pedia uma assinatura urgente – Por acaso quer chamar a atenção de outros bruxos aparecendo toda bonita em revistas?

- É claro que não! – ela respondeu indignada.

- Mentirosa! Você só quer se aparecer!

- Não quero me aparecer! Só não queria parecer estranha! Será que você não tem nenhum um pouco de bom senso para imaginar que uma mulher sempre quer parecer bonita em situações como essa?

- Por que o Ilustríssimo Eu deveria ter bom senso para coisas de mulheres?!

Mary respirou fundo, se preparando mentalmente para explicar da maneira mais cuidadosa possível para o cabeça-dura do seu noivo o que ela estava tentando dizer.

- Olha, eu-

- Você queria que eu fosse um homem com jeito de mulher? – ele chegou a sua própria conclusão do que ela queria dizer.

Mary o encarou por um tempo e decidiu tentar seguir explicando pelas palavras dele:

- De certa forma, sim.

- Como assim?! – ele se assustou com a resposta positiva dela, mas logo a associou com outro fato – Então era por isso que você gostava do Ryan no começo? Porque ele tem aquele jeito afeminado?

E ela sabia que ele iria começar novamente com o eterno ciúme do amigo, então decidiu por um ponto final da conversa:

- De qualquer forma, não era para você ter-

- Ei, negue! – ele a cortou, sendo a sua vez de se enfurecer – Você deveria negar que gostava do Ryan!

- Por que eu deveria ne-

- Não me diga que você ainda gosta dele?!

- Não estamos falando disso, Chris! – ela parou decidida – Eu quero que você pare de fazer as coisas sem me consultar! Por sua causa a minha família está passando por maus bocados!

- Como assim? – ele perguntou confuso.

***

Quatro anos atrás, quando Doumajyd assumiu os negócios da mãe e fundou a D&M, juntamente com Adolf Monagham, ele passou a gerenciar a produção tanto das esferas para comunicação quanto da nova geração de esferas transmissoras, revolucionando o modo bruxo de viver.

As esferas de transmissão passaram a ser usadas pelos bruxos da mesma forma que os televisores são usados pelos trouxas. Apesar de terem uma forma de funcionar totalmente diferente, elas transmitem imagens em tempo real simultaneamente para várias outras esferas, assim como a televisão. Com o aperfeiçoamento e as novas técnicas criadas pelo senhor Monagham, o chefe de produção e pesquisas, agora a sociedade bruxa podia contar com jogos de quadribol, programas de platéias, variedades e, principalmente, notícias ao vivo, podendo ver as imagens nos mais variados tamanhos.

E era exatamente isso que estava acontecendo na casa de Mary naquela noite, enquanto ela e sua família viam, pela esfera transmissora deles tamanho gigante, um presente do futuro genro, imagens da sua própria casa.

- Eles estão mesmo ali! – exclamou a sua mãe, espiando cuidadosamente pela janela, abrindo somente uma fresta da cortina para poder olhar.

- E se eles ainda estiverem aí de manhã? – perguntou seu pai preocupado, se juntando a mulher na janela – Como vamos sair?

- Casar com alguém famoso significa perder a sua privacidade. – suspirou a sua mãe.

- Olha! Eles estão falando da Mary! – chamou Charles, que permaneceu ajoelhado em frente à esfera enquanto a família se preocupava com as pessoas no jardim.

Mary, que revirava o seu quarto procurando pela sua esfera para pedir que o noivo tomasse providências imediatas quanto aos bruxos da imprensa que se acotovelavam ao redor da sua casa e assustavam a vizinhança, correu para a sala. No mesmo instante em que ela parou deslizando ao lado do irmão, a apresentadora começou a falar, enquanto imagens da sua casa ainda eram exibidas:

- Como todos podem ver, a casa de Mary Ann Weed é simples. Assim como disse o senhor Christopher Doumajyd na coletiva hoje pela manhã, ela parece ser uma moça com uma vida muito humilde.

Mary fungou. Depois de um período morando em um barracão na praia com a sua família, ela se orgulhava da casa nova, que estava ajudando a pagar com trabalhos temporários. Ela era muito mais espaçosa que o antigo apartamento deles, e a vida melhorara razoavelmente desde então. Mas, segundo os padrões da sociedade mágica, ainda não era o mínimo suficiente para alguém prestes a se tornar uma Doumajyd.

- A notícia chamou a atenção do mundo inteiro, – continuou a apresentadora – e já conseguimos reunir várias informações sobre ela e sua família.

- O quê?! – Mary quase se engasgou com o ar, empurrando o irmão e chegando mais perto da esfera – Como?!

- Mary Ann Weed nasceu em Londres é a filha mais velha de Harold e Alice Weed. – enquanto a apresentadora falava, fotos de Mary bebê e de seus pais na época da escola surgiram na tela – Alertamos que não há nenhum problema com a sua esfera transmissora. Essas fotos foram tiradas por equipamentos trouxas e por isso se mantêm imóveis.

- Onde arranjaram essas fotos?! – perguntou a senhora Weed chocada com a sua foto de estudante aparecendo em rede nacional.

- E eu?! – protestou Charles, percebendo que ele não havia sido mencionado.

- Parece que ela sempre foi uma menina de personalidade forte, com vigor e muito senso de justiça.

Para horror de Mary, a esfera começou a exibir imagens antigas, visivelmente gravadas por uma câmera trouxa, de algo que ela lembrava muito vagamente: um festival de esportes quando ela ainda estava no primário.

- Por favor, prestem atenção ao fundo da imagem. – explicou a apresentadora, e Mary olhou.

A imagem mostrava crianças da escola sendo entrevistadas e contando sobre o que estava acontecendo naquele dia. Ao fundo havia um pequeno tumulto de alunos, onde um grupo discutia com outro. Logo uma vozinha se sobrepôs a das demais crianças, dizendo ‘Inacreditável!’, e então uma menininha deu três pulinhos e avançou, dando um soco no nariz de um menino do outro grupo. No mesmo instante as mães e pais que estavam por perto correram para ver o que estava acontecendo e a imagem voltou para a apresentadora.

- Isso não foi aquela vez em que... – sua mãe começou.

- Como eles ficaram sabendo disso? – Mary perguntava pasma – Como eles conseguiram tanta informação assim em um dia?!

- Agora escutem o testemunho que conseguimos sobre Mary Ann Weed.

Então surgiu uma imagem magicamente borrada, para que a pessoa entrevista não fosse distinguida, mas Mary reconheceria aquela voz em qualquer lugar:

- A Mary é minha amiga de infância! Ela sempre foi meio moleque e tem essa personalidade forte.

- Essa não é a-

- Vicky! – Mary cortou o irmão, entendendo como a imprensa havia conseguido tanta informação.

- Na verdade, no começo, a Mary gostava do senhor Cavalheiro de Olhos Frios, um amigo do Doumajyd. Ele foi o primeiro amor da Mary!

De repente alguém invadiu a cena, disputando espaço com Vicky, e começou a falar:

- Mas o senhor Doumajyd não desistiu e foi com tudo para cima da Mary! E o Adam veio atrás de mim, mas...

- Até a professora Caroline! – exclamou Mary desolada, desistindo de continuar assistindo.

Não podia culpar as duas por terem se empolgado em aparecer nas esferas, já que o maior responsável era seu próprio noivo. Mas, não deixaria de conversar bem de perto com elas.

Então, tentando se acalmar, Mary avisou que iria dormir. Não adiantava mais se estressar com aquilo já que era inevitável. O que a deveria estar preocupando no momento era o problema do final de semana, quando ela e sua família tinham sido convocados pela própria senhora Doumajyd a irem para a sua mansão, para um jantar formal, onde ela pretendia falar sobre algo muito importante para o casamento.

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