Sonhos
- Foi mal por ter incomodado vocês! – exclamou Doumajyd meio sem jeito, entrando na sala da área reservada do hotel luxuoso onde o D4 e Mary estavam hospedados em Hong Kong, trazendo a caixa com a tiara consigo debaixo do braço – Prometo que vou devolver o dinheiro sem falta!
- Esqueça isso, Chris. – disse Nissenson revirando os olhos, já cansado de dizer aquela frase para o amigo – Se é o preço que temos que pagar para você dois serem felizes, é barato.
Depois que Mary havia fugido dele, Doumajyd encerrara a comemoração e eles voltaram para o hotel. A sua raiva com a discussão aos poucos havia sido substituída por dois problemas muito mais preocupantes: primeiro, não podia simplesmente ignorar o que Mary havia dito; e, segundo, não fazia idéia de para onde ela havia ido.
Sabia que a noiva não deixaria de teimar, mas pelo menos achava que ela havia voltado para o hotel. Onde ela estaria em meio a um país desconhecido?... Porém, mesmo preocupado, sabia Mary se esconderia dele até o momento em que estivesse calma o suficiente para que pudesse responder sem explodir. Então, o que ele poderia fazer naquele momento, era agradecer decentemente aos amigos.
Na sala, Hainault lia como sempre, afundado em uma poltrona. Nissenson e MacGilleain, sentados em uma grande mesa, participavam em um desafio para ver quem conseguia experimentar todos os petiscos estranhos que elas haviam pedido ao serviço de quarto sem fazer careta.
Doumajyd estava prestes a dizer, novamente, que pagaria de alguma forma, quando Ryan o cortou:
- Você brigou com a Mary?
- ...Mais ou menos. – ele respondeu em um resmungo, deixando bem claro que não queria falar sobre aquilo.
- Por que brigaram agora? – perguntou MacGilleain, apontando qual petisco Nissenson deveria experimentar.
Doumajyd olhou, involuntariamente para Hainault, que o encarou, esperando pela resposta.
- Não é nada. – respondeu o líder, passando a olhar para o tapete quando percebera o que fizera.
- O que é isso? – reclamou Nissenson – Toda essa confusão para recuperar a tiara e agora vocês vão ficar brigando?
- Se você não for firme, a Mary vai te deixar, Chris. – comentou MacGilleain, encarando com suspeita o que parecia ser um pedaço de peixe cru com uma pasta esverdeada salpicada de pontos roxos.
- A Mary deve estar cansada de viver todo o dia com essa fera. – disse Nissenson, empurrando o petisco mais perto do amigo, o incentivando a comer logo.
- Você tem que entender os sentimentos dela, Chris. – continuou MacGilleain – Ela não-
- CALEM A BOCA! – ele rosnou – Vocês ficam falando como se a culpa fosse minha!
- O que isso agora? – perguntou Nissenson indignado – Vai descontar em nós?
- É que a Mary está suspei... – Doumajyd percebeu o que iria falar e parou a tempo.
Então, tentando disfarçar o que dissera, ele fingiu interesse nos petiscos sobre a mesa, e se aproximou para ver, largando a caixa ao seu lado.
- A Mary o quê? – perguntou Nissenson, não se deixando enganar pelo amigo.
- O que há de errado, Chris? – perguntou MacGilleain.
- Nada. – respondeu o dragão, irritado consigo mesmo por ter falado demais.
- Tem alguma coisa errada, sim! – Nissenson disse para MacGilleain, que concordou com um aceno de cabeça.
- De qualquer forma, a amizade é mais importante, não é? – perguntou Doumajyd, deixando os amigos ainda mais confusos em tentar seguir a sua linha de raciocínio.
- Se é importante mesmo não fique latindo e descontando em nós! – brigou Nissenson, irritado com o comportamento dele.
- O que foi, Simon?! – Doumajyd contornou a mesa até ele – Quem está latindo?!
Imediatamente MacGilleain se pôs de pé, com o reflexo adquirindo com anos de experiência, para apartar a briga deles logo no início.
- Você fica falando coisas sem sentido! – acusou Nissenson, ficando de pé e encarando Doumajyd.
- Onde que as palavras do Ilustríssimo Eu são sem sentido?! – o líder o pegou pela gola do casaco.
- Me solta! – disse Nissenson em tom de ameaça, no fim da sua paciência para agir somente com palavras.
- Ei, ei! Vamos nos acalmar! – MacGilleain conseguiu livrar Nissenson de Doumajyd e afastou os dragões, enquanto eles ainda não tinham danos.
- Essa mania de ‘Ilustríssimo Eu’ não vai sarar nem se ele morrer! – reclamou Nissenson, saindo irritado para o outro lado da sala.
- Não dá para domar o Chris se não for a Mary. – Hainault deu a sua opinião sobre a discussão.
- Então chame a adestradora da fera! – exclamou Nissenson.
- NÃO ME TRATEM COMO UM ANIMAL! – Doumajyd explodiu.
Então, furioso, pegou a caixa com a tiara e saiu, batendo a porta.
***
- O que é isso?! É delicioso! – exclamava Mary, depois de experimentar uma espécie de sopa de frutos do mar, servido em uma tigela de onde se bebia diretamente o seu conteúdo.
- Você realmente combina com lugares assim. – comentou Archie Gilmore, mais uma vez completando o copo dela com a bebida típica que ele havia pedido.
Mary não tinha como negar. Há muito tempo não se sentia tão a vontade em algum lugar, mesmo sendo em um país estrangeiro e com costumes totalmente diferentes dos seus.
Os dois estavam em uma pequena lanchonete de esquina, onde tudo eram cores, vapores, barulho e muita gente andando. O banquinho em que sentava era de plástico e a mesa de tampo antigo e arranhado onde comiam tinham uma perna bamba. O movimento da rua logo ali perto, as luzes da cidade que, mesmo àquela hora, estava agitada, formavam um cenário muito diferente da pequena luxuosa comemoração que havia participado apenas algumas horas antes.
- Realmente, é muito mais fácil conviver em meio a pessoas simples. – ela comentou, depois de mais um grande gole da tigela – Quando vou com o Chris em lugares chiques fico tão preocupada com o modo como devo agir que acabo comendo quase nada...
O bruxo a encarou por um tempo, segurando um grande pedaço de carne de porco com destreza nos hashis, enquanto ela tentava em vão pegar um legume com os seus.
- Mesmo assim, você tem confiança de viver sua vida com ele? – ele perguntou quando ela desistiu e pegou o que queria com os dedos mesmo.
- Agora... eu não sei. – ela disse com firmeza, surpreendendo a si mesma com a falta de hesitação, o que ela imediatamente atribuiu à bebida.
- Se você terminar esse relacionamento com ele, vai se sentir livre. – ele comentou.
Foi a vez de Mary o encarar. O tom que o bruxo usara era o de alguém que sabia muito bem o que estava dizendo.
- Por acaso... – ela começou, sem coragem de continuar.
- Sou separado. – ele informou com um sorriso, como se essa informação fosse algo corriqueiro.
- É mesmo? – ela piscou algumas vezes, já que não conseguia imaginar que o bruxo tivesse sido casado.
- Me casei por impulso. – ele contou – Não foi como vocês que estão há tanto tempo juntos.
- E... e porque vocês se separaram? – ela perguntou curiosa, e acrescentou antes de conseguir evitar – Traiu ela?
Ele riu, e respondeu:
- Não, não foi isso... Na verdade, nós tínhamos uma ótima relação de casal.
- Então, por quê?
Gilmore pensou um pouco antes de falar, como se tentasse lembrar exatamente como acontecera:
- Um dia, eu perguntei para ela qual era o seu sonho.
- Sonho?
- Ela é uma designer. Não era famosa na época, mas tinha muito talento e adorava o seu trabalho. Ela me disse que o seu sonho era desenvolver uma nova coleção que marcaria para sempre o mundo da moda bruxa. Ela se esforçaria muito. Estudaria bastante, aprenderia novas técnicas, conquistaria o seu espaço... E daí em diante seus sonhos iam de Paris para todo o mundo.
- Isso é incrível, não é?
- Exatamente o que eu pensei!... Mas então, me dei conta que, em momento algum, esse sonho tinha algo relacionado comigo. Então eu também pensei em qual era o meu sonho, e só via coisas sobre o meu trabalho, nada relacionado com ela... Foi então que, em algum lugar de mim, percebi que o importante não era ela, e ela percebeu o mesmo. Se insistíssemos naquela relação, estaríamos presos, e nenhum dos dois conseguiria avançar.
Mary ouviu atentamente, e teve que concordar com ele. Seria melhor terminar daquela maneira do que esperar a situação chegar a um ponto insuportável.
- Por isso, vendo você agora nessa indecisão depois de tanto tempo juntos, me pergunto se esse casamento dará mesmo certo.
Mary limitou-se a cutucar sua comida com os palitos, pensando no que ele dissera.
***
No hotel onde estavam hospedados havia um jardim com fontes, de frente para a baía, de onde se podia ver os grandes prédios iluminados da noite de Hong Kong. Não era um jardim extenso, já que havia sido construído artificialmente e ficava suspenso sobre a água, mas era um lugar extremamente tranqüilo no meio daquela grande e agitada cidade. No topo de uma das fontes em forma de cascata, localizada na melhor posição para se admirar o cenário do outro lado, havia uma parte plana, que Doumajyd havia descoberto que seria como um ótimo banco para alguém que queria ficar isolado de todo mundo.
Era lá onde ele estava, abraçado na caixa da tiara, com o olhar perdido pelas luzes coloridas refletidas na superfície ondulante da baía.
- Chris. – ele ouviu a voz de Hainault o chamar.
Lentamente, ele virou a cabeça e pôde ver o amigo na grama mal iluminada lá embaixo, com a sua aparência despreocupada, o encarando com as mãos enfiadas no bolso do casaco.
- O que foi? – ele continuou – Conseguimos recuperar a tiara, então qual o problema.
Doumajyd não falou de imediato. Não queria iniciar uma conversa que poderia tomar o mesmo rumo que a anterior. Então, depois de pensar um tempo, ele começou:
- Ei, Ryan...
- O quê? – perguntou o outro o incentivando a continuar, ao mesmo tempo aparatando e sentando ao lado dele.
- Eu posso acreditar em você, não é?
- O que é isso do nada? – perguntou Hainault rindo.
- Eu acredito em você. – afirmou Doumajyd, novamente com o olhar se perdendo na paisagem noturna.
Os dois ficaram quietos por um tempo, e então Hainault quebrou o silêncio:
- Se...
- O quê? – perguntou o dragão, já que tinha seus próprios pensamentos ecoando em sua mente.
- Se algo acontecesse... Você disse que deixaria por minha conta, não é?
- Isso. – ele confirmou.
- Sabe, – Hainault se esticou os braços para trás, apoiando o corpo e olhando para cima – eu estou pensando em várias coisas no momento... Sobre o que significa deixar tudo por minha conta.
O tom estranho que ele usara para dizer a última frase fez com que o dragão olhasse para o amigo, que o encarava de uma forma intensa. Vendo que a sua reação o perturbara, Hainault sorriu, desmanchando toda a atmosfera que havia criado.
Doumajyd, visivelmente incomodado com coisas que ele não revelaria, ficou de pé, afirmando:
- De qualquer forma, eu acredito em vocês.
***
- Muito obrigada pela refeição e pela companhia. – Mary agradeceu educadamente, mesmo se sentindo tonta depois de ter bebido tanto.
- Não tem de quê. – Gilmore respondeu da mesma forma.
Ele a trouxera até a frente do hotel onde estava hospedada, para garantir que ela chegaria bem.
- Posso perguntar mais uma coisa? – ela pediu – Por que você estava no leilão?
- Na verdade, – ele riu, meio sem jeito de dizer o motivo – foi um pedido da Summer.
- A Summer? – Mary se surpreendeu, não pelo fato de a amiga ter pedido, mas pelo fato de ele entrar em algo tão perigoso somente porque ela pedira.
- Ela me puxou pelas vestes e ordenou recupere aquela tiara de qualquer jeito!
- É bem coisa dela. – Mary riu.
- Bom, de qualquer jeito, foi bom a tiara ter voltado, não é?
- Foi. – Mary concordou.
- Então, nós vemos, pequena advogada. Boa noite e volte em segurança para o seu noivo.
Ele se virou e seguiu andando pelo lado contrário da rua.
Mary o viu se afastar, pensando em como ele, apesar de tudo o que tinha acontecido, era uma boa pessoa. Então, tomou fôlego e gritou:
- Se fizer a Summer chorar vai ter que se acertar comigo, senhor Gilmore!
Em resposta, ele apenas ergueu a mão, fazendo um sinal positivo.
Mas a satisfação de Mary com a resposta dele só durou um segundo. Assim que se voltou o hotel, todas suas próprias preocupações voltaram a bombardear.
- Um sonho, é? – ela deixou escapar com um suspiro.
***
Mary respirou fundo, tomando coragem para entrar passar pela porta do jato, onde somente Doumajyd estava, aguardando pela partida.
Os outros dragões haviam cada qual voltado de formas diferentes, alegando algum compromisso. Mary desconfiava que isso era somente uma estratégia deles para que os dois ficassem sozinhos durante a viagem e fossem obrigados a conversar e resolver os seus problemas do dia anterior.
Como não havia como escapar, já que não teria dinheiro para voltar por meios trouxas, não havia como fugir. Então entrou de uma vez, não dando tempo para que seus pensamentos a obrigassem a dar meia-volta depois de ter chego até ali.
Ao ver que ela se aproximava, Doumajyd se mexeu na sua poltrona, ajeitando a caixa da tiara que segurava firmemente no colo.
Se Mary se sentia mal por causa do que bebera e a noite pseudo-dormida, seu estado não era pior do que o do dragão. As olheiras dele e o visível mau humor indicavam que o dragão passara a noite em claro. Um péssimo sinal para quem desejava apenas ter uma viagem tranqüila com ele.
- Onde esteve ontem à noite? – ele inquiriu, ao invés de um cumprimento, enquanto ela se sentava em seu lugar, revelando que os temores dela estavam certos.
Ela não respondeu, e fingiu olhar com interesse pela janela.
- Onde você foi?! – ele aumentou o tom de voz.
- Não importa onde eu fui! – ela não agüentou ficar quieta.
- Claro que importa, idiota! Nós estamos noivos e... Está me ouvindo?!
- Será que deveríamos mesmo nos casar? – ela resmungou, ainda sem olhar para ele.
Ao invés do berro certo que ela imaginou que viria dele, Mary não ouviu resposta alguma. Somente depois de um tempo o dragão perguntou, usando um tom baixo:
- Você está mesmo indecisa?
Ela não respondeu, afinal, não era o melhor momento e nem o lugar para discutirem aquilo. Mas o dragão insistiu:
- Nós recuperamos a tiara e agora você-
Ele não conseguiu terminar, mostrando o quanto a situação o deixava nervoso.
Nesse tempo, um elfo-doméstico se aproximou e serviu dois copos de suco, fazendo inúmeras reverências, e saindo apressado logo em seguida. Imediatamente, os dois pegaram seus copos e beberam todo o conteúdo.
- Eu não entendo. – foi a vez dele resmungar.
- Chris, por algum momento, você pensou seriamente se casar comigo é o que você quer para a sua vida?
- Que tipo de pergunta é essa agora?
Mary recostou a cabeça na poltrona, se sentindo cansada.
- O seu sonho... – ela disse, mas não conseguia pensar no que vinha depois disso – O seu... sonho... – por algum motivo, ela não só perdera a capacidade de formular a frase inteira, como também não conseguia manter seus olhos abertos, e então tudo ficou escuro.
Logo em seguida, a cabeça de Doumajyd também tombou ao seu lado. Então, sem que nenhum dos dois se dessem conta, alguém entrou no lugar, retirou cuidadosamente as mãos do dragão de cima da caixa e apegou para si. E, pela segunda vez, a tira fora roubada pela mesma pessoa, que saiu sorrindo, satisfeito com a missão cumprida.
***
Nota da L:
Yay! Chegando a etapa final! xD Alguém já formulou alguma hipótese sobre quem está perseguindo esses noivos?
Seguinte, pessoal, duas coisas:
1) Mega atualização de fics no blog da LAP: EDD está lá e tbm começará a ser atualizada por lá antes que os sites de publicação xD (siiiim, pura jogada da minha parte, mas isso faz parte da vida, não? xD). Fora isso, temos nossas fics antigas de comédia publicadas, vamos começar a publicar trabalhos inéditos de fics e completar outros que ficaram inacabados. Então, para quem gosta de rir e gosta do estilo de escrita da EDD, confiram o/ www.lapaovivo.blogspot.com
2) Eu estou trabalhando com uma turminha de escola estadual com fanfics. Além de tudo o que imaginei que encontraria lá, estou me surpreendendo com a capacidade deles em formular textos. Eu pensava que escrevia bem quando estava na quinta série, mas não é nada comparado com o que esses aluninhos estão me trazendo. Claro que eles ainda têm que melhorar muito, mas é meu trabalho ajudá-los com isso. Esse final de semana coloquei no ar o site onde irei postar esse desenvolvimento deles, então se vcs puderem dar uma passada lá e deixar um comentário para essas crianças que, apesar do talento, não têm incentivo à escrita, eu ficaria muito agradecida xD www.alunos5c.blogspot.com
Até semana que vem pessoal, finalmente chegando na parte da história onde Mary e Chris precisam colocar seus sonhos na balança desse casamento xD
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