Maçã e Dragões
A perseguição de Doumajyd pelo ladrão pelo cassino foi dificultada pelos apostadores que, sem saber o que estava acontecendo, entravam no seu caminho. Ele percorreu um labirinto de máquinas de apostas, sem perder o bruxo de vista, sempre segurando firmemente a varinha no bolso do casaco, pronto para usá-la caso o outro fizesse o mesmo. Mas parecia que o fugitivo tinha consciência de que se usasse magia ali não conseguiria escapar facilmente como estava conseguindo se fazendo de trouxa.
Saindo do meio das máquinas, o dragão continuou pelo hall de entrada do cassino e saiu para o ar abafado da noite lá fora, bem a tempo de ver o bruxo embarcando em um carro preto, que saiu cantando pneus. Sem pensar duas vezes, ele saiu correndo pela calçada, seguindo o carro.
Mas, mesmo correndo com toda a velocidade que podia, ele não era páreo para quatro rodas. Logo o carro preto se juntou ao agitado tráfego noturno da cidade e ele o perdeu de vista. Cansado e ofegante, Doumajyd desacelerou até parar, e então dobrou o corpo e se apoiou nos joelhos, respirando fundo para recuperar o fôlego. E xingou alto, com raiva de não poder usar magia para continuar a perseguição.
Então, quase no mesmo instante, ele pressentiu algo e se virou para o lado, bem a tempo de pegar algo que por pouco não acertou o seu rosto: uma maçã.
***
A roleta ainda girava devagar, a beira de parar totalmente, com bolinha imóvel no pequeno vão que indicava o número 1. Um ‘Aaaaah’, geral percorria a platéia que já começara a se desfazer, perdendo o interesse.
- Espera! – Mary gritou quando o responsável pela roleta puxava para si todas as fichas apostadas, e as agarrou para impedi-lo – A bolinha caiu no 00! Ela tinha caído ali! Você não viu?!
- Não, senhorita, está no número 1, então a senhorita perdeu.
- Não! – ela tentava explicar desesperadamente – Ela se moveu porque a mesa mexeu! O idiota do Chris pisou em cima da mesa bem na hora a bolinha se moveu! Era para ela ter parado no 00!
Realmente, quando o dragão pisara em cima da mesa para atravessá-la e perseguir o ladrão, ela havia tremido e isso fizera com que a bolinha ainda tivesse mais um movimento antes de parar, passando do 00 para o 1.
- Não está certo! – ela continuava, agarrando o montinho de fichas com mais força – Não posso aceitar isso! É injusto!
- Senhorita, calma! – o gerente surgiu para tentar resolver a confusão – Não pode fazer isso! A senhorita apostou e perdeu!
- Não! – ela insistia espalhando fichas enquanto lutava em recuperá-las – Foi por causa da mesa! Era para ter caído no 00!
Com um gesto do gerente, dois seguranças se aproximaram e pegaram cada um em um dos braços dela, a forçando a largar as fichas e praticamente a levantando da mesa.
- Me solta! Isso não justo! Não podemos perder esse dinheiro! Me solta! Não fiz nada de errado! – em seu desespero de se livrar, Mary se mexia a ponto de os seguranças terem dificuldades de segurá-la, mesmo ela sendo uma metade deles.
Com um impulso para se soltar, ela acabou fazendo com que seus braços escorregasse, e isso causou o desequilíbrio de um dos seguranças, que tropeçou e caiu de cara dentro da fonte. Vendo que ele tinha dificuldades em se levantar, escorregando por causa da roupa encharcada, Mary se aproximou dele, se agachando e pedindo:
- Desculpa, não foi a minha intenção, eu sóAAAIII! – vendo que o segurança conseguiria se ajudar sozinho, ela se levantou para explicar a situação para as pessoas a sua volta, mas acabou acertando a cabeça no queixo do outro segurança que avançara, para aproveitar o momento de distração e pegá-la.
Pego totalmente de surpresa pela cabeçada, o segurança caiu desmaiado, enquanto Mary esfregava o topo dolorido da cabeça, gemendo e completamente desorientada por causa da pancada.
Furioso com aquela vândala em seu estabelecimento, o gerente clamou por mais seguranças, que assim que apareceram a imobilizaram e a arrastaram para fora do cassino. E então, Mary foi jogada na rua pela segunda vez naquela cidade.
- Droga! – ela exclamou olhando para o hotel com raiva.
Tinha os joelhos esfolados, as mãos machucadas e isso sem contar a dor aguda na cabeça que começara a latejar.
- Agora não temos nada! – ela lamentou-se, se sentindo sem um chão embaixo de si – É o fim! Está tudo acab-
- Maaa-ry. – chamou uma voz atrás dela.
Ela sentiu todo o corpo gelar, paralisando. Aquela voz era...
Ela se virou bem a tempo de pegar uma maçã que levitava despreocupadamente até ela, e se deparou com uma cena que não via já há algum tempo: o D4 estava reunido na sua frente, com o aqueles sorrisos típicos que indicavam que ninguém poderia contra eles. Diante disso, Mary não pôde evita de respirar aliviada, como se agora tudo pudesse ser resolvido.
- Mentira... – foi tudo o que ela conseguiu pronunciar, usando um tom agradecido.
***
- Você continua maltrapilha, Mary. – informou MacGilleain enquanto enchia as taças de todos com vinho.
- Nem parece alguém que vai se tornar uma Doumajyd. – completou Nissenson.
- Mas se não fosse assim não seria a Mary, não é mesmo? – Hainault a defendeu.
O D4 fechara um dos bares do cassino mais requintados de Las Vegas para poderem conversar tranquilamente.
- Por...Por que vocês estão aqui? – ela perguntou, ainda sem entender como eles, milagrosamente, aparataram naquela cidade sendo que cada um tinha seus próprios compromissos para cumprir.
- Por que uma das funções do D4 é ajudar quando você está em apuros. – explicou Hainault encolhendo os ombros, como se aquela resposta fosse bem óbvia e ele estivesse surpreso por ela não saber.
- Como foi na roleta? – perguntou Doumajyd, ainda exibindo um imenso sorriso por ter os amigos junto com ele.
Mary abaixou a cabeça e demorou alguns instantes para responder, como alguém que indiretamente confessava que havia falhado em algo muito importante:
- Se eu tivesse ganho, não teriam me jogado na rua daquele jeito...
- Esqueça sobre isso, Mary. – pediu Nissenson em tom de consolo – Por hora, vamos comemorar o nosso reencontro e também...
- Ao casamento de vocês. – completou Hainault, pegando a sua taça, com os outros seguindo o seu exemplo.
Se sentindo melhor, Mary também pegou a sua taça e acompanhou o brinde.
- Bom, mas, falem a verdade! – disse Doumajyd contente – Vocês vieram para cá para ficarem perto do Ilustríssimo Eu, não é?
- Não. – respondeu Nissenson diretamente – Estávamos preocupados com a Mary.
- Como? – o sorriso de Doumajyd diminuiu, não entendendo.
- Quando informei para vocês do leilão, senti que algo estava muito errado. – explicou MacGilleain.
- E vieram só por causa disso? – perguntou Mary surpresa.
Cruzar um oceano e um continente só porque ‘sentiu que havia algo errado’ não era exatamente uma coisa comum de se fazer, por maior que fosse a amizade entre eles.
- Isso mesmo. – confirmou Ryan Hainault – Nós achávamos que você estaria sofrendo com os caprichos do Chris.
- Pessoal... – murmurou ela, de repente com os olhos cheios de lágrimas e então disse alto, de uma vez – Muito obrigada por se preocuparem comigo! Vocês sempre me ajudam!
- Eeei, Mary! – Doumajyd reclamou – Desse jeito até parece que você está sofrendo de forma horrível comigo!
- Mas eu estou sofrendo! – ela disse com as lágrimas começando a escorrer pelo rosto – É claro que estou sofrendo horrivelmente!
- É tão sofroso estar comigo? – perguntou o líder dos Dragões indignado.
- É ‘sofrido’. – corrigiu Nissenson.
- Nem sabe falar direito! – Mary acrescentou ao seu lamento – Como pode ser tão burro assim?
- Vamos, Mary. – disse MacGilleain tentando consolá-la e lhe servindo mais vinho – Não chore.
- Não estou chorando. – ela informou com um sorriso – Estou assim porque estou feliz.
- Você está feliz ou triste?! – perguntou Doumajyd sem entender.
- Ei, Cogumelo. Se continuar jorrando lágrimas sua cara sem graça vai ficar mais sem graça ain-
- Onde ela é sem graça, Simon?! – rosnou Doumajyd, brigando com o amigo – Cuidado para não errar as palavras!
- Não seria ‘cuidado ao escolher as suas palavras’? – perguntou Hainault.
- Você é quem precisa tomar cuidado com as palavras! – Mary o repreendeu, mantendo a expressão em um misto de choro e riso.
- Errei, é? – Doumajyd se fez de desentendido.
- Vamos, não chore. – disse Hainault passando a mão na cabeça de Mary.
- EEEI! – Doumajyd se colocou entre eles, afastando a mão do amigo rapidamente – Não fique tocando nela, idiota!
- O que é que tem? – perguntou Hainault.
- Não pode! – decretou o líder.
- Por quê? – Hainault insistiu.
Doumajyd pensou em algo rápido e disse:
- Porque você vai transmitir para ela a sua doença de distração, idiota!
O restante do D4 explodiu em risadas e MacGilleain comentou:
- Você não muda nunca, não é, Chris!
- E vocês continuam sempre com essas caras de preocupados. – respondeu ele, provocando mais risadas – Ei, digam a verdade. Vocês também ficaram com vontade de se casarem por nos ver juntos, não é?
Cinco segundo de silêncio e três respostas simultâneas:
- Nenhum pouco.
E novo acesso de risos.
- Mas, parando com as brincadeiras, – começou Nissenson – o casamento de vocês está por um fio, não?
- Claro que não. – afirmou Doumajyd com absoluta certeza.
- Se não recuperarmos a tiara da família Doumajyd, pode ser o fim. – disse Mary.
- E o leilão? – perguntou MacGilleain pensativo.
Mary deu um suspiro e respondeu:
- Pretendíamos participar dele assim que conseguíssemos o dinheiro. Mas agora...
- Então o primeiro passo é irmos para o leilão em Hong Kong, não é? – disse MacGilleain.
- Hong Kong? – Mary quase se engasgou, se dando conta de que nunca pedira onde seria realizado o leilão, já que o assunto dinheiro era o mais preocupante.
- Não tem outro jeito, não é? – falou Hainault se espreguiçando.
- Então vamos? – pediu Simon.
- Agora? – surpreendeu Mary – Para Hong Kong?!
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