Las Vegas
Mary tossiu e tentou enxergar alguma coisa além dos seus óculos escuros pendurado em seu rosto, preso somente pela sua orelha direita. Ela ouviu uma das portas do carro bater com força e passos pesados triturando a terra no chão. Olhou em volta assustada e conseguiu ver que o grande caminhão também estava parado, uma parte dele na estrada e a outra no acostamento como eles. Foi quando se deu conta que Doumajyd caminhava furioso para a estrada, intencionando tirar satisfação com o outro motorista pelo ocorrido. Sem perder tempo, imaginando o tamanho da confusão em que iriam se meter se o dragão perdesse o controle, ela saiu correndo do carro e o seguiu para tentar impedi-lo. Mas seu corpo ainda estava atordoado com o acidente, e ela acabou derrapando duas vezes pelo caminho.
Quando alcançou o dragão, ele já berrava em altos brandos para a cabine do caminhão:
- EEEI! QUE MERDA VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO, IMBECIL?! SÓ PORQUE ESTÁ EM UM ‘CAMBIÃO’ DESSE TAMANHO ACHA QUE TEM O DEIREITO DE PASSAR EM CIMA DOS OUTROS?!
- Pára, Chris! – advertiu Mary – Nós estávamos errados!
No mesmo instante, a porta da cabine do caminhão abriu com força, demonstrando que o estado de fúria do seu dono era equivalente ao do dragão. E, para o desespero de Mary, de lá de dentro saiu o maior homem que ela já havia visto na vida. Ele era repleto de tatuagens nos braços musculosos e fez a cabine pender para o lado com o seu peso ao descer dela. Mary olhou apreensiva para Doumajyd, que mantinha o olhar firme no homem, aparentemente não ligando para o fato de que seria preciso mais cinco dele para poder estar em vantagem.
- Chris. – murmurou ela, segurando a mão da varinha dele, tentando evitar que o noivo recorresse a ela.
Mas Doumajyd se livrou facilmente do aperto dela e avançou, brigando:
- Você é maluco, idiota?!
- Cala a boca, seu merdinha! – retrucou o caminhoneiro, e Mary apertou os punhos, se preparando para sacar a sua varinha imediatamente assim que Doumajyd fizesse alguma besteira. Mas então o caminhoneiro se calou, e tirou os óculos escuros, revelando olhos azuis surpresos – Ei, eu conheço você! É o Doumajyd da D&M!
- ...Nã-não sou não! – negou Doumajyd, chocado pelo fato de ter sido reconhecido naquele quase fim de mundo.
- É sim! É o dragão Christopher Doumajyd! – teimou o caminhoneiro.
- Não sou não! – reafirmou Doumajyd, recolocando seus óculos escuros, como se esse gesto pudesse fazer o homem esquecer do rosto que havia visto.
- É sim! Ontem mesmo eu-
- Claro que eu não sou! – o dragão o cortou e tentou mudar de assunto – Tem algum lugar próximo onde se pode comer?
Parada na metade do caminho entre os dois, Mary olhava para toda a cena paralisada. Eles haviam se esquecido que estavam a ponto de se socarem há segundos atrás. Ela só conseguiu se mexer quando Doumajyd a puxou em direção ao carro, explicando sorridente:
- Tem uma parada mais para frente, umas duas milhas. Ele disse que a comida lá é muito boa.
- Ele disse? – perguntou ela surpresa.
- Sim. Podemos parar lá e então seguir viagem até de noite, o que você acha?
Mary não respondeu porque, no mesmo instante, o caminhoneiro veio até eles, arfando e trazendo a última edição da Tesouros nas mãos, onde havia uma foto de Doumajyd e da sua futura noiva, e então pediu humildemente:
- Será que o senhor poderia me dar um autógrafo, senhor Doumajyd?
Mary pestanejou diante daquilo, sem saber que reação ter, e só então reparou nas tatuagens do homem, todas fazendo referências ao mundo mágico, sinais que somente um bruxo poderia conhecer.
- Inacreditável... – ela murmurou, enquanto Doumajyd assinava a revista para o caminhoneiro sorridente.
***
Assim como informara o caminhoneiro, havia uma lanchonete de beira de estrada a duas milhas, chamada Nevada Joe’s. No lugar eles pediram dois hambúrgueres duplos para viagem e dois copos grande de refrigerante. E para economizar tempo, comeram no carro, sentados no capô, debaixo da sombra de uma placa.
- Isso é muito bom! – exclamou Mary, já na metade do seu hambúrguer com apenas duas mordidas.
Doumajyd, que ainda nem havia começado o seu, tomou um grande gole do refrigerante, sem tirar os olhos da noiva, que tinha o apetite desproporcional ao seu tamanho, e comentou:
- Qualquer coisa é boa pra você.
- Se você não acha bom eu posso comer o seu também. – retrucou ela.
- Mesmo devorando tudo isso ainda está com fome?! – ele ainda se surpreendia com a forma dela comer.
- Sendo algo tão gostoso assim, sempre dá para repetir!
Ele olhou desanimado para seu hambúrguer e então para Mary, que fazia sumir o último pedaço do seu pão.
- Pode pegar. – ele lhe entregou o dele, achando que ela aproveitaria melhor o lanche barato.
- Valeu! – agradeceu ela com a boca ainda cheia.
Enquanto Mary começava a comer o outro hambúrguer, Doumajyd terminou o seu refrigerante e então passou a olhar o movimento na estrada, basicamente composto por caminhões de carga como aquele que atrapalhara a viagem deles.
- Vai ser assim, não é, Mary? – ele começou a provocando – Depois que casarmos, você vai engordar do nada. Nem vai lembrar que um dia foi pequena.
- É. – ela concordou, aceitando a provocação – Talvez aconteça isso mesmo. Se eu tiver uma vida luxuosa e fácil como a que você teve até agora, é capaz que eu engorde em um instante!... E aí, o que você vai fazer se isso acontecer?
O dragão pareceu irritado com a resposta dela e pensou por alguns instantes antes e responder:
- Não importa, não é? Mesmo que você vire uma gorda-baleia, não vai deixar de ser a Mary Ann!
Ela deu um sorriso largo de boca fechada, anda mastigando.
- Não importa se você é gorda ou feia. – ele continuou, meio sem jeito por ter percebido que o que dissera a deixara contente – Eu me apaixonei por quem você é. Se fosse por causa de beleza, eu nem teria te olhado duas vezes!
O sorriso dela desapareceu e ela perguntou em um sibilo:
- Quer dizer que eu sou feia?
Ele se deu conta do que tinha dito e tentou reverter a situação:
- Não foi isso que eu disse! Para mim você é a melhor!
- A melhor em que?
- Em... – ele fez um gesto impaciente de quem havia sido encurralado – Em tudo, é claro!
Mary riu e resolveu aceitar aquilo como um elogio, para não iniciar uma discussão e acabar com o resto da viagem.
- Eu vou recuperar a tiara, Mary! De qualquer jeito eu vou fazer isso!
- Hum. – concordou ela, mordendo mais um grande pedaço do hambúrguer.
- Agora termine logo de comer e vamos voltar para a estrada.
- Ifo é uito bom! – ela tentou falar e mastigar ao mesmo tempo.
***
- Com certeza parece com você. – reafirmou Mary.
- Onde que um monte de pedras parece o Ilustríssimo Eu?! – perguntou Doumajyd indignado com o fato de a noiva achar que o conjunto de morros de pedras, perto de onde eles estavam passando, se parecia de algum modo com ele.
- Parece sim! Olha meio de lado assim, exatamente a expressão emburrada que você está fazendo agora.
- Não tem como aquele negócio se parecer comigo! – disse ele em tom de ponto final.
O sol já estava baixo no horizonte enquanto eles seguiam viagem pela estrada pouco movimentada. A não ser pelos montes de pedras esculpidos pela ação da natureza durante milhares de anos, a paisagem continuava a mesma por mais que eles avançassem no caminho.
- Então que tal isso? Vê se você consegue adivinhar o que eu estou dizendo. – ela propôs e então apertou a buzina no volante sete vezes, formando sílabas com o som.
Doumajyd continuou olhando firme para estrada, pensando no que ouvira, e então pediu:
- Faz de novo.
Mary repetiu os sons, mas dessa vez ela só tinha feito cinco deles quando o dragão a cortou:
- Eu não estou cansado!
- Como adivinhou?! – perguntou ela surpresa demais para poder mentir, dizendo que não era aquilo que ela havia dito.
- Sessenta milhas. – disse ele apontando para uma placa, sem responder a pergunta dela – Já estamos chegando.
De fato, não demorou muito tempo para eles avistarem a grande planície de luzes da grande cidade. O sol já havia se posto, mas o céu ainda estava meio claro e a paisagem surpreendeu os dois, principalmente Doumajyd. Mesmo o dragão tendo vivido um tempo em um mundo totalmente trouxa, ainda se espantava com a eletricidade e as coisas que eram possíveis fazer com ela.
Logo eles estavam percorrendo as ruas movimentadas de Las Vegas, com Mary de pé no assento do carro, debruçada por cima do pára-brisa, admirando todo o cenário de filme envolta deles:
- Que incrííííível! – ela exclamava vendo a fachada dos famosos cassinos temáticos.
- Não chame atenção! – brigou Doumajyd, a puxando para que ela voltasse a sentar no seu lugar.
- Sim, como se eu fosse a pessoa que mais chama a atenção nessa cidade. – retrucou ela, mas obedeceu e se sentou - ... Olha! Pára ali! Ali! – ela indicou um Motel logo à frente na estrada.
Doumajyd deu sinal e entrou no estacionamento do Tod Motel Motor, e então olhou com desagrado para a construção simples de quatro andares.
- Aqui parece bom. – disse ela saindo do carro.
- Nesse hotel sujo e pequeno? – perguntou ele para Mary, se recusando a sair, na esperança de convencê-la a irem para outro lugar.
- É barato! – ela indicou a grande placa luminosa onde estava escrito ‘diárias U$ 39,00/ Semana U$199,00’ – Lembra o que o Richardson disse antes de sairmos? Não podemos usar os recursos da D&M ou seremos descobertos! Sua mãe iria nos descobrir na hora! Temos que usar o pouco dinheiro que temos de forma sábia e você concordou em me deixar responsável pela parte financeira!
Ele deu um suspiro emburrado, demonstrando ter perdido aquela batalha e saiu do carro, pegando as malas no bagageiro.
O quarto não melhorou o ânimo do dragão. Ele era apertado, com um banheiro minúsculo, uma televisão em um canto e um sofá desbotado no outro.
- Nós vamos dormir no chão? – perguntou ele abismado, procurando e não encontrando sinal algum de haver uma cama ali.
- É assim. – disse Mary pacientemente, largando as suas coisas no sofá, indo até um guarda-roupa e puxando uma parte dele, revelando uma cama embutida.
- Como você fez isso?! – perguntou o dragão de boca aberta, tocando na cama para ver se ela realmente estava ali ou era uma ilusão – Como assim você tirou uma cama inteira de um armário trouxa?!
- Ela já estava ali, Chris, foi só puxar.
Percebendo que não havia de extraordinário no fato de a cama ter saído de onde saiu, Doumajyd se recompôs, negando totalmente o estado de surpresa anterior, e voltou ao seu modo líder dos Dragões:
- Vamos até onde está o Gilmore e pegá-lo no flagra!
- Agora? – perguntou Mary, que abrira a sua mala pensando em tomar um banho para se livrar da poeira da viagem.
- Quer esperar ele sair da cidade?!
- Mas ele nem sabe que estamos atrás dele! Ele não-
- Vamos! – decretou ele saindo do quarto, não dando escolha para Mary a não ser segui-lo.
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