Os Olhos Por Detrás do Véu

Os Olhos Por Detrás do Véu



Todo o caminho Severus esteve apreensivo. Ele sabia o que ela lá ia fazer sem que ela precisasse de lho dizer: ainda tinham muita coisa a descobrir acerca daquela sua ‘ligação mental’.

Estavam os dois em frente à porta que dava para o Departamento dos Mistérios, de mão dada. Ele tentava transmitir-lhe energia e confiança. Sinceramente, apenas pensava que queria que ela saísse dali o mais depressa possível. O que ela estava prestes a fazer era bastante arriscado, para não falar do risco ENORME de se perder lá dentro.

- Severus – começou ela – eu… bem, apenas queria que soubesses que… não importando se consigo concretizar o que vim aqui fazer,… queria que soubesses que… bem,… uh…

Severus cortou-lhe a palavra. – Não precisas de me dizer nada, já que sei que também não sabes exactamente o que me hás-de dizer, tal como eu não sei o que te hei-de dizer.

Tonks sorriu, corada.

– Obrigada – disse ela olhando-o nos olhos com ternura.

Severus quase que lhe implorou para ela não ir naquele momento, mas conteve-se. Afinal, aquela era uma batalha que ela própria teria de enfrentar.

Quando ela o largou e abriu a porta que dava para o ‘estranho mundo’ do Departamento dos Mistérios, Severus sentiu que gelava. Parecia-lhe que ela era uma criança que se iria perder se largasse a mão dos pais. Ao vê-la afastar-se, o seu subconsciente gritou algo mentalmente sem que Severus pudesse conter.

Mesmo antes de fechar a porta atrás de si, Tonks sentiu uma pergunta desesperada vinda da mente de Severus: “Nymph, casas comigo?”

oOo

Tonks nem conseguia pensar direito. Acabara de receber uma proposta de casamento! E de Severus! Uau… Rapidamente afastou esse pensamento e concentrou-se na tarefa que tinha pela frente.

Ao avançar, foi-se apercebendo que não fazia a mínima ideia onde estava, apenas seguia o seu sexto sentido… e também um murmúrio. Ouvia sempre um murmúrio suave e convidativo a chamá-la ao sítio onde sabia que estivera no sonho. Seguindo sempre, foi ter à sala…

Encontrava-se numa das entradas da Sala do Véu, o sítio que assombrou aquele maldito sonho; mas não havia remédio. Ao se aproximar dos degraus que davam para o arco, o murmúrio ficou mais forte, mais sonoro, mais… amoroso?! Ficou por momentos a olhar o véu que não é sólido, liquido nem gasoso; a olhar o que lhe iria fazer tomar a decisão final. Enquanto analisava o véu de perto, foi distinguindo um par de olhos cor de avelã, meios dourados, que se tornavam mais sólidos, mais reais, mais vivos. Oh não… os olhos afinal estavam num rosto, um rosto suave rodeado por um cabelo castanho fino mas brilhante e cheio de vida, um rosto sem marcas, sem rugas e sem sinais de cansaço, diferente do que fora em tempos, apenas transparecendo alegria e vivacidade. O rosto de Remus Lupin mais jovem e sem demonstrar a sua condição de lobisomem enquanto vivo materializava-se diante da expressão de espanto de Tonks.

- Olá, Tonks.
- Remus…

A expressão dele tornou-se ligeiramente mais tristonha – Lamento imenso, tenho tantas saudades tuas… nem consigo imaginar o sofrimento que passaste.

- Remus… - disse tremulamente Tonks com os olhos rasos de água – Estiveste sempre aqui…?

Remus tentou explicar a situação calmamente – Nem sempre estive aqui. Nem todos nós conseguimos aqui chegar, isto é uma espécie de portal entre dois mundos, duas dimensões completamente diferentes, embora ambos sejam realidades…

- Não compreendo…

- O que quero dizer é que a partir daqui entras no mundo onde agora estou, onde está toda a gente que ‘parte’. Gente que não tem medo da morte, senão éramos fantasmas, claro. Não sei é se serias capaz de sair…

Tonks não sabia o que dizer, pois eram muitas as questões que tinha. Conseguiu formular uma ao fim de cerca de 3 minutos que não chegou a acabar – E vocês conseguem passar…?

Remus percebeu o que ela queria dizer e respondeu antes que ela acabasse de formular a pergunta – Não, não conseguimos passar de volta para essa realidade; mas também não nos interessa.

Tonks ficou com um ar confuso. Remus explicou – Já estivemos todos nessa dimensão, já aprendemos tudo o que podíamos aí. Agora é aqui o nosso lugar. Nem conseguimos ter saudades, pois podemos ver tudo o que aí acontece sempre que quisermos. Por isso se costuma dizer que não se deve chorar os mortos, mas os vivos; eles precisam mais da vossa compaixão do que nós. Sei perfeitamente em que tipo de missão Dumbledore vos enviou, a ti e ao Snape, qual o seu verdadeiro propósito; sei tudo o que vocês pensam, quais os vossos objectivos, sonhos, aspirações… são todos tão crianças, tão seguros de si mesmos, tão fortes mas tão frágeis e com tanto medo ao mesmo tempo. Tanto medo que o mundo tem, até nos faz impressão. – disse Remus com uma careta – É incrível como a nossa perspectiva muda apenas por passarmos para uma nova dimensão. Vocês não conseguem compreender que têm de viver ao máximo tudo o que puderem. Há sempre gente que diz isso, mas nem elas acreditam no que dizem! Agora vejo como fui tão estúpido!

- Remus, não digas disparates… nunca foste estúpido! Foste até muito inteligente, e sabes disso. O Dumbledore também sabia, e sabes que ele é dos poucos em quem podemos confiar… mas tudo isso é exagero não achas?

Remus deu uma gargalhada – Oh querida Tonks! Também tu te cegas. O mundo é cego a novos conceitos, novas ideias, e principalmente a novas realidades. Nem me vendo aqui a falar contigo consegues crer no que te digo?

Tonks ficou ligeiramente aborrecida – Eu não disse que não acreditava…

- Mas pensaste! – continuou Remus – Isso basta. Eu sei o que vieste aqui fazer, mesmo que ainda não mo tenhas dito. Sei o que sentes em relação ao Snape, e deixa-me que te diga… - suspendeu a frase.

Tonks nem sentia as batidas do coração. Será que tinha parado de bater?

A expressão de Remus relaxou antes de falar – Se não aproveitares agora, vais-te arrepender amargamente. Eu antes não conseguia ver nele nada de bom; como fui cego, mais uma vez!... As disputas de criança levaram a sua avante, embora eu me esforçasse. Sim, eu esforcei-me, não fui como o Sirius – que por sinal está arrependido, até de coisas das quais ele não me fala. Agora eu digo-te querida Tonks, – e olhou para ela com tanta ternura que poderia trazer paz a muita gente – ele é dos melhores homens que poderias ter para companheiro. Sinto a tua falta, mesmo muito já que ainda te amo, mas… Oh Tonks! – interrompeu a sorrir olhando para ela.

Tonks chorava silenciosamente muito a custo. Ela viu-o a estender a mão de encontro ao véu e ela estendeu também a sua. Foi a sua que entrou no véu, agarrando suavemente a de Remus. Era uma sensação fria, a de passar pelo véu, mas sentiu-se imediatamente reconfortada pelo calor familiar da mão sólida de Remus do outro lado.

- Se quiseres, mostro-te como isto é… podemos estar onde quisermos, como quisermos, sem nada a atrapalhar… - recomeçou ele – É fantástico, quando conheceres isto, não vais querer outra coisa. Não há dor, preocupação, inveja alheia, maldade nem nada de maus sentimentos que agora são uma má recordação dessa dimensão. Há apenas tudo de bom. Vais gostar! Eu adorava que viesses comigo; esta zona é um pouco esquisita, fria talvez, mas no resto é tudo tão diferente! – agora os seus olhos brilhavam de felicidade - Tonks, queres vir viver comigo nesta felicidade? E deixar esse mundo de tristezas e desilusões e dor para trás?

Tonks ficou fortemente tentada a ir. Estava quase a deixar-se guiar por ele quando um flash da imagem de Severus lhe passou pela mente e recordou-se da última coisa que ouvira dele: “Queres casar comigo?”. Lembrou-se de todos aqueles bons momentos que tinham passado juntos, apercebendo-se que afinal ela estava viva! Poderia continuar a amar dois homens tão diferentes ao mesmo tempo? Hesitou.

- Remus… eu amo-te, mas deves também saber que há vários tipos de amor, não sabes?

- Certamente.

- Pois bem… eu amo-te, sim,… mas não da mesma maneira. O meu amor por ti evoluiu, transformou-se. Eu amo o Severus, Remus. É com ele que quero viver o resto da minha vida. Enquanto me estava a autodestruir pela dor que a tua morte me causou, ele apareceu e levou-me de encontro a uma aventura que me fez acreditar que poderia viver outra vez! Eu estava a morrer por dentro Remus! – sussurou ela, mas tentando transmitir a Remus o que sentira e como ela própria se transformara durante aquele tempo – Ele é que me fez reviver. É por ele que ainda estou viva e sã. E foi por ele que aqui vim.

Remus ficou triste por um momento – Claro… desculpa, não te devia ter falado em tanta coisa… perdoa-me, mas é que tenho tantas saudades…

- Não há nada a perdoar Remus. – disse Tonks com um sorriso – Eu compreendo.

Remus sorriu – Então vai ter com o teu príncipe, que está quase a ter uma síncope se demorares mais… - sorriu – E não te esqueças, sempre que quiseres falar comigo, já sabes onde me encontrar.

Tonks sorriu. – Obrigada, Remus. – ele olhou-a interrogativamente – Fizeste-me perceber o que quero, o que hei-de fazer, o que hei-de esperar, em que me hei-de apoiar durante os próximos tempos. Obrigada por tudo.

Ao largarem as mãos, Tonks deu um último sorriso a Remus antes de se virar de costas. Ao estar quase a sair do recinto, Remus chamou-a.

- Sim…?

- Hum, bem… podias fazer-me um último favor?

- Se puder… - respondeu ela sem perceber.

- Bem… podias dar o meu nome a um filho teu? – disse Remus um pouco corado. Tonks ficou surpresa – Mas eu nem tinha pensado outra coisa…

Remus riu. – Obrigado, Tonks. Até sempre! Manda cumprimentos ao Severus.

Tonks riu mais ainda – E achas que ele vai sobreviver se lhe disser uma dessas?

- Desde que não tenha ciúmes de uma memória… - disse Remus brincalhão.

Tonks olhou-o uma última vez – Gostei de te ver Remus.

oOo
Severus estava a entrar em parafuso. Onde será que ela se meteu? Espero que não se tenha perdido. Será que conseguiu ultrapassar o que a atormentava? Será que ela me ama mesmo? Espero que não tenha entrado no véu. Oh, Merlin!...

Ele andava há horas às voltas em frente à porta que dava para o Departamento dos Mistérios. Há horas que ele esperava o pior. Há horas que chegara a pensar em ir ter com ela, estivesse ela onde estivesse, ele havia de a encontrar.

Subitamente, ouviu passos apressados do outro lado da porta, mesmo antes de esta se abrir em rompante. Ao voltar a olhar para lá, Severus ficou momentaneamente aliviado por ver Tonks ilesa. A preocupação esfumou-se quando ela, sem avisar, se dirigiu a ele a correr e a sorrir imensamente. Ele ficou estático, apenas tendo tempo para abrir os braços e acolher aquele cometa rosa-choque.

- SEVERUS, ACEITO!

Ele não ouviu mais nada. A sua felicidade era tal que apenas a conseguia sentir nos seus braços, abraçando de volta. Agora nada mais importava. O mundo estava assim, perfeito.

(continua...)

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