Plano



CAPÍTULO 16 - Plano

Seus olhos estavam fixos naquela máscara, a mesma máscara de carnaval da noite da armadura. A fúria de Michael era imensa. Uma força terrível era passada para o travesseiro, uma vontade imensa de ver Harry morto.
O ar estava terminando. Os pulmões de Harry começavam a doer, a ansiar por oxigênio. Mas ele não tinha o que fazer para reverter a situação.
A não ser...
Ainda fitando a máscara, Harry estendeu a mão para o lado. Estendeu mais e mais... Precisava alcançar, era a única chance... O ar estava desaparecendo... Estendeu mais, quase desfalecendo, talvez para sempre... Conseguiu!
Seus dedos encontraram o cálice de cristal. Harry os movimentou rapidamente, dando um tapa no cálice. Ele não virou. Num último ato de desespero, Harry deu outro tapa, dessa vez mais forte. Sentiu o objeto virar. Finalmente o cálice de cristal espatifou-se no chão, com um estrépito ensurdecedor.
Ampliado pelo silêncio noturno, o som foi demasiado intenso. Passos ecoaram pelo corredor que levava à enfermaria.
Michael olhou para o corredor, nervoso. Harry sentiu o travesseiro vacilar, o peso sobre si desaparecendo. Ouviu os passos de Michael se afastando. Arremessou o travesseiro para longe, sentindo o ar invadir-lhe as narinas novamente. Nunca havia percebido que respirar era tão bom.
Madame Pomfrey chegou na ala hospitalar, pálida e alarmada. Tinha uma das mãos sobre o peito, e a outra sobre a boca. Correu até Harry, assustada.
-O que aconteceu? – perguntou com a voz trêmula.
-Nada demais – respondeu Harry, ofegante. – Um pesadelo... Horrível.
Os olhos da enfermeira encontraram os cacos do cristal, milhares de pontinhos brilhantes, misturados com um líquido: a Essência de Kaviazat.
-Não! Você derrubou o cálice com a Essência! – ela bateu as mãos na cintura. – Nossa, que raios de pesadelo foi esse?
-Muito real Madame Pomfrey – disse Harry, fitando os caquinhos brilhantes. – Muito real mesmo.
-Droga, justo o cálice da Essência! Ela não é muito fácil de ser encontrada, Potter. Sorte sua que eu tenho um pouco no meu estoque. Mesmo assim... Se algum outro paciente precisar, o que eu acredito que não demorará muito, com esse maluco machucando e matando por aí... O que farei?
-Eu lamento muito mesmo...
Madame Pomfrey, resmungando, recolheu os cacos e limpou o chão sujo da enfermaria. Harry encolheu-se sobre as cobertas, ainda respirando rapidamente, como se o seu corpo quisesse compensar o tempo que ficara sem ar.
Ele ficou quieto, mas acordado, atento a cada ruído, com medo de que o assassino voltasse para terminar o serviço.

* * *

Hermione e Rony caminhavam pelos corredores, indo para o salão comunal. Conversavam tranqüilos, felizes pela recuperação dele e de Harry.
–Isso tirou um grande peso da minha mente, Rony... Ver vocês sãos. E, se acontecesse alguma coisa com você, me sentiria culpada pelo resto da vida.
–Mione, ainda está cismada com aquele negócio de estar segurando a lança...
–Não, até já esqueci... Mas ficaria cismada para sempre se algo acontecesse com você. Sentiria-me como se tivesse sido... A assassina...
Ela olhou assustada para ele, amedrontada com a possibilidade. Rony a abraçou, consolando-a. Começou a afagar os cabelos de Mione.
–Esqueça... Não foi o que aconteceu. Pra que ficar colocando coisas na cabeça? Coisas que não aconteceram? Eu estou aqui, vivo, não estou?
Hermione afastou-se lentamente de Rony. Mesmo na obscuridade do corredor, ele pôde perceber o rubor na face da jovem. Mione baixou o rosto, envergonhada. Ele sorriu diante da reação dela. Talvez estivesse tão confusa sobre o sentimento que os cercava quanto ele.
Numa hora, uma sensação de amizade... Em outra, uma sensação mais forte, intensa, carga de emoção que percorria as veias e acionava o coração. E o coração respondia com suspiros, suor, tremores... rubor.
Estaria Hermione tão confusa e sentindo as mesmas coisas que ele?
Os dois estavam parados no corredor, quietos. Hermione ainda estava sem graça; Rony não tirava os olhos dela. Aquilo poderia ter se tornado um momento mágico se os olhos de Hermione não tivessem visto a sombra que se formava no chão graças aos archotes do corredor.
Ela esqueceu-se de toda a vergonha, levou um dedo ao lábio para pedir que Rony não fizesse qualquer barulho, depois apontou para o chão, indicando a sombra. Rony olhou. Viu o contorno escuro, avançando lentamente. Sem pensar duas vezes, Rony segurou a mão de Hermione e os dois começaram a correr.
Ouviram os passos da sombra correndo atrás deles. Rony, em desespero, entrou no primeiro corredor que surgiu, pouco se importando se aquele era o caminho certo. Pensou que talvez o perseguidor passasse direto... Estava enganado. Logo os passos apressados do perseguidor soavam às costas dos dois.
Eles continuaram correndo, em desespero. Rony segurava firme a mão de Hermione e a guiava pelos corredores sombrios e desertos do castelo. Precisavam encontrar algum esconderijo...
Finalmente os dois encontraram um corredor repleto de salas. Rony girou a maçaneta da primeira porta que encontraram e a abriu. Ele colocou Mione lá dentro primeiro, depois entrou e fechou a porta. Não havia como trancá-la.
-O que faremos agora? – perguntou ele, a voz em claro pavor.
Mione olhou para a sala de aula. Havia algumas carteiras e um armário ao fundo.
-Se não podemos trancá-la, podemos barrá-la – disse, apontando a varinha para as carteiras. As carteiras começaram a levitar rapidamente, parando com todo o impacto em frente à porta.
Quando três carteiras estavam empilhadas, a maçaneta foi girada. Hermione gritou, assustada, derrubando a quarta carteira que levitava. Rony correu até ela, tomou a mão dela novamente, e os dois correram para o fundo da sala. Agacharam-se atrás de uma carteira, encolhendo-se.
A maçaneta foi girada novamente, numa nova investida. Finalmente, o perseguidor falou:
-Abram essa porta! – ordenou ele.
Rony e Hermione reconheceram a voz. Não era assassino algum. Era Argo Filch.
-Como fomos idiotas! – sussurrou Hermione para Rony, sentindo boa parte do pânico se esvaindo. – Pensamos que era o Michael, mas era o Filch!
-Não fomos idiotas – falou Rony, também aos sussurros, enquanto Filch tentava arrombar a porta. – Se Filch nos pegasse naquele corredor onde estávamos, até que não haveria problema. Mas se ele nos pega agora, depois de termos corrido dele como se estivéssemos fazendo algo errado, depois de termos invadidos essa sala vazia e empilhado um monte de carteiras para barrá-lo, garanto a você que ele não nos pouparia de pelo menos uma detenção... Ou, ainda pior, poderia desconfiar que nós temos algo a ver com os crimes da escola.
Filch investiu de novo contra a porta, sobressaltando Rony e Hermione. As carteiras balançaram perigosamente.
-Acha que ele consegue derrubar? – perguntou Mione.
-Tomara que não. É só ficarmos bem quietos que, do jeito que ele é burro, vai pensar que não estamos aqui e desistirá.
Filch investiu novamente. As carteiras balançaram, mas não caíram. Rony e Hermione estremeceram. Dessa vez o barulho do tremor das carteiras misturou-se a voz carregada de fúria de Filch:
-Saiam dessa sala! Eu sei que vocês estão aí!
As carteiras chacoalharam mais três vezes. Finalmente Filch parou. Eles ouviram um murmúrio inaudível de ódio, talvez um palavrão. Depois, os passos lentos no corredor.
-Foi o que eu disse. Muito burro – comemorou Rony, sorrindo para Mione.
-Vamos sair daqui – falou Mione.
Ela levantou o corpo no mesmo instante que Rony. Os dois quase bateram a cabeça um no outro, o que não ocorreu por um triz. A proximidade dos rostos era muito grande.
Na penumbra que tomava conta da sala, eles quase não podiam enxergar nada. Mas, tão próximos, cada detalhe do rosto de cada um se revelava na escuridão.
Estavam tão próximos. Rony sentia o perfume de Hermione, a respiração acelerada dela, os olhos que piscavam sem parar, até mesmo o calor da vergonha subindo pelo ar. Hermione também via e sentia cada detalhe de Rony. O olhar dele que a avaliava, as sobrancelhas erguidas, um leve sorriso nos lábios.
Estavam muito próximos, compartilhando sensações, imóveis, mudos, apenas o som noturno no ar.
Os lábios estavam quase colados. Naquela embriaguez de sentimentos, que tomava todos os sentidos, eles se aproximaram, jogando para o ar a razão e dando lugar para o que o coração sentia.
Bastou um pequeno movimento e os lábios se uniram. Sem movimentos, apenas os lábios colados, úmidos e ávidos pelo contato. Hermione e Rony fecharam os olhos, mergulhados naquele momento mágico. O primeiro beijo.
Estavam experimentando aquela nova sensação, como era aquele contato até então desconhecido...
E os dois abriram os olhos.
Afastaram-se tão subitamente que Rony bateu com força o cotovelo na carteira às suas costas e Hermione caiu sentada no chão. Mione levantou-se e esfregou a boca com as costas da mão. Rony, esfregando o cotovelo dolorido, limpou a boca com um pedaço da veste.
Eles olharam-se por um momento, quietos, constrangidos e incapazes de acreditar que tinham realmente se beijado.
-Desculpe, Mione – falou Rony, olhando para a silhueta da garota. – Desculpe, mesmo... Olha, eu não devia ter feito isso...
-Não, não... Não se desculpe... Eu também fui culpada. Não sei o que aconteceu...
-Um impulso, é, um impulso, eu acho...
-É. Pode ser... Ou, talvez, o medo da situação tenha... Criado essa situação... De alguma forma, não é mesmo?
-Também. É outra possibilidade...
-É – concordou Mione, fitando o chão. Até a simples silhueta de Rony a deixava encabulada. – Agora, acho que é melhor irmos embora daqui. Filch já foi.
-Tem razão – respondeu Rony. – Vamos.
Os dois começaram a andar pela sala, mantendo uma certa distância um do outro. Ao chegarem próximos à porta, Mione puxou a varinha do bolso e fez com que as carteiras voltassem para os lugares originais. Quando a porta foi desimpedida, ela a abriu. Espichou a cabeça pela fresta e olhou para os dois lados do corredor. Pelo menos aparentemente, não havia sinal nem de Filch nem de qualquer outro bruxo.
Fez um movimento com a mão, chamando Rony. Queria evitar a troca de palavras com ele, como se isso tivesse a possibilidade de apagar ou minimizar o que ocorrera dentro da sala de aula.
Rony a seguiu pelos corredores. Por sorte, eles estavam desertos. Além do medo de Filch, havia o de o assassino aparecer – mas nenhum dos dois surgiu no meio da penumbra. Na verdade, essas eram preocupações secundárias nas mentes de Rony e Hermione.
A cabeça de cada um estava voltada para o beijo rápido na escuridão.
“Eu e o Rony, juntos”, pensava Hermione. “Não teria como dar certo... Imagino como seriamos comentados. Amigos que viram namoradinhos de uma hora para a outra... Mas... Por que estou pensando nisso? Não haverá nada, nunca houve nada. Aquele beijo deve ser esquecido... Foi por impulso. Apenas amigos... Amigos não podem dar beijinhos uns nos outros?”
Na cabeça de Rony...
“Até que foi bom. Foi muito bom... Mas... Não. Devo esquecer. Sou tão amigo da Hermione. Devo estar confundindo a amizade com outra coisa. Afinal, ela é a única amiga mulher que eu tenho, amiga de verdade. Uma confusão... Só pode ser isso”.
Entraram na sala comunal, também deserta, e cada um foi para o seu canto.
Embora os dormitórios os separassem, mentalmente os dois estavam ligados, cada qual no seu pensamento, na sua maneira de pensar. Mas ligados.

* * *

Rony encontrou Hermione na sala comunal, sentada num sofá, com Bichento acomodado no colo, ronronando. Ao invés de dizer um animado “bom dia”, Rony parou em frente à garota, para indicar sua presença, e disse, sem olhá-la nos olhos.
-Vamos lá na ala hospitalar. Pra visitar o Harry.
-Sim. Claro – respondeu ela, dando especial atenção para os pêlos de Bichento.
Ela afastou o gato e começou a caminhar em direção à saída. Como na noite anterior, Rony seguiu atrás. Também como na noite anterior, sem trocarem qualquer palavra.
Ao atravessarem o buraco do retrato, nem perceberam que Úrsula Hubbard estava parada num canto e os observava. Ela levou a mão ao queixo, pensativa.
-O que será que aconteceu? – perguntou para si mesma. – Um distante do outro... Calados... Sem conversarem. Aí tem. Será que, finalmente, o Kevin conseguiu atrapalhar os dois? Será que, finalmente, o meu querido Rony percebeu que Hermione Granger não serve pra ele?
Ela não pôde deixar de ficar satisfeita ao ver aquele distanciamento. Mal sabia ela que os motivos daquilo eram bem diferentes...

* * *

Encontraram Harry desperto, encostado no espaldar da cama, com o travesseiro às costas. Ele sorriu e acenou para os dois.
-Como passou a noite, Harry? – perguntou Hermione, sentando na beira da cama.
-Nada bem – respondeu Harry, olhando para a reação dos dois. – Vocês não vão acreditar no que aconteceu...
-Harry não me diga que o assassino veio aqui atrás de você?
-Veio, Mione. E veio furioso. Acho que ele não gostou nem um pouco de saber que eu sobrevivi. Depois de enfiar a lança e ver a quantidade de sangue que perdi, ele devia dar a minha morte como certa. Bom... Estraguei os planos dele.
-Mais uma vez – acrescentou Rony, com um sorriso.
-Como foi, Harry?
Ele relatou todo o incidente; os passos que ouviu, o travesseiro comprimido contra o seu rosto, a forma como se livrou, virando o cálice de cristal, a fuga do criminoso...
-E você registrou a forma que ele estava vestido? – perguntou Mione.
-Sim. Da mesma forma que no ataque do corredor. As vestes negras, a máscara branca de carnaval.
Harry franziu a testa e encarou os dois. Rony e Hermione ficaram constrangidos, baixando os olhos em seguida. Harry parecia pensativo. Ele teria percebido alguma coisa? Será que ele desconfiava de que algo havia acontecido entre os dois?
-Isso me fez pensar em uma coisa – disse, com um olhar misterioso.
Rony e Mione sentiram o estômago contorcer-se. Sim, ele havia percebido. O que ele diria? Iria rir da cara dos dois?
-A palavra “registrou” – disse Harry, fazendo com que Rony e Hermione suspirassem de alívio. – Registros... Olhem, acompanhem meu raciocínio: Michael Evans foi aluno de Hogwarts. Essa escola existe há mais de mil anos. Vai saber quantos alunos já estudaram aqui. Vocês não acham que, para haver uma organização, deve haver arquivos contendo detalhes dos alunos? Endereço, data de nascimento, NOM’s, NIEM’s e tudo o mais?
-Pode ser – falou Hermione. – Mas no que vai ajudar acharmos o arquivo de Michael?
-Podemos encontrar detalhes importantes – disse Harry. – Poderemos nos aprofundar sobre a vida de Michael Evans. Achar o nome de algum parente, ou um sobrenome do meio. Talvez, Mione, um sobrenome desconhecido pode levar a algum nome da nossa lista de suspeitos!
-Tudo bem. Mas como acharemos esse lugar dos arquivos?
-Acharemos não, Rony. Vocês acharão – Rony e Mione se entreolharam, sérios. – Não temos tempo a perder. Existe gente morrendo. Nós estamos correndo perigo. Talvez, nesses arquivos, exista a pista chave que precisamos para pegar o Michael atual de uma vez por todas!
Rony e Hermione se entreolharam novamente. Dessa vez, Harry percebeu o constrangimento.
-Aconteceu alguma coisa entre vocês dois? – perguntou ele, cismado.
Nenhum dos dois respondeu.
-Brigaram de novo, não é?
-É – confirmou Mione. – Foi isso. Nós brigamos... Mas é coisa boba, Harry, logo nós esquecemos...
-Será bom que esqueçam. Será bom que esqueçam qualquer coisa. Agora é a hora de nos unirmos para agarrar esse assassino. Eu, infelizmente, não poderei correr atrás dos arquivos por estar nessa cama. Mas vocês podem. E espero que estejam unidos para fazerem isso.
-Voltando ao assunto dos arquivos... Acho que estou me recordando de ter lido algo sobre isso em “Hogwarts, Uma História” – falou Mione. – Uma sala chamada Sala de Arquivo... É, Sala de Arquivo... Ela possui um livro chamado “Livro da História”, com todos os detalhes dos alunos que já passaram por aqui! Agora está tudo certo, Harry.
-Ainda não. Como vocês conseguirão encontrá-la? No livro dizia onde ela ficava?
-Não. Dizia que era uma sala bem secreta, reservada apenas para a direção da escola. Sua localização deve ser tão sigilosa que o local da sala muda a cada 365 dias, ou seja, a cada período letivo.
-A sala muda sozinha? – perguntou Harry.
-Exatamente. É um encantamento bem antigo. Portas que mudam de lugar conforme o período que o bruxo preferir.
-Engraçado – disse Harry. – Mas não deixa de ser preocupante. Como saber onde a bendita Sala de Arquivo foi parar nesse período letivo?
Hermione abriu um sorriso.
-Acho que sei como. Não vai ser tão simples como seria se o Lockhart ainda estivesse aqui. Mas também não vai ser difícil. É... Acho que pode dar certo.
-Qual é o plano? – perguntou Rony, finalmente dirigindo-se a Hermione.
-Vamos que eu mostro – respondeu Mione, também olhando para ele.
Os dois se levantaram e despediram-se de Harry. Antes de saírem, Hermione aproximou-se do amigo e colocou a mão sobre o ombro dele.
-Daqui a pouco voltamos. Quem sabe não voltamos com uma pista importante? Ou, talvez, com o nome do atual Michael Evans nas mãos?
Ela sorriu e saiu em disparada da ala hospitalar, com Rony a seguindo logo atrás.

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