Capitulo 2



 My Chemical Romance - Teenagers


Com um suspiro de alívio, Harry acendeu um cigarro para descarregar a irritação. Já estava arrependido de ter concordado com aquela perda de tempo. A casa de King’s Green não passava de uma desculpa de Margot para passar o dia com ele. Por que não a tinha mandado para o inferno de uma vez por todas? Uma fazenda não era o que ele queria. Uma casa no campo talvez, mas quarenta ou cinqüenta acres de terra cultivada...
Sentou diante da máquina, desconsolado, e afundou a cabeça nas mãos. O que tinha feito naquela manhã? Duas, talvez três páginas! E três páginas muito insatisfatórias, por sinal. Puro amadorismo, pensou, sentindo uma pontada no estômago ao considerar a hipótese de estar perdendo a inspiração que havia feito do seu primeiro romance um sucesso.
Será que uma mudança ajudaria? Possivelmente. Em Londres perdia muito tempo com festas, bebidas, madrugadas... O apelo constante não do deixava trabalhar direito. Tinha deixado que os frutos de seu sucesso criassem para ele um estilo de vida que, para um escritor, podia ser considerado suicídio. Talvez o ar do campo estimulasse sua imaginação e o ajudasse a superar os efeitos da apatia.
Percebendo que não ia conseguir escrever nada de significativo naquele dia, foi fazer a barba e tomar um banho. Depois decidiu sair. Na garagem, estava a sua espera o carro último tipo, um dos frutos do sucesso recente.
Em menos de meia hora chegou ao destino: uma casinha com terraço, espremida entre uma fileira de casas iguais. Sorriu para uma senhora que espiava por trás de uma cortina de renda e entrou.
— Sou eu, papai! – gritou para prevenir o pai.
O pai não estava na sala nem na cozinha. Foi encontrá-lo no quintal estreito, cuidando da horta.
— O que está fazendo aqui? – perguntou o homem, surpreso, mal conseguindo esconder sua satisfação. — Não costuma aparecer às quintas-feiras. Algum problema, ou veio só fazer uma visita?
— São essas as suas boas-vindas, papai? – sorriu sem ressentimento. — Faço um esforço para vir vê-lo durante a semana, e o que é que o senhor me diz?
— Quer uma xícara de chá? – resmungou o velho, indo até a cozinha para por a chaleira no fogo. — Ou prefere alguma coisa mais forte? Ainda tenho uma garrafa de cerveja.
— Cerveja está ótimo – concordou Harry — E o senhor, como vai?
O velho abriu a cerveja com a mão trêmula, e Harry notou que o pai já não demonstrava mais o antigo vigor. Se ao menos ele aceitasse a sua ajuda! Mas Tiago Potter era um homem extremamente independente. Sempre tinha sido, e desde a morte da esposa se recusava sistematicamente a participar dos frutos do sucesso de Harry. Ironicamente, a mãe tinha morrido poucas semanas depois do lançamento do seu primeiro livro, sem ter tido chance de aproveitar as vantagens que o sucesso poderia oferecer.
Recusou o copo que o velho oferecia e tomou a cerveja na garrafa mesmo, com prazer. Limpou a boca nas costas da mão e sorriu do ar satisfeito de seu pai.
— E então? Está passando bem? – perguntou Harry, preocupado. — Não sentiu mais aquelas tonturas?
— Tonturas, tonturas! — O velho reagiu com impaciência. — Meu problema é apenas a velhice. Mas acho que você não veio aqui para falar das minhas dores.
—Por que não me deixa procurar um lugar mais agradável para o senhor? Um lugar menor, onde pudesse cuidar do jardim sem se preocupar com a arrumação de uma casa deste tamanho. Um chalé...
— Nasci nesta casa, Harry, e é aqui que pretendo morrer – interrompeu-o com firmeza. — Ela pode parecer antiquada e de mau gosto, mas é aqui que me sinto bem.
— Você é um velho tolo e teimoso, sabia?
— Por quê? Porque não deixo você gastar seu dinheiro comigo? – riu. — Guarde o dinheiro para as sirigaitas com quem você sai. Não sei o que você vê nelas, francamente.
— Não vê mesmo? – brincou Harry, e o velho riu de novo.
— Bom, eu imagino – ele concordou com malícia. — Mas isso não quer dizer que aprovo. Vai acabar se metendo numa bela encrenca qualquer dia desses. E aí seu dinheiro não vai servir para nada.
— Humm – Harry tomou outro gole de cerveja, parecendo considerar a opinião do pai.
— Como aquela lady com quem você costumava sair. Aquela Margareth, ou coisa parecida.
— Lady Margot Urquat – corrigiu Harry. — Por falar nisso, ela esteve lá em casa hoje de manhã.
— Esteve, é? – o pai fez uma cara de desprezo. — Quer dizer que continuam saindo juntos? Que diabo você quer com uma galinha velha daquelas?
— Não esqueça que foi Margot quem convenceu Dino Thomas a publicar meu primeiro livro. – deu de ombros. — E depois, ela não é tão velha assim, papai. Acho que não tem nem quarenta.
— E você tem trinta e um – observou o sr. Potter, seco.
— Está bem... Suspirou. — Mas Margot tinha um motivo para ir me visitar.
— Não acredito!
— Ela sugeriu que eu comprasse uma casa no campo.
Tiago Potter ouviu em silencio. Pensou um pouco, distraído, depois percebeu que Harry estava esperando uma opinião e levantou os olhos.
— Que espécie de casa?
— Uma casa de... fazenda... terras... Pertence a uma antiga colega de escola de Margot.
— E quem é que vai morar lá? Você e Lady Margot?
— Claro que não – Harry se irritou. — Eu! Só eu, papai! – passou a mão no cabelo, desanimado. — Estou perdendo a inspiração, papai. Não posso mais ficar em Londres.
— Está cansado e entediado, é isso? Muitas noites em claro e muito álcool. E muitas mulheres!
— Está bem! – Harry deu um suspiro profundo. — O senhor tem razão. Estou levando uma vida desordenada. Mas talvez lá em Thrushfold eu consiga respirar de novo.
— Thrushfold? Onde fica isso?
— Não sei direito. Mas a fazenda se chama King’s Green e é uma antiga propriedade rural.
— Quer dizer que já está decidido?
— Não – Harry tomou o último gole de cerveja e enfiou as mãos nos bolsos. — Ainda não decidi. Ainda nem vi o lugar. Essa era das coisas que queria conversar com o senhor... Acha que é uma boa idéia?
— Humm... – o velho ficou pensativo. — Já comeu alguma coisa?
— Café e umas torradas – respondeu Harry, paciente. — O que é que isso tem a ver com a casa?
— Acho que vou abrir uma lata de sopa – declarou o sr. Potter. — Prefere de galinha ou de cebola?
— Vou levar o senhor para almoçar, papai – Harry convidou, mas o pai recusou.
— Se a minha sopa não é suficiente para você... – começou.
Harry sorriu, tirou o paletó e foi apanhar o abridor de latas.
Mais tarde, sentado na cozinha com o pai, tomando uma sopa de cebola, Harry voltou ao assunto:
— E a casa, papai? O que acha? Devo sair da cidade um pouco?
— Acho que foi a melhor idéia que você já teve até hoje – concordou o sr. Potter, depois de pensar um pouco. — A não ser que pretenda levar alguém com você.
— Se está falando de Margot, não tenho a menor intenção.
— Não, não estou falando dela. É aquela outra... a modelo que veio da América. Vocês estão sempre no jornal.
— Cho Chang – explicou Harry. — E não me diga que não sabia o nome dela. É modelo sim, e estou saindo com ela há uns seis meses. Só que não há a menor possibilidade de levá-la comigo para o campo. O ambiente de Cho é a agitação de Londres.
Ele não parecia triste, e o pai o olhou com desaprovação.
— Você não se importa, não é? – exclamou, contrariado. — Harry, quando vai deixar essa vida artificial e sossegar? Era o que sua mãe mais queria.
— Ora, papai! – Harry olhou com bom humor para o pai. — O que mamãe queria ou não queria é um pouco vago, não é? Afinal, ela está morta, e minhas idiossincrasias não vão magoá-la, vão?
— Vai se arruinar sozinho, é isso que quer dizer? – Tiago Potter suspirou.
— Por que não vai comigo, então? Assim pode vigiar o que como, a que horas durmo... e pode até me impedir de dormir com mulheres estranhas!
— Oh, não! – exclamou Tiaho Potter, imediatamente. — Não serei fiscal da sua vida, nem quero ser. E, quanto a me mudar para o meio do mato, a esta altura da vida...não, obrigado! – fez uma pausa. — Mas vá você, Harry. Vá, meu filho! Estou de seu lado. Concordo com qualquer coisa que faça você feliz.
— Obrigado, papai. – Harry apertou com carinho a mão do pai e, depois, terminaram a refeição em silencio.
Passava um pouco das quatro horas quando Harry voltou ao apartamento. Apesar do início desagradável do dia, estava mais ou menos contente e aguardava até com certo entusiasmo a viagem a Thrushfold. Se gostasse da casa, podia efetuar a compra até o final de maio, e passar o verão na propriedade nova. Nos anos anteriores, tinha passado o verão nas Bermudas e em Cannes, mas a idéia de gozar os meses de calor na sua própria fazenda era atraente.


Continua...


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