Capitulo 1



 STARFIELD.................................................. - ..........................................My GeNeRaTiOn



A não ser pelo ruído monótono da máquina de escrever, o apartamento estava em silencio quando a campainha tocou. A interrupção irritou o homem sentado diante da máquina. Rasgando com raiva a página interrompida, ele se levantou e foi atender a porta. Os amigos já o conheciam muito bem e não cometeriam a imprudência de vir perturbá-lo a uma hora daquelas. Mas ele não se surpreendeu ao deparar com a recém-chegada.
— Harry! – A mulher loira, já não tão jovem, entrou sem esperar convite. Acariciou o rosto dele com a mão enluvada. — Humm, esqueceu de se barbear hoje, querido. Mas amo você assim mesmo.
A voz sensual da mulher não produziu grande efeito. Com um suspiro de impaciência, Harry enconstou-se no batente, sem fazer o menor gesto para fechar a porta. A visitante deu uma risadinha nervosa.
— Querido, não fique aí parado olhando para mim como se eu não fosse bem-vinda...
— Você não é bem vinda!
—...Especialmente quando trago notícias emocionantes para você.
— Não é hora, Margot! – Suspirou, impaciente. — Como vê, estou trabalhando. – Apontou para a escrivaninha. — Espero que a visita seja curta.
— Mas como estamos azedos! – brincou Margot, sem se preocupar com o mau humor de Harry. — Qual é o problema? – perguntou, folheando sem interesse as páginas empilhadas ao lado da máquina. — Estamos de ressaca ou acordamos com o pé esquerdo?
— Vá embora daqui, Margot!
— Não seja grosseiro, Harry! Não vai nem me oferecer uma bebida? O trânsito em Knightsbridge estava simplesmente horrível, e estou morta de vontade e tomar alguma coisa gelada e refrescante.
— Olhe, Margot...
Pela primeira vez a impaciência de Harry pareceu ofendê-la. Ela levantou bem a cabeça e assumiu a melhor pose de ofendida que conseguiu. Harry sentiu o estômago revirar.
— Quer fazer a gentileza de fechar a porta um momento? – pediu Margot, vendo que seu charme não estava atingindo o objetivo. — Você é um idiota egoísta, Harry! Não sei por que me preocupo com você.
— Não sabe mesmo? – suspirou, resignado e fechou a porta. — E então? A que devo o prazer da visita?
Lady Margot não conseguiu esconder a frustração. Apesar da diferença social que havia entre eles, Harry tinha o dom de transformá-la numa tola ingênua. Mesmo tendo dez anos mais que ele, ficava reduzida a uma jovenzinha inexperiente diante do olhar frio daquele homem.
— Você é um bruto, Harry! – protestou, passando a mão no decote da blusa num gesto deliberadamente sensual. — Perco meu tempo vindo aqui para ajudá-lo e você me trata como uma...como uma leprosa! Sei que está trabalhando, que quer escrever seu livro em paz, mas é justamente para isso que estou aqui... para ajudar você.
— Não sabia que você tinha feito um curso de datilografia, Margot – foi o comentário seco de Harry. Arrancou a folha que Margot segurava e amassou-a com raiva. — Desculpe-me por desapontá-la, mas prefiro trabalhar sozinho...e sem interrupções.
— Harry, Harry! – ela exclamou, desanimada. — Sabe muito bem que não foi isso que eu quis dizer. E por que está amassando a folha? Por acaso interrompi o fio dos seus pensamentos?
— Interrompeu – concordou, sem se preocupar com as boas maneiras. — E não foi só isso que você estragou. Diga logo o que quer e vá embora!
— Se vai agir assim... – queixou-se Margot.
— Assim? Assim como? – Harry se sentou na beirada da escrivaninha, cruzou os braços e olhou para ela arrogante. — Como quer que eu me comporte? Está aqui sem ser convidada, Margot.
— É aquela moça, não é? – exclamou, mudando completamente de tática. — Jô me disse que você está saindo com ela. E por isso que está sendo tão grosseiro...por causa dela!
— Por que não diz logo o que veio fazer aqui? – pediu Harry, sem mudar de expressão, ignorando o desabafo.
Frustrada, a mulher virou de costas.
— Se não pretende me oferecer uma bebida, então eu mesma vou me servir – declarou, ofendida, andando até o armário das bebidas — Quer uma, ou isso vai perturbar seus impulsos criativos?
— Não quero beber. – Sentou-se na cadeira de couro onde costumava trabalhar, apoiando a perna com displicência no braço alcochoado. — Não preciso dessa espécie de estímulo a essa hora da manhã.
— Já são onze e meia, querido. – Margot se defendeu, servindo-se de uma dose generosa de uísque escocês. — Humm... divino – afirmou, passando a língua pelos lábios molhados. — O primeiro drinque do dia é sempre o melhor.
— Quer dizer que esse é o primeiro? – ironizou Harry, cético. Reprimindo o impulso de humilhá-la ainda mais, acrescentou: — Vai me dizer por que veio aqui? Ou devo concluir que a ajuda foi só uma desculpa?
— Não, não foi – reagiu Margot, indignada, passando a mão na saia plissada numa tentativa de chamar a atenção para suas pernas bem-feitas. — Tenho mesmo uma novidade para você, Harry, mas estou começando a perder a vontade de contar.
— Então não conte – respondeu Harry com indiferença.
— Querido, não seja assim! Estou só brincando. Sabe muito bem que não tenho coragem de negar nada a você. Não sei por que insiste em me tratar como uma idiota.
— Olhe, Margot – tirou a perna do braço da cadeira e apoiou o pé no chão. — Não tenho tempo para ficar aqui sentado discutindo meu comportamento. Está bem, sou um bruto, um imbecil e trato você pessimamente. Então por que insiste em andar atrás de mim? Nunca autorizei você a controlar minha vida.
Margot deu um suspiro e foi até a Janela, agitada. Lá em cima avistava-se Londres em toda sua extensão, até os subúrbios mais distantes. Uma nuvem cinzenta escapava das chaminés da fábrica situada do outro lado do rio. Era um dia escuro e triste, pouco estimulante para qualquer londrino.
Virando-se, ela examinou a sala com satisfação: austera, masculina, mas mesmo assim agradável. Margot bem que gostaria de ter sido a intermediária no aluguel do apartamento, mas a verdade é que Harry não tinha precisado da ajuda dela. O dono, mais do que satisfeito em ter como inquilino uma pessoa de crescente popularidade como Harry, ofereceu de bom grado o melhor apartamento. Isso tinha acontecido há mais de dezoito meses, e a fama do escritor continuava em ascensão meteórica.
Observando as emoções que transpareciam no rosto dela, Harry ficou imaginando o que Jô Stanford teria contado. Aquela mulher tinha boas razões para sentir raiva dele, mas também não resistia aos impulsos de adular um homem famoso.
— Você vive dizendo que Londres é uma cidade muito agitada, que este apartamento não lhe dá a tranqüilidade que gostaria de ter... – terminou a bebida e ficou olhando os cubos de gelo que derretiam no fundo do copo. — Bem... – fez uma pausa para dar mais impacto à notícia — Encontrei o lugar ideal para você.
— É mesmo? – Harry teve um acesso de irritação. — Você achou um lugar para mim? Quanta consideração!
— É verdade, Harry, encontrei mesmo! - Margot se ofendeu com a ironia. — Não estou brincando. Sei exatamente o tipo de lugar que você precisa, e acontece que a dona é minha amiga.
— Foi o que imaginei – comentou Harry, seco, se levantando. — Bem, Margot, obrigado, mas dispenso. Se, e quando eu decidir sair de Londres, será por mim e não para agradar você.
— Ora, não faça de conta que não entende! – Margot bateu o pé, impaciente, e serviu-se de mais uma dose de uísque. — Não estou querendo dirigir sua vida. A menos, talvez... bem, você que decida.
— É, eu decido. E, se não se importa...
— Harry... escute! – Margot tomou um gole de uísque para criar coragem e chegou mais perto dele. — Sei o que estou falando. Não é imaginação minha... King’s Green foi feito para você.
Harry passou da irritação para a resignação e a piedade ao ver a expressão ansiosa de Margot.
— Quando é que vai aprender que prefiro escolher minhas coisas sozinho?
— Mas ao menos vai pensar na sugestão? – arriscou, acariciando o rosto dele. — É mesmo um lugar especial e Molly não venderia se pudesse suportar as despesas.
— E por que você acha que eu preciso de uma extravagância como essa?
— Querido... – deu um beijo leve no rosto mal barbeado. — Você pode se dar a esse luxo e sabe que pode. E depois, King’s Green é o lugar ideal para você trabalhar.
Harry a empurrou e se afastou, ignorando o olhar magoado.
— Onde fica isso? – perguntou, massageando a nuca com impaciência. — É uma vila, uma casa, ou o quê?
-— Uma casa – explicou Margot mais do que depressa, deixando de lado o orgulho ferido. — Está em excelentes condições. Talvez precisando de alguns reparos, mas isso é coisa fácil de arranjar. O lugar parece um sonho.
— Onde fica? – Harry repetiu a pergunta, sem se deixar contagiar pelo entusiasmo de Margot.
— Num lugar chamado Thrushfold, em Wiltshire. Fica a poucas horas de Londres, mas a distância vai manter afastados os visitantes.
— Wiltshire... – murmurou, pensativo. — Sei.
—Você vai adorar! – Margot se apressou em tirar partido da pequena vantagem que conseguira. — Tem de tudo... meia dúzia de quartos, duas ou três salas e uma biblioteca. Você pode trabalhar lá. É bem grande para garantir a sua privacidade.
— De que tamanho mais ou menos?
— Não sei ao certo. – deu de ombros, indiferente. — E que importância tem isso? O importante é que...
— O tamanho!
— Quarenta ou cinqüenta, sei lá...
— Quarenta ou cinqüenta o quê? – interrompeu Harry. — Acres? Margot, você deve estar ficando louca! Não sou nenhum fazendeiro.
— Mas pode ser, querido. Seria um fazendeiro maravilhoso!
— Deixe-me ver se entendi bem. – Harry colocou as mãos na cintura. — Está sugerindo que eu compre esse... esse King’s Green de alguma...amiga sua?
— Uma colega de escola, Molly Weasley.
— Ela é viúva?
— Não faz o seu gênero, querido – brincou Margot.
— Foi isso o que veio me propor... que eu compre King’s Green?
— Por que não? – Margot foi obrigada a deixar a malícia de lado. — É exatamente o que você estava procurando, não é? Uma casa no campo. Um lugar onde você pode trabalhar... em paz.
— Humm... – Harry não parecia convencido.
— Ao menos vá ver o lugar – ela o animou. — Que mal há? Você não tem mesmo outra casa em vista... Tenho certeza que vai ficar encantado.
— Encantado? – o mau humor de Harry voltou. — Você não me conhece muito bem, não é?
— Bastante bem, mas não tanto quanto gostaria.
— Olhe, acho que você pensou que estava me fazendo um favor vindo aqui me falar desse lugar, mas... – suspirou – bem, não posso tomar uma decisão assim de repente. Preciso pensar.
— Claro! Mas vai decidir logo, não vai querido? Disse a Molly que falaria com ela dentro de dois dias.
— Dois dias – repetiu Harry, irritado. — Diabos, não posso tomar uma decisão como essa em quarenta e oito horas!
— Vamos até lá – sugeriu Margot depois de uma pequena hesitação. — Fica só a uma ou duas horas de carro. Podíamos ir hoje a noite e voltar amanhã.
— Podíamos?
— Claro, querido. Prometi a Molly que o apresentaria a ela. É uma grande admiradora sua. Tem todos os seus livros.
— Todos os três? – ironizou Harry.
— Você vai?
— Não posso. Hoje não.
— Então amanhã – insistiu, fingindo não ter percebido a razão da recusa. — Harry, você deve isso a você mesmo...
— Amanhã de manhã – ele a interrompeu sem cerimônia. — É sexta-feira. Podemos sair antes do almoço e voltar para o jantar.
— Está me fazendo um convite? – sugeriu Margot, mas a expressão de Harry não foi das mais animadoras.
— Preciso trabalhar – lembrou-a, e ela concordou a contragosto.
— Amanhã a que horas?
— Às nove.
— Tão cedo? – Margot ficou horrorizada.
— Se eu posso, você também pode. Está combinado?
— Como posso recusar uma proposta tão gentil? – respondeu Margot, com o humor que chamou a atenção dele na primeira vez que se viram. — Está bem, querido, nove horas. Você passa para me pegar?
— Sem falta – garantiu Harry.
Margot, percebendo que aquilo era o máximo que conseguiria dele, deixou o copo na mesa e foi até a porta, passando devagar por Harry.
— Até amanhã – murmurou, na esperança de que ele resolvesse ser mais carinhoso.
— Até amanhã – concordou Harry, seco, sem sair do lugar. Quando a mulher saiu, fechou imediatamente a porta.



Continua...



Knightsbridge: rua de Londres



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