Rebeldia [50%]
A mulher fechou os olhos e engoliu um seco. Uma das suas mãos agarrou impulsivamente um dos cacos de vidro da antiga jarra que encontrara-se na pequena mesa. E com o caco envolvido e ocultado pelos dedos da sua mão, Rachel desenhou no ar uma trajectória que tinha como termo a zona abdominal de Riddle, com o intuito de deferir-lhe um golpe com a ponta do caco. Mas como que lendo-lhe a mente, a mão deste dirigiu-se rapidamente à mão de Rachel e, apertando-a com força, fez-lhe um pequeno corte na mão.
A sua mão só relaxou quando ouviu Rachel soltar um gemido baixo e quase oprimido pelos próprios lábios. Depois de largar-lhe a mão com uma pequena lentidão, Riddle deslocou a sua para a cintura da mulher, onde cerrou os dedos de uma maneira arrebatada, fazendo a mulher, que havia já soltado o caco de vidro, deixar cair a cabeça para trás, soltando um suspiro que poderia conter lamentos mudos de dor.
O corpo de Riddle colou-se mais ao corpo da mulher que, ao tentar afastar-se deste, quase debruçou-se sobre a mesa.
O coração de Rachel palpitava furioso.
Os lábios do homem encostaram-se ao ouvido direito de Rachel fazendo-a fechar os olhos e respirar pesadamente.
- O que pensas que estás a fazer, sangue de lama? - Perguntou. Os pêlos da nuca da morena ergueram-se arrepiados. Aquela voz extravasava lascívia. - Esqueceste-te da vida que está em minha posse?
No mesmo momento que entoara a última sílaba, Riddle voltou a mulher violentamente para si.
Um sobressalto no seu coração prendeu a respiração da mulher. Esta sentiu as suas veias pulsarem fortemente nas têmporas. As suas faces até então pálidas começaram a aquecer, vagarosamente, ganhando rubor. Os palpites apressados no seu peito pareciam ganhar um som audível no exterior.
A morena detinha a certeza de que por momentos tinha visto a insanidade atravessar-lhe o olhar, um outro tipo de insanidade, uma de um grau ainda mais insano do que aquele que era costume observar-se em vulgares ocasiões. Já a tinha encontrado, oculta, diversas vezes, mas não assim, não tão maníaca.
Num movimento de receio tanto dele como de si, a mulher deslocou-se para trás acabando sentada na borda da mesa, quase picando-se nos vidros da jarra.
Ouviu-se uma gargalhada baixa e rouca de Riddle, que aproximou-se propositadamente, encostando os seus joelhos aos da mulher. Esta inclinou-se ligeiramente para trás, segurando as bordas da mesa firmemente com as suas mãos de alabastro.
O brilho insensato havia saído do olhar de Riddle, aquele brilho que lhe lembrara...Mas ela sabia que não poderia baixar as suas defesas perante ele, portanto continuou com o corpo tenso e com a respiração presa. O seu olhar sempre preso no dele à espera de qualquer reflexo ou até movimento suspeito por parte deste. Nas suas veias, o seu sangue, impuro sangue, segundo ele, escorria a uma enorme pressão, quase estonteante. E o seu corpo, quase que atingia uma temperatura infernal.
Podia ouvir a gargalhada fraca e rouca ecoar nos seus ouvidos. Se ele havia-a emitido, ela não sabia.
Uma das mãos de Riddle deslocou-se até ao rosto de Rachel e segurou-o com força, aproximando-o do seu.
As mãos de Rachel tremeram. E transferindo algumas das forças que ainda lhe restavam no corpo para o rosto, a mulher tentou afastar-se.
Mas nada, apenas um maligno sorriso no rosto de Riddle. Era até impressionante a força que detinha numa só mão.
- Sangue de lama. - Ouviu-o sussurrar. Fechou os olhos. Inspirou fundo. Sabia bem, que por mais que lutasse, e iria lutar, nada poderia fazer se ele realmente houvesse ceifado a própria sanidade. Estava dentro do covil do monstro e, mais tarde ou mais cedo, também os seus ossos decorariam aquelas paredes.
Escutou um pequeno sibilo seguido por uma quase imperceptível frase: “O que farias pela vida da tua filha?”
Os seus olhos abriram-se repentinamente. Arregalados. Assustados. Teria ouvido bem? Ou seria apenas uma alucinação proveniente do seu estado de actual de fraqueza?
- Solta-me! - Ordenou-lhe nalgo que se assemelhou a um pequeno gemido. O homem gargalhou friamente e, soltando depois o rosto da mulher, passarinhou com as suas mãos pelas coxas desta, ignorando as represálias que as mãos de Rachel faziam contra o seu peito, enquanto o tentavam empurrar para trás.
Riddle abriu as pernas da morena com vigor e colocou-se no meio destas, de maneira insinuante, e de modo a aproximar-se ainda mais do rosto desta, completamente abstracto a todas as vãs tentativas que a mulher fazia para afastá-lo.
Ela estava fraca. Até poderia ser relativamente forte – nada, comparada a ele - mas naquele momento ela estava fraca. Fraqueza derivada da falta de alimentação dos últimos dias, o que ele não poderia negar ser completamente ao acaso.
Não precisaria sequer de magia, aliás não precisaria de muita força, se a quisesse sua. Poderia fazê-la sua à força, com o mínimo desta, encontrava-se já no lugar correcto, ela nada poderia fazer.
Passou lentamente os seus lábios pela face desta, esmagando-lhe os cachos negros que encontravam-se por ali perto. As suas mãos agarraram-lhe as coxas com pressão. Sentiu o peito de Rachel ir contra o seu diafragma durante as inspirações rápidas e curtas desta.
Poderia sentir até algum…anseio por ela. Afinal ela era inegavelmente bela.
Sentiu-a tremer ligeiramente debaixo das suas mãos.
Estava cada vez mais fraca, a sua pouca energia esgotava-se rapidamente. Era uma presa tão fácil para predadores vis como ele.
- Solta-me. - Ouviu-a sussurrar novamente.
A sua resposta foi simples e clara, inclinou o corpo da mulher para trás, sem grande esforço.
Os olhos azuis de Rachel brilharam intensamente, num misto de fúria, medo e súplica.
A sua intenção encontrava-se longe daquela em que ela acreditava e da que ele lhe dava a entender. Para ele, aquilo era só mais uma das suas pequenas jogadas, que tentavam causar terror até aos pequenos poros do corpo da mulher. Conhecia bem os principais medos desta - ou pelo menos pensava conhecer - banais, comuns, e como em tudo o resto, Riddle sabia tirar proveito disso.
No fim, queria dar-lhe apenas mais uma lição de vida. Ensinar-lhe de uma vez por todas a respeitá-lo. E fazê-la perceber que, naquele novo mundo, encontrava-se num miserável lugar, destinado às mais ignóbeis criaturas, a muitos longos palmos do dele, sendo assim, por puro direito deste, sua escrava, e tendo então que servir-lhe todos os seus grandes e pequenos caprichos.
Matá-la…Quantas vezes não pensara nisso. Matá-la de modo a acabar com aquele tormento, o dela e o seu. Mas isso não era-lhe suficiente, matá-la era-lhe já impossível, não iria ser tão brando com ela. Aquela mulher era a mais ínfima, era a mulher mais ínfima que ele conhecia, mas mesmo assim – mesmo que no fundo dos segredos - era também a mais desejável.
Desonrá-la-ia lentamente, destruir-lhe-ia aquele orgulho de impura, pedaço por pedaço, não de uma só vez. Preferia matá-la, matando os seus amigos e amantes, do que com truques reles de quem não detinha dignidade própria.
Aquela maldita criança sórdida...
Aterrorizá-la-ia até vergá-la de joelhos.
Os olhos dela encontravam-se aterrados, e isso deu-lhe um tremendo prazer.
Passou com os seus frios lábios pelas faces de Rachel, deliciando-se cada vez mais com o pavor e aversão que esta sentia por si, e que era notável quando sentia-a encolher-se debaixo da compressão que lhe fazia sobre o seu belo e, enganadoramente, frágil corpo.
Afastou-se depois da mulher, que tinha o coração aos pulos, e que abriu os lábios, já secos, de espanto.
Um sorriso de satisfação apoderou-se dos lábios do homem, ao ver que, ao encontrar-se solta, Rachel afastou-se o máximo que pôde, deslizando pela pequena mesa, sem ligar aos vidros presentes nesta, até encostar a lombar ao parapeito da janela, e puxar as pernas para o seu peito, abraçando-as de seguida. O rosto da mulher escondeu-se no meio dos braços, coberto mais ainda pelos seus cachos negros.
Tentou respirar calmamente. Tarefa difícil naquele momento.
Não queria que ele a visse assim, tão...nervosa.
Ele observava-a, calmamente, satisfazendo-se, ao ver as faces pálidas de Rachel ganharem um tom docemente rosado, pela vergonha de ser fraca perante ele. E não resistindo à provocação, falou num tom sádico envolto de presunção:
- Vejo medo?
A mulher ergueu o seu rosto de imediato, ao sentir o seu orgulho ser picado pela ponta de uma lâmina.
Sabia bem que as palavras daquele ser eram num intuito de a atormentarem.
- Não.- Respondeu-lhe a mulher num tom de desprezo, deslizando para o seu lado esquerdo e descendo da mesa, sempre com o olhar fixo no de Riddle.- Só repugnância.
Rachel fez-lhe um pequeno sorriso e observou o homem, que lançara-lhe um olhar repressivo, esperando passivamente pela dor.
Mas nada.
Inspirou então profundamente e encostou-se à parede, encarando depois o homem, que ainda a olhava fixamente, e tentando reunir coragem para fazer-lhe a pergunta que a assombrava desde que ele havia deixado aquele quarto, noites antes.
- Annya? Que lhe fizeste? - Perguntou em surdina, não ocultando a sua amargura e grande receio.
Riddle ergueu ligeiramente as sobrancelhas, observando-a em silêncio durante alguns segundos para depois voltar-lhe as costas e dirigir-se até à poltrona, sentando-se com calma e soberania. E por fim retornou a olhar para a mulher - que respirava com avidez - de modo impassível.
- Viva. Por enquanto. - Respondeu-lhe com uma voz rouca, e incessantemente fria.- Mas essa condição depende, obviamente, de certos comportamentos que certos indivíduos terão que ter.
Rachel tentou lançar-lhe um olhar ríspido, mas este, pelo contrário, transmitiu toda a dor que sentia ao ver a vida de quem mais amava nas mãos bárbaras daquele homem.
Fraca e sentindo as pernas quase dobrarem-se, Rachel esqueceu-se da sua própria ética e deixou-se escorregar lentamente pela parede. Rebaixando-se aos poucos.
Observou o chão durante segundos, desejando não ter que partilhar aquele temível silêncio com ele, pois este acabava por ser uma tortura, tornando, estranhamente, quase preferível uma cruciatus.
Era uma humilhação…lenta e tortuosa humilhação. - Uma humilhação da qual ela estava demasiado fraca para sair, apesar de ainda tentar persistentemente… E Rachel sabia bem que ele, apesar de não gargalhar com um tolo, estava a adorar. Ela era um pequeno espectáculo recrutado só para ele…e à sua depravada maneira, ele estava a adorar.
E ela odiou isso, sentindo-se ainda mais fraca.
Ali sentada no chão, quase de joelhos, com a cabeça inclinada, e ele sentado imponente no trono do seu módico “reino”, que se tendia a expandir. Ele com o seu glorioso manto negro e porte de “Lord”, e ela com uns quase farrapos que mal lhe cobriam o corpo e que quase lhe davam um valor de escrava… Sim. Era ao que ela se assemelhava naquele momento, a uma escrava, e isso nauseava-a profundamente.
Exactamente aquilo que ele quisera leccionar-lhe durante aquele tempo todo. Aquele maldito princípio de que os puro-sangue eram superiores que ela era-lhe…inferior. Aquela maldita doutrina que causara tantas guerras, tantas mortes, cujo número tendia a não cessar… E ela, por fim, parecia estar a render-se…
Oh sim! Ele estava simplesmente a adorar.
Os olhos da mulher ergueram-se para encará-lo com rancor.
Riddle observava-a serenamente. Um longo cachimbo encontrava-se preso pelos seus lábios, com a sua ponta segura pela mão direita deste, soltando um ligeiro fumo e iluminando um pouco dos olhos do homem, intensificando o brilho incompreensível que este detinha no olhar.
Voldemort observava-a de forma suspeitosamente calma, mas a mulher teve a impressão de ter visto algum agrado no olhar deste.
Rachel sentiu a sua espinha arrepiar-se. Era impressionante que apesar de muito vicioso, Riddle não deixava de ser um homem belo, charmoso, e até terrivelmente sedutor.
Este permaneceu imóvel, os seus olhos fixaram-se em Rachel, cansando-a psicologicamente. Dos seus lábios semi-abertos saíam pequenos fios de fumo.
A mulher encarava-o, tentando perceber, sem qualquer êxito, o significado estranho da estranha expressão que ele tinha cravado no rosto. Os olhos de Riddle pareciam cobertos por uma névoa, podendo notar-se que os seus pensamentos estavam muito além da imagem da imagem de Rachel.
- O que fazes aqui, Riddle? - Perguntou-lhe a morena, por fim, farta daquele silêncio vexatório, e suspeita da estranha reacção de Voldemort.
Sabia que ele estava a preparar alguma, nada mais seria de esperar dele…ou então…
Riddle não lhe respondeu de imediato. Piscou os olhos consecutivamente, durante um curto espaço de tempo e depois focou a mulher, esboçando um sorriso discreto.
Rachel viu a varinha baloiçar entre os dedos deste, engoliu um seco e esperou pelo previsto.
- Alimentar-te, querida. - Respondeu-lhe numa entoação de voz, onde existia uma estranha e harmoniosa mistura de cobiça e demência. - Não quero que digam que há mal tratos a prisioneiros. Somos pessoas muito… clementes.
Riddle esboçou um pequeno sorriso sarcástico. Enquanto retomava o cachimbo à boca e a observava com a irritante calma que havia adquirido desde que se sentara naquela poltrona.
Rachel retribuiu-lhe um sorriso falso. Era óbvio que ele não lhe queria contar o motivo porque estava ali… Não seria só para alimentá-la…Deveria ser algo de importante. Algo relacionado com a maldita ordem dele. Possivelmente algum ataque a alguma população muggle.
Sentiu um nó no estômago ao relembrar-se de todas as imagens que vira quando trabalhara para a Ordem da Fénix, dezasseis anos antes.
Rachel viu a varinha de Riddle agitar-se agilmente, ouvindo de seguida um baque ao seu lado. Mas Rachel não lhe deu a devida atenção, a sua mente concentrava-se em vagueios incoerentes à situação em que se encontrava.
Os olhos de Rachel encontravam-se presos na mão de Riddle, nos seus longos e finos dedos, revivendo o pequeno gesto vezes sem conta, na sua imaginação. Até num simples gesto ele poderia demonstrar confiança e, acima de tudo, poder. O poder, que ela já não conseguia negar não existir.
Oh sim! Ele tinha poder; muito poder… e ela encontrava-se mesmo debaixo dos seus domínios.
Rachel abanou violentamente a cabeça para despertar dos seus pensamentos alheios. Não poderia fraquejar, pois se o fizesse acabaria por perder a pouca dignidade que ainda lhe restava. Temê-lo-ia e tornar-se-ia de novo uma reles traidora. E isso não poderia acontecer. Não tornaria a sofrer a expiação que quase a matara, anos antes.
Rachel fitou então os olhos de Riddle, cansada e denunciando alguma fraqueza.
- Come. - Ouviu-o falar com alguma censura. - Quero-te viva e sã por mais algum tempo.
Rachel não se moveu, continuou a encará-lo, estática, parecendo, por momentos, lutar para não lhe obedecer à ordem.
Notava-se bem que, em especial pelos seus olhos e pela palidez do seu rosto, Rachel não se encontrava bem.
Não só não comia há uns dias, como também, não havia dormido rigorosamente nada - tento pelo desconforto do chão, como pelo medo daquilo que pudesse reencontrar em sonhos.
Mas mesmo assim, Rachel não parecia ter muita vontade de dormir ou de comer, e isso causou um pequeno sorriso de troça em Riddle.
- Tentas matar-te à fome?- Perguntou-lhe num tom de gracejo. - Que poético!
Rachel olhou então para a comida ao seu lado, e depois, voltando-se para Riddle, respondeu-lhe na mesma entoação:
- Só não quero comer à tua frente.
Riddle permaneceu com o seu sorriso.
- Timidez?- Perguntou à mulher.
Rachel lançou uma gargalhada seca.
- Não. Simplesmente, não gosto de comer a olhar para mestiços. Enjoa-me. - Respondeu-lhe com maledicência.
Uma força arrebatadora, exercida repentinamente no rosto da mulher, fê-lo voltar-se para o lado. O estalo ecoou nos seus ouvidos, enquanto, a pouco e pouco, a sua face atingida começava a arder.
Rachel voltou novamente o rosto na direcção de Riddle, e encarou-o, com os lábios fechados firmemente numa linha recta. Dos seus olhos saltaram faíscas de raiva, que logo se extenuaram ao encontrarem o olhar do homem.
Riddle continuava sentado na poltrona, parado, mas no seu olhar já não residia a calma de outrora. Os nós dos seus dedos encontravam-se salientes, enquanto segurava a varinha com a ponta destes. Observava-a, aparentemente irritado, e logo esta exasperação tornou-se óbvia, quando, ao abrir os seus lábios, fechados até então por educação, a sua voz saiu com veemência e imponência.
Loucos seriam aqueles que ousassem enfrentá-lo naquele momento, mas Rachel caminhava, à muito, na fronteira entre a bravura e a loucura, perdendo o discernimento em relação ao assunto, de tal modo, encarou-o de igual forma sem medo ou pudor do que pensava que poderia acontecer.
- Ingrata! – Riddle bramiu, fazendo Rachel remexer-se desconfortável, enquanto uma dor ténue começava a atingir-lhe os músculos. - Dever-me-ias estar grata! A tua espécie dorme em celas, e tu encontras-te, ingrata, no meio do luxo.
Rachel encarou-o estupefacta, naquele tom soberano e austero, quase pudera encontrar dignidade humana, alguma, mesmo que muito frágil, condescendência. Mas permaneceu parada, confrontando-o calmamente.
- Uma cela fria e húmida, mas longe da tua perversidade.
O homem gargalhou, não largando a postura vigorosa.
- Antes dormires no seio de criaturas atrozes do que aqui? - Rachel riu-se incrédula, pensando na ironia das palavras proferidas, sem acreditar que estas tivessem alguma sinceridade.
Riddle levantou-se e caminhou numa passada larga até Rachel, agarrando-lhe um dos braços e erguendo-a por um puxão. Esta com a violência do acto foi ao encontro do peito dele, sendo segurada e impedida de cair. O seu corpo foi esmagado contra a parede, como já tinha ocorrido inúmeras vezes desde que fora aprisionada lá. Mas daquela vez havia algo de diferente, uma irritação incompreendida no olhar indiferente do homem.
A mão de Riddle puxou o queixo de Rachel, forçando-a a encará-lo. Esta observou-o confusa.
- Não te referes a ti mesmo, Voldemort? - A mulher falou com seriedade. - Quem mais seria uma criatura atroz?
O seu cabelo cacheado foi puxado arrebatadamente para trás, fazendo a sua cabeça bater com alguma força na parede. A mulher gemeu de dor.
Gemidos que providenciavam-lhe prazer. Criatura atroz e sádica.
- Oh. Há os tantos. Muitos deles, tu respeitas, adoras, e admiras. Muitos fazem-se teus amigos para obterei o que só gente como tu pode dar-lhes. A maioria, caminha por aí sem que tu os vejas ou repares neles. Mas o que conheces tu, criança ingénua e tola, da mente dos homens? – Perguntou-lhe num silvo furioso, mas estranhamente carregado por alguma apreensão. – Dos seus desejos, e do que são capazes de fazer para se contentarem… Tu que ainda mal acordaste para o mundo dos vivos… Naquelas celas, onde outras se encontram neste momento, serias um cordeiro no meio de lobos esfomeados. O que pensas que te iria acontecer?
Rachel fechou os olhos, sentiu um nó na garganta. Na sua mente poderia ver as imagens, poderia quase sentir o desespero e a agonia; a repugnância e o medo; a humilhação e o rancor de ser violentada e despedaçada naquele acto hediondo. Não, não poderia sentir, nem sequer imaginar, apenas poderia imaginar os gritos que retiniam nas paredes das masmorras, naquele preciso momento, e apenas podia sentir a dor que essa realidade lhe causava no peito.
“O que pensas que te iria acontecer?” A voz roçou nos seus ouvidos erguendo-lhe os pêlos da sua nuca.
- O que pensas que acontece a todas aquelas que se encontram nas celas?
- E tu sentes pesar por elas? - Respondeu-lhe a mulher num sarcástico. – Não te faças de santo, Voldemort. Não és tu um dos vermes que está por lá?
Rachel viu-o encará-la, pensativo. E este nada fez durante alguns segundos, largando-a e voltando depois à sua poltrona, mas cessando no centro do quarto, deixando a mulher à espera, curiosa, pela sua resposta.
Rachel encostou-se à parede, tentando arranjar algum suporte para não perder o equilíbrio e tombar para o lado.
- Tenho aquilo que eles não detêm… - Riddle respondeu-lhe num tom grave. Rachel ergueu as sobrancelhas tanto pela pequena surpresa como pela crescente curiosidade. – Aquilo que ainda me impediu de possuir-te.
Um arrepio percorreu a espinha da mulher.
Riddle voltou-se bruscamente para trás, fazendo o seu manto girar em torno dos seus pés. Sorriu ao ver o corpo de Rachel enrijecer, e esta cerrar os dentes e engolir um seco. Os olhos da morena fitaram-no, arregalados.
A mulher sentiu as suas faces ruborizarem, lentamente.
- Dignidade. Muita dignidade. - O homem concluiu.
Voldemort permaneceu com os seus olhos presos nos da mulher, que virou o rosto, ruborizado pelo pudor, receando o que ele pudesse encontrar marcado nos seus olhos.
Riddle caminhou então novamente para Rachel, segurou-lhe o braço com violência e puxou-a para junto de si, encarando-a num olhar híbrido de ódio e avidez.
- Não te escondas de mim, mulher. – Falou num tom terrífico, que fez Rachel arrepiar-se e retrair-se, involuntariamente, com algum temor. Depois as suas expressões rancorosas emanaram, tornando-se serenas e apáticas, e num sorriso misteriosamente melífluo. Largou o braço da mulher e segurou-lhe a cintura com a delicadeza de um amante, mas também com a força que um predador exerceria sobre a sua presa.
Os lábios do homem tocaram, com leveza, no lóbulo da orelha direita de Rachel, mordiscando-o de seguida com cuidado, e de um modo sensual.
- Não imaginas as vezes em que desejava não deter tanta dignidade. - Sussurrou. A sua voz ganhara uma breve rouquidão, tornando-se estranhamente aliciante.
As suas bruscas mudanças de humor e comportamento eram o que tornavam-no bom no que fazia – quer no crime, quer na cama – isso e um bom treino e talento. Era imprevisível nas suas acções, ninguém sabia exactamente o que esperar dele, e era isso que o tornava tão temido entre os seus inimigos e servos. Riddle era bastante inteligente e astuto, aprendera a lidar com os seus defeitos em seu favor, controlava o seu temperamento de um modo surpreendente, quase nunca agia de cabeça quente, quase nunca.
Voldemort, mantendo o corpo da mulher cativo entre o seu e a parede, segurou-lhe numa das pernas, violentamente, observando com prazer o ódio que crescia no olhar desta. Ela nada poderia fazer e a ele nada lhe dava mais prazer.
E de novo murmurou:
- As vezes em que a minha dignidade me impede de tocar-te. – As mãos do homem deslizaram lentamente pelas coxas de Rachel, que entreabriu e fitou o seu olhar no de Riddle, que colou-se ao corpo desta, expirando ao seu ouvido.
- Não imaginas as várias vezes em que a minha dignidade me impediu de sentir-te. – As mãos de Riddle deslocaram-se até à cintura de Rachel passando por de baixo do fino pano que pouco a abrigaria dos frios de Outono, que se encontravam próximos. Deliciou-se ao sentir-se acolhido por uma pele quente e macia, que se arrepiou pela brusca diferença de temperatura a que fora sujeita.
Por instinto, Rachel tentou afastar-se das mãos geladas de Riddle, que a impediu com a sua força superior.
Mas a morena nada disse - deixando-se apenas submeter a mais alguns arrepios secretos e prazerosos – não lhe daria mais esse gozo.
- De ter-te. – O homem finalizou, selando os seus lábios nos dela, beijando-os calmamente, sem aprofundar, deixando apenas um gosto de luxúria e a promessa de mais.
Os seus lábios prenderam suavemente o lábio superior da morena, soltando-o vagarosamente, deslocando-se depois ao inferior, imitando a acção anterior, e assim sucessivamente, passando por vezes com a língua, humedecendo-os, outras vezes chegava mesmo a mordiscá-los, numa tentativa de maior provocação.
Afastou-se apenas longos segundos depois, com um sorriso presunçoso ao ver o tom quase escarlate que atingira os lábios da mulher.
A mulher permaneceu estática, mas o seu olhar tornou-se regido pelo ódio e desprezo que sentiu por Riddle. Demorou algum tempo até que esta tomasse uma reacção. O seu braço deslocou-se rapidamente à sua e esfregou os seus lábios com repulsa, depois cuspiu para os pés do homem o sabor que este lhe tinha deixado nos seus lábios.
Rachel sentiu a mão pesada do homem atingir-lhe a face, com pouca, mas mesmo assim, força suficiente para lhe virar o rosto e quase fazê-la perder o equilíbrio.
Riddle sentiu o ódio apoderar-se do seu espírito. A cabra de sangue de lama ainda ousava desafiá-lo. Ousava repudiá-lo, pensando que não teria quaisquer castigos ao fazê-lo. Iria ver, ah se iria! Aquela cabra maldita! Ela ainda era sua serva, afinal… E ele ainda tinha os seus truques.
- Não sabes as vezes em que a minha humanidade e a minha deliberação me impediram de matar-te. – Gritou Rachel com fúria. – Ou talvez facto de não ter uma faca a jeito…
- Ou talvez o facto de seres fraca…- Silvou-lhe Riddle em resposta.
A mão direita do homem segurou o pescoço de Rachel com brusquidão, fazendo-a levar as suas mãos, impulsivamente, às dele para as afastar.
- És uma serva. – A voz de Riddle tornou-se melíflua e rouca, transbordando sensualidade e sedução, e contrastando com a sua acção física, violenta, que realizava. – Mas até agora não me serviste.
Rachel gargalhou sem emoção. Nos seus olhos brilharam a melancolia e o cansaço, numa dança sombria.
- O que pretendes? – Inquiriu. – Não serei a tua…
- Puta? – O homem completou a frase, rindo-se do ar escandalizado que a mulher esboçou.
A mão esquerda de Riddle passou lentamente pelo cabelo da morena, puxando-o para trás, forçando-a a erguer a cabeça e a encostá-la à parede. Depois fez pequenos remoinhos na nuca da mulher, numa carícia provocadora. A sua mão direita continuou a apertar-lhe o pescoço - não sendo impedida pelas duas mãos da morena, que puxavam-na numa batalha árdua – magoando-lhe este. Só parou quando ouviu a mulher soltar um gemido híbrido de dor e prazer.
- Sádico. – Rachel pensou. – Maldito sádico!
Suspirou resignada. Aquela acção repetitiva. O que quereria ele? Aliviar-se? Não. Ele deveria ter muitos corpos onde aliviava o seu desejo doentio. Então o que quereria ele, de facto, de si?
- E a tua dignidade, Riddle? – Perguntou-lhe numa voz sufocada. – Não te impede de tal? Afinal sou uma sangue de lama…ou és tão incoerente e hipócrita que te esqueces disso?
Riddle recuou alguns passos observando-a pensativo. Segundos depois, esboçou um pequeno sorriso e acariciou-lhe a face, alargando este ainda mais, ao ver a mulher afastar-se com nojo.
- A minha dignidade apenas me impede de ter-te à força, pelo menos força física, e por enquanto, minha querida. – Respondeu num tom calmo e meigo. – Não me impede de ter-te se for num acto consentido.
Rachel começou a rir-se, espantada com a ousadia dos pensamentos do homem. De seguida olhou para Riddle, que a contemplava serenamente – a uma pouca distância – indignada.
- O que te leva a crer que eu me entregaria deliberadamente? – Perguntou com desdém, esquecendo-se do receio que sentia pelos pensamentos insensatos de Riddle.
Riddle sorria, num sorriso malicioso e cruel.
- Tenho os meus manípulos. – Respondeu-lhe numa entoação calma e doce e, acima de tudo, cínica.
O brilho de afronta que persistia no olhar de Rachel desvaneceu-se, e ela não reprimiu o arrepio que percorreu a sua espinha.
Engoliu um seco.
- Que…que manípulos. – Contra os seus esforços, a sua voz saiu tremida, e gaguejou.
O sorriso de Riddle permaneceu intacto.
- A minha sedução não chega? – Perguntou a Rachel com escárnio.
A mulher encarou-o com aversão.
- Demónios não me seduzem. – Murmurou com desprezo.
Voldemort riu-se. Os seus lábios aproximaram-se ligeiramente dos da mulher, encostando as suas mãos à parede, aprisionando a mulher no centro, impedindo-a de fugir.
- Assério? Nunca te sentiste a cair em tentação, Rachel? – Desdenhou num tom rouco e sedutor.
As faces de Rachel tornaram a ganhar rubor. Encostou-se à parede com a respiração ofegante. O que estaria ele a insinuar?
- Afasta-te. – Sibilou para o homem. – Afasta-te ou esqueço a minha humanidade!
Um sorriso de gozo bailou nos lábios de Riddle.
A morena colou-se à parede e suspirou. Era a terceira vez naquele dia que se encontrava naquela maldita situação.
Os olhos de Voldemort observaram-na minuciosamente, frios e calculistas, interpretando-lhe o rosto, as expressões, e, desta forma, a mente.
- No entanto – Riddle falou por fim, calmamente – se a minha sedução não chegar, tenho sempre a tua cria…
Rachel arregalou os olhos.
- O…o quê? – Gaguejou apavorada.
- Exactamente o que ouviste, Mattson. – Falou num tom apático. – A vida da tua cria depende muito das tuas acções. Se me agradas ou não.
Uma mão de Riddle dirigiu-se à mulher que, antes que esta chegasse ao destino, afastou-a com brusquidão. Os seus olhos azuis da morena escureceram, tornando-se sombrios, e crisparam-se numa exaltação de ódio.
Antes que Voldemort tivesse tempo para reagir, Rachel empurrou-o para trás , para poder fugir dos seus braços e do seu corpo, que tendiam a encarcerá-la e que lhe causavam repulsa.
Deu algumas passadas, sem virar as costas para Riddle, para poder assim observar as suas acções, preparando-se para qualquer ataque súbito. O homem girou sobre os seus próprios calcanhares, num quarto de volta, observando Rachel com uma sobrancelha erguida e um sorriso divertido no rosto.
Rachel só parou de andar quando sentiu as suas costas embaterem em algo rijo. Envolvendo o seu obstáculo com os braços, para certificar-se que não que não cairia, apercebeu-se, também, que este era uma das colunas da cama de Riddle.
- Tarado. - Disse numa entoação fraquejada, quando recuperou a voz. – Seu monstro depravado e louco… como podes sugerir…o que pretendes de mim, Riddle?
O homem caminhou na direcção de Rachel, parando em frente desta, e, sem apagar o sorriso macabro que ganhara com o seu andar, acariciou a face da mulher sem receber qualquer represália por parte desta, que o observava com rancor e estupefacção.
- O que te parece? – Colocou uma madeixa de cabelo da mulher por trás de uma das orelhas desta, depois ergueu-lhe o queixo, forçando-a a encará-lo. – Eu quero o teu amor, sangue de lama.
Os olhos da mulher ganharam um brilho que poderia ser tanto considerado de ódio como de dor.
- Ama-me, Rachel. – Falou num tom rouco e sedutor, os seus dedos largaram o rosto de Rachel e deslizaram pela camisa de noite que esta vestia.
Sentiu o corpo de Rachel retrair-se debaixo dos seus dedos, o que causou-lhe um desejo doentio de tê-la.
- Preferia ser queimada viva a ter que dormir contigo, Riddle. – Ouviu-a num murmúrio.
Riddle largou-a e afastou-se alguns centímetros, fazendo um ar pensativo. De seguida tornou a encará-la.
- Sim. – Ponderou. – Mas preferias que a tua filha fosse queimada viva que a teres que dormir comigo?
Viu a mulher envolver a coluna da cama com mais intensidade, tentando não cair, enquanto baixava o rosto, cobrindo-o com os cachos.
- Cabrão. – Sussurrou. – Filho da puta! Já não sou uma sangue de lama?
O rosto da mulher ergueu-se abruptamente revelando os seus olhos que detinham um brilho intenso, causado pela formação de lágrimas, lágrimas de dor, ódio e fúria.
Riddle deliciou-se com aquela visão. Com aquele sofrimento que aquela criatura merecia.
- És uma sangue de lama. Uma escrava, logo obedeces-me! – Respondeu calmo e indiferente ao sofrimento alheio. – Além disso, segundo se diz por aí, as que gritam menos quando torturadas, são as que gritam mais quando torturadas. Só queria comprovar essa teoria.
Antes que a mulher desse resposta, Riddle segurou-a pelos ombros e puxou-a até si, sussurrando-lhe ao ouvido com uma calma aterradora:
- A tua dor é tudo o quero obter de ti. E usarei de tudo para chegar até ela. Destruir-te-ei aos poucos e divertir-me-ei com cada pedaço teu. Com ou sem cruciatus… Os teus receios são tão banais, tu és tão banal… Dar-me-ás um duplo prazer. – Riddle começou a deslocar-se em direcção à porta. – Terás algum tempo para debateres sobre este dilema. Não que eu ache que não saibas a resposta. Afinal qual mais seria? Entretanto come… suicídio é pouco ortodoxo… e religioso, creio.
A porta fechou-se num estrondo, ocultando os primeiros soluços da mulher.
Queria agradecer pelos comentários e pedir desculpa pela demora do capitulo. A verdade é que entrei agora para o décimo ano, e o tempo tem sido muito limitado e a criatividade pouca, portanto o resultado foi esta demora, e talvez a falta de originalidade deste capitulo. Peço desculpas, de novo.
Tenciona postar mais 5/10 % do capitulo até ao final desta semana. O resto saíra depois, mas em breve.
Obrigada a todos os que ainda lêm esta fic. Vou tentar postar com maior frequência
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