Olhos e Lagos
"O sol está cada vez mais forte esses últimos tempos" pensou Harry, franzindo o cenho e semicerrando os olhos, diminuindo a penetração dos intensos raios de sol em seus olhos desacostumados à claridade. Acabava de aparatar exatamente ao pé de uma corrente de montanhas realmente verdes, o local que era descrito no bilhete que lhe fora deixado no Quartel General. Aquele era provavelmente algum parque geológico abandonado, já que sua superfície era repleta de crateras perfeitamente escavadas.
Piscando repetidamente os olhos, ele conseguiu definir um grupo de pessoas às margens de um pequeno lago, à aproximadamente duzentos metros. Tratava-se de um grupo de aurores. Perguntando-se onde estaria exatamente, Harry observou a região, enquanto se dirigia aos companheiros. As árvores que cresciam das montanhas possuíam um tronco deformado, porém seus galhos eram vistosos e cheios das mais verdes folhas. Não eram muito abundantes devido à íngreme inclinação, mas conseguiam preencher um grande espaço aéreo.
Já à sua esquerda havia o que restara de uma planície. A terra nua continha crateras aparentemente escavadas aleatoriamente, porém precisamente. Cobriam 70% do que sua vista podia alcançar, coisa que estranhou Harry. Era possível que uma escavação arqueológica tenha produzido tantos danos ao terreno? Ou talvez tenha sido uma desesperada procura por ouro ou petróleo naquela região?
- Bom dia, senhor Potter. Mal dia para resolver chegar mais tarde. - Disse uma mulher com feições maduras, cabelos curtos e com uma cor escura que lembrava groselha. Usava umas vestes negras que arrastavam pelo chão, assim como todos os demais aurores que ali estavam. Harry havia percorrido a distância sem noção do espaço, absorto em seus pensamentos. Assustou-se quando ouviu a voz ao seu lado.
- Hã? Ah, Bom dia, Nimphadora. - Cumprimentou ele - Sinto muito, hoje saiu o Expresso de Hogwarts. Tive que acompanhar o Jonathan. - Ele continuava a caminhar em direção do local onde os aurores se concentravam, mas Tonks apoiou uma mão em seu ombro, o que o fez parar. Harry Girou-se e a mirou nos olhos. - O que foi que aconteceu para nem ao menos poder deixar um recado com algum funcionário do Ministério?
- Bem, descobrir o que está acontecendo ou o que aconteceu de fato não é meu trabalho. - Respondeu ela, recuperando um pouco de seu antigo jeito juvenil de tratar com as pessoas, o qual se perdeu após a morte de Lupin, durante a Segunda Guerra. Depois daquele fato, se dedicou ao máximo em sua carreira como auror, o que ajudou ainda mais a endurecer seu caráter. Agora era a vice general de Harry, à escolha do mesmo. - Resumidamente, foi detectado um fraco vestígio de Magia Negra durante a madrugada. Ele indicava este local. - Ao começar a falar novamente, Tonks começara a andar em direção contrária da que Harry pretendia ir. Ele a seguiu.
"Imediatamente foi enviado um auror para encontrar e tentar neutralizar o utilizador. Tudo com o que se encontrou foi com esta rede confusa de crateras. Não havia sinais de vida na região." Ela fala tranqüilamente, enquanto dava passos largos que eram quase saltos. "Examinou as crateras e, ao olhar dentro de uma cheia de água, descobriu um cadáver".
Suas palavras não chocaram a Harry. Já estava acostumado a assassinatos, era algo muito comum, mesmo naquela época de paz. Permaneceu em silêncio, esperando que Tonks continuasse com seu relato, mas ela não o fez. Estavam chegando onde dois bruxos estavam agachados, aparentemente cochichando entre si. Levantaram-se assim que tiveram ciência de sua presença.
- Houve algum progresso? - Perguntou Tonks aos dois aurores, mas Harry não lhes prestava atenção. Agora podia enxergar o que os dois aurores analisavam. Devia de ser o tal cadáver. Era um homem com roupas trouxas, aparentava ter os seus quarenta anos, mesmo com um corpo atlético. Tinha a palidez de um saco de açúcar e ainda tinha várias gotas espalhadas pelo corpo. Mas o que chamou a atenção de Harry instantaneamente foram o rosto de horror e o fato dos olhos não estarem em suas órbitas.
- O que aconteceu com ele? - Perguntou Harry, sacando sua varinha de um bolso interno e agachando-se, para ver melhor um dos buracos. Tonks, dispensando os dois aurores, agachou-se também.
- Esse é o problema. Não conseguimos identificar a maldição que o causou tal dano. Apenas temos certeza que é a fonte da alerta de magia negra. - Ela se aproximou ainda mais da cabeça do cadáver, levando suas mãos à face. - Mas sem dúvidas foi um trabalho espetacular, sem querer dar créditos ao criminoso, claro. Não há marcas que comprovem que os olhos foram arrancados, parece mais que foram desintegrados, assim como tudo o que havia em seu crânio!
Tonks ainda conseguia surpreender a Harry. Descrevia tal situação como se fosse um cromo de bruxas e magos famosos dos sapos de chocolate. Estendeu a mão e também tocou a cabeça, inserindo seu indicador por uma das órbitas.
- Que estranho... Por que ainda está cheio de água aqui dentro...? - Devido à sombra que a montanha fazia naquele ponto do lago, não se era possível ver o que havia dentro do crânio sem olhar bem. – Vocês deveriam ter, ao menos, o limpado melhor...
- Disseram-me que por mais que removiam a água, ao cabo de meia hora já estava cheia de novo. Suponho que faça parte da maldição. - Comentou Tonks, aparentemente sem dar importância. – E agora estamos mais atentos a esses estranhos buracos no solo. Pelo visto são marcas de algum tipo de magia destrutiva.
- Sem duvidas são intrigantes. Podemos considerar qualquer caso, desde escavações trouxas até um campo de batalha entre dois bruxos. – Comentou Harry, ainda olhando fixamente para o cadáver, secando sua mão nas vestes – Quanto ele – E fez um gesto indicativo com a cabeça – faça com que o identifiquem e avisem sua família, antes mesmo de realizarmos uma autópsia... – Hesitou. Com os lábios semi-abertos, desviou seu olhar vagamente até o compacto lago que se estendia a sua frente – Precisamos enviar alguém que interrogue familiares, amigos, conhecidos... Qualquer um que tenha entrado em contato com ele ultimamente. – Falava decididamente, sem olhar nem prestar muita atenção para Tonks. Algo lhe chamava a atenção no centro do lago, mas não conseguia definir o que era.
- Sim, senhor. – Afirmou Tonks, com um rosto meio curioso pela mirada perdida do chefe dos aurores. – Algo errado?
Harry não respondeu. Simplesmente não a ouvira. Todos os sentidos pareciam entrar num estado hipnótico, todos dando a mais extrema atenção à ondulante água do centro do lago. Um intenso brilho, reflexo do sol aproximando-se à seu ponto máximo no céu irritava seus olhos, mas ele permanecia imutavelmente fixando sua mirada naquele ponto que...
Tudo escurecera. Já não havia lago, já não haviam montanhas cobrindo o horizonte. Não podia sentir a ligeira brisa acariciando sua pele nem o murmúrio de seus companheiros aurores quebrando o silencio daquele ambiente ensolarado. Sem reagir de maneira alguma, Harry continuou a fitar com atenção o único pontinho a sua frente que emitia algum tipo de luminosidade. Estava longe, distante. Lentamente se aproximava, fazendo com que a apreensão de Harry fosse aumentando até que pôde, por fim, distinguir aquele ponto como um olho.
Um único olho, de um vermelho-sangue intenso flutuava à frente de seu nariz, fora de sua órbita. Lhe lembrou vagamente o olho de vidro de Olho Tonto Moody rolando pela casa de seus tios Dursley, há muito tempo atrás. Mas, diferente daquele olho mágico, o que lhe encarava possuía uma fenda avermelhada que emitia um brilho intenso da mesma cor no lugar da pupila.
“Potter...” Harry ouviu ecoar uma voz de gênero indefinido ecoar por todos os lados, assustando-o e fazendo-o, por fim, deixar sua postura agachada e cair sentado no chão “Hmmm, fascinante, sem dúvidas...” Olhou para os lados, a procura de Nimphadora, mas tudo o que seus olhos encontraram foi a escuridão que lhe rodeava. Tentando esconder a expressão de ligeiro medo que invadia seu rosto, encarou de volta o olho flutuante.
- Quem é você? – Alguém lhe estava pregando uma peça, sem dúvidas. Uma peça bem perigosa.
“Suas memórias parecem ser deliciosas...” A voz falava pausadamente, sem dar importância à pergunta de Harry. “Espero um dia poder ter a oportunidade de me deliciar com elas... Até lá, por favor, acumule mais e mais...” Já sussurrava, a fenda no meio do globo ocular comprimindo-se e expandindo-se à medida que falava.
E, antes que ele pudesse abrir novamente a boca para voltar a perguntar, o olho desvaneceu-se a sua frente numa finíssima nuvem de pó, a qual é carregada pela brisa e desaparece de sua frente. A luz do sol voltara a reinar a sua volta, trazendo de volta o cenário de antes. Tonks estava ao seu lado, apertando seu ombro e gritando-lhe algo alarmadamente. Outros aurores começavam a reunir-se a sua volta, para ver o que acontecia. Olhou a sua volta, confuso, vendo que tudo estava como antes. Depositou sua mirada no centro do lago, esperando que algo acontecesse, mas nenhum olho flutuante apareceu a sua frente.
- Alôô! Terra chamando Harry! Você vai me obrigar usar outra piada velha como esta ou vai acordar de uma vez? – Ao ver que estava bem finalmente, Tonks se permitiu ser possuída por seu espírito juvenil – O que aconteceu? Faz tempo que não te vejo agira tão estranhamente.
- Nã... – Queria contar. Queria contar que alguma coisa tinha entrado em sua mente e tinha lhe dito algumas coisas estranhas. Queria contar sobre o olho com pupila em fenda que lhe hipnotizara havia poucos segundos. Mas não podia. Algo lhe dizia para resolver tudo por conta própria. – Não foi nada, apenas achei que tinha visto alguma coisa na água.
Tonks levantou uma sobrancelha para seu chefe, mas não insistiu. Harry agradeceu e se recompôs, levantando-se por fim. Dedicou um olhar sério à Nimphadora e ordenou:
- Quero que envie a todos os que tiverem relações com ele o quanto antes à minha sala a partir da semana que vem. Eu lidarei com este caso. – Esperou alguma protesta, mas ela não veio Tonks limitou-se a afirmar, obediente, com a cabeça.
Havia algo realmente perigoso naquele assunto. E Harry precisava descobrir o que era.
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