CAPITULO 2 - VALE PALANCAR
CAPITULO 2 - VALE PALANCAR
O sol nasceu na manhã seguinte com uma bela mistura de chamas rosadas e amarelas. O ar estava fresco, doce e muito frio. Havia gelo nas margens dos riachos e poças pequenas estavam completamente congeladas. Depois de comer um mingau no desjejum, Harry voltou para o vale e examinou a área queimada. A luz da manhã não revelou novos detalhes, então ele seguiu em direção a sua casa.
A trilha tosca estava ligeiramente desgastada e, em certos lugares, não existia. Por ter sido feita pelos animais, ela freqüentemente retrocedia e fazia longos desvios. Mesmo assim, com todas as suas falhas, ainda era o caminho mais rápido para sair das montanhas.
A Espinha era um dos poucos lugares que o rei Voldemort não podia dizer que era dele. Ainda contavam histórias sobre como metade do exército dele desapareceu depois de marchar para dentro da antiga floresta. Uma nuvem de fatalidade e de má sorte parecia pairar sobre o lugar. Embora as árvores crescessem bem altas, e o céu fosse brilhante, poucas pessoas conseguiam ficar um bom tempo na Espinha sem sofrer um acidente. Harry era um dos poucos que conseguiam, não por causa de um dom em particular, ele achava, mas por causa de sua constante vigilância e reflexos aguçados. Já caminhava naquelas montanhas há vários anos, mesmo assim ainda procedia com muita cautela. Todas as vezes em que achava que tinha desvendado os segredos das montanhas, algo acontecia para frustrar a compreensão que ele tinha delas, como o aparecimento da pedra.
Mantinha o passo acelerado, e os quilômetros desapareciam rapidamente. No final da tarde, chegou à beira do precipício de uma ravina. O rio Anora corria lá embaixo, na direção do vale Palancar.
Alimentado por centenas de pequenos riachos, o rio era uma força bruta que lutava contra as rochas e pedras que barravam seu caminho. Um rugido baixo enchia o ar.
Acampou em um pequeno bosque perto da ravina e viu a lua nascer antes de se deitar.
O tempo ficou ainda mais frio no dia seguinte e na primeira metade do outro. Harry viajava rapidamente e viu pouco da vida selvagem. Logo depois do meio-dia, ouviu as cataratas Igualda cobrindo tudo com o som abafado de milhares de litros de água caindo. A trilha levou-o até uma chapada de ardósia úmida, por onde o rio havia passado que se lançava no vazio do ar e caía por encostas cheias de musgo.
Perante ele estava o vale Palancar, exposto como um mapa aberto. A base das cataratas Igualda, a mais de oitocentos metros abaixo, era o ponto mais ao norte do vale. Perto das cataratas ficava Carvahall, um punhado de edificações de cor marrom. A fumaça branca subia das chaminés, desafiando a área selvagem em volta. Naquela altura, as fazendas eram pequenos retalhos quadrados, menores do que a ponta do dedo dele. A terra em volta delas era ressecada ou arenosa, onde o mato seco dançava ao vento. O rio Anora cortava a terra desde as cataratas até o lado sul de Palancar, refletindo grandes porções da luz do sol. Longe, ele corria por fora do vilarejo de Therinsford e pela solitária montanha Utgard. Além daquilo, ele sabia apenas que o rio virava para o norte e corria para o oceano.
Depois de uma pausa, Harry saiu da chapada e começou a descer a trilha, contraindo o rosto durante o percurso. Quando chegou lá embaixo, o suave crepúsculo banhava todas as coisas, reduzindo cores e formas a massas cinzentas. As luzes de Carvahall brilhavam bem perto, sob o sol que se punha. As casas projetavam sombras compridas. Além de Therinsford, Carvahall era o único vilarejo no vale Palancar. O povoado era isolado, cercado por uma terra rude e bela. Poucos passavam por ali, com exceção dos mercadores e caçadores.
O vilarejo era formado por edificações resistentes feitas de madeira com tetos baixos - alguns eram feitos de sapê e outros de tábua. A fumaça subia das chaminés, dando ao ar um cheiro amadeirado. As casas tinham varandas largas, onde as pessoas se reuniam para conversar ou comerciar. Ocasionalmente, uma janela brilhava quando uma vela ou lampião era aceso. Harry ouviu homens falando alto sob o ar da noite enquanto as esposas vinham buscar seus maridos, brigando por estarem atrasados.
Harry seguiu caminho por entre as casas até o açougue, que era um casarão com grossas pilastras de madeira. Lá em cima, a chaminé expelia fumaça preta.
Ele abriu a porta. O salão espaçoso estava quente e bem iluminado pelo fogo aceso na lareira de pedra. Um balcão se esticava até a outra extremidade do salão. Havia palha salpicada por todo o piso. Tudo estava extremamente limpo, como se o dono passasse o tempo livre raspando todas as rachaduras do lugar para remover a sujeira. Atrás do balcão estava o açougueiro Petigrew. Era um homem pequeno, usava camisa de algodão e um longo avental manchado de sangue. Uma variedade impressionante de facas pendia de seu cinto. Tinha um rosto pálido com marcas de espinhas, e seus olhos negros eram suspeitos. Limpava o balcão com um trapo.
A boca de Petigrew retorceu-se quando Harry entrou.
- Ora, o poderoso caçador veio se juntar ao resto dos mortais. Quantos você pegou desta vez?
- Nenhum. - Foi a resposta curta de Harry. Ele nunca gostou de Petigrew. O açougueiro sempre o tratou com desdém, como se ele fosse sujo. Viúvo, Petigrew parecia se importar com apenas uma pessoa: a filha dele, Hermione, a quem ele amava.
- Estou impressionado. - disse Petigrew surpreso. Ele deu as costas para Harry para raspar algo da parede. - E é por isso que você veio aqui?
- É. - admitiu Harry constrangido.
- Então, se esse é o caso, pode ir mostrando o dinheiro. - Petigrew tamborilava os dedos enquanto Harry movia os pés e continuava em silêncio. - Vamos, você tem dinheiro ou não tem. E então?
- Eu não tenho dinheiro, mas tenho...
- O quê? Não tem dinheiro? - interrompeu-o o açougueiro rispidamente. - E espera comprar carne! Os outros comerciantes estão dando mercadorias? Acha que devo dar carne a você sem cobrar nada? Além do mais, está tarde. Volte amanhã com dinheiro. O expediente encerrou por hoje.
Harry olhou fixamente para ele.
- Não posso esperar até amanhã, Petigrew. Garanto que não vai perder seu tempo. Encontrei algo com o qual posso pagá-lo. - Ele tirou a pedra da mochila e colocou-a gentilmente em cima do balcão todo cortado, onde ela brilhou com as luzes das chamas dançantes.
- Deve ter roubado. - resmungou Petigrew, inclinando-se para a frente com uma expressão interessada.
Ignorando o comentário, Harry perguntou:
- Isso basta?
Petigrew pegou a pedra e sentiu o peso dela, tentando determinar seu valor. Passou as mãos em sua superfície suave e examinou as veias brancas. Com um olhar de quem calculava, a pôs no balcão.
- É bonita, mas quanto vale?
- Não sei. - admitiu Harry. - Mas ninguém se daria ao trabalho de poli-la se não tivesse algum valor.
- Obviamente. - concordou Petigrew, demonstrando impaciência. - Mas quanto vale? Como você não sabe, sugiro que procure um mercador que saiba ou que aceite a minha oferta de três coroas.
- Isso é uma oferta desprezível! Deve valer, pelo menos, dez vezes mais. - rebelou-se Harry. - Três coroas não seriam suficientes para comprar carne para uma semana.
Petigrew deu de ombros.
- Se não gostou da minha oferta, espere os mercadores chegarem. De qualquer forma, estou farto desta conversa.
Os mercadores formavam um grupo nômade de vendedores e artistas que visitavam o Carvahall toda primavera e todo inverno. Compravam o excedente que os aldeões e os fazendeiros locais produziam e vendiam o que eles precisavam para enfrentar outro ano: sementes, animais, tecidos e suprimentos como sal e açúcar.
Mas Harry não queria esperar os mercadores chegarem. Ia demorar, e a sua família precisava de carne agora.
- Tudo bem, eu aceito. - disse Harry de repente.
- Ótimo. Pegarei a carne. Não que seja importante, mas onde você achou isto?
- Há duas noites, na Espinha...
- Fora! - ordenou Petigrew, empurrando a pedra para longe.
Caminhou pesadamente, furioso, até o fim do balcão e começou a raspar manchas de sangue velhas com uma faca.
- Por quê? - indagou Harry. Ele puxou a pedra para perto, como se a estivesse protegendo da fúria de Petigrew.
- Não quero ter nada a ver com qualquer coisa que você traga daquelas montanhas amaldiçoadas! Leve a sua pedra enfeitiçada para outro lugar. - A mão de Petigrew, de repente, escorregou, e ele cortou um dedo na faca, mas parecia que nem havia notado. Continuou a raspar, manchando a lâmina com sangue novo.
- Você está se recusando a me vender!
- Estou! A não ser que você pague com moedas. - resmungou Petigrew e levantou a faca, apontando-a para a frente. - Vá, antes que eu espete você!
A porta atrás deles abriu-se com violência. Harry virou-se rapidamente, pronto para enfrentar mais problemas. Horst entrou dando passos fortes, ele era um homem corpulento. A filha de Sloan, Hermione - uma garota alta de dezesseis anos - entrou atrás dele com uma expressão determinada no rosto. Harry ficou surpreso ao vê-la, pois ela, geralmente, não se metia em discussões que envolvessem o pai. Petigrew olhou para eles com um ar preocupado e começou a acusar Harry:
- Ele não...
- Silêncio. - determinou Horst com uma voz de trovão enquanto estalava os dedos. Ele era o ferreiro do Carvahall, como atestavam seu pescoço grosso e seu avental de couro, todo cortado pelas ferramentas. Seus braços fortes não tinham pêlos até os cotovelos, uma grande parte de seu peito peludo e musculoso era visível pela parte de cima da camisa. Uma barba preta, desleixadamente aparada, acompanhava os movimentos dos músculos da mandíbula. - Petigrew, o que você fez desta vez?
- Nada. - Ele olhou furiosamente para Harry e, depois, soltou: - Este... Garoto entrou aqui e começou a me atormentar. Pedi para que fosse embora, mas ele não saiu do lugar. Cheguei a ameaçá-lo, mas ele continuou a me ignorar! - Petigrew parecia encolher enquanto olhava para Horst.
- É verdade? - perguntou o ferreiro.
- Não! - respondeu Harry. - Ofereci esta pedra como pagamento por uma porção de carne, e ele aceitou. Mas quando eu disse que a achei na Espinha, ele se recusou a tocá-la. Que diferença faz de onde a pedra veio?
Horst olhou para a pedra com curiosidade e, depois, voltou sua atenção para o açougueiro.
- Por que você não quer negociar com ele, Petigrew? Eu também não morro de amores pela Espinha, mas se for uma questão de quanto a pedra vale, posso dar uma garantia com o meu próprio dinheiro.
A questão pairou no ar por um momento. Petigrew passou a língua nos lábios e disse:
- Esta loja é minha. Posso fazer aqui o que bem quiser.
Hermione saiu de trás de Horst e jogou para trás seus cabelos castanhos como uma onda de cobre derretido.
- Pai, Harry está querendo pagar. Dê a carne a ele e, depois, poderemos ir jantar.
Os olhos de Petigrew estreitaram-se perigosamente.
- Volte para casa. Você não tem nada a ver com isso... Já mandei você ir!
A expressão do rosto de Hermione se fechou, e ela saiu do salão empertigada.
Harry observou tudo com um ar de reprovação, mas não interferiu.
Horst puxou a barba antes de falar com um tom de censura:
- Tudo bem, você pode negociar comigo. Quanto você pedia por ela, Harry? - A voz dele ecoou por todo o salão.
- O máximo que eu pudesse receber.
Horst pegou uma bolsa e contou uma pilha de moedas.
- Pode me dar suas melhores carnes para assados e bifes. Que seja o bastante para encher a saca de Harry.
O açougueiro hesitou. Ele lançava o olhar como uma flecha de Horst para Harry.
- Não vender para mim será uma péssima idéia. - afirmou Horst.
Olhando com uma expressão de muita raiva, Petigrew dirigiu-se para a sala dos fundos. Um barulho frenético de carnes sendo cortadas e o de um resmungar baixo chegou até eles. Depois de vários minutos constrangedores, ele voltou com o braço carregado de carne embrulhada. Seu rosto estava inexpressivo quando aceitou o dinheiro de Horst. Depois foi limpar a faca, fingindo que não estavam ali.
Horst pegou a carne e saiu andando da loja. Harry saiu depressa atrás dele, carregando a sua saca e a pedra. O ar revigorante da noite batia em seus rostos, refrescando-os depois do abafamento do açougue.
- Obrigado, Horst. O tio Garrow ficará feliz.
Horst riu baixinho.
- Não me agradeça. Eu queria fazer aquilo há muito tempo. Petigrew é um tremendo encrenqueiro. Um pouco de humilhação será bom para ele. Hermione ouviu o que estava acontecendo e foi correndo me chamar. Foi bom eu ter chegado, pois vocês estavam prestes a brigar. Infelizmente, duvido que ele venderá para você ou para alguém de sua família quando forem à loja dele, mesmo tendo moedas na mão.
- Por que ele ficou com raiva daquela forma? Nós nunca fomos amigos, mas sempre aceitou o nosso dinheiro. E eu nunca vi Petigrew tratar Hermione daquela maneira. - disse Harry, abrindo a parte de cima da saca.
Horst deu de ombros.
- Pergunte ao seu tio. Ele sabe mais sobre isso do que eu.
Harry enfiou a carne em sua saca.
- Bem, agora tenho mais uma razão para ir depressa para casa: resolver esse mistério. Tome, por direito, isto é seu. - Ele ofereceu a pedra. Horst deu uma risada.
- Não, fique com a sua pedra estranha. Albriech planeja ir para Feinster na primavera. Ele quer se tornar um mestre-ferreiro, e vou precisar de um ajudante. Você pode ir trabalhar comigo nos seus dias de folga para pagar a dívida.
Harry curvou-se levemente, satisfeito. Horst tinha dois filhos, Albriech e Baldor, os dois trabalhavam na ferraria. Ficar no lugar de um deles era uma oferta generosa.
- Mais uma vez, obrigado! Estou ansioso para trabalhar com o senhor. - Ele estava feliz por haver uma maneira de pagar Horst. O tio nunca aceitaria caridade. Em seguida, Harry lembrou o que seu primo disse antes de ele partir para a caçada.
- Rony queria que eu desse um recado a Hermione, mas como isso não será possível, será que o senhor poderia dar o recado a ela?
- Claro.
- Ele quer que ela saiba que ele irá à cidade assim que os mercadores chegarem e que vai até lá encontrá-la.
- Só isso?
Harry estava levemente constrangido.
- Não, ele também quer que ela saiba que é a garota mais linda que ele já viu e que não consegue tirá-la da cabeça.
Horst abriu um sorriso largo e piscou para Harry.
- Ele está querendo um compromisso sério, não é?
- Está sim, senhor. - respondeu Harry com um sorriso rápido. - Poderia também agradecer a ela por mim? Foi muita gentileza da parte dela enfrentar o pai por minha causa. Espero que não seja castigada por isso. Rony ficaria furioso se eu a colocasse em encrencas.
- Eu não me preocuparia com isso. Petigrew não sabe que ela me chamou, então duvido que ele seja duro com ela. Antes de ir, não quer jantar conosco?
- Sinto muito, mas não posso. Garrow está me esperando. - explicou Harry, verificando se a saca estava fechada. Levantou-a, colocando-a nas costas, e começou a andar pela estrada, acenando um adeus.
O peso da carne o fez ir mais devagar, mas como estava ansioso para chegar em casa, um vigor renovado deu força a seus passos. O vilarejo terminou abruptamente, e ele deixou as luzes quentes do lugar para trás. A lua perolizada observava tudo por cima das montanhas, banhando a terra com um reflexo fantasmagórico da luz do dia. Tudo parecia estar desbotado e plano.
Perto do fim da jornada, Harry saiu da estrada, que continuava rumo ao sul. Uma trilha simples passava por um trecho de grama alta, que batia na cintura, e subia um pequeno monte, quase escondido pelas sombras de olmeiros protetores. Subiu a colina e viu uma luz suave brilhando em sua casa.
A casa tinha cobertura de telhas e uma chaminé de tijolos. Os beirais do telhado pendiam sobre as paredes de cor branca desbotada, produzindo uma sombra no chão abaixo. Um lado da varanda cercada estava repleto de lenha cortada, pronta para o fogo. Uma mistura de ferramentas para o trabalho na fazenda estava do outro lado.
A casa ficou abandonada durante meio século até eles se mudarem, depois que a esposa de Garrow, Marian, morreu. A casa ficava a dezesseis quilômetros do Carvahall, mais longe do que a de qualquer outra pessoa. O povo achava que toda aquela distância era perigosa, pois a família não podia contar com a ajuda do vilarejo quando tinha problemas, mas o tio de Harry não dava ouvidos a ninguém.
A uns trinta metros da casa, em um galpão de cor apagada, viviam dois cavalos, Birka e Brugh, junto com algumas galinhas e uma vaca. Às vezes, também havia um porco, mas eles não tiveram dinheiro para comprar um este ano. Uma carroça ficava espremida entre as baias. No limite da propriedade, uma grossa linha de árvores acompanhava o rio Anora.
Ele viu uma luz se mover atrás de uma janela enquanto, cansado, se aproximava da varanda.
- Tio, sou eu, Harry. Deixe-me entrar.
Uma cortininha foi puxada para trás por um instante e, depois, a porta foi aberta para dentro.
Garrow permaneceu com a mão na porta. Suas roupas muito usadas vestiam-no como andrajos numa carcaça. Um rosto magro, faminto, com olhos intensos, observava tudo por baixo de cabelos que começavam a ficar grisalhos. Tinha a aparência de um homem que havia sido parcialmente mumificado antes de descobrirem que ainda estava vivo.
- Rony está dormindo. - Foi a resposta dele para o olhar inquisidor de Harry.
A luz de um lampião tremeluzia em cima de uma mesa de madeira tão velha que os nós e veios da madeira sobressaíam em relevo como uma impressão digital gigantesca. Perto de um fogão à lenha ficavam carreiras de utensílios de cozinha, pendurados na parede em pregos feitos em casa. Uma segunda porta dava acesso ao resto da casa. O piso era feito de tábuas, polidas pelos pés que as pisaram durante anos.
Harry tirou a saca das costas e pegou a carne.
- O que é isso? Por que você comprou carne? Onde conseguiu o dinheiro? - Perguntou com rispidez seu tio ao ver os embrulhos.
Harry respirou fundo antes de responder:
- Não, Horst comprou a carne para nós.
- Você deixou que ele pagasse? Eu já disse que não vou pedir comida a ninguém. Se não formos capazes de nos alimentarmos, talvez seja melhor nos mudarmos para a cidade. Quando menos esperarmos, estarão nos mandando roupas usadas e perguntando se conseguiremos sobreviver ao inverno. - O rosto de Garrow estava empalidecido pela raiva.
- Eu não aceitei caridade de ninguém. - respondeu Harry. - Horst concordou em me deixar pagar a dívida trabalhando para ele nesta primavera. Ele precisará de alguém para ajudá-lo, pois Albriech vai viajar.
- E onde você vai arranjar tempo para trabalhar para ele? Vai ignorar todas as coisas que precisam ser feitas aqui? - perguntou Garrow, forçando o tom de sua voz para baixo.
Harry pendurou o arco e a aljava em uns ganchos ao lado da porta da frente.
- Não sei como farei. - respondeu ele, irritado. - Além disso, encontrei algo que pode valer algum dinheiro. - Ele pôs a pedra em cima da mesa.
Garrow inclinou-se sobre ela: o olhar faminto em seu rosto tornou-se voraz, e os dedos dele contraíam-se de um modo estranho.
- Você achou isso na Espinha?
- Achei. - respondeu Harry. Ele explicou o que aconteceu. - E para piorar as coisas, perdi a minha melhor flecha. Terei de fazer mais flechas logo. - Olharam para a pedra em meio à escuridão incipiente.
- Como estava o tempo? - perguntou o tio, enquanto levantava a pedra. Suas mãos apertaram-na como se temessem que a pedra fosse desaparecer de repente.
- Frio. - Foi a resposta de Harry. - Não nevou, mas as noites eram congelantes.
Garrow ficou preocupado com essas notícias.
- Amanhã você deve ajudar Rony a acabar de colher a cevada. Se conseguirmos colher as abóboras também, o frio não nos incomodará. - Ele passou a pedra para Harry. - Tome, fique com ela. Quando os mercadores chegarem, descobriremos o valor disto. Vendê-la será a melhor coisa a fazer. Quanto menos nos envolvermos com magia, melhor. Por que Horst pagou pela carne?
Harry levou apenas um minuto para explicar sua briga com Petigrew.
- Não entendo o que o deixou tão zangado.
Garrow deu de ombros.
- A esposa de Petigrew, Ismira, caiu das cataratas Igualda um ano antes de você ser trazido para cá. Ele não passa perto da Espinha desde então. Não passa perto de lá e não quer ter nada a ver com aquele lugar. Mas isso não era motivo para recusar o seu pagamento. Acho que ele queria arranjar um problema com você.
Harry inclinou-se para frente e disse:
- É bom estar de volta.
O olhar de Garrow suavizou-se, e ele concordou com a cabeça.
Harry entrou tropeçando em seu quarto, colocou a pedra embaixo da cama e jogou-se em cima do colchão. Casa. Pela primeira vez, desde o começo da caçada, relaxou completamente quando o sono tomou conta dele.
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