III



O Land Rover atravessou veloz os portões, e o velho Jenkins, o caseiro, coçou a cabeça num sinal de desaprovação. Gina sabia que o homem se perguntava por onde ela estivera. Na certa, mal teve tempo de perceber a passageira no banco de trás.
Um terreno inclinado, coberto de carvalhos e olmos, separava a estrada da casa. Harry mantinha cavalos no extenso terreno privativo, pois as demais partes da fazenda eram arrendadas a fazendeiros cujas plantações permitiam que Matlock Edge fosse quase auto-suficiente. Os arrendatários cultivavam pomares e hortas, criavam aves e animais de abate, e o leite e os laticínios eram sempre frescos e deliciosos e cem por cento naturais.
- Quem mais vive na casa? Quis saber a srta. Chang, enquanto o jipe aproximava-se dos portões brancos que separavam o jardim do estacionamento. - É tão grande! Deve ter dezenas de quartos! Naturalmente você e seu tio não vivem sozinhos!
- Por que não? Retrucou Gina, com ar de desafio. Pressionou repentinamente o breque, fazendo a visitante saltar do assento. - Eu e Harry não precisamos de mais ninguém, a não ser dos criados, é claro.
A srta. Chang se recompôs enquanto Gina descia para abrir o portão. Quando a garota voltou ao veículo, afirmou:
- Aconselho-a a parar de se comportar como uma colegial! Imagino o quanto seu tio deve estar ansioso por ver-se livre de você!
- Meu tio errou em contratá-la, srta. Chang! - respondeu Gina rudemente. - E se eu não gostar do seu jeito de trabalhar e de se comportar, farei com que volte logo para Londres.
- Não creio - retrucou a srta. Chang. - O Sr. Potter me alertou que seria difícil lidar com você. Ele...ele disse que era uma menininha mimada e que... Aprovaria todos os meus métodos de educação!
- Mentira! - Gina gritou descontrolada, demonstrando seus verdadeiros sentimentos por aquela estranha. Sabia, porém, que fosse lá o que Harry lhe havia dito, não poderia dar a entender que a srta. Chang era mais forte que ela e que, portanto, conseguiria domá-la!

- Lamento, mas é a pura verdade - afirmou a srta. Chang com brandura, erguendo a mão e apontando para trás. - Não vai fechar o portão? Acho que seu tio não quer os cavalos lá fora, pisoteando as flores do jardim.
Com os punhos cerrados, Gina saltou do carro, fechou os portões e, antes de retomar, limpou as lágrimas que escapavam de seus olhos.
Era difícil reprimir seus sentimentos frente àquela intrusa. Sempre fora espontânea, impulsiva, jamais escondeu de Harry o que quer que fosse. E não era assim que se relacionava consigo mesma? E ele, que sempre lhe pareceu sincero, teve o atrevimento de criticá-la pelas costas! Sentia-se magoada, humilhada, exatamente como na noite em que mergulhou nua na piscina e foi surpreendida pelo olhar zombeteiro de Harry. Também os olhos da srta. Chang, naquele momento, eram zombeteiros!
Em frente à casa havia uma fonte cercada por um caminho de cascalhos. Gina conduziu o jipe sobre ele e estacionou com cuidado. Virou-se para trás e, com um movimento de olhos, indicou à passageira que finalmente tinham chegado e que ela podia descer.
A srta. Chang desceu e estudou o lugar com evidente satisfação. Seus olhos passearam por toda a fachada da casa, detiveram-se nas janelas altas que ladeavam a porta principal e subiram buscando a chaminé, que se mantinha firme sobre o telhado de um sótão aparentemente desocupado.
- Lindo! - exclamou entusiasmada, e voltou-se para Gina. Nesse momento, abriu-se uma porta às suas costas.
Gina, que estava pronta para levar o carro à garagem, ficou mediatamente paralisada. Mas suspirou com alívio ao ver que se tratava apenas da governanta. A srta. Gittens olhou escandalizada para a recém-chegada que ajeitava o elegante vestido.
- Gina! - exclamou. - Você teve coragem de ir buscar a senhorita neste... - E interrompeu-se, descendo para receber a nova moradora. D¬eve ser a srta. Chang! - acrescentou, estendendo a mão. – Espero que tenha feito boa viagem. Sente-se cansada, provavelmente.
- Oh, a viagem não foi tão longa quanto eu esperava - afirmou, cumprimentando rapidamente a governanta. - Mas sem dúvida estou contente por ter chegado a salvo. Tenho a sensação de que fui surrada o tempo todo nas costas!
- O Land Rover é um veículo prático, mas não confortável ¬lamentou Gina, embaraçada com o olhar de censura da Sra. Gittens.
- Se eu fosse você - disse a governanta - guardaria o jipe imediatamente. O Sr. Potter está para chegar e tenho certeza absoluta de que não vai aprovar o que fez.
Gina deu de ombros.
- A bagagem dela está aqui atrás - informou, sem se mexer para pegá-la.
Resmungando, a Sra. Gittens foi até a porta da casa e chamou o velho Arnold Peterson para descarregar as malas. Gina, porém, não permitiria que o velho empregado fizesse isso e, com um suspiro de desgosto, saltou do jipe, retirou as malas, colocou-as no passeio e tomou a subir, ligando o motor.
Cedrico Diggory, que cuidava da manutenção dos veículos e, quando necessário, servia de motorista, achava-se no pátio da garagem polindo o Mercedes metálico que Gina deveria ter usado para apanhar a visitante. Quando Gina parou o Land Rover, fazendo os pneus cantarem, ele sorriu.
- Por que está com o rosto tão vermelho? Ele perguntou.
- Ela chegou - respondeu Gina, enfiando as mãos na jaqueta desbotada. - É tão nojenta quanto eu imaginava.
- Nojenta? Cedrico pareceu surpreso. - Harry não disse que era uma moça morena e bonita?
- Disse, disse, sim! - Cortou Gina. - Ela é tudo o que ele disse. Acontece que... Bom, ela não foi com a minha cara!
- Não está querendo dizer que você é que não foi com a cara dela?¬
Cedrico encostou-se no capô do jipe.
Cedrico era dois anos mais velho que ela, tinha dezenove anos e praticamente a mesma estatura. Nos últimos dias Gina percebeu que o rapaz passara a vê-la com outros olhos quando ficavam sozinhos. Cedrico era simpático e bonito, mas nunca tivera tempo de pensar nele como homem, uma vez que Harry não lhe saía da cabeça, e raramente via em Cedrico mais que um amigo.
Agora, porém, encostada ali ao lado dele, precisava de compreensão. Até a Sra. Gittens a havia censurado, e se a srta. Chang comentasse com Harry qualquer coisa sobre o Land Rover... .
- O que houve de errado? Perguntou Cedrico, tocando-lhe os cabelos delicadamente.
- Por que pergunta? Gina retrucou, voltando-se para ele.
- Conheço você muito bem, não conheço? Essa senhorita disse alguma coisa desagradável? Disse que ela e Harry são mais que amigos?! Ora, Gina, não é a primeira vez, é? Sempre vai aparecer alguma mulher por aqui...
- Ela disse que Harry falou que sou uma menininha mimada ¬murmurou, e olhou para o rosto de Cedrico, buscando conforto mas encontrando apenas um risinho maroto. - Não tem nada de engraçado! - exclamou, afastando-se para ir embora.
Cedrico a impediu de sair.
- Gina, será que você não enxerga?
- Enxerga o quê?
- Que você é mesmo uma meninha mimada! - Tomou-lhe a mão. Por isso ficou tão aborrecida com o que ela disse.
- Não sou, não! - exclamou indignada. - E você é chato! – Puxou a mão, golpeando-o no estômago.
Cedrico recuou o corpo e inclinou a cabeça, beijando-a de surpresa. Gina não se moveu, sentindo a pressão dos lábios úmidos dele e concluindo que, entre todos os beijos que tinham trocado, aquele de fato era o mais apaixonado.
Cedrico desprendeu os lábios e apalpou os seios que se insinuavam por debaixo da jaqueta. Empurrou-a levemente contra o jipe, mostrando-se cada vez mais excitado.
- Cedrico! O que pensa que está fazendo?
Cedrico logo se afastou. Gina, chocada, apenas arregalou os olhos. Os dois, envolvidos um com o outro, não tinham escutado Harry se aproximar. Voltaram-se ainda aturdidos e viram-no sentado no Porsche verde estacionado a poucos metros.
- Será que vocês podem me dizer o que estavam fazendo? Harry estava muito zangado. Os dois permaneceram emudecidos. - Cedrico Diggory, por acaso vou ter de obrigá-lo a falar? Desde quando tem essas intimidades com a minha sobrinha? Há quanto tempo você se comporta dessa maneira?
- Harry, não aconteceu nada entre nós - explicou Gina, a voz presa na garganta. Deus do céu! Pensou. Nunca vira Harry tão furioso. Teria ele descoberto que ela fora apanhar a srta. Chang com o Land Rover?
- Sinceramente... Cedrico estava me beijando, nada mais.
A verdade não era exatamente essa, mas não desejava complicar Cedico.
Afinal de contas, ela havia consentido.
Harry desceu do carro e caminhou direto para Cedrico, ignorando a presença da sobrinha.
- Olhe para mim - disse. - Ouça bem o que vou dizer: se tornar a encostar um dedo em Gina, parto-lhe a cara! Deu para entender bem?
- Deu, sim, senhor - respondeu Cedrico, e preparou-se para completar a resposta. Harry, entretanto, deu meia-volta e afastou-se apressado.
- Venha comigo, Gina - Harry ordenou, dirigindo-se para o carro.
Gina gesticulou para Cedrico, desculpando-se, e sem outra alternativa seguiu o tio.


Continua...

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