A debutante relutante
Capítulo 5 - A debutante relutante
Depois de duas semanas, o progresso na saúde de Tessa era evidente. Ela não mais cambaleava ao caminhar nas quatro patas, o pelo parecia ser mais igual, ela não estava mais tão fraca e as feridas se fechavam. Mais importante do que isso, ela confiava mais em Snape e não parecia mais tão assustada.
Era hora de mais uma conversa séria.
Snape colocou Tessa sentada numa das bancadas do laboratório e disse:
- Você já sabe que eu nunca vou te machucar e que não vou deixar nada de mal lhe acontecer. Mas agora que você está recuperando sua saúde, é hora de começarmos a introduzir atividades externas. Certamente, o ar puro e claridade deverão fazer maravilhas por sua saúde. Contudo, você ficará exposta a olhares de outros. Não se preocupe, eu a protegerei, mas você é uma Snape e precisa ser treinada a se comportar como uma.
Os olhares de Tessa exalavam pura curiosidade. Era a primeira vez que ela subia na bancada do laboratório também, mas ela estava hipnotizada pelas palavras de seu mestre. Tudo parecia ser uma grande e contínua novidade, e ela parecia absorver cada palavra. Snape continuou:
- Podemos fazer uma primeira tentativa hoje, se estiver disposta. Mas antes eu queria que você soubesse as totais implicações do que estamos prestes a fazer. Você sabe que estamos numa escola, e quando eu saio deste aposento, eu estou dando aulas ou me encontrando com professores. Com o tempo, eu gostaria que você me acompanhasse a essas atividades, bem como a lugares fora da escola. Mas para isso, precisamos treinar. Você deve se comportar uma verdadeira Snape, e eu quero ter orgulho de aparecer a seu lado. Talvez você não entenda direito o que isso significa, mas podemos aprender com o tempo.
Tessa jogou a cabeça para trás, abriu bem a boca e soltou um som agudo.
- Muito bem, então. A primeira coisa que você deve aprender é ficar do meu lado. Todo o tempo, a menos que eu diga o contrário. Isso é muito importante, Tessa. Sempre fique a meu lado. Isso é importante por que eu jamais vou colocar uma coleira ou guia em você. Você nunca ficará presa enquanto estiver comigo.
Tessa balançou a cabeça e fez algo novo:
- Uh, uh.
- Excelente - disse ele, aprovando - Assim que terminarem as aulas, então, sairemos para dar uma volta. Eu quero que você seja capaz de reconhecer o caminho de volta para as masmorras rapidamente. Deixe-me explicar uma outra faceta dessa evolução da nossa relação. Provavelmente pessoas que você nunca viu antes irão se aproximar para conhecê-la. Normalmente, serão alunos e inofensivos, mas isso não quer dizer que não possam machucá-la. Eu não deixarei que isso aconteça, claro, mas se eu não estiver por perto, quero que use seu julgamento o melhor que puder para se defender. Se precisar sumir, desapareça até eu voltar. Lembre-se que você pode confiar em Hagrid, se eu não estiver por perto.
Tessa estendeu o braço e colocou a mão no ombro dele, com um gemido.
- E se alguém por um acaso chegar algum dia a machucar você, Tessa - disse ele por entre os dentes -, pode apostar que essa pessoa vai se arrepender amargamente de ter cruzado meu caminho algum dia.
A criatura esticou os dois braços. Nos últimos tempos, ela tinha começado, timidamente, a pedir que Snape a pegasse no colo. Quando ele o fazia, ela se agarrava nele com mãos e pés, como um macaco de verdade.
Ele a pegou e a depositou no chão. Ela deu uma corridinha para a caminha dela e ficou a observá-lo.
- Certo, então está combinado. Hoje de tarde eu a levarei para conhecer Hogwarts.
- Uh, uh - foi a resposta entusiasmada.
No final da tarde, havia muitas cabecinhas no castelo olhando o gramado. Pois era lá que o Prof. Snape estava andando, seguido de perto por uma espécie de macaco preto peludo e pequeno. O bicho tinha que dar corridinhas para acompanhar seu mestre, que se dirigia apressadamente à cabana de Hagrid. Os alunos se juntaram de longe para ver o bichinho de estimação de Snape, curiosos para saber se ele realmente maltratava o animal.
Hagrid ficou feliz com a visita, e Tessa pareceu menos nervosa perto dele. Mas Canino a assustou, e ela preferiu se refugiar no colo de Snape a maior parte da visita. Ela aceitou um pêssego de Hagrid e depois foi para o chão, olhando Canino com o rabo do olho, desconfiada.
Os dois deixaram Hagrid e desceram as escadas rumo ao lago. Tessa olhava com curiosidade as árvores altas, o chão úmido, e o ar fresco. Tudo parecia tão diferente das masmorras. Snape ia a um passo mais lento.
- Você quer dar uma volta por aí?
Tessa o encarou, os olhos brilhando. Ela hesitou, mas queria ir.
- Não vá muito longe. Eu espero aqui. Pode ir.
Desacostumada, Tessa se virou em direção à árvore mais próxima. De vez em quando roubava um olhar para Snape, como que buscando incentivo, e começou a escalar a nogueira alta e majestosa. Com agilidade incrível, ela passeou por entre os galhos mais baixos, depois usou os longos braços e pernas fortes para alcançar os mais altos, soltando gritinhos como se fosse um filhote de chipanzé.
Snape observou tudo, um sorriso ameaçando mover os lábios. Mas uma nuvem passou-lhe pelo coração. E se Tessa decidisse não voltar mais? E se ela se entusiasmasse com a liberdade de tal modo que nem mesmo os pensamentos de comida e abrigo lhe apelassem a voltar?
A perspectiva de perder Tessa lhe doeu mais do que ele gostaria de admitir.
Ele pensou que talvez fosse o melhor para ela: seria a chance de se livrar de um Mestre de Poções odiado, amargo e infeliz. Mas ele ficaria ainda mais infeliz sem ela.
- Ah, Severo - Snape estremeceu com a voz às suas costas -, linda tarde, não?
Ele deveria saber.
- Olá, diretor.
- Dando uma voltinha ao pôr-do-sol?
- Na verdade, vim trazer Tessa para tomar um pouco de ar puro.
- Ainda bem que ela está melhor - os olhos azuis brilhavam - Hagrid me disse que a pobrezinha estava num estado lastimável.
- Ora, pode parar com a encenação, Alvo. Você está doido para vê-la.
- Sim, sim, confesso uma certa curiosidade em conhecer a criatura que você escolheu cuidar - ele olhou para o chão e sorriu - Ah, aí está ela.
Snape olhou para baixo e viu Tessa atrás de suas pernas, olhando fixamente para Dumbledore. O velho professor se curvou para ela, sorrindo:
- Olá, Tessa.
Ela pareceu querer se encolher ainda mais atrás de Snape, mas não sumiu. Snape explicou-lhe:
- Tessa, esse é o Prof. Dumbledore. Pode confiar nele também. Não precisa ter medo.
Tessa pareceu considerar a questão e olhou para a mão estendida de Dumbledore. Ela cheirou-a e pareceu relaxar, aceitando a palavra de Snape.
- Você é muito inteligente, Tessa - disse Dumbledore - Tenho certeza de que vai gostar de ficar aqui em Hogwarts.
Tessa pegou a mão de Dumbledore e colocou-a na sua cabeça. Snape sabia que esse era um sinal de aceitação extrema e ficou espantado.
- Ela costuma ser muito retraída com outras pessoas. Mas essa reação... é espantosa.
O diretor da escola abriu ainda mais o sorriso e acariciou a cabeça da seminviso, dizendo:
- Ora, obrigado pela confiança, Tessa. E pode ficar à vontade para explorar todas as árvores também perto do campo de quadribol. Divirta-se bastante.
- Uh, uh.
Snape disse:
- Bem, está ficando frio, e temo que ela se resfrie. Com sua licença, diretor.
- Claro, Severo. Até mais ver, Tessa.
Dumbledore voltou para o castelo e Tessa olhou para Snape, consultando-o. Ele garantiu:
- Se eu não estiver por perto, pode confiar no Prof. Dumbledore tanto quanto em Hagrid. Eles jamais vão machucar você.
Ela jogou a cabeça para trás e deu um grito agudo, concordando. Snape disse:
- Agora vamos voltar para casa. No caminho, podemos encontrar alguns estudantes, e algum deles pode querer mexer com você. Você tem a minha permissão para arrancar fora o braço de qualquer um que queira machucá-la.
Tessa ficou olhando para ele, incrédula. Sem mudar de expressão, ele disse:
- Você pode ter razão. Dumbledore iria ficar irritado, e a papelada seria interminável. Hum... Procure rosnar para os alunos. Isso deve afastá-los. Se não funcionar, faça como Madame Nor-r-ra: venha até mim e identifique os culpados.
A criatura pegou a mão de Snape e colocou-a na própria cabeça.
- Bem, hora de ir. Procure ficar junto de mim.
Eles voltaram para o castelo, Snape ignorando os olhares e cochichos dos alunos nos corredores - aliás, os corredores estavam estranhamente cheios para um horário em que as aulas já tinham terminado. Algumas alunas disseram alto "Que gracinha!", mas a maioria parecia penalizada de ver o bichinho com Snape. Uma vez Tessa sumiu completamente, quando um aluno do primeiro ano quis passar a mão na cabeça dela. O mero olhar de Snape fez o menino soltar um grito e sair correndo. Tessa reapareceu quase enrodilhada nas pernas de seu dono, o coração disparado.
Eles passaram a fazer esse exercício quase diariamente. Tessa respondeu muito bem às saídas e em pouco tempo acostumou-se a ver alunos no corredor, enquanto eles iam passear. Ela soltava gritinhos quando subia nas árvores para explorá-las. Toda vez que voltava, ela pegava a mão de Snape e a colocava sobre sua cabeça - era o equivalente a acariciar um cachorro. Ela abria a boca e mostrava os dentes grandes e fortes, quase como num sorriso bastante símio.
Logo Tessa passou a ser uma sombra de Snape. Para todo o lugar que ele ia, lá estava ela. Durante as refeições no Grande Salão, Tessa ficava embaixo da cadeira de Snape, e não comia nada. Também tinha sido ensinada a nunca pedir comida - "Um verdadeiro Snape jamais implora; requisita e espera, pois será atendido" - e geralmente comia nas masmorras, uma vez por dia, como Hagrid ensinara.
O treinamento para que ela acompanhasse Snape também durante as aulas demorou mais tempo, mas isso se devia à insistência dos alunos em tentar brincar com ela, o que assustava Tessa terrivelmente. Snape a incentivava a morder qualquer um que ela quisesse, mas seminvisos tinham por instinto desaparecer, não atacar. E ela sempre sumia para reaparecer embaixo da grande escrivaninha de Snape.
Mas nada se comparou ao desastre que aconteceu na aula dos Lufa-Lufas de primeiro ano.
Foi um desastre na aula de Poções, mas nem o lendário Neville Longbottom conseguiu fazê-lo daquele tamanho. Era uma mera poção de limpeza, mas o ingrediente errado na hora errada tinha deixado um caldeirão dos alunos da frente altamente instável. Quando Snape se deu conta do que estava para acontecer, ele viu que não havia tempo para mais nada. Gritou:
- Para fora! Todos para fora! Vai explodir! Corram, rápido!
As meninas gritaram, mas muitos dos meninos também, e foi grande o tumulto rumo à sala. Em meio à onda de alunos que gritavam e corriam atabalhoadamente rumo à porta, Snape gritou:
- Tessa! Tessa!
Mas não havia sinal de Tessa. Provavelmente ela estava invisível, escondida embaixo da escrivaninha.
Ele agachou-se e tateou no escuro embaixo, imaginando quanto tempo teria até que o caldeirão -
BUM!
A sorte dele foi estar embaixo da escrivaninha e não ser atingido pelo caldeirão, que terminou também desestabilizando três outros. A explosão secundária estremeceu as masmorras. A escrivaninha foi destruída e Snape ficou desacordado entre os restos de madeira.
E nada de Tessa.
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