O Resgate



O Resgate

Harry e Rony seguiram Jasmine para o alto das árvores. Após a experiência vivida nas florestas do silêncio, parecia natural esconder-se acima do solo. Eles subiram o mais alto que puderam, e o som pesado de passos finalmente lhes chegou aos ouvidos. Eles encontraram um lugar seguro e confortável para se instalar enquanto o ruído se intensificava. Envoltos na capa de Harry, que ajudava a ocultá-los, e bem escondidos por uma espessa proteção de folhas, eles observaram quando os vultos vestidos de cinza começaram a marchar pela clareira.
Os três amigos ficaram muito quietos, espremidos de encontro aos galhos. Imaginaram que seria por pouco tempo, somente enquanto os comensais passavam. Por esse motivo, o desalento tomou conta deles ao verem os homens parar, soltar as armas e se atirar ao chão.
Ao que parecia, a tropa escolhera a clareira como local de descanso. Os três trocaram olhares desesperados. Que falta de sorte! Agora teriam de permanecer onde estavam, talvez por horas.
Cada vez mais comensais entravam na clareira. Em breve, ela ficou fervilhante de uniformes cinzentos e vozes ásperas. Então, quando os últimos integrantes da tropa se tornaram visíveis, um som tilintante de correntes acompanhou o das botas em marcha.
Os Comensais escoltavam um prisioneiro.
Harry esticou o pescoço para olhar. O preso tinha uma aparência muito diferente de tudo o que tinha visto antes. Ele era muito pequeno, sua pele enrugada era cinza-azulada, suas pernas e seus braços eram finos, os pequenos olhos pretos pareciam botões e um tufo de cabelos ruivos surgia do alto de sua cabeça. Havia uma coleira apertada ao redor de seu pescoço, com uma argola para prender uma corrente ou corda. Ele parecia exausto, e as correntes que pendiam de seus pulsos e tornozelos haviam provocado marcas profundas na pele.
— Eles capturaram um ralad — Rony sussurrou, movendo-se para enxergar melhor.
— O que é um ralad? — Harry quis saber. Ele tinha a impressão de ter ouvido ou lido esse nome antes, mas não lembrava onde.
— Os ralads são uma raça de construtores. Antigamente, eram muito queridos por Adin e por todos os reis e rainhas de Deltora — Rony sussurrou em resposta. — Suas construções eram famosas pela resistência e engenhosidade.
Agora Harry lembrava onde vira o nome: em O Cinturão de Deltora, o pequeno livro azul que seus pais o tinham obrigado a estudar. Ele olhou fascinado para o vulto abatido abaixo deles.
— Foram os ralads que construíram o palácio de Del — ele murmurou. — Mas ele é tão pequeno!
— Formigas são minúsculas — Rony resmungou. — E, no entanto, uma formiga pode carregar vinte vezes o próprio peso. Não é o tamanho que importa, mas sim a determinação.
— Silêncio — pediu Jasmine. — Os Comensais vão escutar você. Do jeito que as coisas estão, eles podem perceber nossa presença a qualquer momento.
Entretanto, os Comensais haviam percorrido um longo caminho e estavam cansados. Não estavam interessados em nada além da comida e da bebida que era tirada dos cestos que os líderes haviam colocado no centro da clareira.
Dois deles empurraram o prisioneiro bruscamente para o chão ao lado da clareira, jogaram-lhe uma garrafa de água e voltaram a atenção à própria refeição.
Jasmine observou enojada os comensais avançando sobre a comida e derramando água em suas bocas, fazendo-a escorrer pelo queixo e cair no chão.
Harry, contudo, observava o pequeno ralad, cujos olhos encontravam-se fixos nos restos de comida que eram atirados na grama da clareira. Ele estava visivelmente faminto.
— O magricela está com fome! — zombou um dos Comensais, apontando um osso meio roído na direção do homenzinho. — Aqui, magricela!
Ele se arrastou até onde o prisioneiro estava sentado e estendeu-lhe o osso. O homem faminto encolheu-se e, incapaz de resistir à comida, inclinou-se para a frente. O Comensal atingiu-lhe violentamente o nariz com o osso, tirando-o rapidamente do alcance do prisioneiro. Os demais Comensais contorceram-se de tanto rir.
— Animais! — Jasmine gemeu, esquecendo-se completamente, por causa da raiva, da própria advertência sobre ficarem em silêncio.
— Fique quieta — Rony murmurou, sombrio. — Eles são muitos. Não há nada que possamos fazer. Ainda...
Os Comensais comeram e beberam até não mais poder. Então, escarrapachados descuidadamente como uma massa de vermes cinzentos, deitaram-se de costas, fecharam os olhos e começaram a roncar.
Tão silenciosamente quanto possível, os três companheiros escalaram galho após galho até ficarem exatamente acima do prisioneiro. Ele se encontrava sentado, completamente imóvel, os ombros e a cabeça curvados.
Ele também estaria adormecido? Eles sabiam que não podiam arriscar-se a acordá-lo e assustá-lo. Se ele gritasse, tudo estaria perdido.
Jasmine buscou em seu bolso algumas frutas secas. Com cuidado, ela se inclinou para a frente e atirou-as, de modo que caíssem exatamente diante do prisioneiro imóvel.
Os amigos ouviram-no respirar fundo. Ele olhou para cima, para o céu azul, além do galho em que se encontravam e, é claro, nada viu.
Seus longos dedos cinzentos esticaram-se com cuidado e agarraram o prêmio. Ele olhou ao redor para certificar-se de que não se tratava de outra brincadeira cruel dos Comensais e, então, enfiou as frutas na boca, mastigando-as vorazmente.
Suas correntes tilintaram de leve, mas os vultos que roncavam à sua volta não se mexeram.
— Muito bem — Jasmine murmurou. Ela mirou com cuidado e deixou cair mais algumas frutas diretamente no colo do prisioneiro. Desta vez, ele olhou bem para cima e seus olhos em forma de botão se arregalaram, assustados, quando viu os três rostos observando-o.
Harry, Rony e Jasmine colocaram os dedos sobre os lábios depressa, avisando-o para ficar em silêncio. Ele não emitiu nenhum som e encheu a boca de frutas enquanto observava os estranhos descendo pelas árvores, com cuidado, em sua direção.
Eles já sabiam que não tinham chance de libertá-lo das correntes sem despertar os Comensais, mas tinham outro plano. Era perigoso, porém não dispunham de outra alternativa. Jasmine e Harry haviam se recusado a deixar o prisioneiro à mercê de seus captores, e não foi necessário muito esforço para convencer Rony. Ele era o único que sabia do povo ralad, e ver um deles na condição de prisioneiro dos Comensais era terrível.
Enquanto Jasmine vigiava da árvore, Harry e Rony escorregaram para o chão ao lado do pequeno homem e fizeram sinais para que não tivesse medo. Trêmulo, o prisioneiro assentiu e fez algo surpreendente. Com a ponta de um de seus dedos finos, desenhou uma marca estranha no chão e olhou para eles com olhar inquisidor.

>v<



Aturdidos, Harry e Rony olharam um para o outro e novamente para o homenzinho. O prisioneiro percebeu que não tinham compreendido o significado. Seus olhos negros ficaram assustados e ele apagou o desenho depressa. Mas, ainda assim, ele parecia confiar nos recém-chegados, ou talvez acreditasse que nenhuma situação poderia ser pior do que aquela em que se encontrava. Já que os Comensais dormiam e roncavam como animais, ele permitiu ser rápida e silenciosamente envolto na capa de Harry.
Eles haviam decidido que sua única esperança seria levá-lo com as correntes e tudo o mais. Esperavam que a capa firmemente enrolada impedisse as correntes de se chocar umas contra as outras e alertar os inimigos.
As correntes deixavam o homenzinho mais pesado do que imaginaram, mas Rony não teve dificuldade em erguê-lo e colocá-lo sobre o ombro. Eles sabiam que voltar às árvores carregando aquela carga seria difícil e perigoso, mas o prisioneiro se encontrava deitado muito perto da saída da clareira. Tudo que tinham a fazer era alcançá-la e afastar-se furtivamente e em silêncio.
Aquele era um risco que todos estavam dispostos a correr. E tudo teria dado certo se, talvez durante um sonho, um dos Comensais não tivesse, exatamente naquele momento, se virado e estendido um braço, atingindo um dos companheiros no queixo.
O Comensal atingido acordou com um gemido, olhou furioso ao redor na tentativa de descobrir o que o acertara e viu Harry e Rony fugindo pelo caminho.
Ele deu o alarme com um grito. Em segundos, a clareira parecia viva, cheia de Comensais zangados, despertos de seu sono e furiosos por constatar que o prisioneiro se fora.


N/A: Capitulo 4 postado

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.