Capitulo XXIII
Jane Parker não se conformava com o estrago que sem querer causara na vida de Harry. Tentava incessantemente encontrar uma forma de ajudá-lo, até que uma idéia lhe ocorreu. Decidiu oferecer a Gina uma festa de despedida. Tomada a decisão, ligou para o amigo, a fim de contar-lhe a novidade.
-Duvido que ela aceite. Gina agora fala comigo apenas quando necessário. Não consigo chegar perto dela.
Aquilo a deprimiu ainda mais.
- E se eu ligar para ela?
- Não acredito que concorde em falar com você. Nós dois estamos na sua lista negra.
Jane suspirou
- Quem mais poderia falar com ela?
- Tente Dino Thomas. Gina gosta muito dele.
- Acha que ela o ouvirá?
- E por que não?
- Farei isso. Quem sabe ele consiga convencê-la.
- Quer um conselho? Não convide ninguém até ela ter dado uma resposta. Gina está muito magoada.
- Eu sei. Creio que andou ouvindo aquela velha história.
- Qual delas?
- Sobre nós. Que continuamos apaixonados, apesar de eu estar casada.
Harry não havia pensado nisso.
- Talvez, mas ela deve saber que...
Interrompeu o que ia dizendo, pensativo. Na certa Gina ouvira aquilo da boca de Cho, que sempre acusara Jane de ter sido a causa do rompimento de ambos. E, para piorar as coisas, Jane dera a Gina uma impressão errada ao tratá-lo de modo tão afetuoso.
- Tenho razão, não tenho?- indagou, ela.
- Deve ter.
- O que pretende fazer?
- Na verdade, nada. Gina não quer se casar com ninguém .
- Mas você disse que ela o amava!
- Sim, ama. É a única coisa da qual tenho certeza. Mas não quer se casar porque o relacionamento de seus pais a traumatizou.
- Pobre garota. Que vida ela deve ter tido...
- Pior do que imaginamos- Harry concordou- Bem ,ligue para Dino e veja o que ele pode fazer.
- Se ele conseguir, você virá?
- Se eu me recusar a ir, será um prato cheio para os fofoqueiros, logo agora que terminamos o noivado.
- E eu me tornaria o pivô da tragédia. Todd adoraria saber disso. Não está acostumado com o estilo de vida das cidades pequenas.
- Bem, espero sinceramente que você consiga o seu intento. E...obrigado.
- De que? Não fui eu que o colocou nessa encrenca? O mínimo que posso fazer é tentar concertar as coisas. Manterei você informado.
Harry estava intrigado com a calma de Gina. Ela nem mesmo parecia aborrecida , pós os últimos acontecimentos. Claro que houvera o choro no banheiro da loja. No entanto, isso poderia ter como causa muito mais do que um coração partido.
Ela não negara que o amava, mas o amor conseguiria sobreviver a um ano inteiro de indiferença? De antagonismo?
Talvez, para Gina , aquele amor tivesse sido uma espécie de hábito, do qual finalmente se livrara.
Além disso, ele não dera nenhum incentivo àquele sentimento. Sem que tivesse dado conta, acabara perdendo todas as suas chances com a mulher que amava. Mas talvez, se Dino a convencesse a ir á festa, houvesse mais uma oportunidade...Era sua única esperança . E a última.
No dia seguinte, Dino convidou Gina para almoçar. Faltava uma semana para o Natal. Jane marcara a festa de despedida de Gina para a sexta-feira seguinte, antes do Ano Novo.
- Foi uma verdadeira surpresa -Gina disse a Dino, já no restaurante. - Há muito tempo você não me convidava para almoçar. O que anda tramando, hein?
- Nada . Apenas almoçar com você.
Gina riu.
- Tente outra!
- Certo. Estou representando alguém.
- Quem?
- Jane Burke.
Gina pousou o garfo no prato.
- Ridículo! Não quero saber de nada que diga respeito àquela mulher.
- Isso ela já sabe , por isso pediu-me que falasse com você. Acha que meteu os pés pelas mãos e quer que eu apresente suas desculpas. Está muito deprimida e pretende fazer algo para se redimir. Quer oferecer-lhe uma festa de despedida.
- Diga à ela que não irei a festa nenhuma!
- Puxa vida, você está mesmo zangada!
- E quem não estaria ? Ela praticamente me acusou de tentar arruinar a reputação de Potter com tantas fofocas circulando pela cidade. Mas a maioria dos boatos é sobre ele e Jane, que além disso é casada.- exclamou ela, sem disfarçar a contrariedade.
Dino balançou a cabeça.
- Tenha calma, Gina. Ela e Harry são apenas amigos. É o que sempre foram. Quando o pai dela morreu, ele se tornou seu porto seguro. Jane passou a depender muito de Harry e esse tipo de relacionamento não se desfaz de um dia para outro. Você e Todd precisam entender isso.
- Agora só falta você me dizer que eles nunca estiveram apaixonados, e que Potter não a ama mais!
Bem que Dino gostaria , mas não tinha certeza de nada. Muito menos dos sentimentos de Harry. Sabia apenas que ele não ficara feliz com o casamento de Jane, e que às vezes se referia à ex noiva como se fosse a única mulher no mundo. Mas mudara muito após a festa de Natal do hospital.
- Viu?- continuou ela- Você não pode negar. Ele me pediu em casamento sem nenhuma...
- O que ? Ele pediu você em casamento?
- Então não soube?- indagou Gina após tomar um gole de café. Fez isso para tentar se livrar do assédio de Nickie e Cho. Depois decidiu que deveríamos nos casar, mas ao mesmo tempo pareceu arrepender-se. É que me pegou num momento de fraqueza, senão....- Acrescentou, sem mais detalhes. – Então decidiu comprar-me um anel de noivado. Fomos ao shopping e por coincidência encontramos Jane na joalheria.
- Meu Deus!
- Ela foi muito rude comigo e Potter não fez nada para me ajudar. Para ser sincera, ele agiu como se eu não estivesse presente.
- E foi justamente isso que mais a magoou, não é?
Gina sorriu, tristonha.
- Jamais me iludi. Harry não me ama.
- Ele sabe como se sente?
- Claro. Não consigo esconder meus sentimentos. É fácil perceber.
Dino pegou-lhe a mão e a segurou carinhosamente.
- Pense bem ,Gina. Será que ele não merece uma chance? Permita que Jane ofereça essa festa e aproveite a ocasião para esclarecer as coisas com Harry. Pergunte a ele por que resolveu pedi-la em casamento. Você poderá se surpreender.
- Nada mais me surpreende. E, além disso, a proposta ficou no ar. Eu o amo, mas sei como os casamentos terminam.
- Não diga bobagens! Vivi doze anos inacreditáveis casado com a mulher que amei. Casamento é aquilo que duas pessoas fazem dele.
- Veja o caso do meu pai. Por mais cruel e brutal que fosse, e apesar de causar muito sofrimento a minha mãe, ela sempre o perdoava, e permaneceu casada até a morte.
- Aquilo não era amor, era servidão. Não percebe a diferença? Se fosse amor, ela teria enfrentado a situação, teria tentado ajudá-lo a parar de beber, a parar de se drogar.
Naquele momento, Gina sentiu que pela primeira vez seus olhos se abriram para a verdade. Nunca enxergara o relacionamento dos pais daquela forma.
- Ela sentia medo...
- Você estudou psicologia e devia entender que essa sua dificuldade em aceitar a vida conjugal origina-se no fato de ter sido criada num meio familiar anormal.- Dino acariciou-lhe a mão. –Eu tive uma infância normal, Gina. Tive pais felizes que me amaram, apoiaram e encorajaram. Quando me casei, meu relacionamento foi bom, sólido e feliz. Isso é possível! Basta existir amor e vontade de ficar juntos.
Gina olhou para a aliança que Dino insistia em usar, mesmo estando viúvo.
- Será que é mesmo possível ser casada e feliz?- indagou ela, aceitando pela primeira vez a possibilidade.
- Claro !
- Mas Potter não me ama.
- Então faça com que ele a ame.
Gina riu.
- Que piada. Desisti quando descobri a ligação dele com Jane, platônica ou não . Não se pode lutar contra lembranças, Dino. Você deve saber disso melhor do que eu.- De repente, um profundo silêncio se abateu, até Gina indagar, ansiosa:- Dino? O que você faria se descobrisse uma mulher perdidamente apaixonada por você ?
- Creio que lamentaria por ela.
- Provavelmente Potter sente o mesmo por mim. Faz sentido, não acha?
- Ele não é do tipo que se prenderia a uma mulher por piedade.
- Mas talvez se casasse por vingança, para mostrar a Jane que também pode se casar.. Ou, ainda ,para se livrar de Cho.
- Ele não seria tão canalha.
- Os homens são imprevisíveis quando estão apaixonados.- Sorriu - Desejei que ele me amasse, Dino. E me casaria, apesar de todos os meus temores e dúvidas, se acreditasse que havia uma chance de ele me amar.Mas não é bem assim. Se Potter me amasse, de uma forma ou de outra eu saberia.
Dino baixou os olhos.
- Lamento muito, querida.
- Eu também. Recebi uma proposta de trabalho de um hospital em Houston e acredito que serei contratada. Irei acertar os detalhes na segunda-feira- ergueu os olhos tristes - Sei que Potter está analisando novos currículos. Desconfio que entendeu que não estou brincando.
- Ele disse isso?
- Não. Nós não nos falamos.
- Entendo...
Então estavam assim tão mal? Era uma pena. Era verdade que Gina tinha bons motivos para agir daquela maneira, mas... ele? Será que ainda amava a ex noiva?
- Você não conhece Jane - disse Dino - Ela não é do tipo que aprecia ofender os outros. Está muito infeliz com o que aconteceu e quer se desculpar. Por que não a deixa tentar? Será bom para as duas.
- Potter irá a festa?
- Presumo que sim, senão haverá muitos comentários. Dirão que ele está feliz por se ver livre de você.
Gina balançou a cabeça.
- Que loucura!
- Permita que Jane lhe ofereça essa festa. Tenho certeza de que gostará da moça quando a conhecer.
- Está bem. Diga a ela que irei.
- Ótimo. Você não se arrependerá. E sinceramente, espero que pense um pouco mais antes de aceitar esse emprego em Houston.
Ela balançou a cabeça.
- Preciso ir embora, recomeçar. Tenho certeza de que não farei falta aqui.
Dino não pôde evitar um certo constrangimento. Ambos sabiam que ele fora o causador daquela situação. Dizer novamente que lamentava de nada adiantaria.
- Obrigada pelo almoço.
- Foi um prazer. Estou indo para Maryland, passar os feriados com meus familiares. Se não tornar a vê-la, desejo-lhe um feliz Natal.
- É o que também desejo a você, Dino. – Disse ela com afeição.
Na quinta-feira, Potter dirigiu-se à sala de Gina. Ela fora a Houston e estava praticamente contratada para o novo emprego. Nada lhe dissera, porém. Notou, quando ele entrou, que emagrecera e que tinha marcas escuras em torno dos olhos verdes.
- Você poderia ter ido falar comigo em vez de escrever.- disse ele, segurando a carta que encontrara sobre a mesa.
- É um procedimento legal.- foi a resposta educada.- Preciso agradecer-lhe pela chance que me deu. Foi excelente para meu currículo.
Potter olhou para a carta.
- Conheço essa equipe de Houston. São famosos na região por praticar a medicina comercialmente. Sabe o que isso significa? Que terá cinco minutos para atender a cada paciente, e o mais superficialmente possível. Uma sirene a lembrará que o tempo está esgotado. Além disso, sendo a mais nova da equipe, ficará com os piores casos, com os plantões dos fins de semana e dos feriados.
- Já me alertaram sobre isso.
Potter cruzou os braços diante do peito e recostou-se à parede, o estetoscópio no pescoço.
- Nós ainda não terminamos aquela conversa.
- Creio que sim. Nada temos a dizer um ao outro.- Gina sorriu - Notei que Cho e Nickie estão muito profissionais, até mesmo comigo. Meus parabéns. Você conseguiu.
Ele a ignorou.
- Quando pedi que se casasse comigo, tive a impressão de que havia concordado. Tanto é que chegamos a sair para comprar o anel.
A lembrança daquela tarde ainda a atormentava. Gina abaixou os olhos para a prancheta, que segurava contra o peito.
- Ah, sim. Mas você disse que o noivado era para que Nickie e Cho parassem de assediá-lo.
- Eu disse aquilo porque sabia que você não queria se casar.
- E continuo não querendo.
- Então, onde está a paixão que confessou sentir por mim?
Gina encarou-o friamente. Não era hora de fraquejar.
- Paixão? Creio que eu estava deslumbrada por você. Talvez por julgá-lo fora do meu alcance.
- Entendo. Mas ficou provado que me desejava. Explique isso.
- Sou humana. – confessou ela, ruborizando um pouco.- E você também me desejava.
Potter suspirou e durante alguns instantes somente a fitou.
- Eu soube que você irá à festa de Jane.- disse, finalmente.
- Dino me convenceu a ir.- Gina passou a mão pela prancheta - Potter, quero que saiba que entendo a sua situação com Jane, e que não culpo vocês.
- Droga! Lá vem você outra vez com esse blábláblá !Essa história já está me cansando, não percebe?
Gina não se deixou intimidar pela aspereza daquelas palavras.
- Qualquer um juraria que você ainda é apaixonado por ela. É fácil perceber.
- Eu era apaixonado por Jane. - Admitiu ele pela primeira vez - Ela agora é uma mulher casada.. Eu seria um canalha se a assediasse.
- Sinto muito. Deve ser terrível...
- Santo Deus! Você não me ouve! Será que algum dia conseguirei convencê-la de que eu e Jane somos apenas bons amigos?
- Você tem razão, essa história já esta cansando. Não há sentido em discutir a mesma coisa. Espero que tenha encontrado alguém para me substituir.
- E tive outra escolha? Seu substituto é um rapaz recém formado que optou por clinicar no interior, para obter experiência , antes de decidir onde se fixar. Começará a trabalhar no início de janeiro.
Gina assentiu.
- É quando estarei começando em Houston.
- Não quer passar o Natal comigo? Não precisamos virar inimigos - Gina balançou a cabeça, em negativa. Não falou. Sabia que as palavras a sufocariam.
- Como quiser, tenha um bom Natal.
- Obrigada. Desejo o mesmo a você.
Gina sabia que sua voz soara estrangulada, mas não pôde evitar. Havia tornado impossível uma mudança de planos, mas, na verdade, não pretendia fazer isso. Talvez Dino tivesse razão; lera e estudara sobre pessoas que eram basicamente auto-destrutivas. Terminavam relacionamentos antes mesmo que pudessem começar, eram capazes de sabotar o próprio sucesso e torná-los fracassos. Quem sabe tivesse se tornado uma delas...
De qualquer forma, isso já não importava. Desistira de Potter e estava deixando a cidade. Agora tudo o que tinha a fazer era sobreviver à tal festa de despedida e depois partir.
Continua...
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