ENCARANDO AS CONSEQÜÊNCIAS

ENCARANDO AS CONSEQÜÊNCIAS



Harry acordou com a gargalhada de Draco ecoando em sua cabeça. Ou seria a dor de cabeça que reverberava em sua mente como os ecos de um grito ensurdecedor? Olhou pela janela e viu que o sol já ia alto. Aprumou-se na cama estreita da enfermaria que muitas vezes freqüentara e percebeu, de repente, que era a primeira vez que a enfermaria era um local solitário. Nas vezes anteriores seus amigos sempre estavam esperando para vê-lo acordar ou saber notícias suas. Daquela vez estava tudo muito quieto, tudo muito diferente e, de súbito, num lampejo, Harry lembrou-se por que.

As imagens desfilaram em sua memória como se fossem um filme distante, do qual ele não participasse diretamente. Embora não pudesse negar os fatos e tudo o que fizera, algo não se encaixava, algo estava fora do eixo, algo que se quebrara e Harry não sabia se era capaz de consertar.

Olhou para a porta e foi com uma ponta de dor que viu Hermione parada sob o umbral, virada em sua direção, mas sem conseguir encará-lo.

- Podemos conversar? – perguntou ela, aproximando-se e sentando-se na cama ao lado.

- Desde quando você tem que perguntar isso? Somos amigos. – respondeu, levemente irritado.

- Pensei que fôssemos, Harry – Hermione finalmente olhou para o garoto, observando seu rosto um pouco inchado, o nariz quebrado reparado à custa de poções, já que Madame Pomfrey não concordava em utilizar o “Episkey” nas fraturas dos alunos – E talvez um dia possamos ser novamente – completou a garota.

A mágoa em seu rosto era visível. Seus olhos, injetados, denunciavam que ela não havia dormido e as olheiras destacavam-se sob as pálpebras cansadas.

- Gina não fala mais comigo e Rony - parou como se houvesse sentido uma dor repentina – Harry, eu preciso saber o que aconteceu, eu preciso saber por que você fez aquilo...

Harry ficou alarmado. Encostou a cabeça no travesseiro, fechou os olhos e inspirou o ar da manhã.

- Mione, nem eu sem o que aconteceu direito. Relembro a noite anterior e não me reconheço.

- Eu também não te reconheço. Você não agiu como um amigo, não agiu nem mesmo como alguém que gosta de outra pessoa, como alguém capaz de amar. Harry, você foi – e as palavras lhe faltaram por um momento – você foi um completo cafajeste ! Ah Harry... – Hermione soltou um suspiro cansado – já me perguntei tantas vezes, mas não consigo entender. Por que você me beijou? – E a menção daquele beijo fez Hermione sentir um calafrio, envergonhada.

- Não sei!. – respondeu o garoto.

- Você gosta de mim? Não estou falando como amiga! – tornou Hermione, a voz trêmula e urgente.

Ele abaixou a cabeça, ainda de olhos fechados e respondeu:

- Não.
- Eu sabia – disse a garota – E isso só piora tudo.

- Dá um tempo Mione! – pediu o garoto com desespero – a gente dá um jeito, senta, conversa, tenta explicar tudo. – Eu vou conversar com a Gina, com o Rony!

- Rony ia ser expulso de Hogwarts Harry! Será que você não entende o que você fez?!! – Hermione gritou, despejando cada palavra com fúria.


- Expulso? Mas por quê?

- Por ter agredido você, Harry, aparentemente de forma gratuita.

- Mas...

- Não, ele não tentou se defender, explicar. Ele não fala nada com ninguém. Eu o procurei. Ele apenas me olhou e disse: “Sinto muito por você!”. Mas ele não vai ser expulso, sabe por quê? – Harry sentiu a mágoa nas palavras de Hermione. Nunca vira a amiga daquele jeito.

- Por que ele disse que não quer mais continuar em Hogwarts – completou tristemente – Rony abandonou a escola Harry. O Sr. Weasley está com a Professora MacGonagall, tentando achar uma saída. – E olhou diretamente para Harry, perguntando em tom de desânimo – Mas não há uma saída, há?

Aquelas palavras machucaram Harry mais do que qualquer ferimento que tivera. Vivera tanto tempo com medo de que os amigos se ferissem por sua causa que nunca parou para refletir que ele próprio poderia ser o causador de feridas incuráveis.

Hermione levantou-se foi embora. Da porta da enfermaria, contudo, virou-se mais uma vez para Harry e lançou:

- Você sabia que pela primeira vez na História de Hogwarts um aluno pediu para mudar de Casa? Dumbledore está reunido com os Diretores das outras Casas para deliberar a respeito. Mas acham que vão consultar o Chapéu Seletor sobre o que fazer - a garota dava a notícia entrecortadamente, parecendo sentir prazer em torturá-lo.

- Quem foi? – Harry perguntou, não se contendo. Temia que Gina ou Hermione também não suportassem nem mesmo sua presença física.

- Neville – disse a garota, antes de fechar a porta com estrépito.

Harry sentiu a dor em sua cabeça piorar e ele se deu conta que havia perdido tudo. Havia perdido seus pais, Sirius Black também se fora e agora perdera seus amigos, seus melhores amigos, seu únicos amigos. Sua única família.

Lembrou-se dos verões na Toca, na companhia de Rony, de Hermione e de Gina. Lembrou-se do Senhor da Sra. Weasley, que o tratavam como a um filho. Seu estômago embrulhou e apesar da dor no rosto Harry levantou-se da cama e saiu da enfermaria velozmente. Precisava dar um jeito naquilo tudo!

Passava voado pelos corredores normalmente vazios para um dia de domingo. Sabia que se conseguisse falar com Rony as coisas se ajeitariam. Rumou então para o escritório da Professora MacGonagall, onde Rony e seu pai deviam estar.

A meio passo da sala viu a porta se abrir e Rony sair de lá de dentro. O ruivo o viu imediatamente e seus olhos revelavam a tristeza que sentia. Sem encará-lo mais do que um segundo virou-se rapidamente para o lado oposto do corredor e saiu.


-Rony! – chamou Harry inutilmente.

Quando fez menção de alcançá-lo um Sr. Weasley tenso e pálido se interpôs entre os garotos.

- Harry – disse ele – acho que agora não é uma boa hora.

- Sr. Weasley, por favor, eu preciso conversar com ele! – suplicou Harry.

- Olhe, Harry, a situação está bem complicada. Rony não quer falar com ninguém e disse especialmente que não quer falar com você. Harry, compreenda, não sei bem o que aconteceu aqui ontem à noite. Mas é claro que Rony está muito perturbado a ponto de não se incomodar em abandonar a escola. Ele não quer ficar e acho mesmo que um tempo deve ser dado até que as coisas se acalmem.

Era visível o constrangimento do homem. Não conseguia entender como uma amizade tão sólida parecia ter sido abalada tão seriamente em apenas uma noite. Contudo, antes que pudesse falar qualquer outra coisa, a voz cortante de uma menina ruiva o antecedeu.

- É, Harry, você faz suas idiotices e meu irmão é quem paga não é mesmo? – A voz de Gina mostrava toda sua irritação.

- Gina, nós não sabemos direito o que... – O Sr. Weasley tentou interceder, mas a garota não o deixou completar a frase.

- Ah, sabemos sim pai. Sabemos que o nosso amigo aqui não foi muito amigo ontem à noite não é mesmo Harry?

Harry sentia as orelhas queimando sob o olhar de Arthur Weasley. A ruiva continuou em seu tom sarcástico.

- Ontem você se revelou Harry. Aliás, não só você... Hermione também está bem cotada para receber o troféu de traíra do ano.

- Gina, calma.– pediu Harry – Hermione não tem culpa de nada.

- Imagino que não tenha Harry. Imagino que você a tenha beijado à força, da mesma maneira que beijou Luna ou talvez da mesma maneira que a Vane deve ter te obrigado a beijá-la – A raiva da garota subia num crescendo perigoso e ela falava cada vez mais alto no corredor.

- Gina, vamos conversar com calma – o garoto suplicou para a ruiva.

- Conversar? Não temos mais nada para conversar. E se você não tivesse feito tanto por minha família Harry eu nem sequer estaria falando com você agora.

A última frase saiu gritada. As lágrimas escorreram pela face de Gina e ela, passando pelo pai, desapareceu pelo mesmo corredor no qual Rony a precedera. O Sr. Weasley parecia tão constrangido quanto Harry. Achou melhor não dizer nada. De cabeça baixa deu um triste aceno para o garoto e foi embora, deixando-o sozinho com seus pensamentos.

Para Harry, era como se tivessem lhe dado um tapa no rosto. Seu estômago revirava-se sem tréguas. Seu rosto inundou-se de suor e ele sentiu uma tontura repentina. Saiu dali em disparada. A gargalhada de Draco ecoava em sua mente enquanto passava pelos corredores sem nem mesmo olhá-los. Não sabia quantas escadas havia subido ou por onde havia passado quando de repente a gargalhada de Draco que ribombava em sua cabeça transformou-se em uma voz de trovão que gritava “Saúde!” em sua mente.

- “Saúde”, e Harry lembrou-se da cerveja amanteigada oferecida pelo Sonserino.

- “SAÚDE!” E a lembrança da repentina vertigem que sentira ao tomar a bebida voltou à sua memória.

- “SAÚUUUUUUUDE” – gritou a voz de trovão em sua cabeça – E Harry soube então o que tinha acontecido.

- Filho da P...- entoou o garoto – você vai me pagar!

Os olhos de Harry agora pareciam duas bolas de fogo e ele sentiu a vontade de matar Draco crescer em seu peito. Ele havia lhe tirado tudo, a melhor parte de sua vida e ele devolveria na mesma moeda.

- “Eu preciso resolver isso”- pensava o garoto – “Eu preciso dar um jeito em tudo” – entoava em sua cabeça como um mantra repetitivo.

De repente Harry olhou à sua volta e mirou a tapeçaria onde Barnabás, o Amalucado, parara de ensinar balé aos tragos e o olhava curioso. O garoto soube então onde estava. Chamou sua atenção o fato de que atrás da tapeçaria não mais havia somente a parede nua, pois uma porta havia aparecido.

-“A sala precisa” – pensou Harry. Ergueu-se imediatamente, enveredando pela passagem.

Lá dentro havia apenas uma sala em total escuridão, exceto por uma pequena mesa de madeira iluminada por um único feixe de luz que parecia vir magicamente do teto longínquo. Em cima dela refulgia um objeto mágico. Um objeto que Harry utilizara apenas uma vez e que imaginara terem sido todos destruídos.

Em cima da mesa brilhava palidamente um Vira-Tempo.

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